Introdução à Topologia Algébrica

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Transcrição:

Universidade Federal de São Carlos Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia Departamento de Matemática Introdução à Topologia Algébrica Autor: Wagner Carvalho Sgobbi Orientador: Alexandre Paiva Barreto Disciplina: Trabalho de Conclusão do Curso A Curso: Bacharelado em Matemática Professores Responsáveis: Karina Schiabel Sadao Massago João Carlos Vieira Sampaio São Carlos, 19 de agosto de 2014.

i Introdução à Topologia Algébrica Autor: Wagner Carvalho Sgobbi Orientador: Alexandre Paiva Barreto Disciplina: Trabalho de Conclusão do Curso A Curso: Bacharelado em Matemática Professores Responsáveis: Karina Schiabel Sadao Massago João Carlos Vieira Sampaio Instituição: Universidade Federal de São Carlos Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia Departamento de Matemática São Carlos, 19 de agosto de 2014. Wagner Carvalho Sgobbi Alexandre Paiva Barreto

Ao que é digno de receber a honra, Jesus Cristo.

Agradecimentos Quando entramos na Matemática, assustamo-nos com um mundo totalmente desconhecido. À medida que o tempo passa, vamos criando uma sequência innita de expectativas: ser aprovado nesta matéria, estudar aquele conteúdo, escrever este relatório, provar aquele teorema, entrar no mestrado, estudar fora, doutorar-se, etc. Quando realizamos o n-ésimo objetivo, um (n + 1)-ésimo aparece. No meio dessa loucura toda, no entanto, confesso: em outubro de 2013, minha vida sofreu uma cisão que foi longe de ser a trivial. Um infarto me separou de minha mãe, e nada parecia mais fazer sentido. Neste momento, Aquele que existe e é Único, fez-se presente, confortou e me fortaleceu. Assumir a fé no Deus Todo Poderoso e em Jesus Cristo tirou de mim o vazio interior e me deu uma vida completa, sendo Ele a base de minhas decisões e o limite da minha adoração. Reconheçamos também que não podemos ser discretos. É preciso de uma vizinhança repleta de amigos e familiares, e que seja aberta para entrada de novas pessoas, de uma maneira estritamente crescente. Este foi meu caso nestes quatro anos. Agradeço a maravilhosa companhia que tive dos amigos mais próximos; entre eles, Anderson, Tiago, Laura, Laís, Matheus, Rebeca, Gustavo, Sabrina, Allan, Felipe (Fernandes e Santa Maria), Kepler, Thaysa, Carla, Renato (Monteiro e Fileto), e você, caro leitor, caso eu tenha me esquecido de seu nome. Agradeço ao professor Tomazella, por ter me incentivado a continuar no primeiro semestre e, com isso, alavancado meus estudos. Agradeço ao professor Alexandre (vulgo tio Xandi), por ter aceitado ir para a guerra neste e no próximo trabalho que virá. Agradeço também ao meu amigo Renan, não por ter contribuído (pois não contribuiu com absolutamente nada), mas por me citar nos agradecimentos de seu trabalho. Agradeço à Karina, por ter aparecido em minha vida na hora certa. Pelo amor, compreensão e paciência que tem demonstrado para comigo, por ter me feito crescer e perceber o complementar a mim no mundo, e, nalmente, por ter feito nascer a esperança de um futuro maravilhoso em sua presença. Agradeço a meu pai, pelos anos iniciais de minha vida nos quais recebi o amor incondicional e fui educado nos caminhos do Senhor, e pelos deliciosos momentos que ainda temos juntos. Agradeço à sua companheira Dora, que o faz feliz. Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá. (Êxodo 20:12)

Resumo Pretende-se que este trabalho ajude a consolidar e fundamentar melhor os conhecimentos topológicos obtidos em disciplinas do Curso de Bacharelado em Matemática, através do estudo sistemático, ainda que de forma introdutória, de uma das suas áreas, a Topologia Algébrica. Visa-se também capacitar o aluno para futuras disciplinas da pósgraduação. Esta área da Matemática, que tem como ferramentas fundamentais objetos provenientes da Álgebra e da Topologia, possui como principal nalidade a compreensão das características de determinados espaços e a comparação entre eles através de deformações topológicas e/ou de funções entre seus objetos algébricos intrínsecos. A sua exigência de abstração, impõe-nos um cuidadoso estudo de conceitos como: Topologia, Caminhos e Homotopia, Índice, Grupo Fundamental, Recobrimento e muitos outros. Com estes objetivos, temos a consistência deste Trabalho de Conclusão de Curso A.

Sumário 1 Ferramentas Iniciais 1 1.1 Topologia.................................... 1 1.2 Caminhos e Homotopia............................. 7 1.3 Diferenciabilidade................................ 10 1.4 Integração.................................... 14 1.5 Grupos...................................... 15 2 Formas Diferenciais e Integração 19 3 Índice de um Caminho 33 3.1 O Caso Derivável................................ 33 3.2 O Caso Generalizado.............................. 36 3.3 Índice de uma Função do Círculo....................... 43 4 Aplicações do Índice 45 4.1 O Teorema do Ponto Fixo de Brouwer.................... 45 4.2 O Teorema de Borsuk-Ulam e Invariância de Dimensão........... 48 5 O Grupo Fundamental 53 6 Espacos de Recobrimento 63 6.1 Levantamento de Caminho e de Homotopia.................. 66 6.2 Recobrimento de grupo............................. 70 6.3 Recobrimento Universal............................ 70 7 Cohomologia de De Rhan 77 7.1 Os Espaços H 0 U e H 1 U............................ 77 7.2 A Aplicação de Cobordo............................ 80 Referências Bibliográcas 83 ix

Lista de Figuras 1.1 Bola aberta usual no espaço métrico R 2.................... 3 1.2 Um cubo é homeomorfo a uma esfera..................... 6 1.3 Homotopia entre caminhos com extremos xos................ 9 1.4 Homotopia livre entre caminhos fechados................... 10 1.5 B(P, δ): vizinhança de P............................ 12 2.1 Esquema representativo das 1-formas..................... 20 2.2 A integral de ω não depende do caminho................... 25 2.3 σ(1) = X 1 = (x 1 + h, x 2 )............................ 26 2.4 Contornando P................................. 30 3.1 Setor em torno de P.............................. 34 3.2 Θ = arccos ( ) y................................. 35 x 3.3 Índice constante em componentes conexas.................. 41 3.4 O problema da coleira............................. 43 4.1 A função r.................................... 47 4.2 Aplicação do Teorema de Borsuk Ulam.................... 48 4.3 O ponto P no círculo e sua antípoda P................... 49 4.4 g(x, y) = f(x, y, 1 x 2 y 2 )......................... 50 5.1 γ ɛ x.γ.................................... 54 5.2 γ γ.ɛ x.................................... 55 5.3 γ.γ 1 ɛ x................................... 55 5.4 (γ.δ).σ γ.(δ.σ)................................ 56 5.5 f (γ) = σ 1.γ.σ................................. 59 6.1 S 1 = S 1 d S 1 c S 1 e S 1 b........................... 64 6.2 δ.(γ.(p σ)) (δ.γ).(p σ).......................... 72 xi

xii

Introdução A Topologia Algébrica é uma arma poderosa para comparar objetos. As bases de sua construção provém de duas áreas da Matemática (obviamente, a Topologia e a Álgebra) que se entrelaçam entre os espaços topológicos e os grupos algébricos e espaços vetoriais associados a eles. Devido ao seu alto nível de abstração, ela não é algo natural e muito menos simples, daí a sua recentidade. Seus primeiros sinais apareceram no texto Analysis Situs, de Henri Poincaré ([9]), onde ele deniu o conceito de Grupo Fundamental e despertou o interesse de outros matemáticos. Neste Trabalho de Conclusão de Curso A esperamos desenvolver, além do Grupo Fundamental (citado acima), vários outros tópicos da Topologia Algébrica atual, para que obtenhamos uma visão geral e nos preparemos para um maior aprofundamento no texto subsequente (Trabalho de Conclusão de Curso B). O capítulo 1 nos servirá como um dicionário para consultas. Nele, constam todos os teoremas que serão necessários para o desenvolvimento do restante do conteúdo. Dentre os assuntos, estão os conceitos iniciais de Topologia, Homotopia entre caminhos, alguns teoremas do Cálculo Diferencial e Integral e as denições de Homomorsmo, Isomorsmo e ação de um grupo sobre um conjunto. No capítulo 2, denimos formas diferenciais; em especial, as exatas e fechadas, com o objetivo de estudarmos posteriormente a Cohomologia. No capítulo 3, denimos o conceito de Índice de um caminho em relação a um ponto, e usamos suas fortes propriedades no capítulo 4 para demonstrar o Teorema do Ponto Fixo de Brouwer, o Teorema de Borsuk-Ulam e o da Invariância de Dimensão. O capítulo 5 introduz o Grupo Fundamental, a ferramenta mais simples e intuitiva para comparação de espaços. Um dos resultados que merecem ser destacados é o de que se dois espaços são homeomorfos, então seus Grupos Fundamentais serão isomorfos. Uma das maneiras de calcularmos o Grupo Fundamental de um espaço é conhecermos seus recobrimentos; e o capítulo 6 tem como objetivo nos possibilitar a construção de muitos dos mesmos. Por m, no capítulo 7 inicia-se apenas uma breve introdução à Cohomologia, com a apresentação dos espaços vetoriais H 0 e H 1, e a determinação de uma base para eles em alguns casos especícos. xiii

Capítulo 1 Ferramentas Iniciais Este capítulo é como uma caixa de ferramentas. Antes de iniciarmos nosso trabalho, vamos nomear e relembrar algumas denições e teoremas da Topologia, do Cálculo Diferencial e Integral, e da Álgebra, que serão frequentemente usados no texto. 1.1 Topologia Denição 1.1.1. Dado um conjunto X, uma topologia em X é uma coleção T de subconjuntos de X tais que: 1) e X estão em T ; 2) A união dos elementos de qualquer subcoleção de T está em T ; 3) A interseção dos elementos de qualquer subcoleção nita de T está em T. Um espaço topológico é um par (X, T ) onde X é um conjunto qualquer e T, uma topologia em X. Por simplicidade, quando a topologia T estiver implícita, denotaremos o espaço topológico apenas por X. Para qualquer espaço topológico X, os elementos de T serão chamados de abertos em X (ou simplesmente abertos, quando for conveniente). Por sua vez, dizemos que U é fechado em X quando X U é aberto, ou seja, X U T. Uma vizinhança de x X é um conjunto que contém um aberto contendo x. Por vizinhança aberta de x entenderemos um aberto contendo x. Como exemplos triviais, temos a topologia caótica T = {, X}, e a discreta, formada pelo conjunto vazio e todos os subconjuntos de X. Denição 1.1.2. Se X é um conjunto, uma base para uma topologia em X é uma coleção B de subconjuntos de X tais que: Para cada x X, existe C B tal que x C (B cobre X); 1

2 1.1 Topologia Se x pertence a dois elementos da base, C 1 e C 2, então existe um elemento C 3 da base tal que x C 3 (C 1 C 2 ). Uma subbase de uma topologia em X é um conjunto de subconjuntos de X cuja união de seus elementos é igual a X. Seja B uma base de X. Podemos criar uma topologia em X a partir de B: dado A X, dena A como sendo aberto quando para cada x A, existe C B tal que x C A. Esta construção diz que todo aberto será formado por uma união arbitrária de elementos da base B. Dada uma subbase, podemos criar uma base: um conjunto C X pertence à base quando ele é uma interseção nita de elementos da subbase. Se X e Y são espaços topológicos, podemos criar também uma topologia em X Y, bem como em qualquer subconjunto de X. Denição 1.1.3. Dados dois espaços topológicos X e Y, a topologia produto em X Y é a topologia que tem como base a coleção de todos os conjuntos da forma U V, onde U é aberto em X e V é aberto em Y. Denição 1.1.4. Seja X um espaço topológico munido de uma topologia T. Dado A X, a coleção T A = {U A U T } é chamada a topologia do subespaço em A. Com esta topologia, A será obviamente chamado de subespaço de X. A partir de agora, a menos que especiquemos o contrário, sempre consideraremos a topologia produto em um produto cartesiano de espaços, e a topologia do subespaço em um subconjunto qualquer de um espaço. Uma família particular de espaços topológicos que conhecemos são os espaços métricos, cujas propriedades iniciais se assemelham muito às do R n, e garantem-nos uma ótima funcionalidade: Denição 1.1.5. Uma métrica num conjunto X é uma função d : X X R tal que: 1) d(x, y) 0, x, y X; d(x, y) = 0 x = y; 2) d(x, y) = d(y, x), x, y X; 3) (Desigualdade triangular) d(x, y) + d(y, z) d(x, z), x, y, z X. Se d é uma métrica em X, dizemos que o par (X, d) é um espaço métrico. Quando d estiver implícita iremos nos referir ao espaço simplesmente por X. Agora, se X possui uma métrica, dados x, y X chamamos o número d(x, y) de distância entre x e y. Outra denição importante: dado um número real ɛ > 0 e x X, denimos a bola aberta centrada em x como o conjunto

1 Ferramentas Iniciais 3 B(x, ɛ) = {y X d(x, y) < ɛ}. A bola fechada centrada em x é o conjunto B(x, ɛ) = {y X d(x, y) ɛ}, e a esfera centrada em x, S(x, ɛ) = {y X d(x, y) = ɛ}. Se (X, d) é um espaço métrico, então a coleção de todas as bolas abertas B(x, ɛ) com x X e ɛ > 0 é uma base para uma topologia em X, que chamaremos de Topologia Métrica. Um conjunto A X é aberto em (X, d) quando, para todo elemento x de A, existe δ > 0 tal que B(x, δ) A. Apesar do nome, nem toda bola aberta possui um aspecto circular. Nem mesmo em R 2 este fato é sempre vericado. Por exemplo, a métrica d((x 1, y 1 ), (x 2, y 2 )) = max{ x 1 x 2, y 1 y 2 } faz com que as bolas abertas tenham forma de quadrados. A partir de agora, usaremos em R n a métrica euclidiana usual d((x 1,..., x n ), (y 1,..., y n )) = (x 1 y 1 ) 2 +... + (x n y n ) 2 a não ser que especiquemos o contrário. As bolas abertas serão chamadas de n bolas. Vejamos um exemplo para o caso n = 2 na Figura 1.1. 3.0 2.0 (2,2) 1.0 0 1.0 2.0 3.0 4.0 Figura 1.1: Bola aberta usual no espaço métrico R 2 Denição 1.1.6. Dizemos que um espaço topológico X admite uma cisão quando conseguimos escrever X = A B, onde A e B são abertos em X não vazios e disjuntos. Dizemos que X é conexo quando X não admite uma cisão. Exemplo 1.1.7. Seja X um espaço topológico com mais de um elemento. Se, para todo x X, {x} é aberto em X, então X não é conexo. De fato, tome a X e veja que X = {a} {b} b X,b a é, por hipótese, uma cisão de X. Eis aqui uma das propriedades mais importantes sobre conexidade: Proposição 1.1.8. Se X = α L U α é uma união de espaços conexos U α e existe x X que pertence a cada um dos U α, então X é conexo.

4 1.1 Topologia Podemos, intuitivamente, interpretar uma cisão como algo que divide o conjunto em dois pedaços. Assim, um conjunto conexo é aquele que possui apenas um pedaço. Quando há dois ou mais destes pedaços em X, o chamaremos de componente conexa. Construíremos este conceito abaixo, Denição 1.1.9. Seja X um espaço topológico. Denamos a relação em X por x y quando existe um conjunto conexo contido em X contendo x e y. Proposição 1.1.10. A relação é uma relação de equivalência em X. Demonstração. Dado x X, o conjunto {x} é um conjunto conexo contendo x, portanto x x. Se x y, o conjunto conexo contendo x e y é obviamente um conjunto conexo contendo y e x, logo y x. Se x y e y z, então existe um conjunto conexo A contendo x e y, e um conjunto conexo B contendo y e z. Segue da Proposição 1.1.8 que A B é um conjunto conexo contendo x e z, portanto, x z. Denição 1.1.11. Seja X um espaço topológico e a relação de equivalência denida acima. x X. Uma componente conexa de X é uma classe de equivalência x para algum Exatamente como fazem as relações de equivalência, dividimos o espaço X em conjuntos disjuntos não vazios. Notemos que X será conexo se, e somente se, X possuir apenas uma componente conexa. Denamos agora outra propriedade importante: a compacidade. Denição 1.1.12. Seja X um espaço topológico. Uma cobertura de X é uma coleção A = {A α : α J} de subconjuntos de X tal que X α J A α. Quando A α é aberto (respectivamente fechado) para todo α, dizemos que A é uma cobertura aberta (respectivamente cobertura fechada). Entendemos uma subcobertura de A por uma coleção A A que também é uma cobertura de X. Denição 1.1.13. Um espaço topológico X é dito compacto quando toda cobertura aberta de X possui uma subcobertura nita. Quando estamos em R n, porém, é mais fácil trabalhar com a compacidade: um subespaço de R n é compacto se, e somente se, for fechado e limitado, este último no sentido abaixo. Denição 1.1.14. Um conjunto T R n não vazio é limitado quando existe K > 0 tal que d(x, y) K para quaisquer x, y T. Nestas condições, o diâmetro de T é denido por Diam(T ) = sup{d(x, y) x, y T }.

1 Ferramentas Iniciais 5 Estaremos, mais adiante, interessados em usar o seguinte Teorema 1.1.15 (Lebesgue). Seja A R n um conjunto compacto e f : A R m uma função contínua. Se {C λ } λ Λ é uma cobertura aberta da imagem de f, então existe δ > 0 tal que a imagem f(t ) de qualquer subconjunto T A com Diam(T ) < δ está inteiramente contido em algum C λ. Para tanto, relembremos o conceito de continuidade em seus aspectos gerais e especí- cos. Denição 1.1.16. Sejam X e Y espaços topológicos. Uma função f : X Y é dita contínua quando, para cada aberto V de Y, o conjunto f 1 (V ) é aberto em X. Esta denição é demasiadamente conceitual. Podemos, no entanto, encontrar uma de- nição equivalente a ela que é mais técnica, ou seja, que é uma ferramenta mais adequada na hora de provarmos que uma função dada é contínua. Proposição 1.1.17. Sejam X e Y espaços topológicos, e f : X Y. Então f é contínua (continuidade topológica) se, e somente se, para cada x X e cada vizinhança aberta V de f(x), existe uma vizinhança aberta U de x tal que f(u) V (continuidade das vizinhanças). Demonstração. Suponhamos f contínua. Dado x e uma vizinhança aberta V de f(x), sabemos que f 1 (V ) é um conjunto aberto contendo x, e temos, obviamente, f(f 1 (V )) V. Assim, a primeira parte está provada. Suponhamos, agora, a continuidade das vizinhanças. Dado um aberto V de Y, há dois casos. Se f 1 (V ) =, então ele é aberto por denição. Se, no entanto, existe x f 1 (V ), então existe uma vizinhança aberta U x de x tal que U x f 1 (V ). Portanto, f 1 (V ) = x f 1 (V ) Segue então que f 1 (V ) é aberto (por ser união de abertos), o que prova a continuidade de f. Dada f : X Y e L Y, dizemos que lim x P f(x) = L quando, para cada vizinhança aberta V de L, existe uma vizinhança aberta U de P tal que f(u) V. Usando a denição acima, a Proposição 1.1.17 pode ser expressa também da seguinte forma: sejam X e Y espaços topológicos. Então f : X Y é contínua em P se, e somente se, lim x P f(x) existe e é igual a f(p ). Usaremos exaustivamente o teorema abaixo. U x.

6 1.1 Topologia Teorema 1.1.18. Sejam f : X Y e g : W Z funções contínuas, com f(x) W. Então a função g f : X Z denida por g f(x) = g(f(x)) é contínua. Relacionando continuidade e compacidade, temos, Teorema 1.1.19. Seja f : X Y função contínua entre espaços topológicos. subespaço A de X é compacto, então o subespaço f(a) de Y é compacto. Se o Usaremos o Lema abaixo, conhecido como Lema da colagem, para criarmos uma função contínua em um conjunto maior a partir de funções contínuas denidas em conjuntos menores: Lema 1.1.20. Seja X = A B, onde A e B são abertos em X. Sejam f : A Y e g : B Y funções contínuas. Se f(x) = g(x) para todo x A B, então a função h : X Y com h(x) = { f(x), se x A, g(x), se x B, (1.1) está bem denida e é contínua. O resultado também é válido caso A e B sejam fechados em X. Na Topologia, dois espaços são considerados iguais quando são homeomorfos. O conceito de homeomorsmo é análogo ao de isomorsmo presente na Teoria de Grupos. Na intuição, dois espaços são homeomorfos quando conseguimos deformar continuamente um deles até que se torne igual ao outro. Imagine, por exemplo, uma bexiga inicialmente no formato de um cubo oco sendo enchida até tomar a forma de uma esfera. Desta maneira, um cubo é homeomorfo a uma esfera (este fato é, realmente, demonstrado na topologia). Vamos à denição formal: Figura 1.2: Um cubo é homeomorfo a uma esfera Denição 1.1.21. Sejam X e Y espaços topológicos. Dizemos que X e Y são homeomorfos quando existe uma função f : X Y bijetora e contínua cuja inversa f 1 : Y X é contínua. Nestas condições, dizemos que f é um homeomorsmo entre X e Y e escrevemos X Y. Abaixo, veremos duas maneiras de obtermos novos homeomorsmos a partir de outros já conhecidos.

1 Ferramentas Iniciais 7 Proposição 1.1.22. Sejam X e Y espaços topológicos e A X. Se X Y por um homeomorsmo f, então X A Y f(a). Demonstração. A bijetividade de f garante que x X A se, e somente se, f(x) Y f(a). Assim, a função f A : X A Y f(a) com f A (x) = f(x) está bem denida e é uma bijeção. Provemos que f A é o homeomorsmo procurado. De fato, f A é a restrição de domínio de uma função contínua, sendo, portanto, contínua. Por último, a função f 1 f(a) é uma bijeção entre f(a) e A e é contínua, pois é a restrição de f 1 ao domínio f(a). Como e f A f 1 f(a) (y) = f A (f 1 (y)) = f(f 1 (y)) = y temos f 1 f(a) f A (x) = f 1 f(a) (f(x)) = f 1 (f(x)) = x, (f A ) 1 = f 1 f(a). Proposição 1.1.23. Se p é um homeomorsmo entre X e Y, e p é um homeomorsmo entre X e Y, então p p : X X Y Y com p p (x, x ) = (p(x), p (x )) é um homeomorsmo entre X X e Y Y. Demonstração. Vide [8]. Proposição 1.1.24. Se f : X Y é uma função contínua e Graf(f) = {(x, f(x)) x X}, então X Graf(f). Demonstração. Vejamos que a função f : X Graf(f) com f(x) = (x, f(x)) é contínua, pois suas coordenadas o são; é trivialmente bijetora; e sua inversa f 1 é a função projeção da primeira coordenada, sendo, portanto, também contínua. 1.2 Caminhos e Homotopia Sejam X um espaço topológico e U X. Um caminho em U é uma função γ : [a, b] U, γ(t) = (x(t), y(t)) que é contínua em [a, b]. Se X = R 2, dizemos que γ é derivável em (a, b) quando x (t) e y (t) existem para qualquer t em (a, b), e nesse caso temos γ (t) = (x (t), y (t)). Diremos que γ(a) e γ(b) são os pontos inicial e nal de γ, respectivamente. Um caminho é dito fechado quando γ(a) = γ(b).

8 1.2 Caminhos e Homotopia Dados γ 1 : [a, b] U e γ 2 : [c, d] U com γ 1 (b) = γ 2 (c), denimos o caminho γ = γ 1 + γ 2 : [a, b] [c, d] U (a soma dos caminhos γ 1 e γ 2 ) por: γ(t) = { γ 1 (t), se a t b, γ 2 (t), se c t d. Mais geralmante, se γ i : [a i, b i ] U; i = 1,..., n são caminhos tais que (1.2) γ i (b i ) = γ i+1 (a i+1 ); i = 1,..., n 1, então a soma destes caminhos é denotada por γ = γ 1 +... + γ n e denida como abaixo: γ(t) = γ i (t), se a i t b i, i = 1,..., n. Um caminho γ : [a, b] U é dito suave quando é derivável em todos os pontos, ou seja, quando γ (t) existe para todo t (a, b). Um caminho é suave por partes quando pode ser escrito como soma de caminhos suaves. Usando o conceito de caminhos, podemos denir em R n propriedades que se referem, intuitivamente, ao formato dos conjuntos: Denição 1.2.1. Um espaço topológico X é conexo por caminhos quando para quaisquer elementos P, Q X, existe um caminho γ : [a, b] X ligando estes pontos (γ(a) = P e γ(b) = Q) e que esteja inteiramente contido em X, ou seja, γ(t) X, t [a, b]. Quando X = R n, exigiremos que este caminho seja suave por partes. Denição 1.2.2. Um espaço topológico X é dito localmente conexo por caminhos quando, para cada x X e cada aberto U de X contendo x, existe um aberto W de X, conexo por caminhos, com x W U. Denição 1.2.3. Um conjunto U R n é dito estrelado quando existe x U tal que, para todo y U, os pontos do caminho γ(t) = (1 t)x+ty, 0 t 1 estão todos contidos em U. Em R 2 ou R 3, é equivalente dizer que, para todo y, o segmento de reta ligando x e y está inteiramente contido em U. Nas condições acima, x é chamado de ponto base de U. Denição 1.2.4. Um conjunto U R n é dito convexo quando, dados x, y U, os pontos da forma γ(t) = (1 t)x + ty, 0 t 1 estão contidos em U. Vale ressaltar que um conjunto será convexo se, e somente se, todo ponto de U é ponto base. É verdade também que todo conjunto estrelado é conexo por caminhos. De fato, dados dois pontos y, z U, existem caminhos γ e δ da forma acima ligando x a y e, a z, respectivamente. Assim, o caminho γ 1 + δ liga os pontos y e z. Para estudarmos integrais sobre caminhos deformados, necessitamos de um conceito de deformação, que na Topologia é chamado de homotopia.

1 Ferramentas Iniciais 9 Denição 1.2.5. Sejam X e Y dois espaços topológicos. Sejam f, g : X Y. Dizemos que f e g são homotópicos quando existe uma função contínua H : X [0, 1] Y (chamada homotopia) tal que H(x, 0) = f(x) e H(x, 1) = g(x). Estudaremos dois tipos especiais de homotopia: entre caminhos cujos pontos iniciais e nais coincidem, e, entre caminhos fechados. Denição 1.2.6. Sejam U um aberto de R 2 e γ, δ : [a, b] U dois caminhos com γ(a) = δ(a) e γ(b) = δ(b). Diremos que γ e δ são homotópicos com extremos xos em U quando existir uma função contínua H : [a, b] [0, 1] U tal que { H(t, 0) = γ(t) e H(t, 1) = δ(t) a t b; H(a, s) = γ(a) = δ(a) e H(b, s) = γ(b) = δ(b) 0 s 1. (1.3) s δ 1 γ s2 s 2 s 1 0 a b t H γ s1 γ Figura 1.3: Homotopia entre caminhos com extremos xos Denamos agora a homotopia livre entre caminhos fechados: Denição 1.2.7. Sejam γ, δ : [a, b] U dois caminhos fechados. Diremos que γ e δ são livremente homotópicos em U quando existir uma função contínua H : [a, b] [0, 1] U tal que { H(t, 0) = γ(t) e H(t, 1) = δ(t) a t b; H(a, s) = H(b, s) 0 s 1. (1.4) As funções H, acima, são chamadas de homotopias entre os caminhos. Se γ, δ e H são funções suaves, dizemos que os caminhos são suavemente homotópicos. Observe que podemos escrever H(t, s) = γ s (t), isto é, para cada s, H dene um caminho contínuo γ s : [a, b] U. Temos, portanto, uma família contínua de caminhos γ s que representam a deformação contínua de γ para δ. Podemos denir uma relação entre dois caminhos γ, δ : [a, b] R 2 da seguinte forma: γ δ quando γ e δ são homotópicos.

10 1.3 Diferenciabilidade s 1 s 2 H δ s 1 0 a b t γ γ s1 γ s2 H(a, s) Figura 1.4: Homotopia livre entre caminhos fechados Proposição 1.2.8. é uma relação de equivalência. Demonstração. Primeiro, notemos que H(t, s) = γ(t) é uma homotopia entre γ e γ, portanto, é reexiva. Se H é uma homohotopia entre γ e δ, então H (t, s) = H(t, 1 s) é uma homotopia entre δ e γ, o que prova a simetria de. Por último, se M é homotopia entre γ e σ e N é uma homotopia entre σ e δ, então H denida por H(t, s) = é uma homotopia entre γ e δ, provando a transitividade de. { M(t, 2s), 0 s 1 2 N(t, 2s), 1 2 s 1 (1.5) 1.3 Diferenciabilidade No texto subsequente, iremos nos referir a U como um conjunto aberto de R n com a topologia induzida pela métrica euclidiana d((x 1,..., x n ), (y 1,..., y n )) = (x 1 y 1 ) 2 +... + (x n y n ) 2, e f será subentendida como uma função f : U R n R a não ser que especiquemos o contrário. Denotaremos também, e 1 = (1, 0, 0,..., 0), e 2 = (0, 1, 0,..., 0),..., e n = (0, 0, 0,..., 1) a base canônica de R n. Denição 1.3.1. Dados f : U R n R, P U e um vetor v R n, denimos a derivada direcional de f com relação ao vetor v em P por caso este limite exista. f (P ) = lim v t 0 f(p + tv) f(p ), t A derivada parcial de f com relação a x i em P são casos particulares em que tomamos, respectivamente, v = e i e a denotamos por f x i (P ), ou f xi (P ).

1 Ferramentas Iniciais 11 Se f fosse uma função de R em R, a existência de sua derivada implicaria na sua continuidade. Em um domínio U R n, porém, isto pode não acontecer: Exemplo 1.3.2. Seja f : R 2 R denida por f(x, y) = { xy 2 x 2 +y 4, se (x, y) (0, 0), 0, se (x, y) = (0, 0). (1.6) Sejam P = (0, 0) e v = (a, b) (0, 0). Então, se a 0, f f(p + tv) f(p ) (P ) = lim v t 0 t Se a = 0, por sua vez, temos = lim t 0 f(ta, tb) t f f(0, tb) (P ) = lim v t 0 t tat 2 b 2 = lim t 0 t(t 2 a 2 + t 4 b 4 ) = lim ab 2 t 0 a 2 + t 2 b = b2 4 a. 0 = lim t 0 t 4 b = 0. 4 Assim, a derivada de f na origem existe em todas as direções. Porém, f não é contínua na origem. Para cada m R tome a curva x = my 2. Como f(my 2, y) = my2 y 2 m 2 y 4 + y 4 = m m 2 + 1, o limite de f quando (x, y) tende a (0, 0) através da curva dada varia de acordo com m, temos, portanto, que este não existe. Gostaríamos, então, de uma denição de diferenciabilidade que implicasse em continuidade. Aqui está: Denição 1.3.3. Uma função f : U R n R m é dita diferenciável em a U quando existe uma transformação linear T a : R n R m tal que f(a + v) f(a) T a (v) v 0 sempre que v 0. Demonstra-se que a função T a é única; denotaremo-na por df a. Dado v R n e P U, se f é diferenciável em P U então a derivada direcional de f em relação a v no ponto P existe e vale f (P ) = df(p ).v. v Sejam f : U R n R m e P um ponto de U. Quando a derivada parcial f x i (P ) existe, também a denotamos por f x i (P ) = x i (f) (P ). Da mesma forma, podemos denotar ( ) f x 1 x 2 = 2 f x 1 x 2 e, mais geralmente, x i1 ( x i2 ) ( )... (f) = x ik k f x i1 x i2... x ik.

12 1.3 Diferenciabilidade Uma função de U em R da forma acima recebe o nome de derivada parcial de ordem k de f. Diremos que uma função f : U R n R é de classe C k quando todas as suas derivadas parciais de ordem 1,..., k existem e são contínuas em U. Uma função será dita suave (ou de classe C ) em U quando todas as suas derivadas parciais de todas as ordens da forma ( ) k f x 1 x 2... x k existirem e forem contínuas. Lembremos também que, se todas as derivadas parciais de primeira ordem (ou seja, da forma ( ) f x i ) de f são contínuas em P, então f será diferenciável em P. Outra poderosa ferramenta é o próximo Teorema, Teorema 1.3.4 (Schwarz). Se f : U R n R m é de classe C k então, para cada inteiro j com 1 j k, as derivadas parciais mistas de ordem j, j f x i1... x ij (v), 1 i 1,..., i j n, independem da ordem em que forem efetuadas as derivações. Teorema 1.3.5 (Regra da Cadeia). Sejam g : U R n R m e f : V R m R l funções de classe C 1 com g(u) V. Então, para todo p U, d(f g)(p) = d(f(g(p))) d(g(p)). Relacionaremos agora a topologia de um conjunto, o comportamento de uma função neste conjunto e suas derivadas parciais. Uma função f em U é dita localmente constante quando todo ponto de U tem uma vizinhança aberta na qual f é constante. Proposição 1.3.6. Seja f uma função suave em U. Então f é localmente constante se, e somente se, f/ v = 0 para qualquer vetor v R n. Q v P Figura 1.5: B(P, δ): vizinhança de P

1 Ferramentas Iniciais 13 Demonstração. Tome P = (x 0, y 0 ) U. Se f é localmente constante, existe uma vizinhança aberta V de P na qual f é constante. Existe então δ > 0 tal que P + tv V para todo t ( δ, δ) e todo vetor v unitário. Assim, f f(p + tv) f(p ) (P ) = lim v t 0 t = lim t 0 k k t como queríamos. Para provar a recíproca, seja P = (x 0, y 0 ) U. Como U é aberto, tome uma bola B(P, δ) contida em U. Dado qualquer outro ponto Q em V, traçamos o segmento P Q como na Figura 1.5. Assim, f/ v = 0 nos garante que f(p ) = f(q) e portanto f é constante nesta vizinhança aberta de P. Apesar da generalidade do resultado acima, precisaremos mais tarde de uma versão mais especíca dele, cuja demonstração não será feita, pois é semelhante à que acabamos de fazer. Proposição 1.3.7. Seja f uma função suave em U. Então f é localmente constante se, e somente se, f/ x = f/ y = 0. Outro resultado que será necessário em um próximo capitulo é Proposição 1.3.8. Se f é uma função contínua em um aberto e conexo U, e sua imagem está contida em Z, então f é constante em U. Demonstração. Basta provarmos que f é localmente constante em U e teremos o desejado, pois U é conexo. Seja p U um ponto arbitrário. Suponhamos, por absurdo, que f não seja localmente constante. Tome uma bola aberta B 1 (p, ɛ) contendo p e contida em U. Para cada bola aberta da forma B n (p, ɛ ), n N encontramos, pela suposição, um ponto n p n tal que f(p n ) f(p). Assim, a sequência {p n } converge para p mas a sequência {f(p n )} não converge para f(p), pois f(p n ) f(p) 1 para todo n, o que nos diz que f não é contínua em p, um absurdo. Para o resultado a seguir, utilizaremos o seguinte Lema, Lema 1.3.9. Se U é aberto, então cada componente conexa de U é conexa e aberta. Demonstração. A demonstração deste lema requer passos que fogem do tema e pode ser encontrada em [8], por isto apenas o assumiremos. Proposição 1.3.10. Uma função f em U é localmente constante se, e somente se, é constante em cada componente conexa de U. Demonstração. Suponhamos f localmente constante. Sejam C uma componente conexa de U e x C. Digamos que f(x) = k. Dado y C, criamos, pela conexidade de C (graças ao Lema 1.3.9), um caminho poligonal ligando x e y, de segmentos paralelos aos = 0

14 1.4 Integração eixos x e y, cujos extremos são, consecutivamente, x, a 1, a 2, a 3,..., a n, y. Agora, f = 0 x garante que f(x) = f(a 1 ), f = 0 garante que f(a y 1) = f(a 2 ), e assim sucessivamente; logo, f(x) = f(y), sendo f constante em C. Provemos a volta. Seja P U. Então P está em uma componente conexa C de U. Como U é aberto, pelo lema temos que C também o é, sendo, portanto, uma vizinhança aberta de P onde f é constante, como desejado. Notemos que, na hora de provar a primeira parte, não precisávamos ter usado o conceito de derivada parcial. Veremos abaixo uma demonstração alternativa do resultado. Tomemos uma componente conexa C de U e x C. Agora, consideremos os conjuntos: C 1 = {z C : f(z) = f(x)}, C 2 = {z C : f(z) f(x)}. Estes são conjuntos disjuntos cuja união dos elementos é igual a C. O fato de f ser localmente constante nos garante ainda, que C 1 e C 2 são abertos. Como C é conexo (pelo Lema 1.3.9), ele não admite cisão. Finalmente, como C 1 (já que x C 1 ), concluimos que C 2 = (caso contrário teríamos uma cisão de C), ou seja, C 1 = C e f(z) = k z C, como queríamos. Precisaremos, mais adiante, do seguinte resultado: Lema 1.3.11. Sejam U e V dois abertos de R 2 e f : U V R uma função de classe C. Então existem funções f 1 : U R e f 2 : V R de classe C tais que f = f 1 f 2 em U V. 1.4 Integração Por um campo de vetores, ou um campo vetorial, entendemos uma função f : U R n R m da forma f(x 1,..., x n ) = (f 1 (x 1,..., x n ),..., f m (x 1,..., x n )), onde f 1,..., f m são funções de U em R. Os campos de vetores que mais estudaremos neste texto são os que obtemos tomando n = m = 2, ou seja, os da forma f : U R 2 R 2 com f(x, y) = (p(x, y), q(x, y)), que denotaremos simplesmente por (p, q). Podemos interpretar um campo vetorial como uma função que, a cada ponto, associa uma força atuando sobre o ponto. O que vamos medir agora é a atuação total de um campo vetorial sobre um caminho. A integral de linha de um campo vetorial

1 Ferramentas Iniciais 15 f : U R 2 R 2, por f(x, y) = (p(x, y), q(x, y)) sobre um caminho γ : [a, b] U é denida γ f = b a p(x(t), y(t))x (t) + q(x(t), y(t))y (t) dt. Uma função φ : U R de classe C 1 é uma função potencial de um campo (p, q) quando p = φ x e q = φ y em U. Nestas condições, dizemos que (p, q) é um campo gradiente em U. O teorema que relaciona o conceito de campo gradiente com as integrais de linha do campo é: Teorema 1.4.1. Se f é um campo vetorial contínuo de U R 2 em R 2, então são equivalentes: a) f é campo gradiente em U; b) f não depende do caminho γ; γ c) f = 0 para todo caminho fechado α em U. α Dado um campo f = (p, q) de classe C 1, o rotacional de f (ou rot(f)) é a função q x p y : U R. Podemos relacionar rotacional e integral de linha pelo seguinte Teorema 1.4.2 (Green). Sejam f : U R 2 com f = (p, q) e p, q funções de classe C 1 em U. Seja γ : [a, b] U um caminho fechado suave por partes injetor em [a, b) (que chamaremos de curva de Jordan) e R a união da imagem de γ com seu interior. Então γ f = R (q x p y ) dxdy. Notemos que, se f é campo gradiente em U com sua respectiva função potencial φ, então, pelo Teorema de Schwarz (1.3.4), q x = (φ y ) x = (φ x ) y = p y e, portanto, o rotacional de f é a função nula. Usando o Teorema de Green, 1.4.2, a recíproca de nossa armação é válida sempre que a região R é simplesmente conexa, ou seja, sempre que qualquer curva de Jordan em R possui o interior inteiramente contido em R. 1.5 Grupos Denição 1.5.1. Um semigrupo é um conjunto não vazio G munido de uma operação binária em G tal que

16 1.5 Grupos (i) Associativa: a(bc) = (ab)c, a, b, c G; Um monóide é um semigrupo G que contém (ii) Elemento neutro: e G tal que ae = ea = a, a G. Um grupo é um monóide G tal que (iii) Para todo a G existe um elemento inverso a 1 G tal que a 1 a = aa 1 = e. Um semigrupo é dito abeliano ou comutativo se sua operação binária possui (iv) Comutatividade: ab = ba, a, b G. Denição 1.5.2. Sejam G e H semigrupos. Uma função f : G H é um homomor- smo entre grupos se f(ab) = f(a)f(b), a, b G. Se f é injetora, f é dita monomorsmo. Se f é sobrejetora, é um epimorsmo. Se f é bijetora, f é chamada de isomorsmo. Neste caso, G e H são ditos ismorfos e escrevemos G H. Notemos que, para todo homomorsmo da forma acima, vale f(e) = f(ee) = f(e)f(e) = e e = e, onde e é o elemento neutro de H. Veja também que f(x 1 )f(x) = f(x 1 x) = f(e) = e e, analogamente, f(x)f(x 1 ) = e, donde concluimos que f(x 1 ) = f(x) 1. Proposição 1.5.3. Se f : G H é homomorsmo entre grupos e A é um subgrupo de G (isto é, A G e com relação a mesma operação de G, A é um grupo), então f(a) é um subgrupo de H. Demonstração. Primeiramente vemos que e f(a), pois f(e) = e. Se h 1, h 2 f(a), então h 1 = f(g 1 ) e h 2 = f(g 2 ), donde vem que h 1 h 2 = f(g 1 )f(g 2 ) = f(g 1 g 2 ) com g 1 g 2 G, ou seja, h 1 h 2 f(a). Por último, se h = f(g) f(a), então h 1 = f(g) 1 = f(g 1 ), ou seja, h 1 f(a). Proposição 1.5.4. [Teorema Fundamental do Isomorsmo] Se f : G H é um homomorsmo entre grupos e N é o núcleo de f, então a função f : G N f(g) = f(g) é um isomorsmo. Demonstração. Podemos encontrar tal demonstração facilmente em [3]. f(g) denida por Denição 1.5.5. Uma ação de um grupo G sobre um conjunto Y é uma função F : G Y Y tal que

1 Ferramentas Iniciais 17 1) F (e, y) = y para todo y Y ; 2) F (gh, y) = F (g, (F (h, y))) para quaisquer g, h G. Quando tal função existe, dizemos que o grupo G age sobre Y. Dado g G, podemos induzir através de F uma função f g : Y Y com f g (y) = F (g, y) e teremos que a aplicação g f g será um homomorsmo entre G e o grupo das permutações de Y. Denição 1.5.6. Fixado y Y, a órbita de y é o conjunto O(y) = {F (g, y) g G}. Sem muitas diculdades, prova-se que as órbitas formam uma partição de Y.

18 1.5 Grupos

Capítulo 2 Formas Diferenciais e Integração Quando representamos a integral de uma função f : [a, b] R utilizamos a notação b a f(x)dx, à qual estamos completamente acostumados. Podemos, então, nos questionar: por que o símbolo dx faz parte desta notação? Estamos tratando apenas de um símbolo ou ele tem um signicado? Nesta seção, discutiremos isto. Denição 2.0.7. Dado n N, o espaço vetorial das transformações lineares de R n ao corpo R será denotado por A 1 (R n ). Por conveniência, o corpo R também receberá o nome de A 0 (R n ). Considere um aberto U de R n. Vamos relembrar novamente o conceito de diferenciabilidade: uma função f : U R n R m é dita diferenciável em a U quando existe uma transformação linear df a : R n R m tal que f(a + v) f(a) df a (v) v 0 sempre que v 0. Como estamos nos referindo sempre a funções suaves (em particular, diferenciáveis em cada ponto U), podemos pensar em uma função que leva cada elemento de U à uma transformação linear que satisfaz a condição de diferenciabilidade. Seja f : U R uma função suave. Denimos df : U A 1 (R n ) por df(x) = df x. Esta função é chamada a diferencial de f. Denição 2.0.8 (0-forma). Dado um aberto U de R n, uma 0-forma sobre U é uma função suave ω : U A 0 (R n ) = R. Por conveniência, o conjunto das 0-formas sobre U será denotado por Λ 0 (U). Denição 2.0.9 (1-forma). Dado um aberto U de R n, uma 1-forma sobre U é uma função ω : U A 1 (R n ). O conjunto das 1-formas sobre U será denotado por Λ 1 (U). 19

20 U R n R = A 0 (R n ) Λ 1 (U) df f F (U : R) A 1 (R n ) Figura 2.1: Esquema representativo das 1-formas Das denições acima segue imediatamente que, se f é suave em U R 2, sua diferencial df é uma 1-forma, e veremos adiante que poderá ser escrita como df = f f dx + dy. x y Observemos também que, se f é uma função linear, então ela é a transformação linear que melhor se aproxima dela mesma; logo, para todo ponto p em U, Vale df(p) = f. Na gura acima, o conjunto rosa representa as funções suaves de U em R, o conjunto azul representa as transformações lineares de R n em R (que, em particular, estão denidas em U) e o conjunto verde representa o espaço das 1-formas sobre U. Vamos ao R n. Consideremos as projeções π i : R n R, i = 1,..., n denidas por π i (a 1,..., a n ) = a i. Dadas as funções suaves x i : U R, i = 1,..., n com x i (a 1,..., a n ) = a i, elas são diferenciáveis e, portanto, conseguimos denir, para i = 1,..., n: dx i : U A 1 (R n ), p dx i (p) = π i. Agora, o grande fato: Λ 1 (U) é um espaço vetorial sobre o anel das funções suaves f : U R. Dizemos que Λ 1 (U) é um módulo sobre F (U; R). Este módulo tem dimensão n, tendo as funções dx i, i = 1,..., n como base. Provemos, por exemplo, que as funções dx i são linearmente independentes em Λ 1 (U). Consideremos a combinação linear α 1 dx 1 +... + α n dx n = 0 Λ, onde α i F (U : R), i = 1,..., n e 0 Λ é a função que a cada vetor de U associa a transformação linear nula. Aplicando esta função a um vetor p U qualquer, obtemos α 1 (p)dx 1 (p) +... + α n (p)dx n (p) = 0 A1, onde 0 A1 é a transformação linear nula. Como dx i (p) = π i, vem que Finalmente, aplicando no vetor e j, α 1 (p)π 1 +... + α n (p)π n = 0 A1.

2 Formas Diferenciais e Integração 21 (α 1 (p)π 1 +... + α n (p)π n )(e j ) = 0 α 1 (p)π 1 (e j ) +... + α n (p)π n (e j ) = 0 α j (p) = 0 para todo p U e todo índice j = 1,..., n, como queríamos. A demonstração de que dx 1,..., dx n geram o espaço Λ 1 (U) será omitida aqui. Por dx 1,..., dx n serem base de Λ 1 (U), se n = 2, trataremos uma 1-forma em U R 2 como um par de funções suaves p, q : U R; denotando-se como ω = p dx + q dy. Notemos que, a cada 1-forma ω = pdx + qdy, podemos associar o campo vetorial (p, q) e vice-versa. A partir de agora, seja n = 2. Vamos relacionar agora os conceitos de forma e integral com uma denição que será muito explorada mais adiante: Denição 2.0.10. Seja ω = p dx+q dy e γ : [a, b] U um caminho suave. Denimos a integral de ω sobre γ por Notemos que γ ω = b a ω(γ(t)).γ (t)dt. ω(γ(t)).γ (t) = p(γ(t))dx(γ(t)) + q(γ(t))dy(γ(t)) = (p(γ(t)), q(γ(t))).(x (t), y (t)) e, portanto, podemos denir também a integral de ω por γ ω = b a (p(x(t), y(t))x (t) + q(x(t), y(t))y (t)) dt. Caso γ seja suave por partes da forma γ = γ 1 +... + γ n, dene-se que ω = γ ω +... + γ 1 ω. γ n Observação 2.0.11. Veja que se γ : [a, b] U é um caminho constante, ou seja, para todo t, γ(t) = P 0 U, então γ (t) = 0 e portanto ω = 0. Nestas condições denotamos γ γ = P 0. Veja que a integral de ω sobre γ é, por denição, a integral de linha do seu campo vetorial (p, q) associado sobre γ. Assim como vemos em cálculo, esta é uma integral que descreve uma ação da 1-forma ao longo de todo o caminho. Em alguns casos, porém, seu valor dependerá apenas dos pontos inicial e nal do mesmo, como acontece no caso a seguir. Diremos que uma 1-forma ω = pdx + qdy é exata em A U quando (p, q) possui uma função potencial em A, ou seja, quando ω = df para alguma função suave f. Proposição 2.0.12. Se ω é exata em algum aberto que contenha um caminho γ, então sua integral depende apenas dos pontos inicial e nal de γ.

22 Demonstração. Seja f a função potencial de ω. Usando a Regra da Cadeia e o Teorema Fundamental do Cálculo temos γ ω = = b a b a b ( p(x(t), y(t)) dx dt ( f (x(t), y(t))dx x d = a dt (f(γ(t)))dt = f(γ(b)) f(γ(a)). ) + q(x(t), y(t))dy dt dt dt + f y (x(t), y(t))dy dt ) dt Nas condições acima, denotamos df = f x f dx + dy = ω e dizemos que ω é o diferen- y cial de f. Veremos agora alguns resultados que dizem o que acontece com as integrais de 1-formas quando reparametrizamos o caminho sobre o qual integramos. Denição 2.0.13. Sejam ω uma 1-forma em U, γ : [a, b] U um caminho suave, e φ : [a, b ] [a, b] uma função suave tal que φ(a ) = a e φ(b ) = b. O caminho γ φ : [a, b ] U é chamado uma reparametrização positiva de γ. Quando φ(a ) = b e φ(b ) = a, dizemos que γ φ é uma reparametrização negativa de γ. Em ambos os casos, dizemos que φ é uma reparametrização de γ. Proposição 2.0.14. Para toda reparamerização positiva de γ, temos γ φ ω = Para toda reparametrização negativa de γ, vale γ φ γ ω. ω = ω. γ Demonstração. Seja φ uma reparametrização positiva de γ. Vamos escrever ω = pdx + qdy e γ(t) = (x(t), y(t)). Segue da própria denição e da regra da cadeia que ω = γ φ = = = b a b a b a γ [p(γ(φ(s))), q(γ(φ(s)))].[(x φ) (s), (y φ) (s)]ds [p(x(φ(s))), y(φ(s))).x (φ(s)) + q(x(φ(s)), y(φ(s))).y (φ(s))].φ (s)ds p(x(t)), y(t)).x (t) + q(x(t), y(t)).y (t)dt ω. (fazendo t = φ(s))

2 Formas Diferenciais e Integração 23 Se φ é uma reparametrização negativa de γ, seguimos o mesmo procedimento. A diferença é que, ao fazer a mudança de variável t = φ(s), os limites de integração a e b serão invertidos, já que φ(a ) = b e φ(b ) = a, donde obteremos que γ φ ω = ω. γ A segunda parte da demonstração anterior possui uma demonstração alternativa e elegante: já provamos, no Lema 2.0.19, que ω = ω para qualquer caminho α. α 1 α Agora vejamos que, para qualquer t [a, b ], (γ ψ) 1 (t) = (γ ψ)(a + b t) = γ(ψ(a + b t)) = (γ ψ 1 )(t) e, portanto, (γ ψ) 1 = γ ψ 1. Agora, notemos que o caminho γ ψ 1 é uma reparametrização de γ, já que ψ 1 (a ) = ψ(a + b a ) = ψ(b ) = a e ψ 1 (b ) = ψ(a + b b ) = ψ(a ) = b. Portanto, usando estes três fatos e a Proposição anterior para o caso positivo, temos γ ψ ω = ω = ω = ω. (γ ψ) 1 γ ψ 1 γ Proposição 2.0.15. Nem toda 1-forma é exata. Demonstração. Seja ω θ = ( y x )dx + ( )dy. Se houvesse potencial para o campo ( ) x 2 +y 2 x 2 +y 2 y x, x 2 +y 2 x 2 +y, teríamos γ ω 2 θ = γ(b) γ(a) e portanto, para todo caminho fechado, ω γ θ = 0. Note que ω θ está denida em R 2 {(0, 0)}. Vamos então enlaçar a origem com a circunferência y : [0, 2π] R 2 ; y(t) = (cos(t), sen(t)) e teremos: γ ω θ = = = b a 2π 0 2π 0 = 2π, ( p(x(t), y(t)) dx dt ) + q(x(t), y(t))dy dt dt sen(t) sen 2 (t) + cos 2 (t) ( sen(t)) + 1dt ou seja, ω θ não pode ser exata. cos(t) sen 2 (t) + cos 2 (t) (cos(t))dt

24 Proposição 2.0.16. Sejam f, g : U R 2 R. Então, df = dg em U se, e somente se, f g é localmente constante em U. Demonstração. Consideremos df e dg como elementos do módulo Λ 1 (U). Usando as denições e, no último passo, a Proposição 1.3.7, teremos df = dg df dg = 0 f g f g dx dx + dy dy = 0 = 0dx + 0dy x x y y (f g) (f g) dx + dy = 0 = 0dx + 0dy x y (f g) (f g) = = 0 x y f g é localmente constante. Proposição 2.0.17. Seja ω uma 1-forma no aberto e conexo por caminhos U e γ : [a, b] U um caminho suave por partes. Então são equivalentes: a) ω é exata; b) ω não depende do caminho γ; γ c) ω = 0 para qualquer caminho γ fechado em U. γ Demonstração. A demonstração seguirá os seguintes passos: a) b) Já feito em 2.0.12. b) c) É claro que, se γ é fechado, então seus pontos inicial e nal são iguais, logo. γ ω = γ(b) γ(a) = 0 c) b) Para a demonstração deste item, denamos o conceito de caminho inverso e provemos uma de suas propriedades: Denição 2.0.18. Dado γ : [a, b] U, dene-se o caminho inverso de γ por γ 1 : [a, b] U com γ 1 (t) = γ(a + b t) = (x(a + b t), y(a + b t)) = (x(t), y(t)). Lema 2.0.19. Para qualquer caminho γ nas condições acima vale ω = ω. γ 1 γ

2 Formas Diferenciais e Integração 25 Demonstração. É claro que dx = dx dt dt x(t) = x(s) e dx = dx. dt ds Logo, para qualquer 1-forma ω, vale e se zermos s = a + b t, teremos dt = ds, γ 1 ω = b ( p(x(t), y(t)) dx dt a b = = a γ ) + q(x(t), y(t))dy dt dt ( p(x(s), y(s)) dx + q(x(s), y(s))dy ds ds ω. ) ds α Q β P Figura 2.2: A integral de ω não depende do caminho Podemos nalmente demonstrar o item. Sejam P, Q U e dois caminhos α, β : [a, b] U suaves por partes com α(a) = β(a) = P e α(b) = β(b) = Q, como na gura acima (eles existem porque U é conexo por caminhos). Queremos provar que as integrais de ω sobre estes dois caminhos são iguais. Para isto, consideremos o caminho inverso β 1 : o caminho α + β 1 é fechado e, portanto, 0 = ω = α+β 1 α ω + ω = β 1 α ω ω ω = ω; β α β b) a) Devemos provar que ω é exata, ou seja, que existe uma função suave φ : U R tal que φ x = φ = p e φ x y = φ = q. y Suponhamos que ω não depende do caminho γ. Então, xado x γ 0 U, para cada x U a função φ(x) = ω está bem denida, pois ω admite o mesmo valor para γ γ

26 qualquer caminho γ : [a, b] U com γ(a) = x 0 e γ(b) = x. A boa notícia é que esta φ que acabamos de denir é exatamente a função que procurávamos. Vamos provar que φ x existe e é igual a p; o caso φ y = q é totalmente análogo. γ X X 1 σ X 0 Figura 2.3: σ(1) = X 1 = (x 1 + h, x 2 ) Para calcular a derivada parcial de φ em x = (x 1, x 2 ), precisamos de um segmento horizontal. Considere então h > 0 e o caminho σ : [0, 1] U com σ(t) = x + the 1 = (x 1 + th, x 2 ) = (α(t), β(t)) (onde e 1 = (1, 0)). Então dα = h dβ = 0 e dt dt φ(x + he 1 ) φ(x) = = = = = γ+σ ω σ 1 0 1 0 h 0 ω γ ω ( p(α(t), β(t)) dα + q(α(t), β(t))dβ dt dt p(x 1 + th, x 2 )h dt p(x 1 + u, x 2 ) dt (fazendo u=th). ) dt Agora usemos o Teorema Fundamental do Cálculo. Como p é contínua, fazendo g(h) = h 0 p(x 1 + u, x 2 ) dt teremos que g será diferenciável e g (h) = p(x 1 + u, x 2 ). Então φ(x + he 1 ) φ(x) h Finalmente, fazendo h 0 obtemos = g(h) h g(h) g(0) =. h lim h 0 φ(x + he 1 ) φ(x) h = lim h 0 g(h) g(0) h = g (0) = p(x)

2 Formas Diferenciais e Integração 27 e, portanto, φ x = p como desejado. Proposição 2.0.20. Se ω = pdx + qdy é exata então q x = p y. Demonstração. Temos ω = df = pdx + qdy. Então, para qualquer v U vale df(x, y).v = (p(x, y)dx).v + (q(x, y)dy).v. Aplicando em e 1 obtemos f f (x, y) = (x, y) = df(x, y).v = (p(x, y)dx).v + (q(x, y)dy).v = p(x, y). x e 1 Analogamente, aplicando em e 2 (1.3.4), obtemos f y = q. Usando o Teorema de Schwarz p y (x, y) = y como queríamos. ( ) f (x, y) = 2 f x y x (x, y) = 2 f (x, y) = x y x ( ) f y (x, y) = q (x, y), x Notemos que o diferencial de uma 0-forma é uma 1-forma. O diferencial então deve ser um operador que leva uma i-forma para uma (i+1)-forma. Vamos dení-lo para o caso n=1: Denição 2.0.21. A função d : Λ i (U) Λ i+1 (U) com ω dω é chamada o diferencial de ω. Para o caso i = 1, se ω = pdx + qdy, usando as propriedades dxdx = dydy = 0 e dxdy = dydx obtemos dω = dpdx + dqdy = (p x dx + p y dy)dx + (q x dx + q y dy)dy = p x dxdx + p y dydx + q x dxdy + q y dydy = (q x p y )dxdy. Denição 2.0.22. Uma 2-forma é, em termos gerais, uma expressão h dxdy onde h é uma função suave de U R n R. Isto acontece porque, semelhantemente às 1-formas, prova-se que a expressão dxdy é uma base para o espaço Λ 2 (U) das 2-formas em R 2. Observemos agora, que o Teorema de Green(1.4.2) pode ser reescrito: Seja ω uma 1-forma em U. Seja γ : [a, b] U um caminho fechado suave por partes e injetor em [a, b) e R a união da imagem de γ com seu interior. Então

28 γ ω = Denição 2.0.23. Uma 1-forma ω se diz fechada quando dω = 0. Observe que, se dω = 0 e U é uma região à qual podemos aplicar o Teorema de Green, então a integral de ω não depende do caminho: dados dois pontos a, b U, criamos o caminho fechado que vai de a para b por γ e volta para a por um caminho σ 1, e assim ω = γ+σ 1 R R dω. dω = 0 γ ω = Vamos relacionar agora os conceitos de forma fechada e exata: Proposição 2.0.24. Toda 1-forma exata é fechada; mas nem toda forma fechada é exata. Demonstração. Seja ω exata. Então existe f suave tal que ω = f x dx + f y dy. Agora calculemos dω pela denição 2.0.21 dω = ( x ( ) f y y σ ω. ( )) ( ) f 2 f dxdy = x y x 2 f dxdy x y Agora, pelo Teorema de Schwarz, o termo entre parênteses é nulo; logo ω é fechada. Um contraexemplo para nossa recíproca é algo da forma dada na Proposição 2.0.15: apesar de não ser exata, ela é fechada, pois temos dω θ = (q x p y )dxdy = ( ) 1(x 2 + y 2 ) x(2x) 1(x2 + y 2 ) + y(2y) dxdy = 0. (x 2 + y 2 ) 2 (x 2 + y 2 ) 2 Proposição 2.0.25. Em um retângulo aberto qualquer U = {(x, y) R 2 : a < x < b e c < y < d }, toda 1-forma fechada é exata. γ 2 (x 0, y) (x, y) γ 1 γ 4 (x 0, y 0 ) γ 3 (x, y 0 )

2 Formas Diferenciais e Integração 29 Demonstração. Temos ω = pdx + qdy. Seja P 0 = (x 0, y 0 ) um ponto xado em U. Dado P = (x, y), seja f(p ) = γ 1 +γ 2 ω e g(p ) = γ 3 +γ 4 ω, como na Figura. Suponhamos que x x 0 e y y 0. Usando a mesma construção da Proposição 2.0.17 com o caminho γ 2 chegamos que f x = p; analogamente, com o caminho γ 4, obtemos g y = q. Por último, como podemos aplicar Green em U e dω = 0, vem que γ 1 +γ 2 ω = γ 3 +γ 4 ω e, portanto, f = g, logo f x = p e f y = q. Isto quer dizer que, em um retângulo, uma forma é exata se, e somente se é fechada. Vamos estender esta armação para outros tipos de conjuntos: Proposição 2.0.26. Se U = U 1 U 2 é a união de dois retângulos como acima e que se interceptam, e ω é fechada em cada um deles, então ω é exata em U. Demonstração. Pela proposição acima, temos que existem f 1, f 2 com df 1 = ω em U 1 e df 2 = ω em U 2. Como d(f 1 f 2 ) = df 1 df 2 = ω ω = 0 no conexo U 1 U 2, temos que f 1 f 2 é constante em U 1 U 2, ou seja, f 1 (x) f 2 (x) = k. Agora observe que a função f 3 (x) = f 2 (x) + k é também uma potencial de ω em U 2 e temos f 1 = f 3 em U 1 U 2. Isto quer dizer que existe uma função f em U tal que suas restrições a U 1 e U 2 são, respectivamente, f 1 e f 3, e tal que df = ω em todo U, como queríamos. Com uma demonstração exaustiva, prova-se que o resultado (fechada exata) vale quando U é escrito como união de n retângulos U 1,..., U n cuja interseção (U 1 U 2... U i ) U i+1 é conexa para todo 1 i n 1. Vejamos que, em todos estes conjuntos, uma propriedade é comum: eles são simplesmente conexos, ou, intuitivamente, não possuem buracos em seu interior (veremos o signicado de simplesmente conexo no capítulo 5). Quando consideramos ω = ( y x )dx + ( )dy em R 2 {(0, 0)}, provamos que esta não era exata calculando sua x 2 +y 2 x 2 +y 2 integral através de um caminho que contornava a origem e vendo que seu valor não era zero. O que veremos agora é que, se ao calcular a integral contornando um buraco obtivermos resultado zero então a forma será exata. Denição 2.0.27. Dado r > 0 e P R 2, denota-se por γ P,r o círculo de raio r e centro P parametrizado da forma γ P,r (t) = P + r(cos(2πt), sin(2πt)), 0 t 1. Proposição 2.0.28. Seja U = R 2 {P }, r > 0 e ω uma 1-forma fechada em U tal que γ P,r ω = 0. Então ω é exata em U. Demonstração. Sejam U 1, U 2, U 3 e U 4 os semiplanos, respectivamente, à direita, acima, à esquerda e abaixo de P. Como ω é fechada, pela Proposição 2.0.25 existem as suas

30 γ 2,3 P 3 P 2 i γ 3,4 P r γ 1,2 P 4 P 1 γ 4,1 Figura 2.4: Contornando P respectivas funções potenciais f i em U i, e que diferem entre si apenas por constantes. Assim, como feito em 2.0.26, podemos assumir sem perda de generalidade que f 2 = f 1 em U 2 U 1, f 3 = f 2 em U 3 U 2 e f 4 = f 3 em U 4 U 3. O problema é que f 4 = f 1 + k em U 1 U 4. Vamos agora usar a hipótese. Considere os caminhos γ 1,2, γ 2,3, γ 3,4 e γ 4,1 que cobrem γ P,r como na gura. Cada caminho está contido em uma das regiões U i, na qual ω é exata, e portanto a integral de ω sobre cada caminho só dependerá de f i calculada em seus pontos extremos. Portanto temos 0 = γ P,r ω = ω + γ 1,2 ω + γ 2,3 ω + γ 3,4 ω γ 4,1 = f 1 (P 2 ) f 1 (P 1 ) + f 2 (P 3 ) f 2 (P 2 ) + f 3 (P 4 ) f 3 (P 3 ) + f 4 (P 1 ) f 4 (P 4 ) = f 4 (P 1 ) f 1 (P 1 ) = f 1 (P 1 ) + k f 1 (P 1 ) = k, ou seja, f 1 = f 4 ; assim, as quatro funções coincidem nas interseções de seus domínios, formando uma função f em U tal que df = ω. Como última observação, este também é um resultado que pode ser generalizado. A demonstração, porém, é exaustiva e será evitada neste texto, onde nos contentaremos com seu enunciado: Proposição 2.0.29. Se U = R 2 {P 1,..., P n } e ω é uma 1-forma fechada em U tal que γ P1,r então ω será também exata em U. ω = 0,..., ω = 0, γ Pn,r

2 Formas Diferenciais e Integração 31 Os próximos teoremas nos mostrarão uma das utilidades das homotopias que denimos no capítulo 1: Teorema 2.0.30. Seja U um aberto de R 2, γ, δ : [a, b] U dois caminhos com os mesmos pontos extremos e ω uma 1-forma fechada em U. Se γ e δ são suavemente homotópicos em U, então γ ω = Demonstração. Seja R = [a, b] [0, 1] e H : R U a homotopia entre γ e δ. Como U é aberto e ω é fechada, cada ponto P na imagem H(R) está contido em uma vizinhança aberta B de U na qual ω é exata. Como H é contínua, os conjuntos H 1 (B) formam então uma cobertura aberta do compacto R. Assim, o Lema de Lebesgue nos garante que existe uma partição de R da forma δ ω. a = t 0 < t 1 <... < t n = b e 0 = s 0 < s 1 <... < s m = 1, tal que cada subretângulo R i,j = [t i 1, t i ] [s j 1, s j ] é levado por H em algum dos abertos B. Isto garante que a integral de ω sobre a fronteira de H(R i,j ) é zero. Quando somamos as integrais de ω sobre as fronteiras de todas as imagens H(R i,j ) obtemos 0 = i,j H(R i,j ) ω = H(R) ω = γ+γ(b)+δ 1 +δ(a) ω = γ ω+ ω ω ω = ω ω. γ(b) δ δ(a) γ δ Teorema 2.0.31. Sejam γ, δ : [a, b] U dois caminhos fechados, U um aberto de R 2 e ω uma 1-forma fechada em U. Se γ e δ são suavemente homotópicos em U, então γ ω = Demonstração. Seja H a homotopia entre γ e δ e σ : [0, 1] U o caminho σ(s) = H(a, s) = H(b, s). A demonstração segue os mesmos passos da feita acima: dividimos R em subretângulos que são levados inteiramente em abertos de H(R). A integral de ω sobre a fronteira da imagem cada subretângulo é zero. Integrando em todos eles e somando obtemos 0 = H( R) ω = γ ω + σ δ ω. ω + ω + ω = δ 1 σ 1 γ ω ω. δ

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Capítulo 3 Índice de um Caminho 3.1 O Caso Derivável ( ) ( ) y x A 1-forma ω θ = dx + dy, além de ter sido um belo contraexemplo, x 2 +y 2 x 2 +y 2 provando que nem toda forma fechada é exata, nos será de extrema importância em todo o trabalho subsequente. Quando calculamos sua integral ao longo do caminho γ : [0, 1] R 2 ; γ(t) = (cos(2πt), sen(2πt)) (que dá exatamente uma volta em torno da origem) obtemos resultado 2π (veja a Proposição 2.0.24). Exemplo 3.1.1. Se zéssemos o mesmo cálculo acima para um caminho que desse n voltas em torno da origem, ou seja, γ : [0, 1] R 2 ; γ(t) = (cos(2πnt), sen(2πnt)) e dividíssemos o resultado por 2π obteríamos 1 ω θ = 1 1 sen(2πnt) 2π γ 2π 0 sen 2 (2πnt) + cos 2 (2πnt) ( sen(2πnt).2πn) + cos(2πnt) + sen 2 (2πnt) + cos 2 (2πnt) (cos(2πnt).2πn)dt = 1 2π 1 0 2πndt = 1 2πn = n. 2π Se déssemos apenas meia volta em torno do 0, obteríamos resultado 1. Não seria nada 2 assustador, então, apresentar a seguinte Denição 3.1.2. O índice de um caminho derivável γ : [a, b] R 2 {0}; γ(t) = (x(t), y(t)) é denido por W (γ, 0) = 1 ydx + xdy ω θ =. 2π γ γ x 2 + y 2 33

34 3.1 O Caso Derivável O índice representa o número de voltas que o caminho dá em torno da origem no sentido anti-horário. Caso o caminho percorra o sentido horário, teremos como resultado um número negativo. Em outras palavras, o índice é a variação total de ângulo entre os extremos do caminho, dividido por 2π. A pergunta é: por que isto dá certo? Qual é o motivo de ω θ medir ângulos? Considere a transformação em coordenadas polares, p(r, θ) = P + (r cos θ, r sin θ). Denição 3.1.3. Um setor em torno de P é a imagem de uma tira R = {(r, θ) R 2 r > 0 e θ 1 < θ < θ 2 } por p, ou seja, S = p(r) = {P + (r cos θ, r sin θ) R 2 r > 0 e θ 1 < θ < θ 2 }. θ 2 θ P θ 1 Figura 3.1: Setor em torno de P Consideremos a função ângulo Θ denida em algum setor S em torno de P. Observemos a Figura 3.2. Para todo ponto (x, y) S temos então cos(θ) = y x Θ(x, y) = arccos ( y x Sabemos também que podemos denir uma função raio R no setor S da seguinte forma: R(x, y) = x 2 + y 2. Assim, para qualquer caminho suave γ(t) = (x(t), y(t)) em S podemos denir as funções ângulo e raio ao longo do caminho por ). θ(t) = (Θ γ)(t) r(t) = (R γ)(t) e teremos γ(t) = (r(t)cos(θ(t)), r(t)sen(θ(t))). Donde

3 Índice de um Caminho 35 Θ x y Figura 3.2: Θ = arccos ( ) y x dθ(x, y) = Θ x = = Θ (x, y)dx + (x, y)dy y 1 ( y ) dx + 1 + (y/x) 2 x 2 ydx + xdy x 2 + y 2 = ω θ. Agora, usando a Regra da Cadeia, obtemos 1 1 + (y/x) 2 ( ) 1 dy x θ (t) = (Θ γ) (t) = dθ(γ(t)).γ (t) = ω θ (γ(t)).γ (t). Estabelecendo um ponto inicial γ(a) = (x(a), y(a)) = (r(a)cos(θ(a)), r(a)sen(θ(a))) e usando o Teorema Fundamental do Cálculo obtemos e, portanto, θ(b) = θ(a) + b a θ (t)dt = θ(a) + γ b a ω θ (γ(t)).γ (t) = θ(a) + ω θ γ ω θ = θ(b) θ(a) (3.1) será a variação de ângulo entre os pontos extremos do caminho. Notemos que podemos obter um número não inteiro, ou sequer racional. O resultado abaixo trata apenas de caminhos fechados. Proposição 3.1.4. Para todo caminho fechado que não passa pela origem, o índice do caminho é um número inteiro. Demonstração. Seja γ : [a, b] R 2 {0} fechado. Notemos que θ(b) = θ(a) + ω θ = θ(a) + 2πW (γ, 0). γ

36 3.2 O Caso Generalizado Agora, como o caminho é fechado, θ(b) e θ(a) representam o ângulo de um mesmo ponto, portanto, devem diferir por um múltiplo inteiro de 2π; assim W (γ, 0) deve ser um número inteiro. A seguinte denição é tão natural quanto o índice em torno da origem: Denição 3.1.5. O índice W (γ, P ) em torno de qualquer ponto P = (x 0, y 0 ) é W (γ, P ) = 1 ω θ,p = 1 (y y 0 )dx + (x x 0 )dy. 2π γ 2π γ (x x 0 ) 2 + (y y 0 ) 2 Notemos que estamos integrando praticamente a mesma 1-forma, deslocando y para y y 0 e x para x x 0. Os resultados acima são todos válidos: para qualquer caminho fechado que não passe por P, o resultado obtido é um número inteiro, que representa o número de voltas dadas em torno de P. 3.2 O Caso Generalizado Quando γ : [a, b] R 2 {P } for um caminho contínuo qualquer (não necessariamente derivável), os fatores x (t) e y (t) podem não existir, o que nos impede de calcular W (γ, P ). Como podemos, então, denir o índice de γ? É o que faremos agora. Observe que, para cada t [a, b], o ponto γ(t) está contido em algum setor S γ(t) de R 2. O conjunto γ 1 (S γ(t) ) é, portanto, uma vizinhança aberta de t, donde concluimos que {γ 1 (S γ(t) ) t [a, b]} é uma cobertura aberta do compacto [a, b]. Assim, o Lema de Lebesgue nos garante que existe uma partição a = t 0 < t 1 <... < t n = b de [a, b] (que chamaremos de partição bonita), na qual cada subintervalo [t i 1, t i ] é levado inteiramente em algum dos setores S γ(t), que chamaremos de S i, onde conseguimos denir uma função ângulo θ i contínua. Denição 3.2.1. Seja P i = γ(t i ), i = 0,..., n e θ i as funções ângulo escolhidas. Então denimos o índice, W (γ, P ) = 1 2π n (θ i (P i ) θ i (P i 1 )). i=1 Proposição 3.2.2. O índice está bem denido, isto é, não depende dos setores S i tomados e tampouco de suas funções θ i. Demonstração. Armamos que duas funções angulares θ i e θ i diferem por uma constante múltipla de 2π. De fato, para todo P S i devemos ter cos(θ i (P )) = cos(θ i(p )) e sen(θ i (P )) = sen(θ i(p ))

3 Índice de um Caminho 37 e, portanto, para cada ponto P deve existir um inteiro k i (P ) tal que θ i (P ) = θ i(p ) + 2πk i (P ) θ i θ i 2π (P ) = k i(p ) Z. Aplicando o Lema 1.3.8 à função k i, devemos ter o mesmo valor de k i para todo P S i, ou seja, θ i(p ) = θ i (P ) + 2πk i. Logo, independentemente das funções escolhidas teremos θ i(p i ) θ i(p i 1 ) = (θ i (P i ) + 2k i π) (θ i (P i 1 ) + 2k i π) = θ i (P i ) θ i (P i 1 ). Provemos agora que W (γ, P ) não depende da partição bonita escolhida. Se adicionamos um ponto t entre dois pontos t i 1 e t i da partição bonita, então podemos escolher o mesmo setor S i e a mesma função θ i para os intervalos [t i 1, t ] e [t, t i ]. Assim, se P = γ(t ), (θ i (P i ) θ i (P )) + (θ i (P ) θ i (P i 1 )) = θ i (P i ) θ i (P i 1 ), ou seja, o índice não é alterado quando adicionamos um número nito de pontos. Sejam agora A = {a = t 0, t 1,..., t n = b} e B = {a = t 0, t 1,..., t n = b} duas partições bonitas de [a, b]. Então, A B é uma partição bonita de [a, b] que pode ser obtida adicionando um número nito de pontos a A ou a B, donde vemos que o índice é igual para A e B. Proposição 3.2.3. A denição generalizada de índice coincide com a denição anterior para o caso em que o caminho é derivável. Demonstração. Seja γ : [a, b] U um caminho contínuo qualquer e a = t 0 < t 1 <... < t n = b uma partição bonita. Seja γ i = γ [ti 1,t i ], i = 1,..., n. Então, por denição temos γ = γ 1 +... + γ n. Como cada γ i é suave, usando a equação 3.1 vem que θ i (P i ) θ i (P i 1 ) = γ i ω θ e daí W (γ, P ) = 1 2π n i=1 (θ i (P i ) θ i (P i 1 )) = 1 2π n ( i=1 γ i ω θ ) = 1 ω θ. 2π γ A propriedade do índice de qualquer caminho fechado ser um número inteiro também vale para esta denição: Proposição 3.2.4. Se γ é fechado, então W (γ, P ) é um número inteiro. Demonstração. Temos

38 3.2 O Caso Generalizado W (γ, P ) = 1 2π n (θ i (P i ) θ i (P i 1 )) = i=1 = 1 2π (θ 1(P 1 ) θ 1 (P 0 ) + θ 2 (P 2 ) θ 2 (P 1 ) +... + θ n (P n ) θ n (P n 1 )) Já justicamos anteriormente na Proposição 3.2.2 que θ i (P i ) θ i+1 (P i ) = 2πk i, i = 1,..., n 1. Substituindo na equação anterior e usando que P 0 = P n (pois γ é fechado) obtemos W (γ, P ) = 1 2π (θ n(p n ) θ 1 (P 0 )) = 1 2kπ = k, k Z. 2π Proposição 3.2.5. Se γ : [a, b] U é um caminho fechado e U é um aberto em R 2 {P } no qual está denida uma função ângulo θ contínua, então W (γ, P ) = 0. Demonstração. Para qualquer partição bonita, consideremos os setores S 1,..., S n que cobrem γ([a, b]). Pela hipótese, podemos escolher θ i = θ e teremos W (γ, P ) = n (θ(p i ) θ(p i 1 )) = θ(p n ) θ(p 0 ) = θ(p 0 ) θ(p 0 ) = 0. i=1 Por último, veremos que o índice é invariante por translação através da Proposição 3.2.6. Seja γ : [a, b] R 2 {P } e v R 2. Seja γ +v : [a, b] R 2 {P +v} denido por (γ + v)(t) = γ(t) + v. Então W (γ, P ) = W (γ + v, P + v). Demonstração. Sejam a = t 0 < t 1 <... < t n = b uma partição bonita de [a, b], S 1,..., S n os setores correspondentes e θ 1,..., θ n as respectivas funções ângulo usadas para calcular W (γ, P ). Sabemos que para qualquer vetor x em S i podemos escrever x P = r(x)(cos(θ(x)), sen(θ(x))). Para a mesma partição bonita escolhida, denimos os novos setores S i = S i + v = {s + v s S i }, i = 1,..., n. Como γ([t i 1, t i ]) S i, temos que γ + v([t i 1, t i ]) S i, ou seja, cada subintervalo da partição é levado por γ + v em algum dos setores S i. Em cada um destes setores, seja

3 Índice de um Caminho 39 θ i (x + v) = θ i (x) e r(x + v) = r(x). Para que o conjunto γ + v([t i 1, t i ]) esteja bem denido através das funções θ i e r, precisamos escrever, para qualquer vetor x + v em γ + v([t i 1, t i ]), Mas (x + v) (P + v) = r(x + v)(cos(θ(x + v)), sen(θ(x + v))). r(x + v)(cos(θ(x + v)), sen(θ(x + v))) = r(x)(cos(θ(x)), sen(θ(x))) = x P = x P + v v = (x + v) (P + v). Seja P i + v = γ + v(t i ). Pela denição de índice temos W (γ + v, P + v) = n θ i (P i + v) θ i (P i 1 + v) = i=1 n θ i (P i ) θ i (P i 1 ) = W (γ, P ). i=1 Se γ e δ são suavemente homotópicos, decorre dos Teoremas 2.0.30 e 2.0.31 que W (γ, P ) = 1 ω θ,p = 1 ω θ,p = W (δ, P ). 2π γ 2π δ Esta igualdade, porém, é válida também para caminhos homotópicos quaisquer. Para a demonstração deste fato, utilizaremos um Lema. Seja R = [a, b] [c, d] e Γ : R R 2 contínua. Sejam γ 1 (t) = Γ(t, c), γ 3 (t) = Γ(t, d), a t b γ 2 (s) = Γ(b, s), γ 4 (s) = Γ(a, s), c s d os caminhos formados pela restrição de Γ aos quatro lados do retângulo R. Lema 3.2.7. Se P R 2 Γ(R), então W (γ 1, P ) + W (γ 2, P ) = W (γ 3, P ) + W (γ 4, P ). (3.2) Demonstração. Primeiramente, vejamos que W (Γ R, P ) = W (γ 1, P ) + W (γ 2, P ) W (γ 3, P ) W (γ 4, P ).

40 3.2 O Caso Generalizado Agora, faremos assim como zemos para generalizar a denição do índice. O fato de que cada ponto em Γ(R) está contido em algum setor centrado em P nos permite particionar o retângulo R em subretângulos R i,j cujas imagens por Γ estão inteiramente contidas em algum setor S i,j centrado em P, onde há uma função ângulo θ i,j bem denida. Isso nos garante, pela Proposição 3.2.5, que o índice sobre a imagem do contorno de cada um destes subretângulos é zero, ou seja, W (Γ Ri,j, P ) = 0 para todo i, j. Além disso, quando somamos os ângulos da imagem dos extremos dos segmentos de todos os subretângulos, os segmentos internos se cancelam, donde obtemos W (Γ R, P ) = i,j W (Γ Ri,j, P ) = 0 e portanto W (γ 1, P ) + W (γ 2, P ) W (γ 3, P ) W (γ 4, P ) = 0, como queríamos. Teorema 3.2.8. Se γ, δ : [a, b] R 2 {P } são caminhos homotópicos, então W (γ, P ) = W (δ, P ). Demonstração. Seja H : [a, b] [0, 1] R 2 a homotopia entre γ e δ. Usando o Lema 3.2.7 acima, denimos Γ = H (onde c = 0 e d = 1) e os caminhos γ 1, γ 2, γ 3 e γ 4, e teremos W (γ 1, P ) + W (γ 2, P ) = W (γ 3, P ) + W (γ 4, P ). Antes de mais nada, notemos que W (γ 1, P ) = W (γ, P ) e W (γ 2, P ) = W (δ, P ). Há dois casos de homotopia a serem tratados. Se a homotopia é entre caminhos com mesmos pontos extremos, temos que a imagem dos caminhos γ 2 e γ 4 são pontos, e portanto, W (γ 2, P ) = W (γ 4, P ) = 0, donde vem que W (γ, P ) = W (δ, P ). Se a homotopia é entre caminhos fechados, temos, por denição, que W (γ 2, P ) = W (γ 4, P ) e portanto, cancelando ambos na equação 3.2 obtemos também W (γ, P ) = W (δ, P ). Dado um caminho γ fechado xo, podemos considerar a função índice como uma função de V = R 2 {γ([a, b])} em Z, que associa a cada ponto o número de voltas em sentido anti-horário que γ dá em torno do ponto. O que veremos agora é que, se P é muito próximo de P, então o número de voltas é o mesmo. Proposição 3.2.9. Dado γ : [a, b] R 2 xo, a função f(p ) = W (γ, P ) é constante em cada componente conexa de R 2 γ([a, b]). Demonstração. Primeiramente, como γ é continuo e [a, b] é compacto, pelo Teorema 1.1.19 γ([a, b]) é compacto. Como estamos em R 2, podemos dizer então que esta imagem é fechada e limitada. Assim, V = R 2 γ([a, b]) é um conjunto aberto. Seja P V. Então P está em alguma componente conexa C de V, que, por 1.3.9, é conexa e aberta.

3 Índice de um Caminho 41 0 1 1 1 0 Figura 3.3: Índice constante em componentes conexas A estratégia da demonstração será simplesmente mostrar que f é localmente constante e então teremos que f é constante em cada componente conexa de R 2 γ([a, b]), pela Proposição 1.3.10. Considere então B(P, ɛ) C e isto implica B(P, ɛ) γ([a, b]) = (3.3) Devemos mostrar que W (γ, P ) = W (γ, P ) para qualquer P B(P, ɛ). Dado P C, tomemos o vetor v = P P. Pela Proposição 3.2.6, temos W (γ, P ) = W (γ + v, P + v) = W (γ + v, P ). Armamos agora que H(t, s) = γ(t) + sv, a t b, 0 s 1 é uma homotopia entre γ e γ + v que não toca o ponto P, o que nos garantirá, por 3.2.8, que W (γ, P ) = W (γ + v, P ) = W (γ, P ), como queríamos. De fato, se existissem t [a, b] e s [0, 1] tais que γ(t) + sv = P, então teríamos γ(t) = (1 s)p + sp ou seja, γ(t) estaria no segmento P P que está contido em B(P, ɛ), absurdo com 3.3. A próxima proposição nos será útil mais tarde, quando estivermos estudando os Grupos Fundamentais. Sua demonstração, no entanto, envolve diretamente a denição de índice; por isso, a faremos aqui. Proposição 3.2.10. Seja P 0 R 2 e sejam γ e δ dois caminhos denidos em [0, 1] cujas imagens estão contidas em R 2 {P 0 } e tais que γ(1) = δ(0). Seja γ.δ(t) = Então W (γ.δ, P 0 ) = W (γ, P 0 ) + W (δ, P 0 ). { γ(2t), se 0 t 1 2, δ(2t 1), se 1 2 t 1.

42 3.2 O Caso Generalizado Demonstração. Sabemos que existe uma partição 0 = t 0 < t 1 <... < t n = 1 tal que, para todo i = 1,..., n, a imagem γ([t i 1, t i ]) está contida em algum setor T i onde há uma função ângulo θ i bem denida. Sabemos também que existe uma partição 0 = s 0 < s 1 <... < s m = 1 tal que, para todo j = 1,..., m, a imagem δ([s j 1, s j ]) está contida em algum setor S j no qual há uma função ângulo θ j bem denida. Para calcular W (γ.δ, P 0 ) precisamos encontrar uma partição de [0, 1] onde cada subintervalo é levado por γ.δ inteiramente em algum setor. Considere a partição 0 = t 0 2 < t 1 2 < t 2 2 <... < t n 2 = 1 2 = s 0 + 1 < s 1 + 1 2 2 denindo desta forma, teremos, para todo i = 1,..., n, e, analogamente, para todo j = 1,..., m, ([ ti 1 γ.δ 2, t ]) i = γ([t i 1, t i ]) T i 2 ([ sj 1 + 1 γ.δ, s ]) j + 1 = δ([s j 1, s j ]) S j, 2 2 <... < s m + 1 2 ou seja, cada subintervalo é levado inteiramente em um setor. Tomando em cada um destes setores as mesmas funções ângulo θ i e θ j anteriormente encontradas e usando a denição de γ.δ obtemos = 1. ( )) ( ( )) ( ( )) ( t1 t0 tn W (γ.δ, P 0 ) = θ 1 (γ.δ θ 1 γ.δ +... + θ n γ.δ θ n γ.δ 2 2 2 ( ( )) ( ( )) + θ 1 s1 + 1 γ.δ θ 1 s0 + 1 γ.δ +... + 2 2 ( ( )) ( ( )) + θ m sm + 1 γ.δ θ m sm 1 + 1 γ.δ 2 2 = θ 1 (γ(t 1 )) θ 1 (γ(t 0 )) +... + θ n (γ(t n )) θ n (γ(t n 1 )) + + θ 1(δ(s 1 )) θ 1(δ(s 0 )) +... + θ m(δ(s m )) θ m(δ(s m 1 )) = W (γ, P 0 ) + W (δ, P 0 ). ( tn 1 2 )) Curiosidade: Quando passeamos com nossos cães pela rua, uma das maiores preocupações é não deixar que eles dêem voltas a mais nos postes e hidrantes, se enrolando nos mesmos e atrapalhando o uxo de pessoas; ou seja, queremos garantir que o número de voltas dadas em torno de cada objeto seja o mesmo para cão e dono. O teorema 3.2.8 tem como consequência o seguinte fato: para que nossos cães não se enrolem e consigamos voltar para casa, basta que mantenhamos o tamanho da coleira sempre menor do que nossa distância até os objetos:

3 Índice de um Caminho 43 Figura 3.4: O problema da coleira Corolário 3.2.11. Sejam γ, δ : [a, b] R 2 {P } caminhos fechados tais que o segmento que liga γ(t) e δ(t) nunca toca P. Então W (γ, P ) = W (δ, P ). Demonstração. Independentemente dos caminhos γ e δ, a função H : [a, b] [0, 1] R 2 {P }; H(t, s) = (1 s)γ(t) + δ(t), a t b, 0 s 1 é uma homotopia entre os caminhos. A hipótese nos diz que P não está na imagem do retângulo. Logo, pelo teorema 3.2.8, W (γ, P ) = W (δ, P ). 3.3 Índice de uma Função do Círculo Sejam I = [0, 1], P um ponto do plano e C um círculo qualquer da forma C = {(x, y) R 2 (x x 0 ) 2 + (y y 0 ) 2 = r 2 }. Dada uma função F : C R 2 {P }, queremos denir o índice de F ao redor de P. Para isso, considere a aplicação φ(t) = (x 0, y 0 ) + (rcos(2πt), rsin(2πt)), 0 t 1. Ora, φ é uma função contínua e bijetora exceto nos pontos 0 e 1, nos quais a imagens coincidem. Proposição 3.3.1. O caminho γ(t) = F (φ(t)), a função F denida acima é contínua. 0 t 1 é contínuo se, e somente se, Demonstração. Se F é contínua, então o Teorema 1.1.18 nos garante que γ também o é, por ser composta de contínuas. Suponha agora γ contínua. Dado um aberto U de R 2 {P }, devemos provar que F 1 (U) é aberto em C. Como F 1 (U) = φ(γ 1 (U)), basta provar que φ leva abertos de I em abertos de C, ou que leva básicos em abertos. Mas

44 3.3 Índice de uma Função do Círculo existe uma topologia em I que nos garantirá esta propriedade: a que tem como base os intervalos abertos tradicionais e os conjuntos da forma [0, ɛ) (1 ɛ, 1]. Denição 3.3.2. Seja F : C R 2 {P } uma aplicação contínua. Então γ = F φ é um caminho contínuo de I a R 2 {P }. O índice de F ao redor de P é denido então por W (F, P ) = W (γ, P ).

Capítulo 4 Aplicações do Índice 4.1 O Teorema do Ponto Fixo de Brouwer O objetivo desta subseção será usar o conceito de índice para demonstrar o Teorema do Ponto Fixo de Brouwer, que arma que toda função f contínua de um disco fechado nele mesmo possui um ponto xo, ou seja, um ponto x tal que f(x) = x. Seremos, portanto, bem sucintos, apresentando uma sequência de proposições que nos conduzirão ao resultado nal. Aqui, denotaremos um disco fechado por e sua fronteira por D = {(x, y) R 2 (x x 0 ) 2 + (y y 0 ) 2 r 2 } C = {(x, y) R 2 (x x 0 ) 2 + (y y 0 ) 2 = r 2 }. Proposição 4.1.1. Se uma função contínua F : C R 2 {P } pode ser estendida para uma função contínua F : D R 2 {P }, então W (F, P ) = 0. Demonstração. Seja γ = F φ onde φ(t) = (x 0, y 0 ) + (rcos(2πt), rsin(2πt)), 0 t 1. Vejamos que H(t, s) = (x 0, y 0 ) + s(rcos(2πt), rsen(2πt)), 0 t 1, 0 s 1 é uma homotopia entre φ e o caminho constante em (x 0, y 0 ). Consideremos então a função H = F H. Como F C = F, temos H(t, 1) = F H(t, 1) = F (φ(t)) = F (φ(t)) = γ(t), ou seja, H é uma homotopia entre γ e o caminho constante ɛ(t) = F (x 0, y 0 ) (cujo índice em torno de P é nulo). Como H é uma homotopia dentro do disco e a imagem de F nunca toca P, temos então que H não o toca. Pela Proposição 2.0.31 conseguimos 45

46 4.1 O Teorema do Ponto Fixo de Brouwer W (F, P ) = W (γ, P ) = W (ɛ, P ) = 0. Denição 4.1.2. Seja F : C C uma função contínua do disco em um outro disco C. Seja P o centro de C. Então denimos o grau de F por Gr(F ) = W (F, P ). Intuitivamente, o grau de F representa o número de voltas em sentido anti horário que F dá em torno de P. Por exemplo, é intuitivo e facilmente vericado pela denição de índice que a função identidade Id : C C possui grau igual a 1. Notemos também que o grau não se alterará se for denido em torno de qualquer ponto dentro de C, ou seja, qualquer ponto Q tal que a distância de P a Q é menor do que o raio r de C. De fato, isto é garantido pela Proposição 3.2.9 e pelo fato de que a região {Q R 2 d(q, P ) < r } é conexa. Para demonstrar o Teorema do Ponto Fixo de Brouwer, ainda precisamos de mais um conceito: o de retração. Denição 4.1.3. Seja X um espaço topológico e Y um subespaço de X. Uma retração de X em Y é uma função contínua r : X Y tal que r(y) = y para todo y Y. Nestas condições, dizemos que Y é um retrato de X. Proposição 4.1.4. Não existe uma retração de um disco fechado D à sua fronteira C. Demonstração. Suponhamos que exista uma retração r de D em C. Então, r é uma função contínua cuja imagem não toca o centro P de C (pois a imagem de r é C). Ainda mais, r é a função identidade em C. Podemos então entender r como uma extensão da função identidade (Id : C C) para o disco D. Assim, pela Proposição 4.1.1 temos que W (Id, P ) = 0 Gr(Id) = 0. Mas, isto é um absurdo, pois o grau da função identidade é sempre igual a 1, como já discutido acima. Concluimos então que não existe retração de D em C. Proposição 4.1.5. Seja h : X Y um homeomorsmo. Se toda função contínua de X em X possui um ponto xo, então toda função contínua de Y em Y também possui um ponto xo. Demonstração. Seja g : Y Y uma função contínua. Consideremos a função f = h 1 g h. Como h é homeomorsmo, f é uma função contínua de X em X. Assim, por hipótese, existe x X tal que f(x) = x, ou seja, h 1 (g(h(x))) = x. Aplicando h em ambos os lados da equação obtemos g(h(x)) = h(x), ou seja, h(x) é um ponto xo de g.

4 Aplicações do Índice 47 Teorema 4.1.6 (Ponto xo de Brouwer). Toda função contínua f : D D possui um ponto xo. f(p ) P r(p ) Figura 4.1: A função r Demonstração. Provaremos primeiramente o teorema para o disco D centrado na origem e de raio igual a 1. Suponhamos que f não possua ponto xo. Criaremos, então uma retração r de D em C, um absurdo pela Proposição 4.1.4 acima. A função r, funcionalmente, leva um ponto P ao ponto r(p ) que é a interseção de C com o raio que sai de f(p ) e passa por P (veja Figura 4.1). Explicitamente, r(p ) = P + t.u onde U = P f(p ) P f(p ). Queremos um real positivo t que leve P em C, ou seja, tal que r(p ) = 1. Com esta imposição obtemos t = P U + 1 P P + (P U) 2. Como f é contínua, bem como as funções relacionadas a produto escalar e a norma, segue que r é contínua. Para provarmos que r é a identidade em C, suponhamos que P = 1 e teremos P P = 1. Substituindo na equação acima obtemos t = 0, ou seja, r(p ) = P + 0.U = P. Para que o teorema seja válido para todo disco em R 2, basta usarmos a Proposição 4.1.5 e vermos que todos os discos com centro em a R 2 e raio R > 0 são homeomorfos ao disco unitário D, pela função contínua f(x) = Rx + a cuja inversa é a função contínua g(y) = y a R.

48 4.2 O Teorema de Borsuk-Ulam e Invariância de Dimensão 4.2 O Teorema de Borsuk-Ulam e Invariância de Dimensão Aqui, estabeleceremos o Teorema de Borsuk-Ulam, que diz que para qualquer função contínua f de uma esfera ao R 2, existe um ponto P na esfera tal que f(p ) = f(p ). Imaginemos agora a superfície terrestre como sendo a esfera e a função que, a cada ponto da superfície, associa a temperatura e a umidade do ar neste ponto. Como estas características variam continuamente, podemos dizer que, em qualquer instante, existem sempre dois pontos P e P cuja temperatura e umidade são iguais (por exemplo, P no Brasil e P no Japão, ou ainda P na cidade de Arganda del Rey, na Espanha, e P na mundialmente famosa região de Taumatawhakatangihangakoauauotamateaturipukakapikimaungahoronukupokaiwhenuakitanatahu, na Nova Zelândia). Vamos, então, à demonstração. Figura 4.2: Aplicação do Teorema de Borsuk Ulam O conceito fundamental para esta seção é o de antípoda. Denição 4.2.1. Dado um ponto P em um círculo (ou uma esfera) de centro C, a antípoda de P (que denotaremos por P ) é a interseção do círculo (ou da esfera) com a semirreta que sai de P e passa por C, ou seja, o ponto do círculo mais distante de P. A função antipodal é a função do círculo (ou esfera) que associa cada ponto à sua antípoda. Notemos que, se o círculo ou a esfera estão centrados na origem, então P = P para todo ponto P. Exemplo 4.2.2. Seja C um círculo no plano de centro (x 0, y 0 ) e raio r. O grau de uma função antipodal A : C C é igual a 1. De fato, dado o caminho φ(t) = (x 0 + rcos(t), y 0 + rsen(t)), 0 t 2π, temos A φ(t) = (x 0 rcos(t), y 0 rsen(t)) e, portanto,