Gestão Integrada de Resíduos Sólidos e Economia Solidária: oportunidades e limites



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Transcrição:

Gestão Integrada de Resíduos Sólidos e Economia Solidária: oportunidades e limites Resumo O objetivo desta pesquisa foi identificar as particularidades da economia solidária incidentes na Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de São João Del Rei - ASCAS, observando as características sócio-econômicas dos associados numa comparação entre os anos de 2006, 2007 e 2008. O estudo de caso levou em consideração a problemática da má destinação dos Resíduos Sólidos no município, para tanto, procurou aprofundar o referencial teórico no estudo do processo de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos e no estudo das premissas da Economia Solidária de forma a identificar as oportunidades e limites para este problema. Diante das informações foi possível estabelecer uma relação de ganhos entre a atividade de reciclagem e a prática da economia solidária através do estabelecimento do associativismo. Os resultados demonstraram que, apesar das limitações da ASCAS, houve um incremento das sobras nos anos analisados, sendo possível generalizar os resultados para os associados. Esse fato cria oportunidades de empregos e amenização parcial do problema de destinação inadequada de materiais recicláveis Palavras-chave: Economia Solidária; Reciclagem; Terceiro Setor; Responsabilidade Sócio- Ambiental 1. Introdução Atualmente, um dos grandes desafios da humanidade é a questão da correta destinação dada aos resíduos sólidos. Tais resíduos podem ser definidos como sendo aqueles materiais que sobram no processo de produção ou de consumo, podendo ser reaproveitados ou reciclados. Caso eles não recebam tratamento correto, assim como ocorre com os rejeitos, eles se tornam lixo. Com o crescimento populacional, adicionado ao desenvolvimento tecnológico, tem contribuído para o aumento da geração dos resíduos sólidos, assumindo proporções agravantes, frente à falta de área para deposição dos rejeitos e seu alto potencial de contaminação do meio ambiente. Faz-se, portanto, necessária a adoção de um plano de gerenciamento de resíduos - processo que compreende várias etapas, entre elas: a segregação, a coleta, a manipulação, o acondicionamento, o transporte, o armazenamento, o transbordo e a reciclagem, dentre outras. Trata-se de um problema de alta complexidade ambiental, social e econômica, o que faz surgir à necessidade de um novo posicionamento por parte do Poder Público nas esferas federal, estadual e municipal -, bem como da sociedade civil e da iniciativa privada. Contudo, é possível otimizar o processo de gestão integrada de resíduos sólidos através da prática associativista que está inserida nas premissas da economia solidária. Durante a década de 1990, a Economia Solidária no Brasil nasce como movimento pela inclusão no mercado de trabalho, diretamente ligada ao contexto de crise econômica e exclusão social e suas conseqüências, como o desemprego, a marginalidade, a precarização e a informalidade. O movimento passou a crescer de tal maneira que em 2003 foi institucionalizado pelo governo federal. A Economia Solidária, ao tratar de iniciativas de organizações coletivas e solidárias para superar dificuldades estruturais locais, carrega em si dois termos que são noções historicamente dissociadas (iniciativa econômica e solidariedade) que acabam se incorporando, colocando a solidariedade na elaboração de atividades econômicas coletivas locais (FRANÇA FILHO, 2002). 1

Segundo relações de solidariedade, reciprocidade e igualdade. As três formas principais dessa Economia são as cooperativas, as mutualidades e as associações. A Associação de Catadores de Materiais Recicláveis ASCAS, no município de São João Del Rei, Minas Gerais é um exemplo de atividade coletiva local, a qual ganha expressão social, econômica e ambiental dentre os empreendimentos solidários. Por meio da venda de materiais recicláveis, os associados da ASCAS, demonstram resultados econômicos significativos como renda e valores solidários. Já no campo social, a ASCAS ganha importância, na medida em que proporciona o retorno ao mercado de trabalho para seus associados. Por fim, no aspecto ambiental, reduz tanto o lixo dos centros urbanos quanto a utilização dos recursos naturais, contribuindo para o desenvolvimento sustentável. O presente artigo tem como objetivo verificar a otimização das atividades da ASCAS, a partir da utilização das premissas da economia solidária. Para tanto são comparados resultados dos anos de 2006, 2007 e 2008. Como forma de perceber os ganhos e as perdas decorrentes da prática do associativismo. 2. Referencial teórico 2.1 Gestão Integrada de Resíduos Sólidos A discussão sobre o gerenciamento dos resíduos sólidos é atualmente um dos grandes problemas referentes ao meio ambiente. Segundo Tchobanoglous (1997), apud. Cunha; Caixeta Filho (2002, p.2), tais atividades podem ser agrupados em seis elementos funcionais, conforme demonstrado na figura 1. Figura 1 - O processo da coleta de resíduos sólidos e suas inter-relações. Fonte: Tchobanoglous (1997), citado por Cunha; Caixeta Filho (2002, p.2). Segundo Castro; Araújo (2004), a questão dos resíduos sólidos no mundo passou a ser estudada com a devida atenção, principalmente nos países desenvolvidos, emergindo a idéia 2

de desenvolvimento sustentável 1 e a busca por uma nova forma de gestão, menos centralizadora, com maior participação da população e envolvimento de diversos atores sociais. Sendo assim, a gestão dos resíduos sólidos incrementou a palavra integrada, propondo uma construção e uma visão muito mais ampla da problemática do que a simples coleta de seus resíduos. A gestão integrada inclui a compreensão da complexidade da questão sócio-ambiental. A natureza participativa torna-se essencial para que essa integração se realize entre os atores envolvidos na gestão. Para Zaneti; Sá (2002), a integração da gestão dos resíduos sólidos exige a criação de redes relacionais de sustentação entre os atores sociais envolvidos: geradores dos resíduos, catadores de materiais recicláveis, poder público, setor privado que valoriza os resíduos sólidos no mercado, os intermediários e outros. Na concepção de Dacach et al. (2003), a gestão integrada dos resíduos sólidos é a maneira de conceber, implementar e administrar sistemas de limpeza urbana, considerando uma ampla participação dos setores da sociedade, tendo como perspectiva o desenvolvimento sustentável. O sistema completo de gestão, conforme Zaneti; Sá (2002, p. 8), inclui: prevenção (mudança de hábitos de produção e consumo); responsabilização das empresas quanto ao destino das embalagens e do lixo gerado na extração dos recursos; redução, reutilização e reciclagem; valorização orgânica e energética dos resíduos; eliminação (aterros e incineração). Para tanto, a gestão integrada dos resíduos sólidos deve considerar a realidade local que envolve os aspectos ambientais, sociais, culturais, econômicos, políticos e institucionais, além de realizar uma articulação com os impactos da dimensão global, para que se obtenha uma visão real e globalizante da complexidade da questão. 2.2 Economia Solidária De acordo com Singer (2000a, p. 25), a economia solidária ressurgiu, de forma esparsa, na década de 1980 e tomou impulso na segunda metade dos anos 1990, resultando em movimentos sociais de reação à crise de desemprego em massa, em 1981, e se agravando com a abertura do mercado interno às importações, a partir de 1990. No Brasil, o ano de 2003, foi um marco para a Economia Solidária, pois com a institucionalização de sua secretaria nacional, ela se tornou uma política pública federal. Com isso, o movimento que busca e propõe iniciativas para superação das crises sociais e econômicas ganhou força e maior destaque nacional. O discurso da Economia Solidária brasileira pauta-se, então, pelo valor atribuído à democracia, igualdade e autogestão dentro dos empreendimentos, portando para si uma espécie de ressurreição de valores que fazem parte da cultura do movimento operário: solidariedade, autogestão, autonomia, mutualismo, economia moral e outros (NASCIMENTO, 2004). Essas iniciativas de organização coletiva de trabalho, portadoras do discurso e prática da Economia Solidária, podem ser entendidas como empreendimentos solidários (GAIGER, 1 Segundo o conceito incorporado pelo Relatório de Brundland elaborado em 1987 pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas, desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem suas próprias necessidades. 3

1996; 2003). Conforme Gaiger (1996; 2003), esse tipo de empreendimento apresenta as características ideais de: autogestão; democracia; participação; igualitarismo; cooperação; auto-sustentação; desenvolvimento humano e responsabilidade social. Conforme o Termo de Referência do Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária foram considerados como empreendimentos da economia solidária a organização que possua as seguintes características: a) organizações coletivas (associações, cooperativas, empresas auto-gestionárias, grupos de produção, clubes de trocas etc.), supra familiares, cujos sócios são trabalhadores urbanos e rurais. Os que trabalham no empreendimento devem ser, na sua quase totalidade, proprietários ou co-proprietários, exercendo a gestão coletiva das atividades e da alocação dos seus resultados; b) organizações permanentes (não são práticas eventuais). As atividades econômicas devem ser permanentes ou principais, ou seja, a razão de ser da organização; c) organizações que podem dispor ou não de registro legal, prevalecendo a existência real ou a vida regular da organização. 3. Metodologia Quanto aos procedimentos metodológicos aplicou-se o estudo de caso, da Associação de Catadores de Recicláveis no município de São João Del Rei Quanto aos instrumentos de coleta de dados, trata-se de documentação indireta e direta com pesquisa documental, bibliográfica e pesquisa de campo junto a Associação de Catadores de Recicláveis de São João Del Rei. O presente trabalho utilizou a estratégia qualitativa, tendo em vista que o objeto de pesquisa demanda que os dados coletados sejam interpretados de acordo com o entendimento das unidades de observação e, ainda, que o contexto da organização estudada também seja observado (BRYMAN, 1992). Flick (2002) completa afirmando que a investigação qualitativa é especialmente importante para o estudo das relações sociais. O caso estudado pode ser classificado como instrumental, que, de acordo com Gil (2002), é o estudo desenvolvido com o propósito de auxiliar no conhecimento ou redefinição de determinado problema. 4. Caracterização do Estudo No intuito de fomentar a catação de materiais recicláveis e a renda, surgiu o projeto Inclusão Social do Catador de Material Reciclável de São João del-rei e Sensibilização Ambiental, através de iniciativa de professores e alunos da Universidade Federal de São João del-rei(ufsj). Esse projeto apresentou-se com a principal finalidade de consolidar a Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de São João del-rei (ASCAS), objeto desse estudo, visando à emancipação social e econômica dos catadores de materiais recicláveis do município, de forma sustentável(kemp et. al, 2007). A ASCAS foi constituída em 27 de novembro de 2003. Em setembro de 2005, inaugurou um galpão, subsidiado pela Prefeitura Municipal, o qual tornou-se sua sede. O Projeto foi financiado por órgãos de fomento como CNPq e Unisol/ Banco Real que financiou a compra de equipamentos, bolsas para alunos e material de divulgação para a implantação de um piloto de coleta seletiva, no entorno da sede da associação. Além disso, o projeto 4

desenvolvido com a ASCAS contou com o apoio de agências financiadoras como a FAPEMIG e FINEP (KEMP et al, 2007). A ASCAS atualmente dispõem do apoio da UFSJ como órgão de fomento na busca de um processo de gestão autônomo. Os meios utilizados para a busca da autogestão são os cursos contínuos, que tem como objetivo o emponderamento dos catadores no comportamento administrativo, de forma a buscar o fortalecimento da cultura organizacional, a qualidade na associação como um processo integral e a otimização dos recursos disponíveis. O contexto deste trabalho de investigação envolveu todos os atuais associados da ASCAS. A maioria (84,62%) considera-se pardo/mulato, tem média de idade de 43,7 anos, com um nível de escolaridade até a 4 ª série do Ensino Básico. Tem-se, também, que 46,15% dos associados são casados, 84,62% tem filhos e que a catação é a única atividade de 69,23%. Em média, os associados exercem as atividades de coleta em 6 dias da semana, durante, 9,5 horas por dia. Observa-se ainda que, 46,15% recebem benefícios do governo. Os principais fatores que levaram os associados da ASCAS a estarem atuando como catadores de resíduos sólidos estão relacionados à busca do aumento da renda familiar e principalmente pela falta de oportunidades do mercado de trabalho e o alto índice de desemprego. Quando questionados acerca do grupo familiar, os associados responderam da seguinte forma: Tabela 01 Diagnóstico do Grupo Familiar dos Associados Questão Quant. % Quantidade de pessoas que compõem o grupo familiar: Até 3 pessoas 5 38,46 De 4 a 5 pessoas 5 38,46 Acima de 6 pessoas 3 23,08 Total 13 100 Renda do grupo familiar: Até 1 salário mínimo 4 30,77 De 1 a 3 salários 5 38,46 Acima de 3 salários mínimos 4 30,77 Total 13 100 Há outras pessoas do grupo familiar que possuem alguma forma de renda? Sim 8 61,34 Não 5 38,46 Total 13 100 Fonte: Dados da pesquisa (2008). Com relação à geração de renda dos associados foi verificado um acréscimo de 131,38% na média da renda anual de cada catador, quando analisados os anos de 2006 e 2007. Concomitantemente, percebe-se uma progressão de 36,16% na média da produção anual de cada associado. No gráfico 1, apresenta-se a renda gerada e a coleta total de materiais recicláveis pela ASCAS, nos anos em análise: 5

Renda x Coleta 250000 200000 150000 100000 Renda Total Gerada (R$) Coleta Total (Kg) 50000 0 2006 2007 Gráfico 1. Renda x Coleta Fonte: Dados da pesquisa, 2008. Nota-se, que há um crescimento acentuado de 102,75 % na coleta de materiais recicláveis e um aumento na renda gerada aos associados da ASCAS de 209, 27%, já descontadas as despesas operacionais relativas as atividades da associação. Esses crescimentos estão intimamente relacionados na melhora nos preços de venda dos materiais, aumento participativo do quadro de associados e evolução na média individual da coleta de recicláveis. No gráfico 2, é possível verificar a melhora da renda dos associados numa perspectiva analítica, considerando todos os trimestres de 2006 e 2007 e o primeiro trimestre de 2008: Média da geração de renda trimestral por associado R$ 2.000,00 R$ 1.500,00 R$ 1.000,00 R$ 500,00 2006 2007 2008 R$ 0,00 1º Trimestre 2º Trimestre 3º Trimestre 4º Trimestre Gráfico 2. Média da geração de renda trimestral por associado Fonte: Dados da pesquisa, 2008. Percebe-se, que a média de renda trimestral do ano de 2006 apresenta uma progressão contínua. No ano de 2007 há um crescimento acentuado nos últimos dois trimestres, porém apresenta uma estabilidade em seus dois primeiros trimestres. Com relação ao primeiro trimestre de 2008, observa-se um crescimento acentuado, de 219,01%, se comparado ao primeiro trimestre de 2006, em contrapartida, observa-se um aumento módico de 10,04%, tendo como base o primeiro trimestre de 2007. 6

No gráfico 3, é possível verificar o aumento da coleta trimestral por associado, sendo analisado o período de 2006 e 2007, e o primeiro trimestre de 2008: Média da coleta trimestral por associado em Kg 5000,00 4000,00 3000,00 2000,00 1000,00 2006 2007 2008 0,00 1º Trimestre 2º Trimestre 3º Trimestre 4º Trimestre Gráfico 3. Média da coleta trimestral por associado em Kg Fonte: Dados da pesquisa, 2008. Observa-se, que o ano de 2006 apresentou uma progressão contínua em sua média trimestral de coleta. No ano de 2007, percebe-se uma queda contínua no montante de material recolhido pela ASCAS nos três primeiros trimestre e um crescimento no quarto trimestre. No primeiro trimestre de 2008, nota-se uma superioridade de 81,21% em relação ao primeiro trimestre de 2006, e uma redução de 13,46% tomando como base o primeiro trimestre de 2007. Analisando os dados relativos à média trimestral da renda e da coleta, verifica-se que apesar do primeiro trimestre de 2008 apresentar uma queda na coleta dos materiais recicláveis em relação ao mesmo período de 2007, nota-se uma renda superior. A disparidade encontrada entre os fatores coleta inferior x renda superior, está relacionada à especialização no processo de venda, organização do espaço físico e otimização dos recursos disponíveis. Todos estes fatores contribuíram para que a ASCAS agregasse valor a suas mercadorias, e consequentemente, conseguissem uma valorização no preço de seus materiais. Sendo assim, a ASCAS desenvolve um papel relevante na geração de renda dos seus associados, uma vez que 46,15% dos grupos familiares dos mesmos dependem exclusivamente da renda proveniente de suas atividades como catadores de materiais recicláveis. 5. Resultados e Discussões A reciclagem é um processo industrial que converte o resíduo descartado (matéria-prima) em produto semelhante ao inicial ou algum outro tipo de produto. Para tanto, as associações de catadores de materiais recicláveis, também chamados de empreendimento coletivos de resíduos recicláveis que têm grande importância na cadeia produtiva da reciclagem. No município de São João Del Rei, presencia-se a ASCAS que apesar dos resultados satisfatórios em termos de renda de coleta, não têm tido o devido reconhecimento do seu trabalho. Dentre as dificuldades, pode-se citar a de Infra-estrutura: financeira física administrativa organizacional. Da mesma forma faz-se necessário, também, um estudo de viabilidade econômica contendo: 7

Diagnóstico do município Quantidade de resíduos recicláveis gerados Identificação de compradores e levantamento de preços Identificação de atividades alternativas Consideração de quantidade de pessoas e expectativa de renda Estratégias para agregar valor Capacidade de fomento da prefeitura Vontade política Capacitação Técnica Alfabetização Segurança do trabalho Técnicas de Triagem e Acondicionamento Uso de equipamentos Saúde Logística Divulgação e contato com a população Capacitação para Autogestão Processo decisório Comercialização Retiradas e Fundos Definição de atribuições organização do trabalho coletivo capacitação para todas as funções Controle de caixa, estoques São estratégias para Consolidação da ASCAS, como empreendimento solidário: Leis municipais para institucionalização do Programa de Reciclagem Comercialização conjunta (REGIONAL) Diversidade de atividades Infra-estrutura de apoio Consolidação de parcerias 6. Considerações Finais Dadas as condições atuais, os empreendimentos associativos, por si sós, não dispõem de condições para superar as principais dificuldades e fragilidades que enfrentam. A sustentabilidade dos empreendimentos da economia solidária depende de aportes econômicos e sociais que não são reproduzíveis É no âmbito desse processo maior que é mais plausível antever as potencialidades emancipadoras dos empreendimentos associativos e as expectativas em relação à economia popular solidária, não como algo que expresse um novo ponto de chegada ou que se revele como o novo demiurgo que recria e remodela a sociedade, mas convergindo com outras iniciativas, antigas e novas, suscitadas pela vivência de práticas sociais transformadoras. Apesar de se verificar a possibilidade de trabalho e renda aos associados das ASCAS, assim como toda a emancipação social e econômica oriunda do associativismo, percebem-se fragilidades durante esse primeiro ano de funcionamento da ASCAS, como o fato da dependência em relação ao Poder Público, que atualmente arca com o aluguel do galpão/sede. 8

Por um lado, observaram-se como oportunidades para atividade de reciclagem na observância da economia solidária: 1. Avanço na cadeia produtiva; 2. Ampliação das atividades; 3. Parcerias com poder público, parcerias com Entidades de Apoio e Fomento, Articuladores; 4. Eliminação dos atravessadores; 5. União interna do grupo; 6. Movimento político; 7. Trabalho e renda; 8. Boa imagem perante a população e 9. Redução do impacto ambiental. Por outro lado existem limites para a atividade como, por exemplo: 1. Tecnologias muito caras e avançadas; 2. Concorrência; 3. Alterações no poder público; 4. Alterações econômicas mundiais; 5. Infra-estrutura deficiente (física, financeira, administrativa e organizacional) 6. Referências BRYMAN, A Research Methods and Organization Studies, London, Unwin Hyman, 1992. CASTRO, B. A.; ARAÚJO, M. A. D. Gestão dos resíduos sólidos sob a ótica da agenda 21: um estudo de caso em uma cidade nordestina. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 38, n. 4, p. 561-587, jul./ago. 2004. CUNHA, V.; CAIXETA FILHO, J. V. Gerenciamento da coleta de resíduos sólidos urbanos: estruturação e aplicação de modelo não-linear de programação por metas. Gest.Prod. v. 9, n. 2, p. 143-161, ago. 2002. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php>. Acesso em: 28 mar. 2008. DACACH, S.; ZVEIBIL, V. Z.; SEGALA, K. Gestão integrada dos resíduos sólidos na Amazônia: como lidar com o lixo de maneira adequada. Patrocínio: Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos (SQA), Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM). 2003. Disponível em: <http://www.ibam.org/publique/media/rs_am.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2008. FLICK, U. Métodos qualitativos na investigação científica. Lisboa: Monitor, 2002. FRANÇA FILHO, G. C. A problemática da economia solidária: um novo modelo de gestão pública? In: ENANPAD 2002. Anais. Rio de Janeiro: ANPAD, 2002 GAIGER, L. Empreendimentos solidários: uma alternativa para economia popular. In: GAIGER, L. (Org.). Formas de combate e de resistência à pobreza. São Leopoldo: 9

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