PODER JUDICIÁRIO -1- JUSTIÇA FEDERAL SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO AÇÃO ORDINÁRIA SENTENÇA



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Transcrição:

PODER JUDICIÁRIO -1- AÇÃO ORDINÁRIA UNIÃO FEDERAL... Autora(s) (Proc. Dra. Virginia C.J. Cestari) L. S. T.... Réu(s) PROCESSO N... 2003.5101016976-2... 14 a Vara CLÁUDIA MARIA PEREIRA BASTOS NEIVA... Juíza Federal SENTENÇA Vistos, etc. A UNIÃO FEDERAL propõe Ação de rito ordinário em face de L.S.T., objetivando a busca e apreensão e o retorno da menor S.O.L. ao país de sua residência habitual, Israel, com a condenação da Ré nas despesas advindas do retorno. Como causa de pedir sustenta, em síntese, que em 16/12/2002, a menor S.O.L., filha da Ré com cidadão israelense, foi ilicitamente transferida para o Brasil, o que levou o Estado de Israel a encaminhar pedido de cooperação judiciária, objetivando o imediato retorno da criança, nos termos dos arts. 1º e 3º da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças. Alega que os pais da menor S.L. e L.S.T. eram casados e moravam com a filha em Tel Aviv, exercendo ambos o poder familiar; que Israel é o país onde a menor nasceu e residiu, até a sua transferência ilícita; que em 11/12/2002, o pai da menor foi recrutado pelo serviço militar anual, deixando a mulher e a filha em sua residência habitual; que nos dias que se seguiram, o pai da menor tentou, sem êxito, contatos telefônicos com sua residência, sendo informado, posteriormente, pelo Ministério do Interior, que sua filha havia deixado o país, em companhia de sua mãe, vindo para o Brasil; que, desde então, o pai não teve mais contato com a criança, restando violado o poder familiar que ainda titulariza, que abrange o direito de guarda. Acrescenta que a Convenção da Haia assegura o retorno da menor ao país de sua residência habitual antes da transferência ilícita para o Brasil; que o pedido de cooperação internacional formulado pelo Estado de Israel à Autoridade Central Administrativa Federal é datado de 10/02/2003, sendo exíguo o período de tempo de permanência da menor no Brasil, o que permite que sua repatriação seja efetuada de forma menos traumática. A inicial veio instruída com os documentos de fls. 13/30.

PODER JUDICIÁRIO -2- Despacho às fls. 32, determinando que o processo corra em segredo de justiça, a retificação da autuação para ação de rito ordinário e a abertura de vista ao Ministério Público Federal. Manifestação do Ministério Público Federal às fls. 36, opinando pela citação da Ré. Despacho às fls. 46, determinando a citação, para posterior análise da antecipação de tutela. Contestação às fls. 52/54, salientando que o pai da criança tinha total conhecimento de sua vinda para o Brasil, pois esteve no Consulado Brasileiro, em Israel, acompanhado da Ré para obtenção de passaporte da menor para viagem ao Brasil, não se caracterizando a saída de Israel de forma ilícita; que possui a guarda provisória da criança, por força de decisão proferida pela 9ª Vara de Família da Comarca da Capital; que o pai da menor, antes de ingressar no serviço militar de seu país, havia se tornado uma pessoa violenta, não tendo a Ré outra alternativa senão o retorno ao seu país de origem. Acrescenta que S.O.L. está protegida no seio familiar, estudando em Escola Israelita. Com a contestação juntou os documentos de fls. 55/81. Decisão às fls. 82, indeferindo a antecipação de tutela. Manifestação do Ministério Público Federal às fls. 86, requerendo a designação de audiência, ante as alegações, em contestação, referentes aos riscos de ordem física e psíquica a que a menor estaria sujeita, em seu retorno, o que constitui possibilidade de negativa da restituição (art. 13, b do Decreto 3.413/2000). Petição da União Federal às fls. 89/91, requerendo a apreciação do pedido alternativo formulado no item 34 de fls. 11. Decisão às fls. 92, indeferindo o pedido alternativo no sentido de obstar a saída da Ré e de sua filha da cidade do Rio de Janeiro, sem autorização judicial, por não haver qualquer indício, nos autos, de que a Ré irá deixar a cidade, juntamente com sua filha. A União Federal interpôs Agravo de Instrumento contra a decisão que indeferiu a antecipação de tutela (fls. 94/95, 100/107), não tendo sido concedida a antecipação da tutela recursal. 110. Ofício da Secretaria Especial dos Direitos Humanos às fls. Manifestação do Ministério Público Federal às fls. 114, requerendo a designação de assistente social para elaboração de laudo de avaliação, quanto ao estado psicológico da menor, e de audiência, para a colheita do depoimento pessoal da mãe da menor. Decisão às fls. 115, deferindo a realização de perícia, nomeando perita, na especialidade de assistência social.

PODER JUDICIÁRIO -3- Quesitos da Ré às fls. 120/121. Quesitos da União Federal às fls. 124/125. Laudo pericial anexado às fls. 153/156vº. Ofício da Subsecretaria de Direitos Humanos às fls. 160. A Ré e a União Federal se manifestaram sobre o laudo às fls. 171/172 e 175/176, respectivamente. Telex do TRF/2ª Região às fls. 180, comunicando que foi negado provimento ao agravo de instrumento interposto pela União. Decisão às fls. 182, deferindo o depoimento pessoal da Ré, requerido pelo MPF, designando audiência e determinando que a União Federal junte aos autos documento que comprove a disciplina da guarda do filho em Israel. Audiência realizada conforme ata de fls. 190/193, em que foi colhido o depoimento pessoal da Ré. Foi requerida pelo advogado da Ré a concessão de prazo para a juntada do documento referente ao divórcio formulado por S.L., o que foi anexado às fls. 198/200. Petição da União Federal às fls. 213/216, manifestando-se sobre o depoimento da Ré, salientando que a Convenção da Haia privilegia a competência jurisdicional do país em que a criança tenha residência habitual e anexando cópia da lei de capacidade e tutela (fls. 217/220). Parecer do Ministério Público Federal às fls. 224/231, opinando pela improcedência do pedido. É o Relatório. Decido. O art. 3º da Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças dispõe: Art. 3º A transferência ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando: a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da retenção; e b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou em conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção ou devesse está-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido. O direito de guarda referido na alínea a) pode resultar de uma atribuição

PODER JUDICIÁRIO -4- de pleno direito, de uma decisão judicial ou administrativa ou de um acordo vigente segundo o direito desse Estado. A menor nasceu em Israel, em 22/07/1998, e foi trazida ao Brasil pela Ré, em 16/12/2002, na ocasião em que seu genitor estava ausente, em razão de cumprimento do serviço militar obrigatório, sendo Israel o país da residência habitual da criança antes de sua transferência para o Brasil. Os arts. 14 e 15 da Lei de Capacidade e Tutela do Estado de Israel (fls. 217/220) dispõem que os pais deverão ser os tutores naturais de seus filhos menores, incluindo o direito de custódia do menor para determinar seu lugar de residência e autoridade para agir em seu nome, o que caracteriza como ilícita a transferência, tal como definida pelo art. 3º da Convenção da Haia, ante a violação do direito de guarda atribuído pela lei do Estado da residência habitual da criança. O fato do genitor da menor estar ausente no momento da remoção não descaracteriza a guarda efetiva, uma vez que não há menção, na aludida Lei de Capacidade e Tutela, a respeito de suspensão do direito de custódia do menor, no curso do serviço militar obrigatório. A remoção ocorreu em 16/12/2002 e a ação foi distribuída em 22/07/2003, menos de um ano depois, não constituindo, a princípio, impedimento ao retorno da criança (art. 12). Ademais, a decisão sobre a guarda, proferida pela 9ª Vara de Família da Comarca da Capital, não tem aptidão para produzir efeitos na demanda que objetiva o retorno da menor, nos termos do art. 17 da Convenção. Como destacado pelo Juiz Federal Convocado José Antonio Lisbôa Neiva, em voto-vista proferido na AC nº 370131, da 6ª Turma Especializada do TRF/2ª Região, que foi disponibilizado sem a identificação das partes envolvidas, tendo em vista correr em segredo de justiça: Não verifico qualquer inconstitucionalidade, em exame superficial, do artigo 17 da Convenção, que desconsidera, como regra, eventual decisão sobre a guarda no Estado requerido como fundamento para recusa à devolução. O dispositivo não desconsidera, em absoluto, coisa julgada produzida em nosso território, eis que o diploma em tela não trata da imutabilidade, ou não, do comando emergente da decisão de guarda proferida em nosso território. O que na verdade o dispositivo consagra é, a priori, a ineficácia da deliberação quanto à guarda no julgamento da ação que objetiva a devolução imediata do menor. A decisão relativa à guarda existe, tem autoridade, mas não tem aptidão de produzir efeitos na demanda que objetiva o retorno da criança Resta, portanto, a verificação quanto à ocorrência das hipóteses previstas no art. 13 do Decreto nº 3.413/2000, que se

PODER JUDICIÁRIO -5- constituem em óbices ao retorno da criança. O art. 13 do Decreto nº 3.413/2000 dispõe: Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o retorno da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha a seu retorno provar: a) que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efetivamente o direito de guarda na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou b) que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável. A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o retorno da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já idade e grau de maturidade tais que seja apropriado levar em consideração as suas opiniões sobre o assunto. Ao apreciar as circunstâncias referidas neste Artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão tomar em consideração as informações relativas à situação social da criança fornecidas pela Autoridade Central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado de residência habitual da criança. No caso em tela não restou caracterizada a hipótese prevista na letra a do art. 13. A uma, porque a ausência transitória do pai, em razão do serviço militar obrigatório, não enseja a suspensão da guarda efetiva, como aludido anteriormente. A duas, porque não foi demonstrado o consentimento do pai ou a concordância posterior com a transferência em caráter definitivo. Embora a Ré afirme que o pai da criança tinha conhecimento de sua vinda para o Brasil, juntamente com S.O.L., tanto que compareceu ao Consulado Brasileiro em Israel para a obtenção do passaporte da menor, menciona, na contestação, que o Sr. S.L., antes de ingressar no serviço militar de seu País, havia se tornado uma pessoa violenta, deixando a Requerida e sua filha em situação bastante delicada a ponto de não ter outra alternativa, senão voltar ao seu País de origem, não havendo certeza se o consentimento se referia a uma viagem para visita de familiares ou mudança de domicílio. A prova produzida evidencia estar presente a hipótese elencada na letra b do art. 13 da Convenção de Haia, ante o risco de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física e psíquica, ou, de qualquer modo, ficar numa situação intolerável. A Ré relata, em seu depoimento (fls. 191/193), agressões

PODER JUDICIÁRIO -6- morais e físicas sofridas e muitas brigas, inclusive na presença da menor, com constantes mudanças de domicílio, em razão de despejo por falta de pagamento, privações alimentares, bem como o temperamento violento e negligente, por parte de S.L., conforme trechos a seguir transcritos: - que o pai da menor costuma agredir a depoente verbalmente e fisicamente na presença da menor; - que as agressões à mãe da menor consistiam em tapas, empurrões e mordidas; - que o pai da menor chegava a empurrá-la, quando a mesma tentava defender a mãe nas brigas do casal; - que a depoente chegou a residir juntamente com os seus sogros, quando o casal era despejado, por falta de pagamento; - que o casal foi despejado oito vezes; - que de seis em seis meses tinham que mudar de residência; - que o seu marido não permanecia por muito tempo nos empregos, porque não aceitava receber ordens dos seus patrões; - que o seu marido não tinha profissão definida; - que costumava permanecer no emprego por cerca de uma semana; - que o pai da menor não tinha meios para manter as despesas da casa; - que o casal recebia auxílio dos pais da depoente e do Sr. S.; - que as brigas entre o casal aconteciam cerca de três vezes por semana; - que a depoente e sua filha chegaram a ficar sem ter o que comer, recebendo auxílio de vizinhos; - que o Sr. S. é uma pessoa violenta, tendo agredido, inclusive, os pais do mesmo; - que a menor ainda se recorda das brigas que presenciou entre os seus pais; - que a menor não quer ver seu pai, porque ficou traumatizada; - que a menor não quer voltar a Israel;

PODER JUDICIÁRIO -7- - que a menina tem uma imagem ruim do pai; - que o Sr. S. costumava chegar em casa, alcoolizado, uma vez por semana; - que o Sr. S. tratava S. como uma criança normal, sem o carinho de filha No estudo social realizado, verifica-se que a menor afirmou expressamente, a respeito do pai, que suas recordações são de uma pessoa violenta, que batia em sua mãe, bem como declarou que não sente falta deste, conforme trecho do laudo da assistente social (fls. 153/154), a seguir transcrito: Rindo muito, tentando fazer troça física do pai, vai falando que suas recordações são de uma pessoa violenta, que batia em sua mãe, e que certa vez fechou com violência a porta no seu rosto. Perguntada diretamente se sente falta dele, de pronto responde que não. (fls. 154) (grifo nosso) O estudo social constatou que a menor vive em companhia de sua mãe, seus avós e tios maternos, em apartamento confortável, típico de classe média, sendo uma criança alegre e espirituosa, aparentando estar plenamente adaptada a sua família, à escola e à vida no Brasil e ressaltando que todos os membros dessa família estão organizados e afetivamente engajados, em torno da menor e sua mãe, de forma saudável e compatível com a realidade a ser vivida por ambas, no tocante à própria sobrevivência delas. Acrescentou que tanto material quanto emocionalmente não parece estar faltando nada a S.. O laudo pericial é categórico no sentido de que a ida de S. para Israel, a nosso ver, seria desastrosa, pois romperia vínculos existentes e que nessa sua fase da vida estão lhe dando segurança afetiva e emocional necessárias a sua infância (grifo nosso). Cabe salientar que a criança goza de proteção especial, para possibilitar o seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade, sendo o objetivo principal da Convenção da Haia a proteção dos interesses da criança. A prova produzida demonstrou que o retorno é altamente prejudicial à menor, sendo aplicável a letra b do art. 13 do Decreto nº 3.413/2000. ISTO POSTO, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, nos termos da fundamentação, condenando a Autora em honorários advocatícios que

PODER JUDICIÁRIO -8- fixo em 5% sobre o valor corrigido da causa. Sem custas. Dê-se ciência à Autoridade Central Administrativa Federal da Secretaria Especial dos Direitos Humanos Presidência da República e ao Ministério Público Federal. P. R. I. Rio de Janeiro, 14 de maio de 2007. CLAUDIA Mª P. BASTOS NEIVA Juíza Federal da 14ª Vara