DEIXAR DE FAZER MANOBRA DE KRISTELLER: POR QUE E COMO?

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RESSALVA. Atendendo solicitação do(a) autor(a), o texto completo deste trabalho será disponibilizado somente a partir de 02/02/2019.

CURSO DE ENFERMAGEM Reconhecido pela Portaria nº 270 de 13/12/12 DOU Nº 242 de 17/12/12 Seção 1. Pág. 20

Transcrição:

ATENÇÃO ÀS MULHERES

Não existem quaisquer evidências de que pressão sobre o fundo uterino no período expulsivo (Manobra de Kristeller) tenha qualquer benefício para o feto ou para a mãe. Apesar disso, é realizada em cerca de 1/3 das mulheres brasileiras. (Leal et al, 2014)

Objetivos dessa apresentação: Discutir as razões da persistência da prática da manobra de pressão sobre o fundo uterino no período expulsivo; Discutir os riscos da manobra de Kristeller para a mulher e o bebê; Demonstrar porque esta manobra não tem qualquer utilidade, ou indicação, na prática clínica e apresentar estratégias que favoreçam a fisiologia no período expulsivo.

Pressão sobre o fundo uterino: definição A manobra de Kristeller consiste na compressão do fundo uterino durante o segundo período do trabalho de parto objetivando a sua abreviação. Foi descrita pelo médico alemão Samuel Kristeller em 1867. Samuel Kristeller, 1820-1900 CONITEC, 2016

Período expulsivo: definição O período expulsivo pode ser dividido em duas fases Período expulsivo: dilatação cervical completa Fase inicial ou passiva: Ausência de puxos Fase ativa: Puxos espontâneos, cabeça do bebê visível CONITEC, 2016

POR QUE ESSA DISCUSSÃO É RELEVANTE? Existe frontal divergência entre recomendações/teoria e prática

EVIDÊNCIAS/RECOMENDAÇÕES PRÁTICA Não é um procedimento recomendado pela literatura médica por estar relacionada a lesões maternas e neonatais (Rezende, 2016; Conitec, 2017) Manobra de Kristeller foi praticada em 36,1% das mulheres brasileiras, segundo dados da pesquisa Nascer no Brasil (Leal et al, 2014) Não é recomendada pela FEBRASGO (2010) Coren-RS proíbe a participação de profissionais de enfermagem na manobra de Kristeller (decisão 95/2016) Está associada a processos médico-legais, geralmente por danos fetais/neonatais Não é um procedimento geralmente descrito nos prontuários É um procedimento que continua a ser ensinado e aprendido nas maternidades brasileiras

A revisão sistemática da Cochrane de ensaios clínicos não encontrou qualquer benefício da manobra de Kristeller para a mulher e o bebê (5 Estudos; n = 3049). Por outro lado, existem evidências observacionais da ocorrência de danos. Quais são os possíveis danos ao feto/neonato ou à mãe? Hofmeyr GJ et al.,2017.

Complicações associadas à Manobra de Kristeller Dor abdominal persistente após o parto Escoriações abdominais Fratura de costela Lesões perineais (dois estudos de boa qualidade metodológica mostraram que a pressão sobre o fundo uterino é um fator de risco para trauma de esfíncter anal e lacerações de 3º grau) Ruptura de baço Ruptura de fígado Ruptura de útero Trauma de pedículo tubo-ovariano HAS, 2007

Por que um procedimento relatado pelas mulheres como doloroso e violento, contraindicado pela literatura, sem evidências de benefícios, associado a processos médico-legais, continua sendo ensinado/aprendido e praticado em larga escala em todo o Brasil? 1/3 de todos os partos vaginais no Brasil (Nascer no Brasil, 2014)

O que faz com que a manobra de Kristeller ainda continue a ser praticada? 1. A mulher chega no período expulsivo exaurida pelo jejum prolongado, orientação de puxos dirigidos, posição de litotomia e falta de apoio contínuo. 2. Inadequada caracterização do período expulsivo e crença de que ele deve ser abreviado 3. Crença de que a mulher deseja ou solicita a manobra 4. Entendimento de que a manobra de Kristeller é a melhor maneira de abreviar o período expulsivo( Melhor um Kristeller do que um fórcipe )

O que pode ser feito para mudar essa realidade?

1. Mudar o modelo de cuidado: Adotar boas práticas clínicas durante o período expulsivo Monitorar a vitalidade fetal (ausculta intermitente a cada 5-15 minutos) Manejar a dor (métodos não farmacológicos e farmacológicos) Garantir liberdade de posição e incentivar posições verticalizadas Informar à mulher e seus acompanhantes sobre a evolução do parto Oferecer ingestão de líquidos

1. Mudar o modelo de cuidado: Adotar boas práticas clínicas durante o período expulsivo Promover suporte contínuo (acompanhante, doula, profissionais de saúde)

1. Mudar o modelo de cuidado: Adotar boas práticas clínicas durante o período expulsivo Garantir liberdade de posição e incentivar posições verticalizadas

2. Conhecer os limites de normalidade para o período expulsivo Antes de diagnosticar parada de progressão no segundo período, se as condições maternas e fetais forem boas, permitir o seguinte: Pelo menos 2 horas de puxo em multíparas Pelo menos 3 horas de puxo em nulíparas Durações maiores podem ser apropriadas em base individual (uso de peridural, ou posição fetal, desde que haja progressão do parto) Na maioria das vezes não há necessidade de abreviar o parto ACOG, 2014

3. Entender que a mulher não deseja ou solicita manobra de Kristeller No período expulsivo, é comum que a mulher solicite ajuda. Isso não significa que ela solicitou manobra de Kristeller. Significa, simplesmente, que ela pede ajuda. Aumentar a confiança nela mesma

4. E se o parto tiver que ser abreviado? Existem alternativas mais eficazes e mais seguras! Parto vaginal instrumentado é viável? Sim Não Aplicar vácuo ou fórcipe Realizar cesariana A realização da manobra de Kristeller pode retardar a decisão de realizar um parto vaginal instrumentado ou cesariana

A manobra de Kristeller não tem qualquer evidência de benefícios e pode causar danos. Com a adoção de boas práticas de atenção ao parto e nascimento, a manobra de Kristeller não encontra qualquer justificativa para a sua realização.

Referências LEAL, Maria do Carmo et al. Intervenções obstétricas durante o trabalho de parto e parto em mulheres brasileiras de risco habitual. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 30, supl. 1, p. S17-S32, 2014. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal. Brasília, DF, mar 2016. Rezende, J. Montenegro, CAB. Obstetrícia. 13ª edição. Guanabara Koogan, 2016 Safe prevention of the primary cesarean deliveryobstetric Care Consensus No. 1. American College of Obstetricians and Gynecologists. Obstet Gynecol 2014;123:693 711.

ATENÇÃO ÀS MULHERES Material de 8 de março de 2018 Disponível em: Eixo: Atenção às Mulheres Aprofunde seus conhecimentos acessando artigos disponíveis na biblioteca do Portal.