Correção de cifose secundária à mielomeningocele através de osteotomia vertebral



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Transcrição:

Relato de Caso Correção de cifose secundária à mielomeningocele através de osteotomia vertebral Spinal osteotomy for kyphosis correction in myelomeningocele Luciano Miller Reis Rodrigues 1, Edgar Santiago Valesin Filho 1, Adriano Masayuki Yonezaki 1, Fabricio Hidetoshi Ueno 1, Rodrigo Junqueira Nicolau 1, Luciano Borges Cabral Temporal 1, Carlo Milani 1 Resumo Introdução: A mielomeningocele é uma afecção que com frequência evolui com deformidade vertebral, sendo a cifose secundária à mielomeningocele uma manifestação grave e que compromete a qualidade de vida do paciente. Há dificuldade para manter o tronco equilibrado o exige apoio das mãos; além disso, há lesões de pele recorrentes no ápice da deformidade e dificuldade para adaptação em cadeiras de rodas. Portanto, a correção cirúrgica da deformidade é necessária. O tratamento cirúrgico possui uma ampla variedade de técnicas descritas. Relato do caso: Realizou-se neste estudo uma osteotomia vertebral através de acesso único posterior, associada à vertebrectomia com fixação pedicular e haste de ancoragem distal no forame sacral em uma criança de 10 anos de idade portadora de mielomeningocele de nível torácico. Obteve-se correção significativa da deformidade inicial, com regressão de 110 para menos de 15º Cobb, com melhora significativa do aspecto funcional e estético, reestabelecimento de tronco ereto e independência para utilização das mãos por parte da paciente para práticas de atividade de vida adaptadas. Discussão: A osteotomia vertebral através de acesso único posterior, associada à vertebrectomia e artrodese ampla para correção de cifose secundária à mielomeningocele, é um procedimento tecnicamente complexo, porém é uma possibilidade viável para pacientes com grave comprometimento vertebral. Conclusão: A correção através da osteotomia vertebral se mostrou eficaz na correção da deformidade para o reequilíbrio da coluna vertebral. Palavras-chave: Meningomielocele; cifose; curvaturas da coluna vertebral; osteotomia; fusão vertebral. Abstract Introduction: Myelomeningocele is a condition that often evolves with vertebral deformity; the secondary kyphosis that follows from myelomeningocele is a serious condition and compromises the patient s quality of life. There is difficulty to maintain the torso balance requires hand support; there are also recurrent skin lesions when the deformity is aggravated, and a difficulty of adaption to wheelchairs. Therefore, surgical correction of the deformity is required. There is a wide variety of described techniques for surgical treatment. Case report: In this study we carried out a vertebral osteotomy through the unique posterior access associated to vertebrectomy with pedicular fixation and distal anchorage implant on the sacral foramen of a 10-year-old child with myelomeningocele of toracic level. We have obtained significant correction of the initial deformity with decrease from 110 to less than 15º Cobb, with sensible improvement of functional and aesthetic aspects, reestablishment of the erected torso and independence of the patient s hands for adapted daily practices. Discussion: Vertebral osteotomy through unique posterior access associated to vertebrectomy and arthrodesis for correction of kyphosis following from myelomeningocele is a technically complex procedure; nevertheless it is a viable possibility for patients with a serious vertebral condition. Conclusion: Vertebral osteotomy has shown to be efficient in vertebral deformity correction, restoring equilibrium. Keywords: Meningomyelocele; kyphosis; spinal curvatures; osteotomy; spinal fusion. Recebido: 16/9/2008 Revisado: 16/6/2009 Aprovado: 1/9/2009 1 Disciplina do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), Santo André (SP), Brasil Endereço para correspondência: Luciano Miller Reis Rodrigues Centro de Estudos da Disciplina de Doenças do Aparelho Locomotor da FMABC Avenida Henrique Calderazzo, 321 Vila Assunção CEP 09190-610 Santo André (SP) Fone: (11) 2829-5191 E-mail: luciano.miller@uol.com.br 205

Correção de cifose secundária à mielomeningocele Introdução A mielomeningocele é a apresentação mais grave dos disrafismos espinhais, condições nas quais existem anomalias do tecido nervoso e alterações vertebrais ósseas secundárias. Diversas deformidades ocorrem nesses pacientes, sendo as mais frequentes as luxações nos quadris e as deformidades nos joelhos e pés 1-3. Na coluna vertebral, a cifose congênita pode ser evidente no parto; porém, a angulação posterior rígida da coluna é geralmente notada na infância e limitada ao sítio do defeito ósseo, ocorrendo geralmente nos pacientes com defeitos de fechamento torácico, toracolombar e lombar proximal 1-2. A deformidade cifótica ocasionada pela falha nas estruturas posteriores de sustentação vertebral e desequilíbrio neuromuscular aumenta progressivamente com o crescimento da criança, geralmente se tornando acentuada em torno de 7 anos de vida 3. O agravamento da cifose torna difícil a adaptação à cadeira de rodas e à perda do equilíbrio do tronco, levando a criança a apoiar as mãos para se equilibrar, limitando as atividades de vida diária 2-7 ; nesses casos, a correção cirúrgica da deformidade se torna necessária. Relato do caso Relata-se aqui um caso de correção de deformidade cifótica em uma criança de 10 anos através de osteotomia vertebral em cunha de subtração posterior e vertebrectomia associada à artrodese (fusão óssea) com instrumentação. A paciente, de 10 anos e 11 meses, natural e procedente de Santo André, é portadora de mielomeningocele nível torácico, sem função motora abaixo do nível do nível de lesão. A coluna vertebral apresentava deformidade cifótica rígida na transição toracolombar. Funcionalmente, a paciente se encontrava com dificuldade de adaptação à cadeira de rodas devido ao ápice da cifose e à perda do equilíbrio do tronco, sendo necessário o uso das mãos para conseguir se equilibrar (Figura 1). Na radiografia em perfil na posição sentada, evidenciou-se a deformidade cifótica na transição toracolombar de T11 até L2, de 110 graus Cobb (Figura 2A). Foi solicitada a tomografia com reconstrução 3D para melhor avaliação da deformidade (Figura 2B). A correção da deformidade foi realizada através da osteotomia de fechamento de base dorsal, através de acesso posterior, com vertebrectomia de T12 e L1 associadas com artrodese desde T4 a S1 (fixação pedicular T4, T5, T6, T7) e fixação distal com haste angulada ancorada no forame sacral (Figura 3). A abordagem cirúrgica foi realizada por via posterior, com uma incisão cirúrgica longitudinal iniciando na região torácica proximal até o nível de S2, com pequenos desvios na região da cicatriz de fechamento da mielomeningocele, evitando-se a região de pele menos vascularizada. Durante a dissecção por planos foi identificada a dura-máter e rebatido o saco dural não-funcional (Figura 4), ligando e seccionando A B Figura 1 Deformidade do tronco vista de frente (A) e em perfil (B) 206

Rodrigues LMR, Valesin Filho ES, Yonezaki AM, Ueno FH, Nicolau RJ, Temporal LBC, Milani C A B Figura 2 (A) Radiografia em perfil. (B) Tomografia com reconstrução 3D as raízes e seus respectivos vasos proximais a região foraminal, com exposição do canal vertebral desde a vértebra apical a ser removida até o nível de S2. Foi realizada a ressecção de dois corpos vertebrais no ápice da deformidade com a preservação do ligamento longitudinal anterior. A instrumentação foi realizada com duas hastes longitudinais de 5 mm moldadas em S distal com a introdução da porção terminal da haste no forame de S1, proporcionando uma alavanca com a fixação das vértebras distais para proximal chamada manobra de Cantilever. A instrumentação cirúrgica foi realizada com parafusos pediculares, e a extensão da artrodese foi do segmento T4 a S1. Foi realizada a decorticação da lâmina e apófises articulares no segmento normal, e os processos transversos e apófises articulares remanescentes nas vértebras com espinha bífida. Foi aplicado enxerto ósseo nos espaços discais, com a realização concomitante de uma artrodese intersomática. A radiografia pós-operatória demonstrou uma cifose remanescente de 15º Cobb (Figura 3). Não houve complicações significativas no pós-operatório. O seguimento da paciente durou três anos sem sinal de soltura, falha da artrodese ou recidiva de deformidade. Discussão A incidência relatada na literatura de mielomeningocele associada com cifose significativa ao nascimento varia de 8 a 20% 7-9. O local mais comum de cifose nessa situação ocorre entre T10 e L2 2. Na evolução da doença, a deformidade tende a aumentar à medida que o pacien- Figura 3 Aspecto radiográfico pós-operatório te cresce, postura supina do tronco e aumento de peso; qualquer aumento de deformidade pode ser associado à deterioração neurológica clinicamente apresentada por paralisia de membros inferiores e bexiga 207

Correção de cifose secundária à mielomeningocele Figura 4 Isolamento do saco neurogênica 8,10. A idade para correção cirúrgica da deformidade é assunto controverso, e a melhor idade para correção cirúrgica da deformidade permanece incerta. As variáveis conflitantes são grau e extensão da deformidade, técnica de estabilização e manutenção do potencial de crescimento do tronco. Huang e colaboradores recomendam postergar a cirurgia até a idade de 10 a 12 anos em crianças que não apresentam lesões de pele no ápice da deformidade e déficit neurológico progressivo 6. Cirurgia mais precoce é recomendada para crianças com lesões cutâneas recorrentes, alterações posturais graves e comprometimento de função respiratória. Segundo Lindseth 7, o tratamento da cifose nessas situações deve procurar alcançar três objetivos principais: corrigir e estabilizar a coluna para permitir equilíbrio sentado, diminuir a proeminência óssea e permitir um aumento da altura do tronco em sua região abdominal. A fusão é necessária para manutenção da correção da deformidade; porém, procedimentos extensos em crianças pequenas podem ser problemáticos, devido a um crescimento desproporcional do tronco. São considerados pré-requisitos para tratamento cirúrgico de cifose em portadores de mielomeningocele: boas condições de pele na área de cifose; patência de derivação liquórica e ausência de infecção urinária ativa 6. Kim e colaboradores 11 enumeram os principais fatores de risco para complicações: idade avançada no tempo da correção, artrodese anterior e posterior combinadas, deformidades graves e déficit neurológico preexistente. O uso de órteses em deformidades rígidas, além de não corrigir a deformidade, não contém a sua progressão, sendo útil apenas em tratamento de curvas vertebrais compensatórias secundárias 2,3. Existe uma discussão na literatura quanto à artrodese posterior ou combinada durante a correção cirúrgica, sendo a artrodese posterior isolada geralmente mais indicada para crianças novas e deformidades com menos de 55º Cobb; e artrodeses combinadas para crianças maiores, diminuindo a taxa de pseudartrose e perda da correção, como realizado no caso relatado 11,12. A osteotomia vertebral e a vertebrectomia (ressecção de segmento único ou múltiplo) podem ser procedimentos necessários e complementares para se conseguir maior grau de correção e evitar tração nas estruturas anteriores, como a aorta, veia cava e parede abdominal 5. Neste estudo, a osteotomia realizada incluiu duas vértebras e houve remoção completa do componente discal no bloco ressecado, ampliando a grau de correção angular através de uma cunha em apenas dois níveis vertebrais. A área de fusão e os níveis de instrumentação dependem do grau de flexibilidade da curva compensatória da deformidade no plano sagital e devem ser decididos levando em consideração cada paciente e sua deformidade 4. Na técnica descrita por Heydemann e Gillespie 9 e aplicada por Huang 6, é necessária a divisão do saco dural e da medula em segmentos proximais e distais à osteotomia; na técnica utilizada neste relato, utilizou-se a dissecção circunferencial do saco dural sem transecção, permitindo assim sua ampla mobilização para realizar a osteotomia e evitando sangramento excessivo e perda liquórica, complicação frequente na secção dos elementos neurais. Entretanto, alguns autores não contraindicam a divisão do saco dural; segundo Sharrard 10, quando houver paralisia completa de função vesical e membros inferiores, a osteotomia transversa da cifose pode ser realizada. A técnica recomenda dissecção das estruturas neurais paralisadas e fechamento da dura-máter no nível superior da cifose. Utilizou-se a fixação distal das hastes no forame sacral, visando a uma ancoragem mais estável e a menores riscos de recorrência de deformidade. Essa tem sido uma tendência na literatura, uma vez que a fixação no ilíaco é precária devido à osteoporose e displasia da espinha e crista ilíaca nesses pacientes 5. Sharrard 10 demonstrou uma melhora angular média após procedimento cirúrgico para correção de deformidade de 33º em crianças maiores de 5 anos; entretanto, houve uma média de perda de correção de 11º em dois anos. A literatura aponta para uma recidiva em graus variáveis da deformidade após tratamento cirúrgico, porém a cirurgia diminui a taxa de progressão que seria observada na história natural da doença. Neste caso, obteve-se uma melhora de aproximadamente 90º na deformidade, compatível com relatos da literatura 1,4,7. Não existe técnica padronizada para tratamento cirúrgico de deformidades graves em cifose congênita, devido à variedade de etiologias e apresentações clínicas 1. Os resultados de procedimentos envolvendo correção de cifose secundária à mielomeningocele permanecem muito distantes do ideal, e muito precoces para previsão de resultados futuros 10. Existe um grande desafio no tratamento da cifose na mielomenigocele devido à necessidade de procedimentos cirúrgicos muitas vezes extensos em pacientes com alterações de pele, baixo peso e bexiga neurogênica. A correção através da osteotomia vertebral se mostrou eficaz na correção da deformidade para o reequilíbrio da coluna vertebral. 208

Rodrigues LMR, Valesin Filho ES, Yonezaki AM, Ueno FH, Nicolau RJ, Temporal LBC, Milani C Referências 1. Smith JT, Gollogly S, Dunn HK. Simultaneous anterior-posterior approach through a costotransversectomy for the treatment of congenital kyphosis in acquired kyphoscoliotic deformities. J Bone Joint Surg Am 2005;87(10): 2281-9 2. Tachdjian MO. Ortopedia pediátrica: diagnóstico e tratamento. 1a ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. 3. Lindseth RE. Mielomeningocele. In: Morrissy RT, Weinstein SL, editors. Ortopedia pediátrica de Lovell e Winter. 5a ed. São Paulo: Manole; 2005. 4. Domanic U, Talu U, Dikici F, Hamzaoglu A. Surgical correction of kyphosis: posterior total wedge resection osteotomy in 32 patients. Acta Orthop Scand 2004;75(4):449-55. 5. Heydemann JS, Gillespie R. Management of myelomeningocele kyphosis in the older child by kyphectomy and segmental spine instrumentation. Spine (Phila Pa 1976) 1987;12(1):37-41. 6. Huang TJ, Lubicky JP. Kyphectomy and segmental spine instrumentation in young children with myelomeningocele kyphosis. J Formos Med Assoc 1994;93(6):503-8. 7. Lindseth RE, Stelzer L. Vertebral excision in children with myelomeningocele. J Bone Joint Surg Am 1979;61(5):699-704. 8. Hoppenfeld S. Congenital kyphosis in myelomeningocele. J Bone Joint Surg Br 1967;49(2):276-82. 9. Sharrard WJW. Spinal osteotomy for congenital kyphosis in myelomeningocele. J Bone and Joint Surg 1968;50(3):466-71. 10. Kim YJ, Otsuka NY, Flynn JM, Hall JE, Emans JB, Hresko MT. Surgical treatment of congenital kyphosis. Spine (Phila Pa 1976) 2001;26(20):2251-7. 11. McMaster MJ, Singh H. Surgical management of congenital kyphosis and kyphoscoliosis. Spine (Phila Pa 1976) 2001;26(19):2146-55. 209