O Grupo Fundamental. Estela Garcia Maringá PR, Brasil

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Transcrição:

O Grupo Fundamental Estela Garcia Maringá PR, Brasil Abstract In topology, equivalent topological spaces are called homeomorphic topological spaces, and they share the same topological properties, which are called topological invariants. One example of topological invariant is the fundamental group. In this work, we define the fundamental group, we study some of its properties and we calculate the fundamental group of the unit circle S 1. Key words: topology, homotopy, fundamental group Resumo Em topologia, espaços equivalentes topologicamente são chamados de espaços homeomorfos, e estes espaços possuem as mesmas propriedades topológicas, as quais são chamadas invariantes topológicos. Um exemplo de invariante topológico é o grupo fundamental. Neste trabalho, definimos o grupo fundamental, estudamos algumas de suas propriedades e calculamos o grupo fundamental da circunferência unitária S 1. Palavras-Chave: topologia, homotopia, grupo fundamental AMS 2000 subject classification: 22E60 Este texto é resultado de um PIBIC sobre orientação do Professor Ryuichi Fukuoka Financiado pelo PIBIC/CNPq 1

1 Introdução Um problema importante na topologia é decidir quando dois espaços topológicos são homeomorfos. Para mostrar que dois espaços são homeomorfos, devemos exibir um homeomorfismo entre eles. Se desejamos mostrar que estes não são homeomorfos, devemos apresentar alguma característica desses espaços que seja invariante por homeomorfismos mas seja diferente em cada um deles. Conceitos elementares como conexidade ou compacidade são aplicáveis em alguns casos simples, mas têm uso bastante limitado. Para a maioria dos problemas, precisamos de invariantes topológicos mais sofisticados. Um deles é o grupo fundamental, que estudaremos neste trabalho. Começamos nosso estudo por homotopias, que formaliza a ideia de deformação contínua de funções contínuas. Em seguida, veremos o conceito de homotopia entre caminhos. Alguns resultados sobre homotopias serão apenas enunciados, para mais detalhes ver [1]. Podemos assim, introduzir o conceito de grupo fundamental. Seja X um espaço topológico e considere x 0 X. O grupo fundamental é essencialmente formado pela classe de homotopia dos caminhos fechados em x 0, e a sua operação é definida como o produto entre tais caminhos. Por fim, veremos que o grupo fundamental da circunferência S 1 é isomorfo ao grupo aditivo dos inteiros. Neste estudo admitiremos sem maiores comentários, alguns conceitos de topologia geral, os quais podem ser encontrados em [2]. Este texto é resultado de um PIBIC sobre orientação do Professor Ryuichi Fukuoka. 2 Homotopia Nesta seção iremos definir o conceito de homotopia entre funções e demonstrar algumas propriedades relacionadas a este conceito. Em todo o texto denotaremos o intervalo [0, 1] por I. Sejam X e Y espaços topológicos. Definição 2.1. Sejam f, g : X Y funções contínuas. Dizemos que f e g são homotópicas, se existe uma função contínua H : X I Y que satisfaça: H(x, 0) = f(x) e H(x, 1) = g(x) x X. Denotaremos H : f g para dizer que H é uma homotopia entre f e g ou simplesmente f g para dizer que f e g são homotópicas. 2

De modo intuitivo, a homotopia H pode ser vista como uma deformação contínua da função f na função g no decorrer do tempo, que no caso varia de 0 a 1. Proposição 2.2. Sejam f, g : X Y contínuas e E um espaço vetorial normado. Se Y E e o segmento de reta [f(x), g(x)] Y, x X, então, existe H : f g. Demonstração: Defina H : X I E por H(x, t) = (1 t)f(x) + tg(x). Assim, H é contínua, H(x, 0) = f(x) e H(x, 1) = g(x). Observe ainda, que para cada x 0 X, temos que H(x 0, t) percorre o segmento de reta [f(x 0 ), g(x 0 )], conforme t varia em I. Portanto, H está bem definido e f g. A homotopia definida na proposição 2.2, é chamada de homotopia linear. Proposição 2.3. Sejam X e Y espaços topológicos. A relação de homotopia é uma relação de equivalência no conjunto das funções contínuas de X em Y. Demonstração: 1. (Reflexiva): Seja f : X Y uma função contínua. Definimos H : X I Y por H(x, t) = f(x), x X, t I. Desta forma, H : f f. 2. (Simétrica): Dado que existe H : f g, definimos K : X I Y por K(x, t) = H(x, 1 t). Assim, K : g f. 3. (Transitiva): Sejam H : f g e K : g h. Definimos L : X I Y por L(x, t) = { H(x, 2t), se t [0, 1 2 ], K(x, 2t 1), se t [ 1 2, 1] Assim, L(x, 0) = f(x), L(x, 1) = h(x) e L é contínua pelo Lema da Colagem. Portanto, L : f h. As classes de equivalência segundo a relação de homotopia são chamadas classes de homotopia. Indicaremos a classe de homotopia de uma função contínua f : X Y pelo símbolo [f]. 3

Proposição 2.4. Sejam H : X I Y e K : Y I Z tais que H : f f e K : g g. Então existe L : X I Z tal que L : g f g f. Demonstração: Definindo L(x, t) = K(H(x, t), t), temos que L(x, 0) = g f(x), L(x, 1) = g f e L é contínua. Logo, L : g f g f. Consequentemente, podemos definir a composição entre classes de homotopias. Dadas f : X Y e G : Y Z, definimos [g] [f] = [g f]. Proposição 2.5. Se os homeomorfismos f, g : X Y são homotópicos, então suas inversas f 1, g 1 : Y X também o são. Demonstração: Como f, g são homeomorfismos, temos que f, g são contínuas e existem as funções inversas f 1, g 1 também contínuas. Por hipótese, existe uma homotopia H : X I Y entre f e g. Queremos mostrar que existe K : Y I X, tal que K : f 1 g 1. Definindo, K(y, t) = f 1 H(g 1 (y), 1 t), verificamos facilmente que K é uma homotopia. De fato, K(y, 0) = f 1 H(g 1 (y), 1) = f 1 g(g 1 (y)) = f 1 (y) e K(y, 1) = f 1 H(g 1 (y), 0) = f 1 f(g 1 (y)) = g 1 (y). Além disso, K é contínua, uma vez que f 1, g 1 e H o são. 3 Homotopia de Caminhos O conceito de homotopia entre caminhos é muito importante para o estudo de grupo fundamental e será definido nesta seção. Além disso, iremos enunciar alguns resultados envolvendo esse conceito. As demonstrações podem ser encontradas em [1]. Consideraremos a partir de agora caminhos definidos no intervalo I. Exigimos condições a mais para a homotopia de caminhos. Definição 3.1. Sejam a, b : I X caminhos. Diremos que a e b são homotópicos, quando existe H : I I X contínua, tal que H(s, 0) = a(s), H(s, 1) = b(s), H(0, t) = a(0) = b(0) e H(1, t) = a(1) = b(1). Neste caso, denotaremos a = b. 4

Figura 1: Homotopia de caminhos. Veja figura 1. Em particular, se a, b : I X são caminhos fechados em x 0 X, então uma homotopia H : a = b deve satisfazer H(s, 0) = a(s), H(s, 1) = b(s) e H(0, t) = H(1, t) = x 0, s, t I (Ver figura 2). Figura 2: Homotopia de caminhos fechados. Definição 3.2. Sejam a, b : I X caminhos fechados. Dizemos que a e b são livremente homotópicos se existe uma função contínua H : I I X tal que H(s, 0) = a(s), H(s, 1) = b(s) e H(0, t) = H(1, t), s, t I. Observe que a igualdade H(0, t) = H(1, t), t I, nos diz que H t : I X, onde H t (s) = H(s, t) é um caminho fechado, para cada t I. Veja figura 3. Considere e x : I X o caminho constante em x, isto é, e x (s) = x, s I. Denotaremos sempre ε x = [e x ]. 5

Figura 3: Caminhos livremente homotópicos. Definição 3.3. Seja a : I X um caminho. Definimos o caminho inverso a 1 : I X como a 1 (s) = a(1 s), s I. Note que se a : I X é caminho ligando x 0 a x 1, isto é, a(0) = x 0 e a(1) = x 1 com x 0, x 1 X, então a 1 faz o percurso no sentido inverso, ligando x 1 a x 0, ou seja, a 1 (0) = x 1 e a 1 (1) = x 0. Definição 3.4. Sejam a, b : I X caminhos tais que o ponto final de a coincida com o ponto inicial de b, ou seja, a(1) = b(0). Definimos o produto de a com b por ab : I X, onde { a(2s), se s [0, 1 ab(s) = ], 2 b(2s 1), se s [ 1, 1] 2 Temos que este produto ab é um caminho (Ver figura 4). Figura 4: O caminho produto ab. Observamos que o produto de caminhos não é uma operação associativa. Iremos nos referir ao produto de caminhos (((a 1 a 2 )a 3 )...)a k simplesmente como a 1 a 2...a k. Proposição 3.5. Sejam a, a, b, b : I X caminhos, tais que a = a e b = b. Se a(1) = b(0), então ab = a b. Proposição 3.6. Sejam a, a : I X caminhos tais que a = a. Então a 1 = (a ) 1. 6

Sejam a e b caminhos tais que a(1) = b(0). Defina o produto [a][b] = [ab]. A proposição 3.5, nos garante que o produto está bem definido, uma vez que não depende da escolha dos representantes de cada classe. De forma análoga, a proposição 3.6, nos permite definir sem ambiguidades a classe α 1 = [a 1 ]. Teorema 3.7. Sejam a, b, c : I X caminhos tais que o produto abc : I X esteja definido (isto é, a(1) = b(0) e b(1) = c(0)). Então, considerando as classes de homotopias α = [a], β = [b] e γ = [c], temos as seguintes propriedades: 1. (Associatividade): (αβ)γ = α(βγ). 2. (Elemento neutro à direita e à esquerda) Sejam a(0) = x, a(1) = y e e x, e y os caminhos constantes em x e em y respectivamente. Pondo ξ x = [e x ] e ξ y = [e y ], temos que ξ x α = α e αξ y = α. 3. (Inverso) Seja a 1 : I X o caminho inverso de a. Considerando α 1 = [a 1 ], temos que αα 1 = ξ x e α 1 α = ξ y. 4 Grupo fundamental Nesta seção vamos definir o grupo fundamental e apresentar algumas propriedades importantes desse conceito. Definição 4.1. O grupo fundamental de um espaço topológico X em relação a um ponto básico x 0 X é definido como: π 1 (X, x 0 ) = {[a]; a é um caminho fechado em x 0 }, onde o produto entre as classes é definido por [a][b] = [ab]. Temos que o produto entre caminhos fechados no mesmo ponto está bem definido. E também, que o elemento neutro ξ = ξ x0 será o mesmo para ambos os lados. Assim, pelo teorema 3.7, π 1 (X, x 0 ) realmente é um grupo. Mas qual será a influência do ponto básico x 0 no grupo fundamental? Se escolhermos outro ponto como base, o que acontecerá? Proposição 4.2. Se x 0 e x 1 pertencem à mesma componente conexa por caminhos de X, então π 1 (X, x 0 ) e π 1 (X, x 1 ) são isomorfos. Mais precisamente, cada classe de homotopia γ de caminhos que ligam x 0 a x 1 induz um isomorfismo γ : π 1 (X, x 1 ) π 1 (X, x 0 ), dado por γ(α) = γαγ 1. 7

Demonstração: Seja γ uma classe de homotopia de caminhos que ligam x 0 a x 1. Se α π 1 (X, x 1 ), então γαγ 1 π 1 (X, x 0 ). Vamos mostrar primeiramente, que γ definido no enunciado é um homomorfismo. De fato, γ(αβ) = γ(αβ)γ 1 = (γαγ 1 )(γβγ 1 ) = γ(α)γ(β). Para provar que o homomorfismo é bijetor, basta ver que γ 1 : π 1 (X, x 0 ) π 1 (X, x 1 ) dado por γ 1 (α) = γ 1 αγ é inverso bilateral de γ. De fato, γ 1 γ(α) = γ 1 (γαγ 1 ) = γ 1 (γαγ 1 )γ = α, isto é, γ 1 γ = Id. E de forma análoga, γ γ 1 = Id. Logo, γ é isomorfismo. Figura 5: Considere α = [a] e γ = [c]. 4.1 O homomorfismo induzido Sejam x 0 X e f : X Y uma aplicação contínua tal que f(x 0 ) = y 0 Y. Dado a um caminho fechado em X com base em x 0, temos que f a : I Y é um caminho fechado em Y com base em y 0. Considere f : π 1 (X, x 0 ) π 1 (Y, y 0 ) dada por f ([a]) = [f a]. Veja que [a] = [a ] se, e só se, a = a. Assim, pela Proposição 2.4, segue que f a = f a, ou seja, f ([a]) = f ([a ]). Portanto, f está bem definida. Assim, Além disso, temos que f (ab)(s) = { f(a(2s)), se s [0, 1 2 ] f(b(2s 1)), se s [ 1 2, 1] = (f a)(f b)(s). f ([ab]) = [f (ab)] = [(f a)(f b)] = [f a][f b] = f ([a])f ([b]), ou seja, f é um homomorfismo, o qual chamaremos de homomorfismo induzido. 8

Proposição 4.3. Espaços homeomorfos possuem grupo fundamental isomorfos. Mais precisamente: se h : X Y é um homeomorfismo, então h : π 1 (X, x 0 ) π 1 (Y, y 0 ) é um isomorfismo, onde h(x 0 ) = y 0. Demonstração: Temos que h e h 1 são contínuas e portanto induzem os homomorfismos h e h 1 respectivamente. Vamos mostrar que h 1 é o inverso de h, e assim, h é uma bijeção. Note que a função identidade Id : X X induz o homomorfismo identidade Id : π 1 (X, x 0 ) π 1 (X, x 0 ), uma vez que Id ([a]) = [Id a] = [a]. Assim, (h h 1 ) = (h h 1 ) = Id e (h 1 h ) = (h 1 h) = Id. Logo, h é um isomorfismo. 5 O Grupo Fundamental do S 1 Primeiramente, observe que S 1 munido com a multiplicação dos números complexos é um grupo topológico. Todo grupo topológico, possui grupo fundamental abeliano (Ver [1]). Além disso, em um grupo fundamental abeliano, dois caminhos são homotópicos se, e somente se, são livremente homotópicos. Considere a função exponencial ξ : R S 1 dada por ξ(t) = e it = (cos(t), sen(t)). Observamos que Ker(ξ) = {x R; (cos(x), sen(x)) = (1, 0)} = {x R; x = n, com n Z} = Z. Dado u S 1, existe t R tal que ξ(t) = u, e assim ξ 1 (u) = {t+n; n Z}. Lema 5.1. A função ξ : R S 1 é aberta. Demonstração: Dado U R aberto, devemos mostrar que ξ(u) S 1 é aberto. Para isto, basta provarmos que F = S 1 (ξ(u)) é fechado. Note que ξ 1 (ξ(u)) = n Z(U + n) é aberto em R. Assim, R (ξ 1 (ξ(u))) = ξ 1 (F ) é fechado. Além disso, temos que F = ξ(ξ 1 (F )) = ξ(ξ 1 (F ) [0, ]), uma vez que para todo x R, 9

existe x [0, ] que satisfaz ξ(x ) = ξ(x). Como ξ 1 (F ) [0, ] é fechado e limitado (compacto na reta), segue pela continuidade da exponencial que F = ξ(ξ 1 (F ) [0, ]) é compacto em S 1. Logo, F é fechado em S 1. Proposição 5.2. Seja t R. A restrição ξ (t,t+) é um homeomorfismo sobre S 1 {ξ(t)}. Demonstração: Sabemos que ξ (t,t+) além de ser contínua, é uma bijeção de (t, t + ) em S 1 {ξ(t)}. Como ξ é aberta, segue que f = ξ (t, t + ) é também aberta, assim f 1 é contínua. Corolário 5.3. Seja u = ξ(t) S 1 e considere a vizinhança V = S 1 { u} de u. Então, ξ 1 (V ) = n Z I n, onde cada I n = (t + π(2n 1), t + π(2n + 1)) é homeomorfo a V. Proposição 5.4. Seja a : J = [s 0, s 1 ] S 1 um caminho. Fixado t 0 R com a(s 0 ) = e it 0, existe um único caminho ã : J R tal que a(s) = ξ ã(s), para todo s J e ã(s 0 ) = t 0. Demonstração: 1 o Caso: Se a(j) S 1 {y}, para algum y S 1. Lembremos que ξ 1 (y) = {t + n; n Z}, com t R tal que ξ(t) = y. Seja t 0 R, com a(s 0 ) = e it 0. Temos que ξ(t 0 ) = a(s 0 ) y, assim t 0 / ξ 1 (y). Desta forma, existe um único x ξ 1 (y), tal que t 0 (x, x + ). Pondo ξ x = ξ (x,x+), obtemos um homeomorfismo entre (x, x + ) e S 1 {y}. Portanto, ã = ξx 1 a satisfaz a = ξ ã e ã(s 0 ) = t 0. 2 o Caso: Se J = (J 1 = [s 0, s ]) (J 2 = [s, s 1 ]), de forma que a proposição é válida para a 1 = a J1 e a 2 = a J2. Neste caso, existe um caminho ã 1 : J 1 R tal que ã 1 (s 0 ) = t 0 e ξ ã 1 = a 1. Considerando ã 1 (s ) = t, temos que a 2 (s ) = a 1 (s ) = e it. Assim, existe um caminho ã 2 : J 2 R, com ã 2 (s ) = t e a = ξ ã 2. Logo, ã : J R, definida por { ã1 (s), se x [s ã = 0, s ], ã 2 (s), se x [s, s 1 ] satisfaz ã = ξ a e ã(s 0 ) = t 0. 10

Note ainda que a é uniformemente contínua, uma vez que a é contínua e J é compacto. Assim, existe uma partição finita s 0 = x 0 < x 1 <... < x n = s 1, de forma que a([x j, x j+1 ]) S 1, para todo j = 1,..., n. Desta forma, os casos anteriores são suficientes para provar a existência de ã. Resta demonstrar a unicidade. Suponhamos que ã, â : J R são caminhos tais que e iã(s) = e iâ(s), para todo s J. Então, pondo f : J R como f(s) = ã â, temos que f é contínua. Além disso, f(s) será um número inteiro, para todo s J, logo f é constante. Como ã(s 0 ) = â(s 0 ), segue que ã(s) = â(s), para todo s J. Portanto, ã é único. Dizemos que a função ã : J R é um levantamento do caminho a. Como vimos acima, escolhendo um ponto t 0, com a(s 0 ) = ξ(t 0 ), existe um único levantamento ã com início em t 0. Os demais levantamentos de a, devem começar nos pontos t 0 + 2kπ, para algum k Z e devem ser da forma â(s) = ã(s) + 2kπ. Note ainda que, se a : I S 1 ã(1) ã(0) é um caminho fechado, então é um número inteiro. Além disso, â(1) â(0) = ã(1) + 2kπ (ã(0) + 2kπ) = ã(1) ã(0) ã(1) ã(0). Assim, definindo n(a) =, temos que n(a) independe do levantamento escolhido. O número determinado por n(a) corresponde ao número (líquido) de voltas que o caminho a dá em torno de S 1. Líquido significa a quantidade de voltas positivas (sentido anti-horário) menos as voltas negativas. Dizemos que n(a) é o grau do caminho fechado a. Proposição 5.5. Sejam a, b : I S 1 caminhos fechados. 1. : Se a e b têm o mesmo ponto básico, então n(ab) = n(a) + n(b). 2. : Se a e b são livremente homotópicos, então n(a) = n(b). 3. : Se n(a) = n(b), então a e b são livremente homotópicos. Em particular, se a e b tem o mesmo grau e o mesmo ponto básico, então a = b. 11

4. : Dados p S 1 e k Z, existe um caminho a : I S 1 fechado em p, com n(a) = k. Demonstração: 1. : Seja ã : I R um levantamento qualquer de a. Como a = ξ ã e a(1) = b(0), temos que b(0) = ξ ã(1). Assim, existe um levantamento b com início em t 0 = ã(1). Fazendo ã b : I R, obtemos um levantamento para o caminho ab. De fato, basta ver que ab = ξ ãb. Além disso, como ã(1) = b(0), temos que n(ab) = ã b(1) ã b(0) = b(1) ã(0) = ( b(1) b(0)) + (ã(1) ã(0)) = [n(a) + n(b)]. 2. : Consideremos o caso em que a(s) b(s) < 2, para todo s I. Neste caso, em que a(s) e b(s) nunca são antípodas, podemos tomar s 0, t 0 R, com a(0) = e is 0 e b(0) = e it 0, de forma que s 0 t 0 < π. Considere ã, b levantamentos de a e b com início em s0 e t 0, respectivamente. Como a(s) e b(s) nunca são antípodas, temos que ã(s) b(s) π, para todo s I. Note que n(a) n(b) = ã(1) ã(0) b(1) + b(0) ã(1) b(1) + ã(0) b(0) < π + π =, isto é, n(a) n(b) < 1. Como n(a), n(b) Z, devemos ter n(a) n(b) = 0, logo n(a) = n(b). No caso geral, temos a, b : I S 1 livremente homotópicos, com H : I I S 1 uma homotopia livre entre a e b. Assim, como H é contínua e I I é compacto, segue que H uniformemente contínua. Pondo ε = 2, existe δ > 0, tal que se t t < δ, então H(s, t) H(s, t ) < 2, para todo s I. Escolhemos então uma partição, 0 = t 0 < t 1 <... < t k = 1, de forma que t i t i 1 < δ, para todo i = 1,..., k. Em seguida, definimos para cada i = 0, 1,..., k, o caminho a i : I S 1 por a i (s) = H(s, t i ). Como H é uma homotopia livre, temos que cada a i é um caminho fechado, a 0 = a e a k = b. Pela definição dos caminhos, temos que a i (s) a i 1 (s) < 2, para todo s I e i = 1,.., k. Assim, pelo caso acima, obtemos que n(a) = n(a 0 ) = n(a 1 ) =... = n(a k ) = n(b). 3. : Sejam ã, b : I R levantamentos de a e b respectivamente. Como n(a) = n(b), devemos ter ã(1) ã(0) = b(1) b(0). Considere H : I I R a homotopia linear entre ã e b, ou seja, H(s, t) = (1 t)ã(s) + t b(s). Então, pondo n = n(a) = n(b), temos que H(1, t) H(0, t) = (1 t)[ã(1) ã(0)] + t[ b(1) b(0)] = (1 t)n + tn = 12

n. Desta forma, pondo K = ξ H : I I S 1, temos que K é contínua, K(s, 0) = a(s), K(s, 1) = b(s) e como ξ(n) = 0, obtemos que K(0, t) = K(1, t). Logo, K é uma homotopia livre entre a e b. 4. : Seja s 0 R, com ξ(s 0 ) = p. Basta definir a : I S 1, por a(s) = e i(ks+s0). Assim, a é um caminho fechado em p. Note que ã : I R, dado por ã(s) = s 0 +ks, satisfaz a = ξ ã. Logo, ã é um levantamento ã(1) ã(0) de a, assim n(a) = = k. Teorema 5.6. O grupo fundamental do S 1 é isomorfo ao grupo aditivo dos números inteiros. Demonstração: Definimos η : π 1 (S 1 ) Z, por η(α) = n(a), onde α = [a]. Pelo item (2) da Proposição 5.5, o grau n(a), depende apenas da classe de homotopia livre do caminho a. Assim, η está bem definida. Como η(αβ) = n(ab) = n(a) + n(b) = η(α) + η(β), segue que η é um homomorfismo. Pelos itens (3) e (4) da Proposição 5.5, garantimos que η é injetora e sobrejetora, respectivamente. Portanto, η é um isomorfismo. Referências [1] Lima, E. L., Grupo Fundamental e Espaços de Recobrimento, IMPA, 2012. [2] Munkres, J., General Topology, Pearson, 2000. 13