A INTERPRETAÇÃO DE PROVÉRBIOS NO ESTUDO DAS AFASIAS: RESULTADOS DA APLICAÇÃO DO PROTOCOLO DE PROVÉRBIOS PARODIADOS



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Transcrição:

A INTERPRETAÇÃO DE PROVÉRBIOS NO ESTUDO DAS AFASIAS: RESULTADOS DA APLICAÇÃO DO PROTOCOLO DE PROVÉRBIOS PARODIADOS Palavras-chave: Afasia, Provérbios, Cognição Esta pesquisa teve como objetivo analisar processos de significação no contexto das afasias, destacando aspectos lingüístico-pragmáticos da interpretação de sentidos veiculados nos enunciados proverbiais por sujeitos afásicos. O que interessou foram alguns fenômenos constitutivos dos processos de significação implicados na interpretação de provérbios, tais como: diferentes processos meta (lingüístico, pragmático, enunciativo, discursivo), inferenciação, graus de metaforicidade e de cristalização lingüístico-discursiva da expressão formulaica. Numa concepção enunciativa, a metalinguagem está integrada ao funcionamento geral da linguagem. Assim, o provérbio é um interessante expediente para o estudo enunciativo da capacidade da linguagem de interpretar a si mesma e ser capaz de reconstituir o que foi dito ou pensado, de saber sobre a linguagem e da linguagem, de marcar tanto quanto possível as fronteiras entre nosso dizer e o dizer do outro. O provérbio, enquanto forma meta-enunciativa 1, marca as possibilidades de subjetividade e reflexividade na apropriação (social) da linguagem. O reconhecimento do caráter reflexivo da linguagem marca, vale dizer, a qualidade das interações entre processos lingüísticos e cognitivos. Refirimo-nos aqui especialmente ao trabalho inferencial, ao reconhecimento de uma memória cultural comum e aos mecanismos psicopragmáticos gerais envolvidos na interpretação de um enunciado proverbial (e na enunciação proverbial). Nos provérbios parodiados, o enunciador do provérbio identifica o sentido do provérbio-origem, usa das propriedades lingüísticas (sintáticas, fonéticas, morfológicas) desse provérbio, se remete a uma memória cultural, mas de maneira a fazer ou reconhecer uma repetição com ênfase na diferença de sentido, que pode ser uma crítica, 1 A meta-enunciação está relacionada à tomada de um discurso, enunciado ou enunciação já construída, ou seja, é constituída por uma memória cultural e histórica, tal como ocorre com os provérbios. Segundo Authier-Révuz (1998), a meta-enunciação é o discurso sobre a linguagem e sobre um outro dizer, é auto-representação do dizer, e envolve a questão do sujeito e de sua relação com a linguagem.

uma forma de ironia ou simplesmente uma operação chistosa em relação ao sentido do provérbio-origem. A interpretação e manipulação de enunciados proverbiais e de enunciados proverbiais parodiados dependem de alguma maneira da competência pragmática dos sujeitos, de modo a colocar em relação os processos lingüístico-cognitivos (o saber da língua e o saber de mundo), a contextualizar a emergência e a mobilização de diversos processos predicados como meta no funcionamento da linguagem (metalingüísticos, metapragmáticos, meta-enunciativos, metaformulativos, meta-discusivos). Podemos, nesse caso, observar o movimento do sujeito e suas manobras lingüísticas em relação ao dizer próprio e alheio, que tende a confirmar a hipótese de que os modos de funcionamento do componente meta não são subsumidos pela língua ou pela cognição, stricto sensu. O corpus desta pesquisa é constituído de dados lingüísticos de oito sujeitos afásicos que freqüentam o Centro de Convivência de Afásicos (CCA), coletados a partir de um Protocolo de Provérbios Parodiados elaborado especialmente para nossas finalidades. O objetivo da elaboração desse Protocolo foi o de estudar os processos de significação implicados na interpretação proverbial, procedimento que pode ser um bom lugar para discutirmos a afirmação de que a instabilidade lingüístico-cognitiva provocada pela patologia cerebral leva o sujeito a ter dificuldades de ordem metalingüística, porém não impede que eles lancem mão de ações reflexivas sobre e com a linguagem. A maneira pela qual os sujeitos afásicos atuam sobre os enunciados proverbiais é indicativa do que está em jogo em diferentes processos co-ocorrentes - lingüísticos, gestuais, mnêmicos, discursivos - de significação. Na seleção dos provérbios do Protocolo, procuramos realizar um levantamento dos provérbios apropriados à configuração sócio-cultural e à realidade sociolingüística dos sujeitos que freqüentam o CCA, assim como os provérbios mais recorrentes e cristalizados em nossa cultura. Para a coleta de dados, realizamos entrevistas individuais com os sujeitos afásicos que foram registradas em gravador digital e em filmadora digital, sendo posteriormente transcritas por nós de acordo com o sistema de notação estabelecido pelo Grupo de Pesquisa coordenado pela professora Dra. Edwiges Maria Morato (2007), o qual inclui aspectos concernentes ao contexto não-verbal. O Protocolo foi apresentado oralmente e por escrito aos sujeitos afásicos.

Na análise dos dados, levantamos fenômenos metadiscursivos e metaenunciativos apresentados pelos sujeitos afásicos na construção do sentido, como condição para a possibilidade de reflexividade da linguagem, para garantir a interpretação e o sucesso da interação. Tais fenômenos se apresentaram por meio de: pausas para a organização do texto oral; introdução de esclarecimentos e/ou exemplificações, explicações, justificativas; repetições que podem servir para o locutor refletir sobre a forma do dito; alusão a um conhecimento prévio que pode demonstrar o entendimento do assunto; inserções com o acréscimo de elementos necessários para a compreensão pelos interlocutores; comentários para dar relevo a certas partes do enunciado; modalização do que é dito; expressão da sua posição, do grau de adesão, de conhecimento, de juízos de valor em relação ao seu dizer e o dizer dos provérbios; reflexão sobre os termos empregados; correções etc. Na análise enunciativa dos dados dos sujeitos afásicos, observamos, ainda, que, apesar das alterações no processamento semântico-lexical, das parafasias, da inibição de certas complexidades sintáticas, das alterações semânticas etc., ou seja, apesar de uma instabilidade na linguagem que se caracteriza por alterações nos processos lingüísticos e cognitivos e, portanto, alterações na seletividade de fatores lingüísticos, cognitivos, pragmáticos, discursivos, ideológicos implicados na referenciação, os sujeitos afásicos atuam enunciativamente na construção do sentido através de processos verbais e nãoverbais que constituem o sentido do enunciado e a significação. Desse modo, a possibilidade de reflexividade da linguagem não está necessariamente perdida nas afasias, uma vez que aqui não consideramos apenas a reflexividade do tipo metalingüística, mas aquela que também diz respeito à metalinguagem e à enunciação (cf. AUTHIER-REVUZ, 1998). Pudemos, ainda, observar a questão da inter-subjetividade, dos processos meta (metalingüísticos, metaenunciativos, metadiscursivos) relativos aos processos de significação em jogo na linguagem dos sujeitos afásicos, as atividades inferenciais e os fatores de constituição do sentido e do funcionamento lingüístico-cognitivo nas tarefas interpretativas realizadas pelos sujeitos afetados pela lesão cerebral. Com exemplo, a interpretação dos provérbios Quem dá aos pobres, empresta... adeus! e Quem dá aos pobres, empresta a Deus realizada por um dos sujeitos afásicos que participaram da pesquisa, reconhecendo a diferença de sentido entre os provérbios, demonstrando diferentes níveis de reflexão sobre a linguagem e exibindo um trabalho

lingüístico-cognitivo que envolve os processos meta nos processos de significação da construção do sentido: Quem dá aos pobres, empresta... adeus! ES: adeus... ó... nunca mais... o dinheiro ó ((risos)) *---------- * ((gesto de tchau com a mão)) Quem dá aos pobres, empresta a Deus ES: (12s) ((olhando para o lado)) ah... mais tarde né... compensa né... compensado... é... agora né... é... morreu né... é... é... ((olhando para baixo)) compensado... forma eu não sei... *----- * ((movimento de negação com a cabeça)) A partir de uma definição de afasia que considera os processos lingüísticos e cognitivos, tanto nos aspectos produtivos quanto interpretativos, no funcionamento da linguagem, os dados dos afásicos que apresentam uma afasia que incide em dificuldades léxico-semânticas mostram que esses sujeitos não apresentaram resultado pior do que os sujeitos com afasias consideradas do tipo expressivo, que incide em dificuldades fonéticofonológicas, na medida em que eles não deixam de lançar mão de processos lingüísticos e cognitivos para dar conta das tarefas que exigem uma reflexividade mais intensa e específica dos sujeitos sobre a linguagem, considerando, ainda, que os processos ou níveis lingüísticos funcionam de maneira articulada. O estudo das formas meta-enunciativas, mais especificamente dos enunciados proverbiais, permite-nos estudar de maneira interessante as relações entre linguagem e cognição, bem como o lugar da competência relativamente à linguagem na construção do sentido, pois indica o percurso entre a língua e o (inter)discurso, das relações entre os processos lingüísticos e os cognitivos, da atuação meta-enunciativa dos sujeitos sobre sua própria enunciação e sobre o outro discurso. De acordo com Koch, Tudo isso exige o domínio não só de habilidades lingüísticas, mas também de uma série de estratégias de ordem sócio-cognitiva, cultural e interacional. (KOCH, 2004, p.128). É o que observamos nos dados dos sujeitos afásicos.

Essa ponderação nos leva, entre outras coisas, à reafirmação dos estudos com provérbios como relevantes para a Neurolingüística, inserindo os fenômenos de ordem sócio-cognitiva, lingüístico-interacional dentre os que podem nos ajudar a entender melhor as relações entre linguagem e cognição. Referências Bibliográficas: AUTHIER-REVUZ, J. Palavras incertas. Campinas: Editora da UNICAMP; 1998. KOCH, Ingedore G. V. Introdução à Lingüística Textual. São Paulo: Martins Fontes; 2004. MORATO, E. M. (Coord.). Competência e Metalinguagem no contexto de práticas interativas de afásicos e não afásicos [Relatório Parcial FAPESP 06/52950-9]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Estudos da Linguagem; 2007.