OBSERVATÓRIO DO USO DO SOLO E DA GESTÃO FUNDIÁRIA DO CENTRO DE SÃO PAULO: Avaliação dos instrumentos instituídos ou implementados nos últimos 15 anos na área central de São Paulo Resumo Executivo Parte 1 Desde o início dos anos 90 face à situação de desvalorização imobiliária, saída de atividades econômicas e degradação ambiental - foram implementados vários instrumentos urbanísticos e tributários visando atrair investimentos privados para o centro do São Paulo. No início dos anos 2000, a administração municipal considerou prioritário garantir e fomentar a produção de habitação social, criando zonas de interesse social (ZEIS-3) no centro. O Plano Diretor Estratégico de 2002 e os Planos Estratégicos Regionais (para as subprefeituras da área central) regulamentam e delimitam áreas de aplicação de vários instrumentos previstos no Estatuto da Cidade (2001), grande parte dos quais são aplicáveis nas ZEIS-3. Paralelamente, foram realizados investimentos públicos, especialmente na recuperação de edifícios de interesse histórico e na requalificação do espaço público em alguns setores do centro. Além disso, desde 2001, foi especialmente fomentado o retorno de outros órgãos do governo (estaduais e municipais) para a região. Em 2004, a prefeitura conseguiu aprovar um financiamento do BID ligado a obras no espaço público, recuperação de edifícios, infra-estrutura, melhoria do sistema de drenagem, programas sociais e produção de habitação social no centro. Diante deste quadro, a proposta desta pesquisa foi fazer um levantamento exaustivo e avaliar os resultados da implementação dos instrumentos. A partir dos resultados observados, serão propostas alterações nos mesmos, tendo em vista melhorar seu desempenho para um projeto de reabilitação do centro coerente com os objetivos do Estatuto da Cidade. Este primeiro relatório contém a listagem completa, a base legal, as normas operacionais e os resultados diretos da aplicação dos instrumentos, ou seja, empreendimentos ou projetos resultantes de sua aplicação. Considerando o perímetro que abrange os 13 distritos mais centrais (Sé, República, Bela Vista, Santa Cecília, Consolação, Brás, Parí, Cambuci, Bom Retiro, Barra Funda, Mooca, Belém, Liberdade), vários instrumentos urbanísticos 1 que foram elaborados especificamente para aplicação neste perímetro, com objetivos direcionados à requalificação desta região da cidade. Tabela 1 - Instrumentos elaborados para a área central de São Paulo Objetivo Atrair investimentos privados e financiar obras no espaço público e de infra-estrutura. Reabilitar imóveis tombados (privados e públicos) Estimular produção privada e associativa de HIS, reduzir preços de terrenos para HIS Atrair atividades econômicas específicas e requalificar setores territoriais Nome do instrumento/ base legal Operação Urbana Anhangabaú - L.M. 11.090/91 (1991-1993) 2 Operação Urbana Água Branca - L.M 11.774/95 Operação Urbana Centro (flexibilização do zoneamento e outras vantagens) - L.M 12.349/97 Operação Urbana Centro (mecanismo de transferência de potencial construtivo) 3 (1997 - vigente) Lei de Fachada. L.M 12.350, de 06 de junho de 1997 Zonas Especiais de Interesse Social, ZEIS-3 - L.M 13.340/02 PDE do Município de São Paulo. Lei de Dação em Pagamento - L.M.13259/02 e D.M. 42.095/02 Lei Isenção ISS - L.M. 13.476/02 Lei de Remissão de Divida - LM 13.736/04 Lei de Incentivos Seletivos - L.M. 13.496 /03. Lei de Incentivos Seletivos Nova Luz - L.M.14.096/05 1 As Operações Interligadas (1989-1998), precursoras das Operações Urbanas e criadas com o objetivo de gerar investimentos privados para produção habitacional e desfavelamento, embora não fossem voltadas unicamente para a área central, tiveram alguns projetos aprovados na área. 2 Extinta em 1993; substituída pela Operação Urbana Centro 3 Mecanismo considerado ilegal e proibido entre 2000 e 2005
Dentre esses, 2 já foram extintos, sendo que um deles foi substituído (OUA pela OUC); 4 não chegaram a serem regulamentados; 7 ainda não foram aplicados. Além dos instrumentos anteriormente citados, o Plano Diretor Estratégico, aprovado em 2002, e os Planos Regionais Estratégicos PREs (Sé, Mooca e Lapa), aprovados em 2004, introduziram vários instrumentos previstos no Estatuto da Cidade que podem ser aplicados na área central. Tabela 2 - Instrumentos previstos no PDE 2002 passíveis de aplicação no Centro Definição/ Objetivo Induzir o uso e função social da propriedade urbana em imóveis definidos como não edificados, subutilizados e não utilizados. Transferência do imóvel privado para o Poder Público Municipal, de forma a cumprir as exigências de aproveitamento. Após a realização das obras, o antigo proprietário recebe como pagamento unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas. Introduz a separação entre o direito de construir e o direito de propriedade, permitindo que o proprietário conceda a outrem o Direito de Superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública. Atribuição do titulo de posse (coletiva ou individual) de imóvel às famílias ocupantes. Faculta direito de preferência ao poder publico para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares. Permite a concessão, pelo poder público, de potencial construtivo adicional (superior ao básico) e alteração de uso e parâmetros urbanísticos, mediante pagamento de contrapartida financeira. Transferência de potencial construtivo de imóveis com alguma restrição para outros isentos de limitações Estimular a realização de intervenções e empreendimentos urbanos em áreas objeto de transformações urbanísticas estruturais, de melhorias sociais e de valorização ambiental. Instrumentos Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios, IPTU Progressivo no Tempo, desapropriação com títulos da dívida pública. Consorcio Imobiliário Direito de Superfície Usucapião Especial de Imóvel urbano. Direito de Preempção Outorga Onerosa do Direito de Construir e de Alteração de Uso. Transferência do Direito de Construir. Operação Urbana Consociada Locais de aplicação (segundo o Plano Diretor Estratégico municipal de São Paulo 2002 e os PDR Sé e Mooca) ZEIS 3, ZEIS 2, AIU, PEIU, perímetros dos 13 distritos da área central e definições específicas dos PREs Sé e Mooca Imóveis sujeitos à obrigação legal de parcelamento edificação ou utilização compulsória; imóveis em AIU ou indicados nos PREs Sé e Mooca Todo o território do município, prioritariamente na Macroárea de Urbanização em Consolidação. Todo o território do município, prioritariamente na Macroárea de Urbanização em Consolidação. Imóveis e áreas específicas indicadas nos PREs Sé e Mooca. Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana, AIU, Operações Urbanas Consorciadas, Zonas onde o CA máximo é maior que o básico. -Pode se exercer em imóveis localizados em ZEPEC, ZEPAM ZEIS cujos proprietários doarem ao município para HIS. -Podem receber transferências imóveis localizados em: áreas onde CA básico pode ser ultrapassado, APE, nas faixas de até 300 metros ao longo dos eixos de transporte público de massa; -na área com raio de até 600 m., com centro nas estações de transporte metroviário/ferroviário, excluídas as áreas de O.U.Consorciadas. Pré-existentes: OUAB e OUC Novas: Diagonal Norte, Diagonal Sul e Celso Garcia.
Em relação aos instrumentos que foram regulamentados e aplicados, pode-se afirmar que: a) Até 2005, os resultados diretos foram pequenos face aos objetivos e expectativas, se consideramos todos os tipos de instrumentos: atração de investimentos imobiliários, incentivo à preservação de bens tombados, facilidades para produção de HIS ; b) Os tempos de análise técnica e aprovação de cada solicitação nas comissões executivas foram muito grandes, indicando ausência de uma estrutura ágil e informações articuladas para os aspectos de avaliação de contrapartidas e de estudo das limitações urbanísticas; c) Há sobreposição de perímetros de aplicação de instrumentos, exigindo interpretações específicas sobre a articulação entre as regras, o que incide no tempo de análise e, provavelmente, nas decisões dos empreendedores (ZEIS x Operação Urbana Centro; OUCentro x tombamento, por exemplo) d) Algumas experiências de aplicação foram iniciadas e não concluídas por mudança política (ZEIS-3). e) A contestação legal do mecanismo de transferência do potencial construtivo da OUCentro interrompeu várias solicitações e pode ter inibido o interesse dos empreendedores por outros mecanismos previstos na operação; a aprovação, pelo Plano Diretor de 2002, da outorga onerosa, pode ter tornado o mecanismo da OUCentro menos interessante. Uma análise mais afinada sobre as alterações reais no uso do solo, a dinâmica imobiliária e a evolução dos preços do solo no centro (relativamente à cidade) permitirá entender se os instrumentos propostos foram adequados, oportunos, necessários e viáveis, nos contextos do mercado imobiliário, das características fundiárias e urbanísticas, e das políticas públicas que os engendraram. a falta de resposta de construtores e incorporadores, não obstante as enormes vantagens oferecidas pela OUCentro para flexibilização da LUOS, poderia estar ligada à insegurança dos investidores face às regras do instrumento; mas também à uma atratividade comparativamente maior de outras localizações, seja para o uso comercial ou para o uso residencial. a falta de interesse de proprietários de imóveis menos valiosos pelos benefícios da Lei de Fachadas (não pagamento de IPTU por 10 anos) deve ter como causa a impossibilidade de investir na reabilitação; a não utilização, pelo governo municipal anterior (explicitamente interessado e realizando HIS no centro) das leis de remissão e dação, assim como a não concretização de empreendimentos ou aquisição de terrenos para HIS nas ZEIS-3, poderia ser explicada por dificuldades operacionais, desinteresse das construtoras e dificuldades de articulação com as instituições financeiras; entretanto, a administração atual, mesmo não tendo manifestado um interesse pela habitação social no centro, precisará considerar as regras das ZEIS-3 no projeto da Cracolândia. Embora os resultados da aplicação desses instrumentos não tenham sido expressivos, ainda precisa ser avaliado o seu impacto no preço dos imóveis beneficiados ou na área de influência dos mesmos. No entanto, várias das transformações de uso e valor na área central estão ligadas à política voluntarista dos governos estadual e municipal de reativar equipamentos culturais ou concentrar as instituições governamentais (instalação de quase todas as secretarias municipais e de importantes instituições estaduais, desde 2001). E ainda, certas mudanças podem estar associadas a outros fatores, que independem dos instrumentos específicos e mesmo do discurso da reabilitação: embora a saída do setor financeiro continue, algumas atividades tradicionais do centro (comércio especializado, confecções, etc) parecem continuar crescendo e demandando novos espaços. Por outro lado, instrumentos que tiveram pequenos resultados em um determinado contexto de investimentos e expectativas, podem ter efeitos diferentes positivos e negativos para a cidade - em outros contextos. Daí a necessidade de que os diferentes tipos de impactos (sobre as finanças municipais, sobre o espaço público, sobre o patrimônio, sobre o tecido social, sobre as atividades e a oferta de emprego) sejam cuidadosamente estudados antes da definição ou redefinição de qualquer instrumento. LABHAB Dezembro/2005
Tabela 3 - Resumo dos instrumentos vigentes e já aplicados Curso de Capacitação Programas de reabilitação de áreas urbanas centrais Instrumento Objetivos e dispositivos principais Procedimentos operacionais Resultados Solicitações/ Interesse Lei de Fachadas (p.8, Relatório1) Operação Urbana Centro (p. 62, Relatório 1) Operação Água Branca (p. 51, Relatório 1) ZEIS-3 (p. 100, Relatório 1) Usucapião Especial de Imóvel Urbano (p. 137 Relatório 1) Estimular recuperação de imóveis tombados através de concessão de incentivo fiscal (IPTU) Atrair investimentos privados, financiar obras no espaço público e incentivar a recuperação de patrimônio, mediante os mecanismos de transferências do potencial construtivo e concessão de coeficiente de aproveitamento adicional e outras derrogações pontuais na LUOS. Atrair investimentos e arrecadar capital privado para realizar um conjunto de obras de infra-estrutura e de melhoria do espaço público Incentivar promotores privados de HIS, reduzir custo de terrenos p/ projetos públicos e garantir a permanência da população de baixa renda. Nos lotes com mais de 500 m², a reforma ou nova construção deve destinar, no mínimo, 40% da área construída para HIS e 40% para HMP. O conjunto (usos obrigatórios e outros) fica isento do pagamento da outorga onerosa para construir a cima ao CA básico 1 até o CA máximo 4. Atribuir titulo de posse (coletiva ou individual) de imóvel a famílias de baixa renda ocupantes SEHAB recebe os pedidos e tramita junto aos outros órgãos (DPH, SEMPLA etc.) Comissão Executiva do Ação Centro aprova os pedidos. SEHAB concede a isenção conforme previsão orçamentária. SEHAB ou Subprefeitura - recebe as propostas. Comissão Executiva da OUCentro verifica a adequação das propostas e encaminha para CNLU. SEMPLA + CNLU -aprova as propostas SEMPLA expede certidão dos benefícios concedidos. SEHAB - recebe as propostas. Grupo de trabalho intersecretarial verifica a adequação das propostas e encaminha para CNLU. SEMPLA + CNLU -aprova as propostas. SEMPLA expede certidão dos benefícios concedidos. SEHAB aprova o projeto do empreendimento completo (HIS + outros usos); A necessidade de financiamento para HIS exige que o órgão promotor/financiador avalie o projeto e o risco geral do empreendimento. A partir de ação judicial iniciada pelas famílias, o usucapião deverá ser declarado pelo juiz, mediante sentença, que serve de titulo para registro no cartório. Apesar de existirem cerca de 400 imóveis tombados no centro, houve apenas 60 solicitações (15% dos proprietários): 14 aprovadas (6 de instituições financeiras, 1 residencial e os demais comerciais); 3 aprovadas e não concedidas (por falta de previsão orçamentária); 19 indeferidas ou desistências e 10 em analise; Valor total de benefícios tributários (IPTU) concedidos de 1999 até 2005 é de R$ 7.258.672,26 Até outubro 2005 foram formados 101 processos. 77% dos pedidos se concentram entre 1998 e 2001. 17 aprovadas (9 referentes a transferências de potencial construtivo, 1 à construção de centro comercial, 5 à reforma e 2 à regularização). 1 empreendimento realizado em terreno de 94 mil m². Contrapartida de R$ 18.500.000,00, investida prioritariamente em obras viárias. Dois casos negociados por iniciativa da PMSP - PRIH, (2002/04), mas não concretizados: Empreendimento 25 de janeiro com previsão de 370 unidades HIS e 250 unidades HMP, chegou a ser pré-aprovado o projeto pela SEHAB e definido acordo entre proprietário do terreno, a construtora e a Caixa. Empreendimento Orion proposta preliminar com previsão de 196 unidades de HIS e 13.000 m² de HMP e comércio; processo de negociações entre a Caixa, a BANCOOP e o proprietário da área não chegou a ser concluído. Existe 1 ação em andamento, acompanhada pelo Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, envolvendo um prédio ocupado por 42 famílias desde 1999 na rua Sólon 934 (distrito do Bom Retiro).
FICHA TECNICA Coordenação Equipe responsável Equipe responsável pela análise econômica Dra. Helena Menna Barreto Silva Beatriz Kara José (doutoranda FAUUSP) Letizia Vitale (mestre Politécnico de Torino - Itália) Daniela Motisuke (mestranda FAUUSP) Tatiana Morita Nobre (arquiteta) Letícia Moreira Sigolo (estagiária) Prof. Dra. Silvia Schor (consultora - FEA USP) Mario Gomes Schapiro ( FGV) Gabriela Zuffo (estagiária)