ÁREAS CONTAMINADAS POR RESÍDUOS INDUSTRIAIS PERIGOSOS E USOS POSTERIORES À DESINSTALAÇÃO INDUSTRIAL: ALGUMAS QUESTÕES DE SAÚDE PÚBLICA



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Transcrição:

ÁREAS CONTAMINADAS POR RESÍDUOS INDUSTRIAIS PERIGOSOS E USOS POSTERIORES À DESINSTALAÇÃO INDUSTRIAL: ALGUMAS QUESTÕES DE SAÚDE PÚBLICA Wanda Maria Risso Günther (*) Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (*) Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Engenheiro Civil e Socióloga; Mestre e Doutor em Saúde Pública (FSP/USP); Professor-Doutor e pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública-USP; Coordenadora de Cursos de Especialização e Consultora Técnica em projetos sanitário-ambientais e de prevenção e controle da poluição ambiental; Vice-Presidente da Associação Brasileira de Limpeza Pública (ABLP); Membro do Conselho Consultivo Diretoria da ABES seção São Paulo; Consultora nas áreas de resíduos sólidos urbanos, industriais e de serviços de saúde; saneamento, gestão e educação ambiental. Endereço: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Departamento de Saúde Ambiental. Avenida Dr. Arnaldo, 715 - Cerqueira César - CEP 01246-904 São Paulo, SP Brasil. Tel: 5511 3082 3842; Fax: 5511 3085 0681; e-mail: wgunther@usp.br RESUMO A Região Metropolitana de São Paulo-RMSP apresenta a maior ocorrência de áreas potencialmente contaminadas do Brasil, como resultado da contaminação por produtos e resíduos perigosos, devido ao crescimento industrial explosivo que a Região experimentou a partir da década de 1950, época em que se consolidou o setor produtivo automobilístico e outras atividades produtivas catalisadoras de força de trabalho. Com o início da chamada "interiorização" do crescimento econômico paulista e devido à desindustrialização na RMSP, movida por razões de natureza diversa, áreas anteriormente industrializadas cederam lugar ao exercício de outros usos e funções, nos quais a reutilização dessas áreas passou a ser praticada à revelia de medidas de avaliação e controle dos danos e riscos que a ocupação desses sítios pode apresentar ao ambiente e à saúde pública, pois o modelo de gestão de empreendimento praticado no país não tem contemplado, de forma preventiva ou corretiva, as intercorrência do processo de desinstalação industrial. Esse trabalho discute as questões relativas aos riscos à saúde pública e ao ambiente representados pela reutilização de áreas industriais desativadas, entendendo que é necessário o desenvolvimento de metodologias e técnicas, a partir de investigações científicas, com o objetivo de orientar os usos futuros dessas áreas, assegurando condições adequadas sanitária e ambientalmente, sendo desenvolvida uma proposta acerca dos parâmetros ambientais, sanitários e epidemiológicos que devem ser observados em uma intervenção técnica ou investigação científica. A finalidade da proposta é apresentar subsídios à formulação de critérios e normas que orientem usos futuros de tais áreas, de forma que sua reutilização seja operada segundo os padrões estabelecidos pela saúde pública e ambiental. Palavras-chave: áreas contaminadas, indústrias desativadas, passivo ambiental, resíduos industriais, contaminação ambiental. INTRODUÇÃO A exemplo do que se verificou nos processos de urbanização e industrialização ocorridos em países da América do Norte, Europa e Ásia, principalmente nas circunstâncias em que a expansão urbano-industrial se deu de forma desvinculada de sistemas de planejamento, na América Latina também pode ser observado o registro de episódios de áreas contaminadas e degradadas por poluição ambiental, decorrente da instalação de atividades industriais e ocasionada por resíduos perigosos.

As atividades industriais são caracterizadas como fontes importantes de contaminação de áreas, especialmente em se tratando de processos produtivos que empregam ou produzem substâncias perigosas, operações que, consequentemente, também geram resíduos perigosos para o ambiente (Günther, 1998). O setor industrial figura como o maior produtor de resíduos perigosos, na medida em que acarreta, em maiores escalas, subprodutos inevitáveis da tecnologia (DGMA, 1982), os quais requerem espaços cada vez mais extensos e recursos técnicos cada vez mais sofisticados para seu tratamento e sua disposição final adequados. No caso brasileiro, a Região Metropolitana de São Paulo - RMSP, integrada por 38 municípios adjacentes à cidade de São Paulo, capital do estado do mesmo nome, apresenta a maior ocorrência de registros de áreas potencialmente contaminadas, como resultado da contaminação por produtos e resíduos perigosos. Essa concentração de episódios críticos de contaminação ambiental situa-se na rota do crescimento industrial explosivo que a Região experimentou a partir da década de 1950, época em que o parque automotivo iniciou ali sua consolidação como setor produtivo gerador de emprego e renda, impulsionador de outras atividades produtivas e catalisador de força de trabalho migrante de outras regiões do país; situação econômica que perduraria por algumas décadas. A partir da década de 1980, com o início da chamada "interiorização" do crescimento econômico paulista e devido à desindustrialização relativa em curso na RMSP, muitas áreas até então ocupadas pela expansão industrial paulista passaram a extrapolar dimensões rumo a novas fronteiras físico-geográficas, a disputar novos filões de mercado, a se constituir em novos campos de exploração da atividade econômica, especialmente no setor de serviços. Algumas indústrias foram deslocadas espacialmente para locais mais afastados dos centros urbanos em rápido adensamento; outras encerraram suas atividades devido à falta de sustentação econômica ou à impossibilidade de responder ao novo perfil exigido pelo mercado; outras ainda paralisaram suas operações por exigência dos órgãos de controle ambiental, devido ao risco que representavam suas atividades produtivas. Nesse cenário de desinstalações industriais movidas por razões de natureza diversa, algumas áreas anteriormente industrializadas passaram a ceder lugar para o exercício de outros usos e funções, urbanos ou não, tais como atividades de lazer, culturais e comerciais, loteamentos residenciais, depósitos e galpões de armazenamento, agricultura e pecuária. Entretanto, a reutilização dessas áreas passou a ser praticada, em grande parte dos casos, à revelia de medidas de avaliação e controle dos danos e riscos que a ocupação desses sítios pode apresentar ao meio ambiente e à saúde pública. No início da década de 1990, a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) ainda sediava a maior parte dos estabelecimentos industriais do Estado de São Paulo, sendo que o município de São Paulo, localizado na parte central dessa Região, abrigava a maior concentração industrial. Entretanto a RMSP já experimentava os efeitos de um acentuado processo de desindustrialização, que vem se aprofundando até o início do Século XXI. Muitas instalações industriais desativadas na Região apresentam risco de danos ambientais de grande magnitude, passivo ambiental que necessita ser reparado para que seja assegurada a qualidade do ambiente local, em seu entorno próximo e nas áreas mais distantes atingidas pelos efeitos do evento danoso (Sánchez, 1998). OBJETIVO Esse trabalho discute as questões relativas aos riscos à saúde pública e ao ambiente representados pela reutilização de áreas industriais desativadas, com o propósito de orientar os usos futuros dessas áreas, assegurando condições adequadas sanitária e ambientalmente, e apresentar uma proposta acerca dos parâmetros ambientais, sanitários e epidemiológicos que devem ser observados em uma intervenção técnica ou investigação científica. A finalidade da proposta é apresentar subsídios à formulação de critérios e normas que orientem usos futuros dessas áreas, de forma que sua reutilização seja operada segundo os padrões estabelecidos pela saúde pública e ambiental. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO O modelo de gestão de empreendimento praticado no país não tem contemplado, de forma preventiva ou corretiva, as intercorrências do processo de desinstalação industrial. O próprio processo de licenciamento ambiental de um empreendimento industrial, que exige um estudo ambiental previamente à instalação e operação das atividades, não se refere à fase de desinstalação. Portanto, não são exigidas, legalmente, medidas mitigadoras dos impactos sanitários e ambientais que o empreendimento pode ocasionar, tal como é requerido, por exemplo, na implantação de um aterro para disposição de resíduos sólidos: nesse procedimento é exigida a apresentação de um plano de fechamento e monitoramento do aterro por um prazo determinado após seu encerramento.

Mesmo nos episódios em que foi determinada a interrupção das atividades de um estabelecimento industrial devido à presença de contaminação ambiental, a desativação das operações é uma situação que, paradoxalmente, acaba conferindo imunidade à indústria frente à autuação dos órgãos de fiscalização e controle ambiental. Contudo, as fontes de contaminação não cessam, necessariamente, de verter, depois que as operações industriais são paralisadas: muitas vezes as instalações abandonadas, os equipamentos sucateados e os estoques de substâncias ou de resíduos remanescentes passam a funcionar como fonte secundária de poluição. A fonte primária cessou, mas pode ter deixado como passivo ambiental diversas fontes secundárias de poluentes, em cuja área o risco de contaminação permanece, permitindo a disseminação de possíveis contaminantes existentes. No que diz respeito à fiscalização e controle de fontes de resíduos industriais perigosos, os estabelecimentos industriais da RMSP são monitorados pelo órgão estadual de controle ambiental - Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental - CETESB. Quanto às instalações industriais desativadas na Região, entretanto, ainda não são objetos de uma intervenção técnica ou de investigação científica, de caráter sistemático, global e integrado, que contemple não apenas a recuperação da qualidade ambiental dessas áreas e de seu entorno, mas que garanta também os usos futuros daquela área em condições ambientais e sanitárias adequadas. Com relação a algumas questões de saúde pública que o problema suscita, deve-se mencionar que as ameaças e riscos de acidentes ambientais podem estar concentrados não apenas na sede física das antigas plantas industriais, mas podem abranger as cercanias próximas ou atingir áreas mais distantes, comprometendo a rede hídrica de superfície e as águas subterrâneas, solos, vegetação, ar atmosférico, biodiversidade, enfim, a saúde e a vida dos agrupamentos humanos e dos ecossistemas em que se inserem. Por conseguinte, os usos posteriores à instalação industrial desativada podem se constituir em fatores de risco ao ambiente e à saúde, desde que não sejam tomadas medidas adequadas, segundo os requisitos de saúde pública e ambiental, para identificar, prevenir e controlar esses fatores de risco. Frente às argumentações apresentadas, entende-se que seja necessário desenvolver metodologias e técnicas, a partir de investigações científicas, com o intuito de orientar usos futuros de áreas contaminadas por substâncias e resíduos industriais perigosos e assegurar a reutilização dessas áreas em condições adequadas para a saúde pública e ambiental. Para subsidiar essa necessidade, está sendo desenvolvida uma proposta acerca dos parâmetros ambientais, sanitários e epidemiológicos que devem ser observados em uma intervenção técnica ou investigação científica, a fim de que a recuperação e o reuso de áreas contaminadas por substâncias e resíduos perigosos, em instalações industriais desativadas na RMSP, contemplem a prevenção dos riscos à saúde pública e ao ambiente. A finalidade da proposta é apresentar subsídios à formulação de critérios e normas que orientem usos futuros de tais áreas, de forma que sua reutilização seja operada segundo os padrões estabelecidos pela saúde pública e ambiental. O órgão estadual de Meio Ambiente do Estado de São Paulo vem elaborando, há alguns anos, o Cadastro de Áreas Contaminadas no Estado de São Paulo, um importante instrumento de gestão dessas áreas, que condensa informações e avaliações técnicas sobre sítios contaminados nos municípios do estado. Essa relação, disponível em meio eletrônico e apresentado por ordem alfabética de razão social do estabelecimento ou empresa, abrange 255 áreas identificadas como potencial ou efetivamente contaminadas, distribuídas por modalidade de ocupação do solo: uso comercial, industrial, postos de gasolina, disposição de resíduos e outros. Apresenta um conjunto de avaliações técnicas, tais como: classificação de cada área (contaminada; com proposta de remediação; sem proposta de remediação); tipo do contaminante identificado; etapas do gerenciamento na área; ações imediatas para a prevenção da exposição ao risco; e o processo de remediação indicado para cada área. A maior parte das áreas contaminadas cadastradas encontra-se ocupada por postos de combustível (gasolina e outros), conforme se observa na Figura 1. A partir dos levantamentos divulgados pelo órgão ambiental, alguns aspectos de saúde pública podem ser elencados, em caráter preliminar, para o caso das áreas que abrigam atividades industriais. De acordo com as atividades econômico-produtivas ali instaladas, e considerando também os impactos ambientais negativos produzidos pelo chamado "passivo ambiental" - acúmulo de danos ambientais que devem ser reparados a fim de que seja mantida a qualidade ambiental de um determinado local (Sánchez, 2001) - as áreas industriais desativadas apresentam determinadas características resultantes da desativação do empreendimento: contaminação do solo, poluição de aqüíferos, presença de resíduos tóxicos (Sánchez, 2001, p. 78).

Figura 1 - Áreas Contaminadas do Estado de São Paulo cadastradas pela CETESB, segundo uso e ocupação do solo. Fonte: http://www.cetesb.sp.gov.br, 04jul2002 No exemplo apresentado, a contaminação do solo, a poluição ambiental dos aquíferos e a presença de resíduos tóxicos, considerados o "passivo ambiental", são condicionantes sanitário-ambientais e epidemiológicos de riscos de agravos à saúde humana e de danos ao ambiente. Portanto, ao focalizá-lo como risco à saúde pública e ambiental, o "passivo ambiental" apresenta-se não como um déficit poluidor do passado, mas como fator interveniente, no presente, na integridade da saúde da população e da qualidade do ambiente em que vive, presumivelmente com efeitos para as gerações futuras. Logo, o passivo ambiental torna-se um risco presente. Essas considerações deixam evidente a pertinência em desenvolver critérios ou outros procedimentos que levem em conta a saúde humana e do ambiente, a serem observados em caráter preventivo, sistemático e institucionalnormativo, por ocasião dos usos futuros das áreas industriais, mesmo que os sítios industriais não apresentem histórico e registro de contaminação. Impactos ambientais e sanitários negativos, resultantes dos usos e ocupação do solo, do tipo de atividades desenvolvidas, das formas de organização dos processos produtivos no tempo e no espaço e do estágio de desenvolvimento tecnológico vigente nessas áreas, potencial ou efetivamente contaminadas, podem ser indutores da seleção de critérios ou normas, orientadores de usos posteriores à desinstalação industrial, que englobem aspectos referidos à prevenção de agravos, à promoção da saúde e proteção do ambiente. Mencionam-se, como exemplos, a identificação da população potencialmente exposta, as vias de exposição, a concentração dos contaminantes que representam doses de contaminantes disponíveis, as características físicas do meio, sócio culturais e econômicas da população e outros. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Os usos posteriores à instalação industrial desativada representam fatores de risco ao ambiente e à saúde humana, se não forem tomadas medidas adequadas, segundo os requisitos de saúde pública e ambiental, para identificar, prevenir e controlar tais fatores. Para tanto, é imprescindível o desenvolvimento de metodologias e técnicas, a partir de investigações científicas, com o intuito de estabelecer critérios orientadores ou procedimentos para a implementação de usos futuros, assegurando a reutilização dessas áreas em condições que não coloquem em risco o ambiente e a saúde da população exposta.

A identificação da população potencialmente exposta, as vias de exposição, a concentração dos contaminantes que representam doses de contaminantes disponíveis, as características físicas do meio, as características socioculturais e econômicas da população são alguns dos critérios orientadores para o novo uso proposto às áreas de desinstalações industriais. Esses critérios devem, prioritariamente, ser formulados na instância local e integrados aos instrumentos de planejamento territorial, urbano e ambiental do município. Por outro lado, o licenciamento ambiental de um empreendimento industrial, que tem como requisito a formulação de um estudo ambiental poderia incorporar, como exigência adicional de cunho preventivo, a elaboração do plano de desinstalação industrial do referido empreendimento. Essa exigência permitiria contemplar não somente os riscos à saúde, ao ambiente, a redução dos impactos ambientais, mas a caracterização dos usos posteriores permitidos para o imóvel após a desativação industrial - consideradas as características do empreendimento, dos processos produtivos, dos contaminantes e outras. Alguns requisitos devem ser observados na formulação, adoção e implementação de tais critérios: a realização de estudos, pesquisas e experimentos que permitam embasar, cientifica e tecnicamente, as alternativas de uso propostas; a formulação de instrumentos legais e normativos para oferecer o necessário suporte institucional aos critérios que venham a ser propostos; a integração multiprofissional, intersetorial e interdisciplinar, seja entre órgãos do setor governamental, organizações do setor privado, comunidade científica e técnica e sociedade civil, seja entre diferentes áreas e campos do conhecimento (como saúde, ambiente, educação; ciências médicas, biológicas, sociais, jurídicas; engenharia, arquitetura; e outras); a exeqüibilidade técnica, financeira e institucional dos critérios adotados; a participação de todos os setores da sociedade, além da observância dos aspectos éticos em questões que envolvem a saúde e a vida de seres humanos e a necessidade de preservação das gerações futuras. Com tal abordagem no campo da saúde pública, busca-se não só prevenir a geração de danos à saúde e à vida dos grupos humanos que poderão, futuramente, instalar-se em áreas de desinstalação industrial, mas também preservar o ambiente em que vivem esses grupos e a sustentabilidade dos ecossistemas com os quais interagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DGMA - Dirección General del Medio Ambiente (1982) Los residuos toxicos y peligrosos. Madrid. GÜNTHER, W. M. R. (1998) Contaminação ambiental por disposição inadequada de resíduos industriais contendo metais pesados: estudo de caso. [Tese de Doutorado]. Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. SÁNCHEZ, L. E. (1998) A desativação de empreendimentos industriais: um estudo sobre o passivo ambiental. [Tese de Doutorado]. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. SÁNCHEZ, L. E. (2001) Desengenharia: o passivo ambiental na desativação de empreendimentos industriais. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 254 pp. http//www.cetesb.sp.gov.br 04 jul2002