SEMÍNÁRIO O ACORDO DE COTONOU: INOVAÇÕES E DESAFIOS Promotor: Fundação Friedrich Ebert FES Em parceria com: Assembléia Nacional de Angola e Ministério do Planeamento. Local: Sala 2 do Palácio dos Congressos. Luanda Angola Por: Tema: OS ACTORES NÃO ESTATAIS NO ACORDO DE COTONOU Eng.º Benjamin A. Castello Presidente da Liga Jubileu 2000 Angola LiJuA 1. INTRODUÇÃO. Antes demais gostaria manifestar aos organizadores deste seminário os profundos sentimentos de reconhecimento da Liga Jubileu 2000 Angola por ter sido convidada através da minha modesta pessoa para dissertar, alias para partilhar tanto as bem com as nossas preocupações relativas ao Acordo de parceria celebrado há praticamente três anos na cidade de Cotonou entre os marginalizados da globalização, aqui chamados Paises de África, Caraíbas e Pacífico (ACP) e a União Européia (EU) sobre Os Actores Não Estatais no Acordo de Cotonou respondendo as seguintes quatro perguntas que me/nós foram colocadas e cito: 1.ª O Papel, as Funções e as Competências dos actores não estatais? 2.ª Quem é a sociedade civil e que a representa? (Aqui refere-se a Angola)? 3.ª Quais são os fóruns e mecanismos de dialogo possíveis entre o Estado (o Estado angolano) e a sociedade civil angolana? 4.ª Problemas de aplicação do Acordo e a institucionalização dos actores não estatais. Fim de citação. 2. O PAPEL, AS FUNÇÕES E AS COMPETÊNCIAS DOS ACTORES NÃO ESTATAIS. Não poderíamos tentar responder as estas quatro perguntas sem analisar o conteúdo do respectivo acordo. Da nossa consulta dos textos do Acordo deparei-me com que dos cem artigos que constituem o texto consolidado do acordo associados a outros cento e quarenta e cinco artigos dos anexos e protocolos, se os meus cálculos são exactos, totalizando assim duzentos e quarenta e cinco artigos. Deste total somente cinco artigos falam de forma explicita dos actores não estatais. São os artigos 4º, 6º, 7º, 58º e 60º. Página 1 de 6
O Artigo 4.º - Aproximação Geral. Este artigo diz o seguinte: Que os actores não estatais: - têm direito à informação e serão envolvidos nas consultas sobre as políticas e estratégias de cooperação e sobre as prioridades relativas à cooperação; - têm direito aos recursos financeiros com vista a apoiar o processo de desenvolvimento; - serão envolvidos na implementação de projectos e programas de acordo com a sua missão, perfil e competência; - beneficiarão do reforço de capacidades (através de treinamento, formação, etc.). O Artigo 6.º - Definições. Nesta mesma análise, constatei que o artigo que atirou a minha atenção foi 6.º que define os actores da cooperação. 1. Os actores da cooperação são: a) As autoridades públicas (locais, nacionais e regionais) b) Os actores não estatais: a. O sector privado; b. Os parceiros econômicos e sociais incluindo as organizações sindicais; c. A sociedade civil sub todas as suas formas organizativas (variando de um país a outro devido às realidades próprias de ordem cultural, histórica, demográfica, política, etc.). 2. Este reconhecimento dos actores não estatais é condicionando pela apresentação do cartão de bons usos e costumes. No texto do acordo vem dizendo que o reconhecimento fica dependente da forma como estas organizações atendem as necessidades das populações, das suas competências, do seu carácter democrático, da sua capacidade organizativa e do seu nível de transparência em matéria de gestão. Isto significa que sem estes desideratos não podem ser elegíveis. O Artigo 7.º - Desenvolvimento das Capacidades. O presente artigo trata do desenvolvimento das capacidades. Neste artigo encoraja-se a emergência e o desenvolvimento bem como a promoção e/ou criação de mecanismos que permitem o envolvimento destes na definição, implementação, monitoria e avaliação das estratégias e programas de desenvolvimento. Este artigo poderá vir a consagrar o que o senhor Poul Nielson, Comissário Europeu para o Desenvolvimento e Ajuda Humanitária, tinha afirmado aquando da assinatura do Acordo de Cotonou e cito: O Acordo de Cotonou foi concebido no âmbito duma estratégia larga e comum visando à redução da pobreza, quiçá, a sua erradicação, em perfeita coerência com os objectivos do desenvolvimento sustentável e da integração progressiva dos países ACP na economia global. Fim de citação. Sendo assim esta integração na economia global nem pode nem deve significar o trinômio Pobreza-Desigualdades-Exclusão. Esta globalização deve pelo contrário significar o crescimento eqüitativo, o reforço do sector privado, o acesso aos recursos produtivos em igualdade de oportunidades dando uma dimensão particular ao gênero, a optimatização da sustentabilidade ecológica, a introdução das reformas institucionais e o reforço das capacidades dos diversos actores envolvidos e comprometidos com a mudança. Assim poderíamos afirmar alto e forte que este acordo traz inovações e desafios. Página 2 de 6
O Artigo 58.º - Elegibilidade ao financiamento. Este artigo trata da elegibilidade ao financiamento. Ele faz referência na alínea e) do seu ponto 2) aos actores de cooperação descentralizada e outros actores não estatais (entender por lá também as Organizações da sociedade civil) dos estados ACP e da União Européia. O Artigo 60.º - Campo de aplicação dos financiamentos. Este último artigo que trata do campo de aplicação dos financiamentos refere-se nas suas alíneas e) desenvolvimento das instituições e reforço das capacidades e g) ajuda humanitária e acções de emergência incluindo assistência aos refugiados, deslocados, medidas de reabilitação de curto prazo e preparativos às calamidades - que os actores não estatais também ficam contemplados. Na minha modesta opinião os quatro artigos acima citados que criam e sustentam o contorno da intervenção e/ou participação dos actores não estatais. Estes mesmos artigos limitam o espaço de manobra dos actores não estatais no âmbito da sua participação na efectivação do processo de desenvolvimento sustentável preconizado pelo Acordo de Cotonou. A luz deste Acordo, o papel, as funções e as competências dos actores não estatais já estão definidos. Cabe a estes pressionar as estruturas formais já existentes a nível nacional, regional e global no sentido de encontrar através dum diálogo permanente vias e meios de alargamento deste espaço. 3. QUEM É A SOCIEDADE CIVIL E QUE A REPRESENTE? Falar da sociedade civil ou seu nome sempre foi polêmico num país com pouca tradição e cultura de confrontes de idéias. Todavia riscarei de dar a seguinte definição: A sociedade civil é o conjunto de organizações formais e informais cujo objectivo é o exercício da cidadania. Também como o tema principal da minha dissertação não é a sociedade civil. Com a autorização dos ilustres presentes não gostaria me prolongar muito sobre o que é o que não é. Como nós encontramos na fase de construção da democracia no nosso país e dum estado de direito, limiterei-me e assumirei a definição que a Liga Jubileu 2000 Angola e os seus parceiros na região oriental e austral de África dão à sociedade civil. Isso é um espaço de diálogo permanente sobre as questões políticas, culturais, espirituais, ambientais, sociais, econômicos isento de cunho partidário. Não obstante da polemica que isto pode vir a suscitar, dos componentes da sociedade civil podemos citar os seguintes: - as organizações não governamentais; - as associações profissionais; - as associações juvenis e de mulheres; - as denominações religiosas na sua missão social; - as organizações culturais; - as autoridades tradicionais e equiparadas não funcionárias do Estado; - os intelectuais e acadêmicos; - os sindicatos; - os grupos de interesse e sindicatos de iniciativa; - as associações cooperativistas sem fim lucrativo; - todas as outras organizações que se identifiquem com membros da sociedade civil. No caso de Angola é um movimento social ainda incipiente devido às várias razões de ordem objectiva e subjectiva. Nos últimos cinco anos ela já está a constituir-se num parceiro social do estado incontornável. Ela ainda merece de uma capacitação institucional e organizacional. Página 3 de 6
Reconhecemos que a maioria das organizações da sociedade civil angolana dedica-se à assistência humanitária devido à conjuntura até ontem vivida no nosso país. Quanto ao movimento sindical angolano, ao meu ver, ele ainda é muito frágil. Pois a sua acção consubstancia-se na reivindicação do aumento de salários e para melhoria das condições de trabalho. Ainda não se tornou pro-activo participando na busca de soluções alternativas no tocante a diversificação e promoção de empregos. E pouco participa e/ou associa-se às actividades de outros actores não estatais. Quanto à pergunta quem a represente? Eu sou de opinião que devemos deixar este critério ao livre arbitro dos que se identificam com o movimento. 4. QUAIS FORUNS E MECANISMOS DO DIALOGO POSSÍVEIS ENTRE O ESTADO E A SOCIEDADE CIVIL? Na região austral (Região da SADC 1 ) onde Angola encontra-se inserida, a nível nacional, já foram estabelecidos fóruns nacionais com vista a facilitar o dialogo e o envolvimento dos actores não estatais no quadro da cooperação EU-ACP. No início, forma criados pontos de contacto. Certos países como já constituíram fóruns de actores não estatais juntando numa mesma plataforma de entendimento Ongs, sindicatos, igrejas, associações profissionais, organizações comunitárias de base (OCBs), acadêmicos, etc. Todavia o nível de desenvolvimento destas estruturas variam dum país a outro e muitos deles ainda permanecem no estado rudimentares. Pois foram frutos de entusiasmo generalizado e desmedido em estabelecer estruturas viáveis que representem os pontos de vista das Ongs junto do quadro da cooperação EU-ACP. Já foram realizados encontros no sentido de promover a emergência e consolidação de fóruns regionais e sub regionais dos actores não estatais. Podemos aqui citar como exemplo a iniciativa dos actores não estatais da região oriental e austral de África que conseguiu juntar em Novembro de 2000 na cidade de Gaberone no Botswana cerca de 70 delegados oriundos de 14 paises da região com vista a discutir e partilhar idéias sobre as questões chaves relativas às preocupações das Ongs e outros actores não estatais de ambas regiões. O encontro de Gaborone tratou das questões ligadas à dívida externa, à integração regional, ao papel da sociedade civil no quadro do Acordo de Cotonou, à gestão e prevenção de conflitos, ao HIV/SIDA, às políticas econômicas, aos direitos humanos, à boa governação e outras questões ligadas ao gênero. O respectivo encontro identificou áreas prioritárias de acção cuja implementação ainda fica dependente ao financiamento externo. No seguimento deste encontro, realizou-se em Bruxelas em Julho de 2001 o primeiro encontro mundial dos actores não estatais dos ACPs. A conferência foi uma primeira tentativa de dialogo entre as partes interessadas na participação dos actores não estatais no Acordo de Cotonou. Isto é entre a União Européia, os ACPs e os representantes da sociedade civil sobre a participação da sociedade civil no acordo e como é que esta participação poderia se tornar operacional e efectiva? O maior obstáculo ao dialogo ali encontrado foi a ausência de estruturas formais e reconhecidas representando os actores não estatais. O fórum mundial achou que a prioridade para a sociedade 1 SADC Sigla inglesa da Comunidade Económica da África Austral. Página 4 de 6
civil seria a criação e a formalização destas estruturas tanto a nível nacional, regional como mundial com vista a facilitar um dialogo estruturado. Do encontro de Gaberone e da conferência de Bruxelas, foram identificadas as seguintes áreas principais: Encontro de Gaberone (Novembro de 2000) Advocacia e Dialogo Reforço de Capacidade e Estabelecimento de estruturas nacionais Informação e Redes Pesquisa Conferência de Bruxelas (Julho de 2001) Dialogo e advocacia Reforço das Capacidades nacionais, sub regionais e globais das estruturas dos ACPs Monitoria e Avaliação do Acordo de Cotonou Nesta ordem de idéias que os actores não estatais da África austral e oriental tomaram de novo a iniciativa de organizar um fórum em 2003 em Maputo visando tanto à formalização de estruturas regionais bem como à concretização do seu programa de trabalho baseando-se no Plano de Acção aprovado no fórum de actores não estatais de Bruxelas de 2001. A nível de Angola esta iniciativa ainda é incipiente devido à fragilidade institucional e organizacional das organizações que constituem a sociedade civil angolana. Todavia a Liga Jubileu 2000 Angola no seu programa de trabalho para 2003-2005 agendou a dinamização do processo de alargamento dum espaço de concertação de actores não estatais de Angola através dos seus grupos de trabalho que tratam de assuntos ligados à problemática da pobreza e às relações financeiras internacionais. 5. PROBLEMAS DE APLICAÇÃO DO ACORDO E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS ACTORES NÃO ESTATAIS. A nível nacional, a formalização das estruturas de participação dos actores não estatais depende do seguinte: 1.º Vontade política da parte dos órgãos instituídos do Estado angolano em promover um diálogo político permanente com todos os seus parceiros sociais. Este diálogo deve ser conduzido e/ou animado de forma horizontal e vertical. No plano vertical, ele deve ser conduzido prioritariamente de baixo (nível dos governados) para cima (nível dos governantes). O Fórum deverá ser criado através dum diploma legal e beneficiará de um orçamento próprio constante no Orçamento Geral do Estado. 2.º Definir quem é quem. Precisa-se definir critérios objectivos de selecção dos representantes dos actores não estatais a serem convidados a fazer parte do fórum nacional a ser criado para este fim. Deveria ter em consideração do perfil, da natureza, do nível organizacional e da competência destes actores não estatais. 3.º Estabelecer mecanismos transparentes de consulta e participação. As sessões de consultas e seus resultados devem ser largamente divulgados. Os actores não estatais ou seus representantes devem ser tidos e achados na elaboração das agendas de trabalho. As convocatórias deverão ser distribuídas com a devida antecedência com vista a permitir uma pré consulta ou concertação a nível das organizações que representem os actores não estatais. 4.º Elaboração de um plano de trabalho a médio e longo prazo e de um calendário dos encontros. Este plano de trabalho e o seu respectivo calendário Página 5 de 6
6. RECOMENDAÇÕES Para o futuro Fórum nacional a criar a nível de Angola, a Liga Jubileu 2000 Angola LiJuA propõe a seguinte agenda de trabalho: 1.º Diálogo político permanente sobre os direitos humanos, a democracia, a prevenção e a mediação dos conflitos de vária índole; 2.º Desenvolvimento social e humano: Questões ligadas ao gênero (dando-lhes um tratamento transversal); Desenvolvimento sustentável; HIV/SIDA e as doenças endêmicas (malária, tuberculosa e doença de sono); Segurança alimentar; Reforma agrária; Efectivação das ajudas. 3.º Integração regional e cooperação económica: Políticas econômicas de desenvolvimento Mudanças (Dívida Externa, Estratégia de Redução da Pobreza, etc.) 4.º Comércio: Os acordos de comércio entre os estados ACP e a União Européia (Associar os actores não estatais nas negociações do novo acordo de comércio). 7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS. - O Novo Acordo ACP-EU (Cotonou) Guia do Utilizador, Centro de Estudos de Comércio e Desenvolvimento Trades Centre, Harare/Zimbabwe Outubro de 2000. - Accord de Partenariat ACP-CE signé à Cotonou le 23 Juin 2000, Supplément au Courrier, Le Courrier ACP-UE Septembre 2000. - The Cotonou Agreement : Who is Agreeing? by E.K. Bensash, 22 May 2003. - Relatório do Seminário sobre o Acordo de Cotonou com a OTM-CS 2, Maputo/Moçambique Outubro de 2002. Luanda, aos 16 de Junho de 2003. 2 OTM CS: Organização dos Trabalhadores de Moçambique Central Sindical. Página 6 de 6