Gaia Instituto Biocêntrico Psicoterapia Biocêntrica - Aplicação do paradigma da Biodanza Sistema Rolando Toro, à Psicoterapia. Autor: Laury Marenco de Oliveira Psicólogo Colaboração: Montserrat A. V. Martins Psiquiatra Susana Pasinatto Mestra em Educação
2 Sumário SINOPSE 02 2 UMA NOVA PRÁTICA CLÍNICO 02 3 UM NOVO PARÁDIGMA 04 4 - O PRINCÍPIO BIOCÊNTRICO 06 5 - ATITUDES DO PSICOTERAPEUTA BIOCÊNTRICO 06 Conclusão 07 Psicoterapia Biocêntrica - Aplicação do paradigma da Biodanza Sistema Rolando Toro, à Psicoterapia. SINOPSE O modelo teórico proposto por Rolando Toro parte dos princípios de expansão e retração da vida; os mesmo elementos químicos que faziam parte dos seres humanos primitivos estão presentes nas pessoas de hoje. Todo movimento que ocorre é uma expressão de vida: uma pessoa está no seu fluxo quando em harmonia com os processos vitais. O Inconsciente vital observado por Rolando Toro tem afinidades com a tendência Atualizante descrita por Rogers. A compreensão Biocêntrica da vida tem também, origens afins à Abordagem Centrada na Pessoa ACP de Rogers, pois a primeira prática da Biodanza ocorreu em um hospital psiquiátrico no Chile, cujos pacientes vinham sendo atendidos por uma equipe multidisciplinar que entre outros aportes teóricos trabalhava com ACP. Além dos aspectos comuns com a ACP, a compreensão de toro do inconsciente vital amplia o conceito de tendência atualizante ao incluir todos os fluxos de vida, dos biológicos e psico-sociais até os transcendentes. 2 UMA NOVA PRÁTICA CLÍNICO Rafael aos 20 anos foi trazido ao consultório trazido pelos pais, porque estava cheio de manias, quer dizer, sinais e sintomas obsessivos compulsivos em varias áreas de sua vida. Era socialmente isolado, só saía de casa para ir à escola, levado por alguém, pois ele tinha medo de sair sozinho à rua. Ficou evidente que ficar conversando com ele no consultório não o ajudaria muito naquele momento. Propus ao Rafael que conversássemos caminhando pelas ruas, ao invés de fechados na sala.
Ele ficou relutante no inicio, tendo levado cerca de um mês para criar vínculo comigo, comparecendo a uma consulta semanal. Durante este mês, além dele, foram ouvidos também seus pais, na presença dele. Os pais o levavam pelas manias dele, mas ele acreditava estar lá por que seus pais tinham problemas. Para formar o vínculo tive de me aliar a ele, acreditando na percepção que ele tinha da realidade, inclusive a imagem que fazia dos pais. Não se tratava de aceitar a versão dele como uma realidade absoluta mas sim de compreender a realidade vivenciada por ele, na posição em que se encontrava. Ele tinha medo que os pais morressem e suas manias eram rituais que ele criara para, numa espécie de superstição, evitar que ocorresse algo com eles. eu tenho de pisar na ponta do tapete assim, senão dá azar e o coisa ruim pode... acontecer algo com meus pais, pensava Rafael. Ele chegou a ter mais de cem manias, que ele próprio contou. Começamos a fazer as sessões na rua, caminhando e conversando. Ele era um jovem velho que seguia os mesmos hábitos dos seus pais. Íamos a cafés e outros lugares sofisticados, próprios de pessoas mais velhas, ele tinha um vestir muito formal de pessoas mais antigas. Fomos passeando progressivamente dos lugares mais próximos ao consultório, nas primeiras sessões, até os mais distantes, nas sessões seguintes. Ele escolheu lugares que achava interessante, lugares elegantes, tradicionais e culturais, por exemplo, os cafés tradicionais do centro, teatros, museus e exposições de arte. Rafael começou a criar expectativas para os dias das sessões e se preparava para elas, fazendo roteiros a partir do que ele procurava na internet, já marcando os encontros terapêuticos no próprio local escolhido. Os assuntos trazidos por ele às sessões independiam do local aonde íamos, mas também incorporávamos, a tais assuntos, as vivências que ele estava tendo naqueles momentos. Pelo fato de estar organizando os passeios, ele se sentia valorizado, com poder de decisão, com autonomia, gerando nele autoconfiança pelo fato dele poder pensar, planejar e executar o que desejava. Neste ínterim, ele começou a ter de enfrentar situações que antes evitava enfrentar, por suas fantasias de contaminação e de agressão física. Temia ficar doente ou sofrer violência na rua, por se expor ao contato com pessoas estranhas a sua família. Mesmo sendo passeios planejados por ele, ocorriam situações inesperadas para Rafael, que o colocavam em contato com os estranhos que ele sempre temia. Eu, como terapeuta, não me restringia ao mundo fechado em que ele vivia com seus medos, pois eu tomava a iniciativa de conversar com outras pessoas, nos ambiente aos quais íamos juntos. Ao final de cada sessão eu confrontava com ele as experiências vivenciadas em relação aos temores dele, mostrando que tais fantasias de contaminação ou agressão não haviam se concretizado, com o que ele então concordava. 3
4 Neste período, em que ele já começou a ir sozinho a terapia, ele também aproveitou sessões com arte terapia no consultório, com uma terapeuta, concomitantemente aos nossos passeios, tendo uma sessão semanal com cada um. Passei a incentivar a expressão dos sentimentos e desejos dele através da arte e da verbalização destes, criando um espaço (alternativo à família) onde ele pudesse expressar livremente a própria subjetividade. Ele mudou bastante, a partir dos encontros com a arte-terapeuta e pode construir um fortalecimento de sua própria Identidade à qual não poderia expressar na própria família, sem que fosse enquadrado nos conceitos desta. Esse fortalecimento subjetivo se traduziu em atos, passando ele a adquirir maior autonomia em sua vida pessoal. Em seis meses, reduziu suas mais de cem manias a apenas três, que foram mais duradouras. Quando se sentiu emocionalmente forte o suficiente, Rafael pediu que seus pais passassem a participar também da terapia, para que estes pudessem também lhe proporcionar espaço, em casa, no qual ele pudesse prosseguir a expressar livremente a sua subjetividade e afirmar a sua própria Identidade. Apesar de ter havido um planejamento prévio desta terapia, uma estratégia terapêutica, ao longo do processo esta foi sendo conduzida pelas próprias vivencias não só do cliente, como do próprio terapeuta, permitindo que tais vivências fluíssem naturalmente no sentido de restaurar a saúde emocional de Rafael. A cada encontro, estrategicamente, eu estabelecia também uma relação ritualística de passagem, que é amoral, não julgadora, de modo a criar uma situação facilmente reconhecida por ele, porém no sentido de libertá-lo de julgamentos morais. Isso permitiu que ele criasse seus próprios conceitos. Ritos de passagem, portanto, de uma situação de heteronomia (alguém externo a ele definindo valores) para uma de autonomia (ritos que lhe conferiam o poder de criar seus próprios conceitos). Desta forma, a Identidade dele encontrara um espaço Vivo para se expressar, através da relação terapêutica. A partir dos rituais que ele trouxe como sinais e sintomas, e através dos ritos de passagem usados na estratégia terapêutica, foram criados contextos e situações onde ele pode vivenciar experiências autênticas e se apropriar delas. Isso resultou no encontro de sua verdadeira identidade. Assim é que os sintomas deram lugar a sua vida, por fim, num gratificante êxito do processo terapêutico. 3 UM NOVO PARÁDIGMA Os mecanismos de ação utilizados nesta terapia, que serve de exemplo de uma Psicoterapia Biocêntrica, podem ser compreendidos através de um novo paradigma para Psicoterapia, a partir do Principio fundante do Sistema Rolando Toro. Carl Rogers, ao promover um seminário sobre epistemologia cientifica (ver Ottmem e as crenças do homem ) já alertou que qualquer projeto cientifico tem sua proposição, sua metodologia e sua conclusões realizadas por pessoas.
Verdades cientificas são aquelas aceitas, subjetivamente, por estas pessoas. Não existe uma ciência neutra, objetiva, externa às pessoas. Apenas as pessoas podem ajudar ou distorcer outras pessoas, mesmo que o digam que fazem em nome da ciência. Não existe uma entidade abstrata chamada ciência, capaz de fazer bem ou mal para os outros, apenas as pessoas podem fazê-lo. E só é considerado conhecimento cientifico aquele que é aceito, subjetivamente, pelas pessoas que assim se consideram. Paradigmas científicos, portanto, são critérios que definem o que é válido, ou não, na metodologia cientifica adotada por cada pesquisador. Não existem paradigmas universalmente aceitos, nas ciências humanas, eis que há vários conceitos científicos diferentes sobre o que é, afinal, humano. O Principio Biocêntrico é fundamentado em vários conceitos epistemológicos, paradigma formulado a partir das reflexões metodológicas de H. Maturana, E. Morin, R. Toro, F.Capra, C Rogers, da teoria sistêmica da Gestalt e da Fenomenologia-Existencial. Os critérios epistemológicos comuns a estes autores incluem o olhar da complexidade sobre a vida, de modo a não reduzir o fenômeno humano a interpretações mecanicistas. Nas palavras de K. Jaspers, ao descrever o método fenomenológico, não conhecemos nenhum conceito que conceba o ser humano exaustivamente, nenhuma teoria em que possamos enquadrá-los completamente. (Jaspers, Karl. Psicopatologia geral. 1913) Nas ciências humanas, mesmo em pesquisa cientificas para não reduzir o observado à condição de objeto, mas sim concebêlo como sujeito, a função do observador é colocar-se numa relação intersubjetiva cujo principal instrumento de acesso ao outro é a capacidade de empatia. Ou seja, da busca da compreensão das vivenciais a partir da subjetividade do outro, reconhecendo que parte de um mesmo processo. Neste sentido, este novo paradigma subverte a ciência tradicional, cujo método tem como ponto de partida a redução do observado à condição de objeto, com o pressuposto da neutralidade cientifica. As condições de observador e observado fundamentais para o conceito tradicional das ciências, humanas, perdem assim o sentido, numa perspectiva biocêntrica, na qual a verdade não está dentro de um sujeito autodenominado de observador cientifico. O conhecimento e a compreensão dos próprios fenômenos vitais a serem percebidos por este, numa relação intersubjetiva, inter-pessoal. Reconhecendo-se a complexidade da vida, um fenômeno não se repete de fato, pois os contextos e situações vitais estão em fluxo de constate transformação. O exemplo clínico citado no inicio, então, não é reproduzível com outras pessoas ou em outras situações. Cada relação deve ser criada a partir de um encontro intersubjetivo de características únicas, originais, próprias daquele processo inter-pessoal específico. Não há possibilidade de ser terapeuta Biocêntrico, portanto, aprendendo formulas a serem aplicadas aos clientes, pois o único modo de propiciar vivências significativas é estar aberto ao fluxo da vida e suas constantes transformações. 5
6 4 - O PRINCIPIO BIOCÊNTRICO Rolando Toro usa a expressão Ecologia Humana, percebendo cada sujeito em suas relações com a vida, em seu sentido mais amplo, que incluem aspectos biológicos, psicossociais e transcendentes. Para Toro, todos seres humanos tem possibilidade de desenvolver suas potencialidades,desde que lhe sejam proporcionadas condições para tanto. Os fundamentos do principio biocêntrico reconhecem, em cada pessoa, uma filiação biológica, o potencial de duplicação da vida, o de auto-organização, a constância reprodutiva, a teleonomia (ligada a transcendência), a evolução seletiva, a diferenciação, a memória e a auto-regulação. Para uma Psicoterapia Biocêntrica, é pré-condição que o terapeuta (mais apropriadamente denominado de Facilitador) esteja aberto e vivencie o universo como um sistema vivo, não como um mero conceito intelectual. Ele precisa se sentir parte de um processo vital amplo e coerente com este, vivenciar assim as relações inter-pessoais. Ao conhecer uma pessoa que procura para a terapia, está aberto para a con- vivência onde há espaço para que ambos influenciem, reciprocamente, as vivências de um e de outro. O psicoterapeuta biocêntrico não se centra em formulas, em teorias ou estratégias terapêuticas, mesmo que possa usá-las eventualmente. Sua função essencial, como facilitador do processo vital do cliente, é centrar-se na própria vida e em todas as suas manifestações durante o processo terapêutico. Não se trata de uma linha teórica vanguardista, mas da percepção dos processos vitais presentes em qualquer época, reconhecendo-os para poder sintonizar com eles. Não é uma invenção, é uma descoberta das conexões para um caminho natural. Essa compreensão permite o protagonismo do cliente, em contraste com o estrelismo do terapeuta tradicional que se coloca na condição de dono de um saber externo ao cliente. O terapeuta biocêntrico, sem se apropriar de verdades sobre a subjetividade do cliente, permite que este exerça sua autonomia. Esta se desenvolve tanto nas atitudes objetivas, como na auto-conceituação definidora da auto-imagem e da Identidade próprias. 5 - Atitudes do Psicoterapeuta Biocêntrico Na prática terapêutica, há uma afinidade com conceitos da ACP aceitação incondicional, empatia, congruência acrescidos de atitudes propiciadoras de novas vivências, que permitam ao cliente experienciar-se de novos modos. Esse insight é decorrente do Sistema Rolando Toro de Biodanza, aplicado à prática pscioterapêutica, como vimos no exemplo clínico descrito no início do presente texto.
7 A Psicoterapia Biocêntrica, assim pode ser vista como uma terapia expressiva na medida em que incentiva a expressão prática em diversos ambientes de novas vivências que o cliente é estimulado a se permitir. O facilitador, a partir de seu vinculo empático com o cliente, tem a liberdade de propor vivências que este se sinta motivado para experienciar-se. Neste processo, facilitador e cliente são com-viventes, onde Vida que Gera Mais Vida, desenvolvendo e ampliando as potencialidades pessoais. Conclusão: A Psicoterapia Biocêntrica põe em prática o conceito de que cada ser é único e cada setting terapêutico também é irrepetível, por ser um processo vital construído em con-vivência entre facilitador e cliente. Se há uma regra rígida, esta é a de que não haja rigidez, enquadramentos, rótulos ou fórmulas pré-concebidas, respeitando a especialidade da vida e da situação de cada pessoa que procura o psicoterapeuta biocêntrica. Não há m método de terapia bem sucedida com uma pessoa que possa ser aplicado da mesma forma a outra. Cada processo terapêutico é único e decorre de uma criação conjunta, da relação inter-pessoal entre o cliente e o facilitador. Embora não hierarquizada, pela relação se distingue da mera amizade, porque guiados pelo Princípio Biocêntrico que leva ambos facilitador e cliente à busca da vida que o cliente anseia por viver. Se tudo isso pudesse ser expresso numa única frase, esta seria Vida que Gera Mais Vida, o que representa a essência do Princípio Biocêntrico.