Um choque de prevenção no setor elétrico Cesar Vianna Gerente de Segurança e Saúde da Fundação COGE A história da Engenharia de Segurança do Trabalho e da Medicina do Trabalho, aplicadas de forma integrada nas empresas do Setor Elétrico Brasileiro (SEB), inicia-se em 1976 e confundese com a própria história do Grupo de Intercâmbio e Difusão de Informações sobre Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (Gridis), criado em 1971 e reconhecido pelo MME em 1984, sob a coordenação da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás), por meio da Secretaria Executiva do Gridis. Em 2000, a Fundação COGE retomou, com o patrocínio da Eletrobrás, as atividades referentes ao Sistema de Estatísticas de Acidentes, elaborando o Relatório referente ao ano de 1999, contendo dados de 64 empresas do setor. Os trabalhos que envolvem eletricidade têm a sua importância para o País e para a sociedade como um todo. As estatísticas do setor de energia elétrica demonstram que tanto a taxa de frequência como a de gravidade de acidentes com empregados próprios vêm decrescendo ao longo dos anos. Todavia, tais dados denotam a necessidade de atenção e investimentos em ações preventivas pelo setor, a fim de que sejam atingidas as metas preestabelecidas No que se refere às ações nas contratadas, o cenário não é tão otimista. Especialmente após o período de privatização e terceirização (a partir de 1995). Essa prática nas atividades ligadas à construção e manutenção de redes elétricas, consideradas de maior risco de acidentes, tem apresentado resultados insatisfatórios, que refletem a necessidade da continuidade de rigorosas ações nas fases de projeto, contratação, capacitação, levantamento de procedimentos de trabalho, ferramental, auditorias, etc. Os acidentes elétricos com a população, especialmente nas linhas urbanas de distribuição de energia, apresentam dados alarmantes. Dados apurados pela Fundação COGE mostram a perda de vidas, em ocorrências evitáveis, como na construção e manutenção predial, poda de árvores, instalação de antenas de TV, entre outros. No entanto, esses dados não refletem a realidade, pois apesar do esforço das empresas na apuração, muitos acidentes não são identificados ou informados, seja por não ocasionarem o desligamento do sistema ou mesmo por falta de coerência da população. Perde-se muito em decorrência de afastamentos devido aos acidentes ocorridos com eletricidade, principalmente vidas. Essas são perdas efetivamente inestimáveis. Sejam trabalhadores próprios, contratados ou da população. Essas perdas em conjunto com os dias perdidos e debitados por acidentes com afastamento ou desligamento de grandes circuitos elétricos do sistema demonstram a importância de promover a prevenção. O perfil prevencionista de uma empresa deve estar implícito e explícito na sua cultura de segurança do trabalho, não diretamente ligado a pessoas, e sim a conceitos vivenciados pela instituição. O setor vem buscando o crescimento conjunto nessa área, com o intercâmbio de informações e práticas de sucesso, além de promover premiações de respeito que motivam as empresas e seus colaboradores. No ano de 2007, o contingente de 108.756 empregados próprios do setor 40 CUSTO BRASIL
conviveu, no desempenho diário de suas atividades, com riscos de natureza geral e riscos específicos, registrando-se 906 acidentados do trabalho típicos com afastamento, acarretando, entre custos diretos (remuneração do empregado durante seu afastamento) e indiretos (custo de reparo e reposição de material, custo de assistência ao acidentado e custos complementares interrupção de fornecimento de energia elétrica, por exemplo), prejuízos significativos para o Setor de Energia Elétrica. Nesse mesmo ano, foram perdidas 870.048 horas em decorrência dos acidentes com lesão, que, se comparadas com as 1.152.144 horas perdidas em 2006, mostram uma redução de 24%. De acordo com o relatório da Fundação COGE, com base no estudo de Chiara J.F. de Paiva apoiado na teoria de Heinrich e na Pirâmide de Bird voltado à realidade dos acidentes no Brasil, considerando os acidentes sem perda de tempo e os acidentes com e sem danos materiais, o custo dos acidentes no Setor Elétrico Brasileiro seria da ordem de: R$ 93.443.155,20. A literatura técnica disponível indica que o custo indireto de um acidente pode variar de 5 a 50 vezes o seu custo direto, logo, seu custo total é de R$ 532.523.754,00. O Custo Total Estimado, em 2007, representa, por exemplo, o investimento necessário para a construção de 8 Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) de 30 MW cada, que poderiam atender a uma demanda de cerca de 1.250.000 habitantes. Este custo pode representar o investimento em 9.181 km de Redes de Distribuição em média tensão Spacer Cable. O Custo Total Estimado poderia representar, ainda, o montante aproximado necessário para a construção de 1.902 km de Linhas de Transmissão, em 230 kv, circuito simples, incluindo: levantamento topográfico, projeto de engenharia, materiais e construção. O custo com acidentes de trabalho afeta o preço que o consumidor final vai pagar pela energia. Pois, por exemplo, se ocorre um acidente em São Paulo, que seja necessário desligar milhares de consumidores que estão atrelados, a perda é enorme. Os valores, milhões de reais que, perdidos por causa desses acidentes, acabam sendo considerados no preço cobrado dos consumidores. gráfico 1 Custo total estimado de acidentes do trabalho por ano (milhões de reais) CUSTO BRASIL 41
A Pirâmide do Setor Elétrico Brasileiro foi elaborada com base em estudos da Fundação COGE, conforme Figura 1. Os acidentes fatais, ao longo dos anos, têm como causas principais: origem elétrica, queda e veículos. Tais causas podem ser evitadas, especialmente as duas primeiras, que dependem exclusivamente do cumprimento de procedimentos técnicos de trabalho (planejamento, procedimentos passo-a-passo, treinamento, supervisão etc.). No ano de 2007, com a ocorrência de 12 típicos acidentados fatalmente Pirâmide do Setor elétrico brasileiro 1 121 3.630 36.300 típicos, número este bem próximo ao do ano anterior, ficou evidenciada uma estimativa de 435.600 atos e condições ambientes de insegurança. Estes atos e condições ambientes de insegurança, em 2007, tiveram uma redução de 37% em relação a 2006, caracterizando uma redução de 254.100 causas básicas identificadas e corrigidas na base da pirâmide do setor, no seu cotidiano de trabalho. No entanto, é válido destacar que o Setor Elétrico Brasileiro registrou no ano de 2007 uma taxa de freqüência de acidentados próprios de 4,49, tendo um pequeno aumento em relação à taxa Acidentes com consequência fatal Acidentes com lesão (com e sem afastamento) Perda potencial (acidentes sem lesão) Atos inseguros e condições ambiente de insegurança figura 1 (Série histórica do GRIDIS - 1977 a 1998, relatórios de 1999 a 2004 da Fundação COGE e analogia com as Pirâmides do Prof. Frank E. Bird Jr. e da DuPont) de 2006, mas continua este sendo um valor baixo se comparado às taxas ao longo dos anos anteriores. A tendência de ligeira melhoria deste indicador vem sendo continuada, representando a ocorrência de, aproximadamente, 4 acidentados típicos por milhão de horas trabalhadas no setor. Esta performance já se aproxima da meta padrão anual (< 3,00) estabelecida para o SEB. Quanto à taxa de gravidade de acidentados das empresas, esta reduziu significativamente de 719 em 2006 para 538 em 2007, aproximando-se da menor taxa de gravidade registrada na série histórica do setor, que foi de 504 em 1997. As empresas com taxas de acidentes com a força de trabalho (empregados próprios e de contratadas) acima da média/mediana do Setor Elétrico Brasileiro, devem efetuar a análise e monitoramento do seu sistema de gestão da segurança e saúde no trabalho e, se for o caso, redirecionar programas ou identificar novas ações, inclusive de comparação com as práticas bemsucedidas das empresas líderes de mesmo porte. No que se refere aos acidentados de contratadas, permanece a necessidade de um esforço maior por parte das empresas contratantes no sentido da apuração sistematizada e mais rigorosa dos dados estatísticos e de ações efetivas para a sua efetiva prevenção. Os serviços terceirizados têm influência marcante nas taxas de acidentes do Setor Elétrico Brasileiro, especialmente na taxa de gravidade, tendo sido registrados 59 acidentes fatais em 2007. Apesar da redução de 20% desses acidentes em relação aos 74 do ano anterior, este número continua sendo muito alto se comparado às 12 ocorrências de conseqüência fatal com empregados próprios. As taxas de freqüência: 6,59 e de gravidade: 1.918 dos acidentes típicos 42 CUSTO BRASIL
das contratadas estão elevadas e são superiores às taxas de acidentes registradas no Setor Elétrico Brasileiro a partir de 1977 taxa de gravidade (época esta, em que a prevenção de acidentes no Brasil ainda era incipiente) e de 1989 taxa de freqüência. Cumpre observar, especialmente, o processo de terceirização das atividades no setor e naquelas de maior risco, iniciado em 1995. As principais causas dos acidentados fatalmente de contratadas em 2007 foram, pela ordem: Origem elétrica (31), Queda de Estrutura/Poste (14) e Utilização de Veículos (8) correspondendo a 90% do total. Os acidentados de origem elétrica representam 53% do total de acidentados fatalmente de contratadas, o que confirma a relação com a terceirização das atividades de maior risco e que os acidentes estão diretamente ligados aos processos de trabalho. No relatório referente ao ano de 2007 foram registrados 968 acidentes com a população, resultando em uma média diária de quase 3 acidentes, sendo 1 de natureza fatal. Nesse ano, para cada morte por acidente do trabalho de empregado de empresa do Setor Elétrico Brasileiro, corresponderam cerca de 5 mortes de empregados de contratadas e 27 mortes envolvendo a população. Mostrando que os esforços para reduzir acidentes dos empregados próprios têm sido mais eficientes que nas contratadas e na população. Quanto aos 324 acidentes fatais com população (33% do total), as principais causas variaram um pouco, em relação às causas do total de acidentes, destacando-se: Construção/Manutenção Civil 76, Ligação Elétrica Clandestina 52, Cabo Energizado no Solo 34, Atividades ou Brincadeiras 27, Furto de Condutor Elétrico 21, Instalação e Reparo de Antenas 15, Cerca/Varal Energizado 12, Subir ou Podar Árvores 12, correspondendo a 77% do total. A análise global destes resultados identifica os seguintes pontos: a taxa de gravidade de acidentados próprios, no valor de 538, reduziu consideravelmente em relação ao ano anterior, aproximando-se da menor taxa de gravidade registrada na série histórica do setor, em 1997 (504); o número de acidentados fatalmente de contratadas reduziu, com um total de 59 acidentes; os acidentados da população continuam com a média de um acidente fatal por dia, com um total de 324 acidentados fatalmente em 2007. Como parte do esforço conjunto visando à redução dos índices de acidentes no Setor de Energia Elétrica Brasileiro, a Eletrobrás e a Fundação COGE darão seguimento à promoção das seguintes ações conjuntas: Internacional Pesquisa e comparação de indicadores de desempenho em segurança e saúde de empresas de energia elétrica no exterior, no âmbito de atuação da Fundação COGE; Identificação e divulgação de práticas bem-sucedidas adotadas por empresas elétricas. nacional Realização do 6º SENSE Seminário Nacional de Segurança e Saúde no Setor de Energia Elétrica, em 2009; Continuidade e aprimoramento da premiação para projetos bem-sucedidos de gestão da segurança e saúde no trabalho das empresas; Identificação e proposição de ações de divulgação periódica de segurança e saúde para o setor e o público em geral. regional Planejamento e realização de workshops sobre estatísticas de acidentes, indicadores proativos e outros encontros sobre temas de interesse das áreas de segurança e saúde, bem como a criação de Grupos Técnicos de Estudos Específicos para o setor nessas áreas. Realização de cursos sobre estatísticas de acidentes para o setor elétrico. local Aprimoramento contínuo no sistema de coleta de dados estatísticos de acidentes e nos relatórios gerenciais. Estudos mostram que as estatísticas, em todos os setores produtivos do Brasil, tiveram aumento nos indicadores, pois aumentaram os números de acidentes. Mas na verdade o setor elétrico, que já estava preocupado em atender não só a legislação do Ministério do Trabalho e a legislação previdenciária, reduziu todos os seus indicadores, ou seja, trabalhou mais, com força de trabalho própria e com os empregados contratados, chamados hoje de força de trabalho. Esse contingente aumentou, portanto, estivemos mais expostos aos riscos, e, ainda assim, foi possível reduzir o número de acidentes, inclusive fatais. Talvez fosse o caso de comemorarmos, porém, ainda existem acidentes fatais. O que já está ajudando a melhorar esse cenário, em muitas empresas, é a implementação de sistema de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST), que, como todo sistema de gestão, tem elementos que interagem entre si e são interdependentes. O conceito é o de organizar e sistematizar as ações de segurança e saúde dentro a empresa. No que se refere a Sistemas de Gestão de SST, a Fundação COGE firmou convênio com a Utility Risk Management (URM), do Canadá, referente à implementação do Sistema de Gestão do Trabalho Seguro (SGTS ou SWMS - Safe Work Management System). Este sistema é voltado especialmente a concessionárias de energia elétrica e adotado com sucesso por várias empresas sediadas no Canadá, inclusive pela Brookfield Power (Brascan Canadense) e também em em- CUSTO BRASIL 43
gráfico 2 Número de acidentados fatais por ano 74 49 49 60 55 66 52 57 59 26 15 17 23 14 18 19 12 9 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Acidentados fatais de empresas Acidentados fatais de contratadas presas dos Estados Unidos. O SWMS foi apresentado ao Setor Elétrico por meio de conferência promovida pela Brascan Energética (Brasil) durante a realização do 5 SENSE (Seminário Nacional de Segurança e Saúde no Setor Elétrico Brasileiro), tendo sido considerada a melhor apresentação do evento. Entretanto, mais do que Segurança, trata-se de obter benefícios significativos em razão de uma abordagem sistemática para trabalhar de maneira segura que, não apenas salva vidas humanas e elimina lesões graves, mas em contrapartida melhora a Produtividade, a Confiabilidade e as Operações em todos os níveis. O SGTS é customizado para atividades de alto risco com equipes de construção, operação e manutenção. O sistema incorpora princípios e técnicas de gestão de riscos para eliminar os acidentes com potencial de gravidade elevado e garante a confiabilidade da gestão através do estabelecimento de responsabilidades claramente definidas, de objetivos com datas de conclusão e da medição do desempenho. O objetivo é implementação da Cultura de Segurança nos trabalhadores através das análises de segurança e do monitoramento do desempenho no trabalho e o fornecimento aos executivos e profissionais de Segurança do Trabalho de um sistema abrangente para gerenciar a qualidade e eficácia das iniciativas de SST. A segurança do trabalho deveria começar com as crianças, no caso específico do setor elétrico brasileiro, existe um projeto da área de responsabilidade social da Fundação COGE, concebido em conjunto com a Coelba e o Grupo Fala Menino!, o Projeto Energia Amiga, que produziu uma série de desenhos animados. Os desenhos foram concebidos com as principais causas de acidentes do setor elétrico. Os DVDs e cartilhas foram distribuídos para todas as empresas do setor para que fossem feitas apresentações e cópias a serem entregues nas escolas da área de influência dessas empresas, com o objetivo de que a criança aja e mostre os riscos de acidentes com energia elétrica, diminuindo a ocorrência dos mesmos. Em abril de 44 CUSTO BRASIL
2009, será realizado em Salvador Bahia, o 6º SENSE (Seminário Nacional de Segurança e Saúde no Setor Elétrico Brasileiro) seminário aberto a outros setores produtivos onde haverá o relançamento do Projeto Energia Amiga, esse será mais um esforço para sensibilização da importância da segurança da população, das crianças. Aliás, acreditamos que a Educação e as crianças devam ser objeto dos maiores investimentos em assuntos de Segurança e Saúde, pois além de aprenderem corretamente os conceitos e técnicas de prevenção, poderão ainda, ser agentes de mudança nos adultos, na Sociedade e no nosso futuro. A necessidade de um processo de melhoria contínua na gestão da Segurança e da Saúde nas empresas do setor é clara, a fim de que suas metas possam ser realmente atingidas e até mesmo superadas, dando-se ênfase às ações preventivas e/ou corretivas e às ações pró-sociedade do Ministério de Minas e Energia, da Eletrobrás, do Ministério do Trabalho e Emprego, da Aneel, dos sindicatos e de outros agentes que atuam na promoção da segurança do trabalho e da saúde no Setor Elétrico Brasileiro. O trabalho com segurança e saúde consiste em projetos e atividades desenvolvidos e reformulados permanentemente, consolidados em práticas do dia-a-dia, traduzidas em hábitos e não em atos. Portanto, aos que vêm alcançando resultados de excelência, o maior desafio é o da manutenção daqueles hábitos e da conseqüente melhoria contínua do desempenho empresarial. E como disse o rei Pelé, há alguns anos atrás, olhem pelas nossas criancinhas e quem sabe, tenhamos um país referência não só no futebol como na Segurança no Trabalho. Que esta mensagem possa alcançar aqueles que acreditam na Educação como força propulsora dos países que pretendam alcançar a eficiência do trabalho e a melhoria contínua. cesar@funcoge.org.br CUSTO BRASIL 45