Alfabetizar letrando... Letrar alfabetizando: por quê? Como?



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Transcrição:

Alfabetizar letrando... Letrar alfabetizando: por quê? Como? Patrícia Moura Pinho 1 Resumo: O presente texto trata da questão da alfabetização e as discussões teóricas e didáticas acerca da mesma, principalmente após a institucionalização da progressão continuada do 1º ao 3º ano do ensino fundamental. Assim, em um primeiro momento, neste trabalho, os conceitos de alfabetização e letramento são problematizados diante das novas exigências sociais acerca de um leitor e escritor competentes. Em seguida, são analisadas algumas práticas apresentadas por professoras alfabetizadoras de uma cidade do extremo sul gaúcho, em que procuram atrelar os dois conceitos alfabetização e letramento os quais, embora sejam distintos, devem ser contemplados nas práticas de forma indissociada, caracterizando o denominado alfabetizar letrando. Na última seção deste texto, são apontadas algumas possibilidades metodológicas que contemplem de modo integrado a aquisição do sistema de escrita alfabética e seu uso em diferentes práticas sociais. Palavras-chave: Alfabetização. Letramento. Prática. Metodologias. Resumen: El presente texto trata de la cuestión de la alfabetización y las discusiones teóricas y didácticas acerca de la misma, principalmente después de la institucionalización de la progresión continuada del 1º al 3º año de la enseñanza fundamental. Así, en un primer momento, en este trabajo, los conceptos de alfabetización y letramento son problematizados delante de las nuevas exigencias sociales acerca de un lector y escritor competentes. En seguida, son analizadas algunas prácticas presentadas por profesoras alfabetizadores de una ciudad del extremo sur gaucho, que buscan unir los dos conceptos alfabetización y letramento los cuales, aún sean distintos, deben ser contemplados en las prácticas de forma desintegrada, caracterizando el denominado alfabetizar letrando. En la última sección de este texto, son apuntadas algunas posibilidades metodológicas que contemplen de modo integrado la adquisición del sistema de la escrita alfabética y su uso en distintas prácticas sociales. Palabras-clave: Alfabetización. Letramento. Práctica. Metodologías. Introdução Pretendo aqui tratar de uma questão velha conhecida por muitos professores, especialmente daqueles nomeados alfabetizadores: ensinar e aprender a ler e a escrever. Velha conhecida questão, porque não é de hoje que viemos discutindo sobre a alfabetização nas universidades, nas Secretarias de Educação e nas escolas. Contudo, a vasta discussão e até mesmo as pesquisas realizadas na área não garantiram por elas mesmas aquilo que sempre se colocou como meta: superar os altos índices de analfabetismo e analfabetismo funcional ainda muito presentes em nosso país e, por que não dizer, também em nosso Estado. 1 Doutora em Educação. Universidade Federal do Pampa, Jaguarão, Rio Grande do Sul, Brasil. V o l. 5 I S S N 2 1 7 8 4 4 8 5 - A g o s t o / 2 0 1 4 12

Isto significa que o desafio atual é ainda mais intenso, e eu até mesmo diria duplo: por um lado, o de levar à escola e alfabetizar aqueles nomeados como analfabetos pelo IBGE; por outro, em relação àqueles que já estão na escola, não basta apenas saber ler e escrever, mas formar pequenos leitores e escritores efetivos, competentes nos usos da leitura e da escrita, que emergem em diferentes práticas sociais (SOARES, 2005). Nessa direção é que entendo a intenção da Resolução do Conselho Nacional de Educação nº 7 de 14 de dezembro de 2010, que anuncia a progressão automática dos alunos do 1º ao 3º anos iniciais do ensino fundamental: propiciar a formação de usuários competentes da sua própria língua, com a qual já são colocados em interação desde o momento em que nascem e, portanto, já são conhecedores ativos da mesma em sua oralidade. A questão que nunca cala é: o que ocorre com esta interação (que torna crianças falantes competentes antes mesmo de entrar na escola de educação infantil e ensino fundamental), quando as mesmas ingressam nestas, fazendo com que a aquisição da língua escrita não seja algo tão simples assim e, trazendo ainda, como consequência, altos índices de reprovação ao final do 2º ano do ensino fundamental? Compreendo que os inúmeros debates realizados nas diferentes redes públicas de ensino vieram provocar o aprofundamento da ideia de progressão, substituindo o termo automática por continuada, com o intuito de se olhar para este novo ciclo de alfabetização e letramento que se configura nos currículos, a partir do princípio da continuidade. Nessa perspectiva, a continuidade se dará por dois motivos principais. Um ponto seria o de propiciar a ampliação do domínio da língua materna escrita pela criança, privilegiando o aspecto interativo da linguagem, ou seja, romper com a ideia cristalizada do agora é hora de aprender a escrever e a ler, que distancia as experiências com a linguagem oral já construídas pelos pequenos, daquelas que a escola então passaria a sistematizar/ensinar a escrita. Outro aspecto é provocar o olhar dos alfabetizadores para os conhecimentos que as crianças já têm e não pelo o que lhes falta, visão que não é considerada pela retenção ou reprovação. Dessa maneira, ao invés de se esperar que as crianças cheguem ao 3º ano simplesmente sem saber ler e escrever, porque não reprovaram anteriormente, a ideia é justamente o contrário: que elas tenham se tornado não V o l. 5 I S S N 2 1 7 8 4 4 8 5 - A g o s t o / 2 0 1 4 13

apenas conhecedoras do sistema de escrita alfabética, mas legítimas usuárias dos diferentes textos orais e escritos, conhecendo os objetivos e finalidades dos gêneros textuais variados, dos quais se apropriou nestes três primeiros anos do ensino fundamental. Em outras palavras, não se trata, sob o meu ponto de vista, de simplesmente facilitar (aqui pejorativamente falando) ou nivelar por baixo a aprendizagem das crianças ou mesmo o trabalho pedagógico docente. Mas de alfabetizar letrando e letrar alfabetizando, sim, desde o 1º ano do ensino fundamental. Em uma escola municipal, a professora através da organização de um supermercado em sala de aula, propôs à sua turma de 1º ano atividades de compra e venda, utilizando dinheirinho confeccionado pelas próprias crianças, cálculos e leitura de lista de compras. Abordou também a questão da reciclagem do lixo, na seleção de embalagens diversas e organização do supermercado. De uma maneira interdisciplinar, a professora envolveu nesta prática pedagógica as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências. Destaco aqui a escrita e a leitura da lista de compras, prática de letramento que, segundo ela, faz parte da rotina das famílias de sua turma. A atividade pedagógica desenvolvida por outra professora, no caso de 2º ano, tendo como objetivo a preservação do meio ambiente e a reciclagem do lixo, mostrou-nos como é possível alfabetizar e letrar a partir de problemáticas emergentes na contemporaneidade, como a questão ambiental. Através da leitura de uma história infantil, dentre outras leituras e debates sobre o consumo consciente, a alfabetizadora propôs a confecção de sacolas de lixo para automóveis, as quais apresentavam frases que enfatizavam a temática proposta e foram entregues aos familiares dos alunos, na porta da entrada de um evento da escola. O olhar para a diversidade cultural também faz parte do currículo dos anos iniciais. Nesse contexto, uma professora de 3º ano nos apresentou sua prática pedagógica, abordando a cultura indígena, presente em seu município. A metodologia privilegiou o contato com textos orais e escritos, a partir do relato do cotidiano dos índios (aprendizagens, crenças, costumes, alimentação), palestras, diálogo, leitura de imagens, observação do seu artesanato, leitura através de pesquisa na internet V o l. 5 I S S N 2 1 7 8 4 4 8 5 - A g o s t o / 2 0 1 4 14

sobre os povos indígenas, rompendo com o caráter exótico e festivo (como data comemorativa) na forma de tratar esta temática. Procurei destacar apenas uma prática de cada ano (do 1º ao 3º), dentre tantas outras interessantíssimas apresentadas em um curso de formação continuada, apenas para ilustrar o porquê de se alfabetizar letrando e letrar alfabetizando, já procurando mostrar como isto é possível, mesmo com crianças em processo inicial de escolarização fundamental. Na próxima seção, trarei algumas outras observações importantes sobre como intensificar e dinamizar estes processos na escola. Como? Sugerindo algumas estratégias... Se consideramos que antes de ser alfabetizada, a criança pode ser letrada, ou seja, nas suas experiências cotidianas aprender para que a escrita serve e o que ela representa, vendo pessoas lendo e escrevendo, manuseando materiais escritos e lendo-os a seu modo, é preciso ter a coragem pedagógica de propor atividades pedagógicas em que elas leiam e escrevam, mesmo que de forma ainda não convencional (BRASIL, 2006). Dessa maneira, penso que a organização do trabalho pedagógico para os processos de alfabetização e letramento requer: 1. Situações em que todos os alunos realizam a mesma proposta: Por exemplo, a produção coletiva de um texto após uma visita ao zoológico ou a escrita de uma música infantil (texto conhecido) individualmente. 2. Situações em que, a partir de uma mesma proposta ou material, os alunos devam realizar tarefas diferentes: A produção textual em duplas, do relato de uma observação de uma experiência em Ciências, sendo que, na dupla, os alfabéticos serão os escribas e os demais níveis de aquisição da escrita (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999) elaboram oralmente o texto. V o l. 5 I S S N 2 1 7 8 4 4 8 5 - A g o s t o / 2 0 1 4 15

3. Situações diversificadas conforme os níveis de aquisição da escrita, elaborados por Ferreiro e Teberosky (1999): Organizar os grupos de crianças em momentos semelhantes de suas aprendizagens. Por exemplo: Grupo A: Aqueles que conseguem ler individualmente poemas retirados de uma caixa de leitura. Grupo B: Os que organizam uma música conhecida, que lhes foi oferecida em tiras de papel (sendo que cada tira corresponde a uma linha e não necessariamente a uma frase). Grupo C: Trocando hipóteses, aqueles que irão listar o nome das histórias lidas pela turma em um determinado mês, utilizando letras móveis. Grupo D: Aqueles que irão procurar os nomes de personagens de histórias conhecidas em uma lista com escrita em imprensa minúscula, sendo que um colega do grupo mostra os nomes em fichas com escrita em imprensa com todas as letras em maiúscula. No planejamento das atividades que visam o processo de aquisição da escrita, ou seja, a alfabetização é imprescindível considerar que de uma correspondência sonora inicial pouco ou não aproximada, o alfabetizando vai elaborando um procedimento de análise em que passa a fazer corresponder recortes do falado a recortes do escrito. Para tanto, é preciso ler e escrever em situações que tenham sentido para os alunos, para o projeto da turma, para a temática estudada, atuando o professor na seleção de gêneros textuais a serem em ensinados e aprendidos em relação às suas características, mas principalmente efetivamente usados no cotidiano das salas de aula não somente até o 3º ano, mas do 1º ao 9º anos. Dessa forma, os processos de letramento poderão ter continuidade em todo o ensino fundamental. V o l. 5 I S S N 2 1 7 8 4 4 8 5 - A g o s t o / 2 0 1 4 16

Referências BRASIL. MEC/ SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília: FNDE, Estação Gráfica, 2006. FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. SOARES, Magda Becker. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, n.25, jan./ fev./ mar./ abr. 2005 p. 05-17. V o l. 5 I S S N 2 1 7 8 4 4 8 5 - A g o s t o / 2 0 1 4 17