Capitulo III BENEFÍCIOS DO RESFRIAMENTO EM GRÃOS DE MILHO Destaque: 1) Grãos de milho com 14% de umidade a 15ºC mantém padrão de classificação tipo 1 por 9 meses de armazenamento. 2) O resfriamento de grãos de milho reduz a quebra técnica durante o armazenamento. 3) O resfriamento de grãos de milho mantém altos índices de extração e pureza do amido, por pelo menos um ano de armazenamento. 4) O resfriamento na faixa de 10 a 14ºC inibe a multiplicação de fungos durante o armazenamento de grãos de milho. 1. Introdução O milho é um dos grãos mais produzidos no Brasil e utilizado na composição da ração animal ou para consumo humano, na forma direta de grãos in natura, ou a partir de seus derivados, como a farinha, óleo e o amido. A produção anual de milho no Brasil, distribuídas em duas safras, está em torno de 87,4 milhões de toneladas, sendo que os principais estados produtos são o Paraná, Mato Grosso, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Assim como outros grãos, a colheita dos grãos de milho ocorre de forma sazonal, no entanto, a sua utilização se estende por todo o ano. Dessa forma, a etapa de armazenamento se torna imprescindível para manter a demanda do grão no período de entre safra. Além disso, a manutenção da qualidade dos grãos é um dos principais objetivos da etapa de armazenamento. Durante o armazenamento dos grãos, dentre outros fatores, a umidade dos grãos e a temperatura de armazenamento são os principais responsáveis por reduções na qualidade dos grãos. Nesse contexto, será abordado nesse capítulo os benefícios da redução da temperatura de armazenamento de grãos de milho sobre parâmetros de avaliação da qualidade. 47
2. Benefícios do resfriamento em grãos de milho Um estudo realizado por Paraginski (2013) avaliou o armazenamento de grãos de milho em diferentes condições de umidade dos grãos (12 e 14%) e temperaturas (5, 15, 25 e 35 C) de armazenamento, durante um período de 12 meses Outro estudo realizado por Filho et al. (2007) na unidade de armazenagem da empresa Fiagril Agro Mercantil, em Lucas do Rio Verde-MT avaliou a influência da aeração natural e artificial (resfriamento) sobre o desenvolvimento de fungos em grãos de milho armazenados por um periodo 110 dias. Os principais resultados desses estudos são abordados a seguir. 2.1. Umidade Na Figura 1 são apresentados os resultados de umidade dos grãos de milho armazenados em diferentes condições de umidade e temperatura durante 12 meses. Observa-se que houve redução da umidade dos grãos de milho quando esses foram armazenados na temperatura de 35 C, sendo que nas demais condições de armazenamento testadas, não foram observadas variações significativas no conteúdo de umidade. O comportamento verificado nesse estudo foi atribuído ao sistema de armazenamento utilizado, que é o semi-hermético, ou seja, aquele que permite trocas de ar entre o ambiente interno e o ambiente externo de armazenamento. A temperatura de 35 C consegue manter uma menor umidade relativa do ar, dessa forma, no momento que as trocas de ar entre os ambientes de armazenamento começam a ocorrer, os grãos começam a perder sua umidade para o ar, por não estar em equilíbrio higroscópico com o ar. A manutenção da umidade inicial dos grãos no armazenamento é importante (exceto quando a umidade estiver acima do ideal para o armazenamento), pois quando maior a redução da umidade, maior é a redução do peso dos grãos (verificado na Figura 3) e também maior a perda econômica para o armazenista. De acordo com esse estudo, ao final dos 12 meses de armazenamento, a umidade dos grãos armazenados a 35 C ficou próxima de 7%, ou seja, bem abaixo dos parâmetros de comercialização. A partir desses resultados fica evidente a importância da redução da temperatura de armazenamento dos grãos para manter os índices de umidade. 48
3 Figura 1. Teor de água (umidade) (%) de grãos de milho armazenados por 12 meses em diferentes condições de umidade e temperatura. 2.2. Condutividade elétrica Na Figura 2 são apresentados os resultados de condutividade elétrica dos grãos de milho armazenados em diferentes condições durante 12 meses. Observa-se significativo aumento da condutividade elétrica dos grãos armazenados a 25 C e principalmente quando armazenados a 35 C, enquanto que os grãos armazenados em temperaturas de refrigeração não apresentaram aumentos na condutividade elétrica durante o período de armazenamento. Conforme já discutido em outros capítulos, a condutividade elétrica é uma medida indireta da integridade celular dos grãos, e quanto maior a condutividade elétrica, mais danificado estão os grãos em seu interior. Conforme os resultados desse estudo, a utilização de temperaturas de refrigeração proporciona as mínimas alterações na condutividade elétrica dos grãos, o que indica que são poucas as alterações verificadas na estrutura celular desses grãos. A utilização de temperaturas de refrigeração reduz a atividade enzimática de algumas enzimas responsáveis pela degradação celular e, com isso, mantendo a integridade celular e consequentemente a qualidade dos grãos, conforme pode ser verificado em outros parâmetros de qualidade dos grãos abordados nesse capítulo. 49
Figura 2. Condutividade elétrica (µm.cm -1.g -1 ) de grãos de milho armazenados por 12 meses em diferentes condições de umidade e temperatura. 2.3. Peso de Mil Grãos Na Figura 3 são apresentados os resultados do peso de mil grãos de milho armazenados em diferentes condições de umidade e temperatura durante 12 meses. Observa-se que no início do armazenamento os grãos com 12% de umidade apresentaram menor peso de mil grãos quando comparado aos grãos com 14% de umidade, devido ao menor teor de água desses grãos. Durante o armazenamento, observa-se uma redução do peso de mil grãos apenas nos grãos armazenados na temperatura de 35 C, o que é resultado da redução da umidade, conforme abordado anteriormente, associado ao consumo das reservas energéticas dos grãos em resposta a suas necessidades metabólicas. A redução da temperatura de armazenamento reduz a taxa respiratória dos grãos e com isso, preservando suas reservas energéticas como as proteínas e os carboidratos. 50
Figura 3. Peso de Mil Grãos (g) de grãos de milho armazenados por 12 meses em diferentes condições de umidade e temperatura. Outros estudos, cujos resultados estão apresentados na Tabela 1, demonstram que milho armazenado por 30 dias em temperaturas variando entre 25 e 35 C apresentaram de 6 a 27 vezes mais perda de matéria seca, respectivamente, do que grãos refrigerados a 10 C. Tabela 1 - Perda de matéria seca em 1.000 t de milho armazenado durante 30 dias Condições ambientes Temperatura ( C) Perda de matéria seca Temperatura ambiente - média 25 Perda de 0,12% (= 1,2 t) Temperatura ambiente - alta 35 Perda de 0,54% (= 5,4 t) Grãos refrigerados 10 Perda de 0,02% (= 0,2 t) Fonte: BRUNNER, citado por LAZZARI (2007). 2.4. Classificação Na Tabela 2 é apresentada a classificação dos grãos de milho armazenados em diferentes condições de umidade e temperatura durante 12 meses. Observa-se que até os 6 meses de armazenamento, em todas as condições de armazenamento estudadas, os grãos apresentaram tipo 1, no entanto, com 9 meses já houve alteração de tipo e com 12 meses, os grãos armazenados a 25 C (14% de umidade) apresentaram classificação AP (abaixo do padrão de comercialização) e os grãos armazenados a 15 e a 35 C apresentaram tipo 3. Os grãos armazenados a 35 C apresentaram uma melhor classificação, quando comparado aos grãos armazenados a 25 C, porque houve redução da umidade nesses grãos ao longo do armazenamento, conforme abordado na Figura 1. Quando se utilizou a 51
temperatura de 5 C os grãos apresentaram tipo 2 após 12 meses de armazenamento e quando se armazenou a 12% de umidade na temperatura de 25 C os grãos apresentaram tipo 1. A partir desses resultados, verifica-se que a utilização de temperaturas de refrigeração mantém a tipificação dos grãos em melhores condições, quando comparado ao armazenamento em temperaturas elevadas. A redução da temperatura reduz a taxa respiratório, minimiza o crescimento de microrganismos e reduz a velocidade de reações químicas e enzimáticas, o que resulta em uma melhor conservação dos grãos ao longo do período de armazenamento, o que automaticamente representa maior ganho econômico para o setor de armazenamento e industrialização desses grãos. Tabela 2. Classificação dos grãos de milho armazenados durante doze meses em sistema semi-hermético, em diferentes condições de umidade e temperatura, de acordo com o regulamento técnico do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA. 2.5. ph dos grãos Na Figura 4 são apresentados os resultados do ph dos grãos (farinha) de milho armazenados em diferentes condições de temperatura durante 12 meses. Observa-se uma redução do ph dos grãos de milho de acordo com o aumento do tempo e da temperatura de armazenamento, sendo que a maior redução é observada nos grãos armazenados na temperatura de 35 C. As reduções do ph dos grãos indicam uma maior formação de compostos ácidos durante o período de armazenamento, associado a uma maior desestruturação celular dos grãos, o que facilita a lixiviação de íons de hidrogênio, os quais são detectados pela análise de ph. As temperaturas de refrigeração reduzem a velocidade das reações químicas e enzimáticas no interior dos grãos, melhorando a sua conservação. 52
Figura 4. ph dos grãos (farinha) de milho armazenados por 12 meses em diferentes condições de temperatura. Resultados semelhantes que demonstram os benefícios do resfriamento de grãos de milho sobre o ph dos grãos também pode ser observado em estudo realizado por Rehman et al. (2002). 2.6. Acidez do óleo Na Figura 5 são apresentados os resultados de acidez do óleo obtido de grãos de milho armazenados em diferentes condições de temperatura durante 12 meses. Observase que os grãos armazenados na temperatura 25 C apresentaram o maior aumento na acidez do óleo, após 12 meses de armazenamento, seguido dos grãos armazenados com 5, 15 e 35 C. É importante destacar que os grãos armazenados a 35 C apresentaram pouco aumento da acidez, por que a umidade desses grãos apresentou expressiva redução ao longo do tempo de armazenamento, conforme apresentado na Figura 1, impedindo a ação das enzimas responsáveis pela formação de ácidos graxos livre que conferem acidez ao óleo. 53
Sabendo que a expressiva redução da umidade dos grãos verificada no armazenamento a 35 C não é indicada, observa-se que temperaturas de refrigeração (5 e 15 C) proporcionaram os menores aumentos da acidez dos lipídios ao longo do período de armazenamento, quando comparado ao armazenamento a 25 C. Esses resultados são importantes, por que uma acidez elevada dos lipídios, encarece os processos de refino do óleo, além de reduzir o rendimento do óleo que deve atender os parâmetros da legislação para comercialização. Figura 5. Acidez (mg de NaOH.100g -1 de óleo) de milho armazenados por 12 meses em diferentes condições de temperatura. Resultados semelhantes que demonstram os benefícios do resfriamento de grãos de milho sobre a acidez lipídica também pode ser observado em estudo realizado por Rehman et al. (2002). 54
2.7. Coloração (valor b*) Na Figura 6 são apresentados os resultados do valor b* (variação de cor do azul ao amarelo) dos grãos de milho armazenados em diferentes condições de umidade e temperatura. Observa-se uma redução do valor b* dos grãos de acordo com o aumento do tempo e da temperatura de armazenamento, principalmente a 35 C. A redução no valor B indica a perda da coloração amarela, característica dos grãos de milho, o que contribuiu para a perda da tipificação dos grãos, conforme verificado na Tabela 1, que apresenta a classificação dos grãos. A perda da coloração amarela é resultado da presença de fungos, associado a uma série de reações químicas e enzimáticas que aceleram o metabolismo dos grãos e acabam destruindo as moléculas dos carotenoides, que são os principais pigmentos responsável pela coloração amarela dos grãos de milho. Figura 6. Valor b* dos grãos de milho armazenados por 12 meses em diferentes condições de temperatura. 2.8. Proteína solúvel (solubilidade proteica) Na Figura 7 são apresentados os resultados de proteína solúvel de grãos de milho armazenados em diferentes condições de temperatura durante 12 meses. Observa-se uma expressiva redução da solubilidade proteica no armazenamento a 35 C, sendo que o armazenamento na temperatura de 15 C foi a condição que apresentou as mínimas alterações na solubilidade proteica ao longo do armazenamento. 55
A medida de solubilidade proteica é mais uma forma de verificar as alterações que ocorrem no interior dos grãos, dessa forma, menores índices de solubilidade proteica indicam uma maior complexação das proteínas no interior dos grãos, o que pode interferir no rendimento de extração de amido, como será abordado a seguir, ou ainda podem interferir na digestibilidade dessas proteínas, ou seja, no grau de aproveitamento da proteína do milho quando for consumida pelos animais no momento da engorda. Figura 7. Proteína solúvel (%) de milho armazenados por 12 meses em diferentes condições de temperatura. 2.9. Parâmetros do amido Na Tabela 3 são apresentados os resultados do rendimento de extração de amido, valor b* (variação do azul ao amarelo), valor L* (luminosidade) e teor residual de proteínas e gorduras no amido isolado de grãos de milho armazenados em diferentes condições de temperatura, no início e após 12 meses. Observa-se que não houve diferença estatística no rendimento de extração de amido quando armazenados nas temperaturas de 5, 15 e 25 C após 12 meses de armazenamento, no entanto, observa-se uma redução de aproximadamente 22% no rendimento de extração de amido quando os grãos foram armazenados por 12 meses na temperatura de 35 C, em comparação com o início do armazenamento. O amido de milho é amplamente comercializado no Brasil e no mundo, sendo aplicado em uma ampla diversidade de alimentos e também no setor farmacêutico. Nesse 56
contexto, uma redução no rendimento de extração de amido, significa que será necessária uma maior quantidade de grãos de milho para obter a mesma quantidade de amido necessária para atender a demanda do mercado, o que encarecerá o produto final. Além da redução no rendimento de extração, o aumento no valor b* e a redução no valor L* (Tabela 3) verificados no amido isolado de grãos armazenados a 35 C, quando comparados ao amido obtido no início do armazenamento, indicam que esse amido, ficou mais amarelo e mais escuro ao longo do armazenamento, provavelmente pelo maior teor de proteína residual no amido (Tabela 3), verificado nessas mesmas condições de armazenamento. Essas alterações indicam que o amido perdeu suas características originais, o que pode acarretar em perda de valor econômico e aceitabilidade perante o consumidor. A redução no rendimento de extração e as alterações de cor no amido, verificadas nesse estudo, é resultado de reações de complexação entre proteínas e amido, dificultando a liberação do amido no momento da extração, além de arrastar uma maior quantidade de proteína junto com o amido, no momento da extração. Dessa forma, uma alternativa para minimizar essas alterações na qualidade do amido de milho é a utilização de temperaturas de refrigeração. Tabela 3. Rendimento de extração (%), valor b*, valor L* e teor residual de proteína (%) e lipídios (%) do amido isolado de grãos de milho armazenados durante doze meses nas temperaturas de 5, 15, 25 e 35ºC. 2.10. Fungos Um estudo realizado na unidade de armazenagem da empresa Fiagril Agro Mercantil, localizada no Município de Lucas do Rio Verde-MT, avaliou a presença de fungos em grãos de milho armazenados com aeração natural e artificial (10 a 14 C), durante 110 dias, e os resultados desse estudo são apresentados na Tabela 4. Observa-se que após a descarga dos grãos (110 dias de armazenamento) no armazém com aeração 57
artificial, houve manutenção ou redução do número de grãos infectados, enquanto que no armazém com aeração ambiente, houve expressivo aumento de grãos infectados, principalmente por Aspergillus glaucus. Esses resultados demonstram a importância da utilização de temperaturas de resfriamento no armazém para impedir o desenvolvimento de fungos, o que representa manutenção da qualidade dos grãos. Tabela 4. Resultados percentuais, em número de grãos de milho infectados por diferentes espécies de fungos, observados durante a armazenagem, em silos, de milho resfriado e aerado com ar na temperatura ambiente Armazém Aerado com ar à temperatura Resfriado (%) ambiente (%) Espécies de fungos Entrada Descarga Entrada Descarga Aspergillus restrictus 09 10 10 8 Aspergillus glaucus 18 11 07 23 Aspergillus flavus 03 01 03 01 Rhizopus 00 00 00 00 Nota: 1) Os valores são oriundos da contagem de 1.000 grãos provenientes de amostras obtidas em diferentes pontos da massa de grãos. 2) Em cada amostragem foram coletadas aproximadamente 4.000 kg de grãos. Fonte: Filho et al. (2007). 3. Referências FILHO, A. F. L.; DEMITO, A.; MIRANDA, L.; COSTA, C. A.; HEBERLI, E.; VOLK, M. B. S. Resultados comparativos do resfriamento artificial e aeração com ar ambiente durante o armazenamento a granel de 16.000 t de milho. Relatório final de atividades Técnicas. 8f. Disponível em: http://www.coolseed.com.br/images/artigosbeneficios/milho/milho%202007.pdf. Acesso em: 03/10/2017. LAZZARI, F. A. Comunicação pessoal. 2007. PARAGINSKI. R. T. Efeitos da temperatura de armazenamento de grãos de milho (Zea mays L.) nos parâmetros de qualidade tecnológica, metabólitos e propriedades do amido. Dissertação de mestrado. 109f. Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas/RS, 2013. REHMAN, Z.; HABIB, F.; ZAFAR, S. I.; Nutritional changes in maize (Zea mays) during storage at three temperatures. Food Chemistry. v.77, p.197-201, 2002. 58