POR QUE AS EMPRESAS NÃO DEVEM INVESTIR EM PROGRAMAS DE INCLUSÃO? A temática da inclusão, no mercado de trabalho, tem suscitado vários debates nos mais diversos espaços de discussão organizados por empresas, sindicatos e instituições, no decorrer das últimas décadas. Poderíamos citar vários aspectos como mobilizadores desse contexto, e, dentre eles,destacamos as demandas surgidas pela criação da chamada Lei de Cotas (Lei 8.213/91), a pressão exercida pelas organizações representativas de diversos segmentos que se sentem marginalizados em relação ao processo produtivo da sociedade, em função dos preconceitos impostos, envolvendo, não somente questões relativas às pessoas com deficiência, mas também relacionadas às questões de gênero,etnia e identidade sexual, pelo cumprimento da legislação e ampliação de oportunidades. Esses segmentos lutam pela garantia de seus direitos à participação e à autonomia na sociedade, tornando evidentes as dificuldades que ainda temos em lidar com a questão da diversidade. Apesar de todo o interesse em torno do tema, persistem dúvidas e questionamentos sobre qual o melhor caminho a ser seguido para a efetivação do processo de inclusão nos ambientes laborais. Seria possível encontrar uma fórmula mágica que seja capaz de solucionar toda a questão de forma prática e direta, a fim de que se cumpra a lei e se atenda aos interesses do mercado? Grande parte do desconhecimento e inquietações sobre qual o melhor caminho seguir se origina da falta de entendimento sobre a própria ideia de inclusão. É preciso compreender que se trata de um conceito que apresenta princípios bem definidos, os quais, se observados atentamente, podem direcionar o desenvolvimento do processo inclusivo nas empresas e instituições. INCLUSÃO? O QUE ISSO QUER DIZER? Primeiramente, quando pensamos em inclusão, precisamos entender o que essa ideia representa. É necessário compreender que se trata de um conceito constituído por um conjunto de princípios que fundamentam e definem um processo. A percepção da inclusão como processo é de grande importância, pois evidencia a necessidade de construção de um caminho, uma trajetória, um movimento contínuo. A partir desse
reconhecimento, fica claro que não podemos restringir a questão da inclusão nos espaços laborais à realização de projetos pontuais, nem à organização de iniciativas estanques ou atividades esporádicas. Portanto, o conceito de Inclusão deve ser compreendidocomo um processo incessante voltado para o envolvimento de indivíduos, a criação de sistemas e ambientações participativas, e a promoção de valores inclusivos. Compreendemos que, no contexto econômico da sociedade contemporânea, se torna relevante o cumprimento de metas e resultados em curto prazo. Porém, se entendemos a questão da inclusão como um processo, seremos levados a reconhecer que seria impossível a elaboração de uma certificação que declarasse que uma instituição ou empresa atingiu a meta final da inclusão. Isso porquevivenciamos um contexto produtivo dinâmico: as empresas estão sempre mudando, novos funcionários e gestores chegam e vão embora, novas metodologias de trabalho são criadas, novas formas de exclusão surgem, novos recursos são mobilizados e novas tecnologias são desenvolvidas. Desta forma, só podemos identificar uma instituição como inclusiva quando reconhecemos, na sua atuação, o comprometimento com um caminho, isto é, com uma trajetória de desenvolvimento orientada por valores inclusivos. Essa condição não se relaciona apenas a um setor específico da empresa, a um profissional determinado ou a uma consultoria especializada contratada para o desenvolvimento de iniciativas e programas pontuais, mas sim aodesenvolvimento integral da empresa. QUAL A IMPORTÂNCIA DE ASSUMIR VALORES? É preciso considerar que um dos aspectos fundamentais para o desenvolvimento do processo inclusivo em uma empresa ou instituição implica em embasar ações em seus próprios valores profundamente consolidados, e não em uma série de programas ou iniciativas definidos por outros profissionais e, consequentemente, baseados em princípios que a própria empresa não assumiu ainda como seus, seguindo modelos que,muitas vezes, não atendem ao seu contexto específico nem às suas necessidades. Assumir valores inclusivos contribui, diretamente, para o estabelecimento de estruturas, procedimentos e ações de caráter contínuo e coerente nas empresas ou instituições. O comprometimento com os valores inclusivos explicita o desejo de superar a exclusão e promover a participação, caso contrário, essa tentativa de inclusão pode
representar a simples necessidade de se cumprir uma lei ou o atendimento a instruções superiores. Portanto, não podemos pôr em prática valores inclusivos sem estabelecer um movimento contínuo na empresa, que envolva a redução de barreiras e a mobilização de recursos, integrando iniciativas. Esse contexto nos leva a reafirmar que o processo de inclusão é uma iniciativa compartilhada, não construída isoladamente ou externamente à empresa. INCLUSÃO? PARA QUÊ? É preciso entender, também, a que se destina o processo de inclusão. Sabemos que é um processo que busca alcançar a ampliação da participação e da aprendizagem e o combate à discriminação. Esses aspectos demandam que cada profissional da empresa adquira a conduta cotidiana de refletir e identificar as barreiras que foram criadas ou que continuam a ser criadas dentro das empresas, em cada setor e função, buscando, em conjunto, soluções para que estas sejam eliminadas.tais barreiras abarcam diversos aspectos, podendo ser de caráter arquitetônico, atitudinal, comunicacional, metodológico, programático, instrumental ou natural. INCLUSÃO: PROJETOS ESPECÍFICOS OU PLANEJAMENTO DE AÇÕES SISTEMÁTICAS? Existem diversas empresas e especialistas que oferecem intervenção nas empresas para fornecer modelos de projetos ou iniciativas sobre as temáticas relacionadas a inclusão. Presume se que os profissionais passarão a integrar esses projetos, disponibilizados em seus planejamentos de trabalho específicos, mas compreendemos que as possibilidades de que gerem envolvimento é questionável. A sustentabilidade desses projetos pode não corresponder à expectativa,visto que não se alcançou o entendimento de que é preciso integrar esses programas ao Plano Geral da empresa.muitas vezes, simples resoluções de menor escala, mas pesquisadas e estabelecidas em conjunto, envolvendo gestores, especialistas e demais profissionais da empresa comprometidos com o desenvolvimento de um processo inclusivo, e solidamente adotadas em sua rotina cotidiana de trabalho são capazes de produzir um efeito mais duradouro, impactante e transformador.
A contratação de pessoas com deficiência na empresa, por exemplo, envolve uma série de ações que extrapolam o processo burocrático. Para que se concretize efetivamente, de forma enriquecedora, tanto para o indivíduo como para a empresa, tal medida demandaa tomada de resoluções, assumidas coletivamente, envolvendo indivíduos, grupos e seções, com a finalidade de revisar conceitos e preconceitos, ambientação, metodologias de trabalho e processos de produção, isto é, o estabelecimento de um plano inclusivo sistemático de desenvolvimento, implementação e reavaliação contínua. Caso contrário, estas iniciativas se limitarão a tentativas isoladas e superficiais, implicando em investimentos ineficazes e esforços desgastantes, não atendendo às expectativas da empresa nem do funcionário contratado. O QUE A EMPRESA GANHA COM A ELABORAÇÃO DE UM PLANO DE DESENVOLVIMENTO INCLUSIVO? Quando um plano de desenvolvimento inclusivo é amplamente conhecido e aceito por todos os profissionais e gestores, além de revisto e reajustado regularmente quando necessário, as responsabilidades são assumidas coletivamente, reduzindo situações de conflito, decisões e ações contraditórias e, consequentemente, falhas nos procedimentos. Além disso, garante que as normas e políticas internas estarão vinculadas a estratégias claras de implementação, possibilitando o alcance de resultados concretos. O Plano de desenvolvimento inclusivo prevê mobilização de recursos financeiros e materiais. As revisões regulares e avaliações contínuas previstas nesse processo permitem que sejam identificados, com mais rapidez e clareza, as falhas e desperdícios na aplicação e utilização desses recursos. Ademais, permite o melhor aproveitamento dos recursos humanos, na medida em que busca enfatizar as potencialidades dos indivíduos, e não suas limitações, e a identificação de barreiras organizacionais que impeçam o desenvolvimento individual e coletivo. Podemos concluir que nenhum desses aspectos destacados pode ser plenamente concretizado, representando um ganho efetivo, sem o estabelecimento de um planejamento de desenvolvimento inclusivo de caráter sistemático, contínuo e dinâmico que envolva toda a empresa.
Autora: Silvilene de Barros Ribeiro Morais Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Inclusão. Consultora Associada da Diversitas Soluções Inclusivas.