A INTERAÇÃO NA SALA DE AULA COMO MEDIAÇÃO DE IDÉIAS



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Transcrição:

1 A INTERAÇÃO NA SALA DE AULA COMO MEDIAÇÃO DE IDÉIAS 1. Introdução Eny Toschi Universidade Luterana do Brasil/ULBRA Esta comunicação é um relato parcial da pesquisa A interação humana como mediação de idéias no ensino superior, em realização junto a professores e alunos de cursos superiores de quatro instituições do Rio Grande do Sul, Brasil. Os pressupostos teóricos consideram, entre outros, os estudos de: - Furter (1995), que salienta o desenvolvimento da linguagem artificial (cibernética e eletrônica). Esta linguagem, possibilitando ao emissor (professor ou aluno ou colega) ir além da transmissão vis-a-vis ou pela escrita, determina ao professor aceitar os desafios tecnológicos e repensar os paradigmas considerando o binômio comunicação/educação que, segundo o paradigma vigente na educação é, ainda, inspirado nos paradigmas pedagógicos do século XIX. Uma das tarefas do professor, se considerada a comunicação como uma revolução tecnológica das CDM (comunicação de massa), abertas no século XX, é mudar sua forma de ver o processo pedagógico. - Perret-Clermont (1994, 1996), que destaca a importância da escola como espaço de pensamento e interação no processo social na construção de conhecimentos pelo aluno; o aprender/ensinar como dois processos articulados e não opostos. - Doise e Mugny (1981), que salientam a necessidade de aprofundamento de estudos de papéis do professor, a partir de análises das informações obtidas ao nível de práticas sociais. - Maisonneuve (1989), considerando as redes de comunicação e a modificação na sala de aula da relação poder/conhecimento. - Duas pesquisas realizadas no contexto de sala de aula do ensino fundamental (1 º grau) e médio (2º grau): a) A pesquisa Interação social em sala de aula foi realizada no período de três anos letivos em uma escola pública de Porto Alegre. As observações no contexto natural de sala de aula permitiram acompanhar o desenvolvimento escolar de um grupo de alunos, de 7 a 10 anos, em início de escolaridade e o

2 trabalho das três professoras (1 ª a 3 ª série do ensino fundamental). A análise do diálogo e da ação do professor, como gestor de ensino, constatou a complexidade da interação própria de sala de aula, assim como três diferentes tendências de ensino (Toschi 1993, 1994, 1995, 1996); b) A pesquisa Formação e ação profissional do professor bem sucedido (Giesta, 1998) centra sobre a seguinte questão: Como é o professor que é atento às expectativas da comunidade e, em especial, de seus alunos? A partir de dois eixos (Intervenção e Reflexão), considerando a informação de massa, o desenvolvimento acelerado da tecnologia de informação e da indústria e a constante mudança da natureza social do cliente, a pesquisadora retrata um perfil do profissional de ensino médio, sujeitos da pesquisa selecionados intencionalmente por sua reputação de bons professores: O professor bem sucedido utiliza as informações disponíveis, relaciona e analisa as informações, aprimora o seu estilo pessoal, aperfeiçoa sua comunicação e expressão e, elabora novas idéias. 2. A interação social na sala de aula A representação de um homem sozinho em face do mundo dos objetos que o rodeia é uma hipótese puramente artificial. As relações do homem e o mundo material que o cerca, são sempre mediatizadas pela relação a outros homens, à sociedade. Elas estão incluídas na comunicação, mesmo quando o homem está exteriormente sozinho. A comunicação, na sua forma exterior inicial (coletiva, prática) ou sob forma interior (interiorizada, abstrata), tem a estrutura do processo mediatizado que caracteriza toda a atividade humana. A linguagem não serve apenas como instrumento de comunicação ou suporte de pensamento; enquanto discurso é interação, é um modo de produção social intencional, que salienta o professor como um fazedor de história; é mediação necessária entre os participantes e sua realidade, materializando as idéias, o conhecimento, os sentimentos, os conflitos próprios da sociedade num processo sócio-histórico. A sala de aula faz parte de uma instituição social inserida num contexto sócio-histórico específico. Há um contrato entre as pessoas que dela fazem parte, que define diferentes papéis que caracterizam a relação assimétrica professor-aluno, e que, também, é específico de uma relação assimétrica que define todo um sistema de

3 significados. Significados próprios da cultura do grupo e de cada um em particular, com conseqüente compartilhamento e negociação. A organização educativa mobiliza processos cognitivos, desde o momento em que as situações de ensino-aprendizagem tenham relação, em primeiro lugar, com a reconstrução de um conhecimento culturalmente organizado. É uma ação comunicativa por excelência que pode produzir idéias e uma transformação da maneira de ser para com os outros, à situação ou ao problema conjunto. Enquanto transmissão, implica um conjunto de alternativas ou repertório de questões e respostas, produto de propriedade intrínseca da mensagem do emissor; enquanto transmitida ela engendra um conjunto limitado de signos e um conjunto infinito de sentidos. Em outras palavras, o objeto de discurso, pela sua natureza, não só pela sua complexidade, exige a ação mediadora do outro. Na sala de aula, a mediação ocorre pelo movimento, ação ou linguagem do professor e de cada um em particular. A construção e apropriação do conhecimento escolar que o aluno ainda não domina ou que possui, mas requer sistematização, é uma das formas de apropriação do saber cultural; o processo de ensino- aprendizagem escolar é a finalidade básica da interação social professor-aluno. Aprender (estruturar novos padrões organizados de pensamento) e ensinar (transmitir o conhecimento contido na cultura) são processos interativos, articulados, e não opostos (Perret-Clermont, 1994). 3. As redes sociais e de comunicação no ensino superior Toda aprendizagem é um processo de relações psicossociais, 1 resultante da interação entre pessoas, direta ou indiretamente estabelecida. No caso da aprendizagem escolar, ela se caracteriza pela interação professor-aluno; uma interação específica, que pressupõe a ação de mais de uma pessoa sobre um mesmo objeto de conhecimento. No caso, uma relação assimétrica entre pessoas que detém estatutos diferenciados: o professor - gestor do ensino e o aluno que busca concretizar o seu desejo do poder/saber. A análise do objeto de conhecimento, distinguindo-o como objeto real ou de discurso, nos possibilita melhor entendimento da interação humana, em especial da linguagem própria do processo pedagógico e, conseqüente melhor definição dos papéis e das expectativas dos envolvidos: professor e aluno(s). O contrato implícito, tanto quanto o explícito, tem duas mãos: o aluno precisa manifestar o desejo de aprender e o

4 professor o de ensinar. É um trabalho interativo, contínuo, com características específicas, que demandam muito trabalho, disciplina, esforço de todos os envolvidos. O sistema de conhecimento acessado durante o processamento oral é sempre interacional; forma esta que se estabelece na relação cotidiana da criança, ainda bebê, com os demais e que corresponde a conhecimento específico sobre como lidar com ele. O sistema de conhecimento, acessado durante o processamento textual, exige o saber sobre as práticas peculiares ao meio sociocultural, bem como o domínio das estratégias de interação, como preservação das faces, representação positiva do self, polidez, negociação, atribuição de causas a mal-entendidos ou fracassos na comunicação, entre outras. (Koch, 1995, p22/3). Os processos articulados de ensino (transmissão de saberes culturais) e de aprendizagem (aprender a pensar e a fazer) supõem uma ação pedagógica. Esta pode ser espontânea ou se caracterizar como uma plasticidade própria de uma ação sócio-histórica-cultural na assunção dos papéis sociais (professor-aluno-colega), simultaneamente, com percepção de eventual plasticidade do(s) outro(s). Maturana (em entrevista a Simon, 1987) afirma que toda ação implica conhecimento. Este constitui uma caracterização suficiente da cognição pela experiência. Como o conhecimento é dependente do sujeito e não existe conhecimento objetivo, mas realidade objetiva, a unidade estrutural construída constitui o fundamento de toda unidade cultural; supõe uma espontaneidade ou uma plasticidade o assumir o papel de professor, aluno ou colega e, simultaneamente, uma percepção de eventual plasticidade do(s) outro(s). Uma produção lingüística, por exemplo, não é uma descrição de algo no mundo nem uma ordem específica que o ouvinte tem que fazer. É uma perturbação do sistema cognitivo operante que está tentando dar sentido às coisas. As perguntas fundamentais que devem ser formuladas são as que se referem às mudanças na atividade que aciona, não a suas correspondências no mundo que descreve. Este pesquisador (1997) faz uma proposição reflexiva em torno da tarefa educativa, distinguindo duas classes de fenômenos: a formação humana e a capacitação. A formação humana tem a ver com o desenvolvimento da criança como pessoa capaz de ser cocriadora com outros em um espaço humano de convivência social desejável. Salienta que a atividade inteligente, própria do homem, não se reduz ao pensamento lógico, operatório. Mesmo porque, as operações da lógica são, com efeito, sempre cooperações. O que já fora enfatizado por Piaget (1980) ao conceituar operações

5 mentais como capacidades que sustentam toda a reflexão lógica e implicam em um conjunto de relações de reciprocidade intelectual e de cooperação ao mesmo tempo moral e racional. A capacitação tem a ver com a aquisição de habilidades e capacidades de ação no mundo em que se vive, como recursos operacionais que a pessoa tem para realizar-se. Desta forma, a capacitação é um instrumento ou caminho na realização da tarefa educacional. Por outro lado, a influência dos modelos cibernéticos (teoria geral dos sistemas, teoria da comunicação, teoria do jogo, e outros), e dos modelos pós-modernos construtivistas, é salientada por Sluzki (1997, p. 127). Este autor destaca o modelo de rede social que visa tornar o trabalho do terapeuta qualitativamente enriquecedor, porque expande as capacidades descritiva e explicativa. A capacidade descritiva, porque permite observar processos adicionais que até então não eram considerados importantes no processo de aprendizagem; a capacidade explicativa, porque facilita o desenvolvimento de novas hipóteses acerca de quais variáveis devem ser consideradas caso a caso. 4. Fase atual da pesquisa Neste segundo semestre do ano 2000, estão sendo realizadas observações, no cotidiano de sala de aula de diferentes cursos do ensino superior, registradas em gravador e vídeo, em quatro Universidades do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil: UPF Universidade de Passo Fundo; ULBRA Universidade Luterana do Brasil; FURG Fundação Universidade Federal de Rio Grande e UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Parte-se do pressuposto de que: (a) na situação de sala de aula são estabelecidas relações psicossociais no sentido global do que ocorre com o aluno, entre alunos e, entre os alunos e o professor, como resultado da forma de organizar os processos de ensino-aprendizagem; (b) a incorporação do apoio social (sob a forma de rede social e de comunicação significativa) na visão multidimensional do professor, considerando as redes sociais e de comunicação, pode ser de grande auxílio. 4.1 Interação humana como mediação de idéias no ensino superior A pesquisa utiliza informações obtidas nas observações no contexto da sala de aula, bem como, são selecionados protocolos elaborados a partir dos registros em gravador e vídeo, objetivando:

6 - Investigar a criação ou modificação de idéias, analisando as interações estabelecidas na sala de aula; - Avaliar a regulação recíproca da comunicação de sala de aula presente no discurso de textos do tipo informativo e argumentativo; - Selecionar um sistema de categorias de análise de interação professor-aluno e entrepares. As unidades de análise serão constituídas por: (1) Episódio de interação em sala de aula (e, se for o caso, análise de registros de varredura - scanning), tendo como foco principal a comunicação oral e escrita própria do discurso pedagógico; (2) Texto 2, como resultado parcial de atividade cognitiva e interacional, tipo informativo e argumentativo. 4.2 Sub-projeto de pesquisa Redes sociais e de comunicação no ensino superior O andamento do trabalho determinou o planejamento de um sub-projeto de pesquisa Redes sociais e de comunicação no ensino superior. O estudo, centrado na análise das redes sociais e de comunicação, utilizando as informações obtidas através das observações em andamento e das entrevistas, a realizar com a totalidade dos professores envolvidos e com os alunos selecionados, tem a finalidade de conhecer as redes sociais e de comunicação, que se fazem presentes na cooperação e atividade compartilhada, próprias da interação que se estabelece em sala de aula. Foram definidos os seguintes objetivos: a) Avaliar a interação que se estabelece na sala de aula, a partir da análise da reciprocidade da comunicação e concretizada nos textos selecionados. b) Avaliar as interações assimétricas, caracterizadas pela atividade compartilhada e cooperação cognitiva, própria da interação professor-aluno e entrepares. c) Conhecer as características estruturais da rede social (de apoio, regulação ou controle, acesso a novos contextos, tais como meios de comunicação) e os atributos da interação (função predominante, multidimensionalidade, reciprocidade, intensidade/ compromisso, freqüência dos contatos, história), de professores e alunos do ensino superior, a partir do resultados das avaliações (itens a e b).

7 Assim como, buscar respostas às seguintes questões: Os modelos teóricos utilizados na prática e na análise da atividade docente, não estariam gerando uma fronteira artificial entre relações escolares o resto do mundo social significativo para o aluno? Ou O conhecimento da importância da rede social e de comunicação para a aprendizagem do aluno, com a aplicação do conceito de redes de comunicação no contexto de sala de aula, já é uma realidade? 5. Referências bibliográficas CAREL, Marion. L argumentation dans le discours: argumenter n est pas justifier. In: LETRAS DE HOJE. Porto Alegre: PUCRS, vol. 32, nº 1, 1997, p. 23-40. COLL, Cesar e Outros. Desenvolvimento psicológico e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, vol. 3, 1995. DOISE, Willem e MUGNY, Gabriel. Le développement social de l intelligence. Paris: Inter Éditions, 1981. FURTER, Pierre. Comunicação e educação: repensando os paradigmas. In: TECNOLOGIA EDUCACIONAL. vol.4 (127), nov/dez/1995, p.3-4. KOCH, Ingedore. O texto: construção de sentidos. In: ORGANON. vol.9, n. 23, 1995, p. 19-26. MAISONNEUVE, Jean. Introduction à la pyicosociologie. Paris: PUF, 1989 MATURANA ROMESIN, Humberto e GARCIA, Francisco J. Varela De máquinas e seres vivos. Porto alegre: Artes Médicas, 1997. MATURANA, Humberto. Formacion humana y capacitacion. Santiago: Dolmen, 1997. El sentido de lo humano. Santiago: Dolmen, 1997 MORIN, Edgar. O método 3.O conhecimento do conhecimento. Porto Alegre: Sulina, 1999. O método 4. As Idéias. Porto Alegre: Sulina, 1999 PERRET-CLERMONT, Anne Nelly e Outros. Interações sociais no desenvolvimento cognitivo: Novas direções de pesquisa. In: CADERNOS D PSICOSSOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO, 2. Porto Alegre: UFRGS, l994, p.7-29.. Colloque International Penser les temps. Neuchâtel: Université de Neuchâtel, set/1996. L interaction sociale comme espace de pensée. In: Dossiers de Psychology, Neuchâtel: Université de Neuchâtel, 1991 PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 1980. SIMON, Richard. La estructura es el destino: una entrevista com Humberto Maturana. In: SISTEMAS FAMILIARES. 3, nº 1, abril de 1987, p.59-69. SLUZKI, Carlos E. A rede social na prática sistêmica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. SLUZKI, Carlos E., MADANES, Cloé e CECCHIN, G. Título do trabalho. In: Workshop Cenas da Vida. Gramado/RS: Promoção pela Workshpsy, 09 a 12 de outubro de 1998. TOSCHI, Eny (Org.) Cadernos de Psicossociologia e Educação. Porto Alegre: UFRGS, 1993, 1994, 1995.

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