Injetividade de Aplicações de classe C 1 no Plano e a Conjectura de Markus-Yamabe

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Transcrição:

Injetividade de Aplicações de classe C 1 no Plano e a Conjectura de Markus-Yamabe Marcelo Tavares Ramos Luiz UFRJ Rio de Janeiro 2006

Injetividade de Aplicações de classe C 1 no plano e a Conjectura de Markus-Yamabe Marcelo Tavares Ramos Luiz Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Matemática. Orientador: Bruno Scárdua Rio de Janeiro Dezembro de 2006

Luiz, Marcelo Tavares Ramos L953i Injetividade de aplicações de classe C 1 no plano 2006 e a conjectura de Markus-Yamabe / Marcelo Tavares Ramos Luiz. - Rio de Janeiro: UFRJ/IM, 2006. v,60p.; 29 cm Dissertação(Mestrado) - UFRJ/IM. Programa de Pós-Graduação em Matemática, 2006. Orientador: Bruno Scárdua Referências: p.56. 1. Sistemas Dinâmicos-tese. I. Scardua, Bruno Cesar Azevedo (orientador). II.Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Matemática. III. Título.

Agradecimentos Agradeço à minha família, aos meus amigos e aos professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro por terem me permitido chegar até aqui. Especialmente ao meu professor e orientador Bruno Scárdua. i

Resumo Neste trabalho, apresentamos um resultado que garante a injetividade de uma aplicação X : R 2 R 2 de classe C 1 a partir de uma hipótese no espectro do campo X, ou seja, no conjunto formado por todos os auto-valores de DX(p), quando p varia em R 2. Tal resultado é suficiente para demonstrar a conjectura de Markus-Yamabe em dimensão dois, que versa sobre a estabilidade assintótica de um campo vetorial a partir de uma hipótese feita no seu espectro. ii

Abstract In the text, we present a result that guarantees the injectivity of a C 1 map X : R 2 R 2 from a hypothesis on the spectrum of X, that is, on the set of all eigenvalues of DX(p), when p varies in R 2. This result is sufficient to prove the 2-dimensional Markus-Yamabe conjecture, which tells about asymptotic stability of a vector field from a hypothesis on its spectrum. iii

Sumário Introdução 1 1 Preliminares 3 1.1 E.D.O. e Sistemas Dinâmicos........................ 3 1.2 Resultados clássicos em análise....................... 12 1.3 Folheações................................... 13 1.4 Integração e Medida de Lebesgue...................... 20 2 Injetividade de Aplicações no Plano 30 2.1 Não-injetividade................................ 30 2.2 Injetividade.................................. 38 3 Estabilidade assintótica global de campos no plano 49 3.1 Contra-exemplo................................ 54 iv

Introdução Iniciamos este trabalho enunciando a famosa conjectura proposta por Markus e Yamabe em [9]. Problema 1 (Conjectura de Markus-Yamabe, 1960). Seja X : R n R n um campo vetorial de classe C 1 tal que X(0) = 0. Se para cada p R n, os autovalores complexos de DX(p) tem parte real negativa, então a origem é um atrator global. Em [17], Olech demonstra que o caso bidimensional desta conjectura é equivalente ao problema enunciado abaixo. Problema 2. Seja X = (f, g) : R 2 R 2 uma aplicação de classe C 1. Se para cada p R n, os autovalores complexos de DX(p) tem parte real negativa, então X é injetiva. Diversos matemáticos tentaram arduamente demonstrar esses resultados. No fim da década de oitenta, Meisters e Olech demonstram em [10] uma versão mais fraca da conjectura bidimensional, considerando campos vetoriais polinomiais. Na primeira metade da década de noventa, foram exibidas três demonstrações independentes para o Problema 2. Estava, portanto, resolvida a conjectura de Markus-Yamabe no plano. Em [21], Glutsyuk demonstra exatamente o Problema 2. Já Fessler e Gutierrez provam resultados mais gerais em [13] e [8] respectivamete. Em ambos os trabalhos está contido o seguinte resultado: Teorema 0.0.1. Uma aplicação X : R 2 R 2 de classe C 1 é injetiva se existe um compacto K tal que, para cada p R 2 \K, os autovalores reais de DX(p) são negativos. Em [11] Bernat e Llibre constroem contra-exemplos para a conjectura em dimensões maiores do que três. Assim, o Problema 1 permanecia aberto apenas para o caso tridimensional. Existia ainda interesse no caso de campos polinomiais em dimensão n. No 1

ano de 1997, Cima et al exibem em [20] um contra-exemplo polinomial simples e supreendente para dimensões maiores do que dois, resolvendo definitivamente a Conjectura de Markus-Yamabe. Em [19], Gutierrez, Fernandes e Rabanal provam o seguinte resultado: Teorema 0.0.2. Uma aplicação X : R 2 R 2 de classe C 1 é injetiva se existe um ɛ > 0 tal que, para cada p R 2, DX(p) não possui autovalores em [0, ɛ). O contra-exemplo exibido por Pinchuck em [12] garante que um difeomorfismo local no plano não é necessariamente injetivo, mesmo no caso polinomial. Nesse sentido, o Teorema 0.0.2 possui um caráter optimal. Em [19], discute-se a versão n-dimensional do Problema 2, conhecida como conjectura fraca de Markus-Yamabe. Em [16], Smith e Xavier provam que para algum inteiro n > 2, existe uma aplicação polinomial X : R n R n não injetiva, tal que, para cada p R n, os autovalores reais de DX(p) são negativos. É exibido ainda um teorema que garante a injetividade com condições mais fortes. Em [18], Gutierrez, Fernandes e Rabanal provam que o Teorema 0.0.2 e a conjectura de Markus-Yamabe no plano possuem uma generalização para aplicações diferenciáveis, não necessariamente de classe C 1. Nesta dissertação, seguindo [19] e [18], provaremos o Teorema 0.0.2 e o caso bidimensional da conjectura de Markus Yamabe. O trabalho apresenta-se na seguinte ordem: No capítulo 2, exibiremos resultados clássicos e importantes em análise real, equações diferenciais, sistemas dinâmicos e folheações reais. No capítulo 3, provaremos o Teorema 0.0.2. Primeiramente, demons-traremos que a não-injetividade da aplicação X = (f, g) : R 2 R 2 garante que a folheação definida por f possui uma semi-componente de Reeb. Em seguida, provaremos um lema que nos permitirá assumir que a projeção sobre o eixo das abscissas desta semi-componte é um intervalo de comprimento infinito. Com isto, e algumas ferramentas de análise, concluiremos o resultado desejado. Com a injetividade, demonstraremos no capítulo 4 a conjectura de Markus-Yamabe para n = 2, seguindo o trabalho de Olech em [17]. 2

Capítulo 1 Preliminares 1.1 E.D.O. e Sistemas Dinâmicos Todos os resultados não demonstrados desta seção podem ser encontrados em [2], [4] ou [5]. Daqui por diante, U e V são abertos de R m. Teorema 1.1.1 (Teorema de Peano). Se X : U R m é um campo vetorial contínuo, e p U, existe um intervalo aberto I 0 onde está definida alguma solução do seguinte problema de valor inicial: α(t) = X(α(t)) (1.1) α(0) = p. Teorema 1.1.2 (Teorema de Picard). Seja X : U R m uma aplicação contínua e localmente Lipschitziana. Para cada p U, existe um intervalo aberto I 0 onde está definida uma única solução de 1.1. Corolário 1.1.1. Seja X : U R m R m campo vetorial de classe C 1. Para cada p U, existe um intervalo aberto I 0 onde está definida uma única solução de 1.1. Definição 1.1.1. Uma solução φ p : I p = (ω (p), ω + (p)) U de 1.1 é dita máxima se não existe um intervalo J p I p e uma extensão φ : J p U de φ sendo ainda uma solução de 1.1. 3

Teorema 1.1.3. Seja X : U R m R m um campo vetorial de classe C r, r 0, tal que, para cada p U, existe um intervalo aberto onde está definida uma única solução de 1.1. Então, 1. para cada p U, existe um intervalo aberto I p onde está definida a única solução máxima φ p : I p U de 1.1. 2. o conjunto D = {(p, t); p U e t I p } é aberto em R m+1 e a aplicação φ : D U (p, t) φ p (t) é de classe C r. 3. se t I p e q = φ(p, t), então I q = I p t = {r t; r I p } e φ s φ t (p) := φ(q, s) = φ(p, t + s) := φ t+s (p). Definição 1.1.2. A aplicação φ definida no Teorema 1.1.3 recebe o nome de fluxo do campo X. Quando para cada p R m, I p = R, a aplicação φ : U R U recebe o nome de fluxo completo de X. Neste caso, o item 3 do teorema acima, garante que a aplicação t φ t é um homomorfismo do grupo aditivo dos números reais sobre o conjunto dos difeomorfismos de U (homeomorfismos no caso de fluxos contínuos), munido da operação de composição. Teorema 1.1.4. Seja X : U R m um campo contínuo. Se φ p : I p = (ω (p), ω + (p)) U é uma solução máxima única de 1.1, então a aplicação φ p (t) tende à fronteira de U quando t ω ± (p). Definição 1.1.3. Dizemos que p U é uma singularidade do campo vetorial X : U R m se X(p) = 0. Caso contrário, dizemos que p é um ponto regular. Se X define um fluxo φ, e p é uma singularidade de X, é óbvio que φ(t, p) = p e I p = R. Definição 1.1.4. Seja X um campo contínuo que define um fluxo φ. O conjunto γ p := {φ(p, t); t I p } recebe o nome de trajetória de X que passa por p. Se γ p = p, a trajetória 4

chama-se singular. Se γ p é uma curva homeomorfa a um círculo, dizemos que a trajetória é fechada ou periódica. O conjunto γ p + := {φ(p, y); t [0, ω + (p))} recebe o nome de semi-trajetória positiva partindo de p. Analogamente definimos γp. Quando não houver risco de dúvidas, identificaremos a solução máxima φ p : I p U com sua imagem, ou seja, com a trajetória de X que passa por p. Proposição 1.1.1. Seja X um campo contínuo que define um fluxo φ. Se φ(t 1, p) = φ(t 2, p) e t 1 < t 2, então I p = R e, para todo t R, φ(t + (t 2 t 1 ), p) = φ(t, p), ou seja, γ p é periódica. Definição 1.1.5. Seguindo o enunciado da Proposição 1.1.1, o número real T = t 2 t 1 recebe o nome de período da trajetória fechada γ p. Definição 1.1.6. Sejam U e V subespaços topológicos de R m, X : U R m e Y : V R m campos contínuos que definem fluxos. Dizemos que X e Y são topologicamente equivalentes (resp. C r -equivalentes) se existe um homeomorfismo (resp. um difeomorfismo C r ) h : U V levando órbitas de X em órbitas de Y, preservando a orientação dada pelos fluxos. Definição 1.1.7. Sejam φ X : D X R m, φ Y : D Y R m fluxos associados a campos X : U R m R m e Y : V R m R m respectivamente. Dizemos que X e Y são topologicamente conjugados (resp. C r -conjugados) se existe um homeomorfismo (resp. um difeomorfismo C r ) h : U V tal que h(φ X (t, p)) = φ Y (t, h(p)) para todo (t, p) D X. Observação 1.1.1. Toda conjugação é uma equivalência. A recíproca não é necessariamente verdadeira. Observação 1.1.2. As noções de equivalência e conjugação, definem relações de equivalência entre campos definidos em abertos de R m. Lema 1.1.1. Se X : U R m R m e Y : V R m R m são campos de classe C r e h : U V é um difeomorfismo C r, h é uma conjugação entre X e Y se, e somente se, Dh p (X(p)) = Y (h(p)), p U. 5

Lema 1.1.2. Sejam X : U R m e Y : V R m campos vetoriais contínuos, sendo que Y define um fluxo. Seja h : U V um difeomorfismo de classe C r. Se, para alguma aplicação contínua a : U R +, tivermos Dh(p)X(p) = a(p)y (h(p)), p U, então X define um fluxo e h é uma equivalência de classe C r entre X e Y. Demonstração. Seja p U. Pelo Teorema 1.1.1, existe um intervalo I = ( ɛ, ɛ) onde está definida alguma solução β de X para o problema (1.1). Considere a função b = 1 a β : I R +. Pelo Teorema 1.1.1, se i I, existe um intervalo J i 0 onde o problema de valor inicial ṡ(t) = b(s(t)) s(0) = i. (1.2) possui alguma solução s i. Como b > 0, s i é uma aplicação crescente, sendo um difeomorfismo sobre sua imagem. Considere agora a aplicação α i = J i V t h β s i (t). Temos que d dt α d i(t) = Dh(β(s i (t))) ds β(s i(t)) d dt s i(t) = Dh(β(s i (t))) X(β(s i (t))) = Y (α i (t)). 1 a(β(s i (t))) Analizemos primeiramente o caso em que p é uma singularidade. Neste caso, h(p) é uma singularidade de Y. Se i I β 1 (p), a imagem de β(s i (J i )) por h está contida na única trajetória de Y que passa por h(p), que se trata exatamente da aplicação constante igual a h(p). Isto implica que o intervalo aberto s i (J i ) i está contido em β 1 (p), e que este último, portanto, é aberto. Como β 1 (p) contém o zero, e é também fechado, temos que β é constante e igual a p. Como β foi tomada arbitrariamente, concluímos que a única solução de X para o problema 1.1 neste caso é a aplicação constante e igual a p. Suponhamos agora que p é regular. Como β (s) 0, para todo s I, podemos supor que β é injetiva, reduzindo ɛ se necessário. Como Y define um fluxo, temos então que s i 6

é a única solução do problema 1.2 definida no intervalo J i. Pelo Teorema 1.1.1, b define um fluxo. Denotaremos por J = J 0 o intervalo máximo da trajetória s = s 0 de b que passa por 0. Pelo Teorema 1.1.4, s(j) = I. Fica claro que α 0 = α é a trajetória de Y que passa por h(p), restrita ao intervalo J. Suponhamos que exista uma outra solução β 1 de X para o problema 1.1, definida em I 1 = ( ɛ 1, ɛ 1 ), ɛ 1 ɛ. Seja δ o maior número real em [0, ɛ 1 ] tal que β 1 permanece injetiva em ( δ, δ). Procedendo analogamente, concluiremos que a imagem por h de β[( δ, δ)] também conterá h(p) e estará contida na trajetória de Y que passa por h(p). Como h é uma bijeção, verifica-se facilmente que δ = ɛ 1, e que o problema 1.1 tem solução única em I. Temos pelo Teorema 1.1.3 que X define um fluxo. Se p é um ponto regular, e a trajetória β de X que passa por p não é fechada, podemos tomar I como sendo o intervalo maximal de definição de β e repetir o procedimento acima, garantindo que β é mandada por h sobre a trajetória de Y que passa por h(p). Como h é difeomorfismo, podemos usar a expressão Dh 1 (q)y (q) = 1 a(h 1 (q)) X(h 1 (q)), e concluir que h 1 leva a trajetória de Y que passa por h(p) em β. Dessa forma, concluímos que a função s é um difeomorfismo crescente entre os intervalos maximais I h(p) e I p. No caso em que a trajetória β de X passando por p é fechada, tomamos δ menor do que o período T de β, e consideramos o intervalo I = (δ T, δ). Após proceder como acima, verificamos facilmente que h β é um difeomorfismo (preservando orientações) entre β e a trajetória (também fechada) de Y que passa por h(p). Isto conclui a demonstração. Proposição 1.1.2. Seja X : R m R m um campo contínuo que define um fluxo. Existe um campo contínuo X : R m R m que define um fluxo completo, e é equivalente a X pela identidade. Demonstração. Considere o campo X = X 1. Como a função a = é contínua e 1+ X 1+ X positiva, temos pelo Lema 1.1.2 que a identidade é uma equivalência entre X e X. Basta agora verificar que, para cada p R n, o intervalo máximo I p da trajetória φ p de X é igual a R. Temos obviamente que φ p satisfaz a seguinte equação: φ p (t) = p + t 0 X( φ p (s)) 1 + X( φ p )(s) ds. 7

Suponha que ω + (p) <. Como X(t) < 1, t I p, temos que φ p p +ω + (p), para todo t [0, ω + (p)). Logo, a semi-trajetória positiva φ + p está contida na bola centrada na origem com raio p +ω + (p). Isto é absurdo pelo Teorema 1.1.4. Analogamente, prova-se que ω (p) =. Definição 1.1.8. Seja X : U R m R m um campo que define um fluxo. Considere o conjunto B ɛδ := {(x, y) R R m 1 ; x < ɛ e y i < δ, i = 1,..., m 1}, onde ɛ, δ > 0. Seja e 1 : R m R m o campo constante determinado pelo primeiro vetor da base canônica de R m. Dizemos que (L, h) é um fluxo tubular de X se L é um aberto contido em U, e h : L B ɛδ é uma equivalência topológica entre X L e e 1 Bɛδ. Teorema 1.1.5 (Teorema do Fluxo tubular). Seja X : U R m um campo de classe C r, r 1. Se p é um ponto regular de X, existe um fluxo tubular (L, h) de X tal que i. p L, e h(p) = 0. ii. h é uma C r conjugação. Teorema 1.1.6 (Teorema do Fluxo tubular longo). Seja X : U R m um campo de classe C r, r 1. Se γ é um arco de trajetória compacto de X, existe um fluxo tubular (L, h) de X tal que i. γ L, e h(γ) B ɛδ ({0} R m 1 ). ii. h é uma C r -conjugação. Observação 1.1.3. Seja X : R m R m um campo de classe C 1. Dado um ponto regular p R m, existe uma subvariedade Σ p p de R m com dimensão m 1 que é transversal a todas as trajetórias de X que encontra. Basta considerar o fluxo tubular (L, h) fornecido pelo Teorema 1.1.5, e tomar Σ p = h 1 (B m 1 δ (0)). Observação 1.1.4. Nos Teoremas 1.1.5 e 1.1.6, podemos supor que h é um difeomorfismo positivo de R m, compondo com um isomorfismo adequado se necessário. 8

Definição 1.1.9. Seja X : U R m um campo contínuo que define um fluxo local. Se p U e ω + (p) =, definimos o conjunto ω-limite: ω(p) := {q U; (t n ) tal que lim n t n = e lim n φ(p, t n ) = q}. Analogamente, se ω (p) =, definimos o conjunto α-limite: α(p) := {q U; (t n ) tal que lim n tn = e lim n φ(p, t n ) = q}. Observação 1.1.5. Se φ(t, p) é a trajetória de um campo X, verifica-se facilmente que ϕ(t, p) = φ( t, p) é a trajetória do campo Y = X. Portanto, o conjunto ω-limite de um ponto com respeito a X, é igual ao conjunto α-limite deste ponto com respeito a Y, e vice-versa. Teorema 1.1.7 (Poincaré-Bendixson). Seja X : R 2 R 2 um campo de classe C 1. Seja φ t = φ(t, p) uma curva integral de X definida para todo t 0. Suponha que a semi-trajetória positiva γ + p esteja contida em algum compacto K R 2, e que X possua um número finito de singularidades em ω(p). Temos, então as seguintes possibilidades: i. Se ω(p) é composto apenas de pontos regulares, então ω(p) é uma trajetória fechada. ii. Se ω(p) contém pontos regulares e singulares, então ω(p) consiste de um conjunto de trajetórias, cada uma das quais tende a um desses pontos singulares quando t ±. iii. Se ω(p) não contém pontos regulares, então ω(p) é um ponto singular. Lema 1.1.3. Seja X : R 2 R 2 um campo de classe C 1 com um número finito de singularidades, e que define um fluxo completo. Seja p R 2. Se existe um ponto regular q ω(p), ou o conjunto α(p) é uma trajetória fechada, ou α(p) possui singularidades. Demonstração. Tome um segmento Σ q q transversal a todas as trajetórias de X que encontra (ver Observação 1.1.3). Considere Σ q orientado por uma parametrização de classe C 1. Devido à transversalidade, a trajetória positiva γ + p deve intersectar Σ q numa sequência monótona (ver Figura 1.1). Portanto, tomando dois pontos consecutivos p i e p i+1 em Σ q γ + p, verifica-se que a semi-trajetória negativa γ p i 9 está contida no compacto

PSfrag replacements q Σ q Figura 1.1: Não ocorre. K limitado pelos arcos [p i, p i+1 ] 1 γ + p aplicar o Teorema 1.1.7 para o campo Y = X. PSfrag replacements e [p i, p i+1 ] 2 Σ q (ver Figura 1.2). Agora basta Σ q q p i+1 p i Figura 1.2: Semi-trajetória negativa contida num compacto. Definição 1.1.10. Seja X : U R m um campo de classe C 1. Se p é uma singularidade de X, o conjunto dos pontos q U tais que ω(q) = {p} recebe o nome de variedade estável de p, e é denotado por W s (p). Definição 1.1.11. Seja X : U R m um campo de classe C 1. Dizemos que uma singularidade p de X é um atrator local se existe uma vizinhança W de p contida em W s (p). Se W s (p) = U = R m, dizemos que p é um atrator global de X. Seja K = R ou C. Denotemos por L (K m ) o espaço vetorial dos operadores K-lineares de K m munido da norma A = sup{ Av ; v = 1}. Um elemento p C m, pode ser escrito na forma p = u+v 1, onde u e v pertencem a R m. Definição 1.1.12. Se A L (R m ), definimos abaixo o operador complexificado de A, 10

denotado por Ã: à : C m C m (u + v 1) Au + Av 1. Observação 1.1.6. Se A L (R m ), então à L (Cm ). Definição 1.1.13. Seja A L (R m ). O conjunto de auto-valores de Ã, recebe o nome de espectro complexo de A, e é denotado por SpecA. Se X : U R m R m é uma aplicação diferenciável, o conjunto Spec(X) = SpecDX(p) p U recebe o nome de espectro de X. Lema 1.1.4. Se A L (R m ), o espectro complexo de A coincide com as raízes do polinômio característico associado a A. Lema 1.1.5. Seja A L (R 2 ). Se (a + b 1) e (c + d 1) pertencem a SpecA, existe uma base de R 2 na qual matriz associada ao operador A tem a forma a b. d c Demonstração. Pelo Lema 1.1.4, x = a + b 1 e y = c + d 1 são raízes do polinômio característico associado a A. Logo, ou x e y são ambos reais, ou y = x. Neste último 1 caso, os autovetores de à associados aos autovalores x e x têm a forma: w = u + v e w = u v 1, para algum par (u, v) R 2 R 2. Com isto, temos que [ ] w + w A(u) = à = Re(x) u Im(x) v, 2 [ ] 1 ( w w) A(v) = à = Im(x) u + Re(x) v. 2 Logo, u e v formam a base procurada. Definição 1.1.14. Um campo linear X L (R n ) é hiperbólico se seu espectro complexo é disjunto do eixo imaginário. Neste caso, o número de autovalores de X com parte real negativa é denominado índice de X. 11

Proposição 1.1.3. Se A L (R n ) tem índice dois, então a origem é um atrator global para A. Definição 1.1.15. Seja X : R m R m uma aplicação de classe C r, tal que X(p) = 0. Dizemos que p é uma singularidade hiperbólica de X se DX(p) : R m R m é um campo linear hiperbólico. Teorema 1.1.8 (Grobman-Hartman). Seja X : R m R m um campo de classe C 1. Se p é uma singularidade hiperbólica, existem vizinhanças U p e W 0, e uma conjugação topológica h : U W entre X U e DX(p) W tal que h(p) = 0. 1.2 Resultados clássicos em análise Nesta seção enunciaremos alguns resultados clássicos em Análise. Teorema 1.2.1 (Teorema da Aplicação Inversa). Seja f : U R n uma aplicação de classe C 1, onde U é um aberto de R n. Se a U, e Df(a) : R n R n é um isomorfismo, existe uma vizinhança V de a tal que f V é um difeomorfismo sobre a imagem. Teorema 1.2.2 (Teorema da Aplicação Implícita). Seja f : U R n uma aplicação de classe C 1, onde U é um aberto de R n+m. Considere uma decomposição em soma direta R m+n = R n R m. Se a = (a 1, a 2 ) U e 1 f(a) : R n R n é um isomorfismo, existem abertos W R m, V U tais que i. a 2 W e a V. ii. Para cada x W, existe um único ξ(x) R n tal que (ξ(x), x) V e f(ξ(x), x) = f(a). A aplicação ξ : W R n é de classe C 1. Teorema 1.2.3 (Fórmula de Green). Sejam f : U R e g : U R funções de classe C 1, onde U é uma região de R 2. Se U é limitada por uma curva fechada C 1 por partes γ, orientada no sentido anti-horário, então γ fdx + gdy = U ( g x f ) dydx. y 12

No que segue, M m e N n são variedades diferenciáveis, sendo m e n suas respectivas dimensões. Definição 1.2.1. Dizemos que c N n é um valor regular de uma aplicação f : M m N n se para cada p f 1 (c), a derivada Df(p) : T p M T c N é sobrejetora. Proposição 1.2.1. Seja c N n um valor regular de uma aplicação f : M m N n de classe C r, r 1. Então, ou f 1 (c) é vazio, ou f 1 (c) é uma subvariedade de classe C k e dimensão m n. Neste caso, o espaço tangente a f 1 (c) em um ponto p é o núcleo de Df(p) : T p M T c N. Teorema 1.2.4 (Forma Local das Submersões). Seja f : M m N n uma aplicação de classe C r, r 1. Se Df(p) : T p M T f(p) N é sobrejetiva, existem cartas locais ϕ : U R m e φ : V R n, e uma decomposição R m = R n R m n, tais que i. p U e f(u) V. ii. A expressão de f nas cartas (ϕ, U) e (φ, V ) é φ f ϕ 1 : ϕ(u) φ(v ) (x, y) x. 1.3 Folheações Todos os resultados não demonstrados desta seção podem ser encontrados em [1]. Definição 1.3.1. Uma folheação de classe C r, r 1, e dimensão n (codimensão m n) é um atlas máximo F de classe C r em M com as seguintes propriedades: i. Se (U, ϕ) F, então ϕ(u) = U 1 U 2, onde U 1 e U 2 são discos abertos de R n e R m n respectivamente. ii. Se (U, ϕ) e (V, φ) pertencem a F e U V, então a mudança de coordenadas φ ϕ 1 tem a forma φ ϕ 1 : U 1 U 2 φ(v ) (x, y) (h 1 (x, y), h 2 (y)). 13

Daqui por diante, F denota uma folheação de classe C r, r 1, e dimensão 0 < n < m de uma variedade M m. Uma carta local (ϕ, U) F recebe o nome de carta trivializadora de F. Se ϕ(u) = U 1 U 2 R n R m n, os conjuntos da forma ϕ 1 (U 1 {c}), onde c U 2, recebem o nome de placas de U, ou ainda placas de F. Um caminho de placas é uma sequência α 1,..., α k de placas tal que α j α j+1 para todo j {1,..., k 1}. Definimos a relação de equivalência R: prq se existe um caminho de placas α 1... α k com p α 1 e q α k. Pela Definição 1.3.1, M é coberta por placas de F. As classes de equivalência da relação R são chamadas folhas de F. Observação 1.3.1. Placas de F são subvariedades de M. Exemplo 1. Uma submersão f : M m N n de classe C r, r 1, define uma folheação C r em M de dimensão m n, cujas folhas são as componentes conexas das superfícies de nível f 1 (c), c N. As cartas desta folheação são obtidas a partir da Forma Local das Submersões. Exemplo 2. Um campo X : U R m R m de classe C 1 sem singularidades define uma folheação de classe C 1 de R m, cujas folhas são as trajetórias de X. As cartas desta folheação são obtidas a partir do Teorema do Fluxo tubular. Definição 1.3.2. Seja a relação de equivalência em M que identifica os pontos de uma mesma folha de F. Considere a topologia quociente em M, ou seja, a topologia induzida pela projeção π : M M. O conjunto M com esta topologia recebe o nome de espaço de folhas. Seja A M. O conjunto F(A) = {x M; x y, para algum y A} recebe o nome de saturado de A por F. Outra maneira de escrever tal conjunto é F(A) = π 1 (π(a)) = x A F x, onde F x denota a folha de F que contém x. Teorema 1.3.1. A projeção π : M M um subconjunto aberto de M é aberto. é uma aplicação aberta, ou seja, o saturado de O espaço de folhas de uma folheação nem sempre é Hausdorff. Abaixo, exibiremos um caso em que isto não acontece. 14

Exemplo 3. Tome um ɛ > 0. Seja α : R R uma aplicação de classe C tal que i. α(1) = 0 ii. α(t) = 1, se t [0, ɛ). iii. α(t) < 0, se t > ɛ. Considere a função f : R 2 R definida por f(x, y) = α(x 2 )e y. Tal aplicação é claramente uma submersão. Portanto, as curvas de nível de f formam uma folheação de classe C do plano. Verifica-se facilmente que uma folha γ contida em ( 1, 1) R pode ser parametrizada por x ( 1, 1) (x, ln(c/α(x 2 )), onde c > 0 e f 1 (c) = γ. Além disso, f 1 (0) possui duas componentes conexas: { 1} R e {1} R. Essas duas folhas, vistas como elementos de R 2 /, não podem ser separadas por abertos disjuntos (ver Figura 1.3). Tal exemplo é conhecido como folheação de Reeb. De modo análogo, podemos obter uma folheação de Reeb para o cilíndro sólido de R 3, e a partir daí induzir no toro sólido uma folheação que é peça fundamental da Teoria geométrica das folheações. Figura 1.3: folheação de Reeb. Definição 1.3.3. Dizemos que uma subvariedade Σ de M é uma seção transversal de F se dim Σ + dim F = dim M e, para cada p Σ, T p M = T p L T p Σ, onde L é uma placa de F que contém p. 15

Definição 1.3.4. Seja F uma folheação de codimensão um. Dizemos que Σ é uma seção transversal compacta de f se, para algum ɛ > 0, existe um mergulho Γ : ( ɛ, 1 + ɛ) M de classe C 1 tal que Γ([0, 1]) = Σ. Observação 1.3.2. Se α é uma placa de F e p α, é óbvio que existe uma seção transversal de F tocando α apenas em p. Se F é definida por uma submersão, tal seção tocará a folha que contém α apenas em p. Em geral, dado um ponto numa folha F, não existe necessariamente uma seção transversal da folheação tocando F apenas em p. Observação 1.3.3. Placas de F são sempre subvariedades de M. Quando F é definida por uma submersão, temos que todas as suas folhas são subvariedades de M. Isto, em geral, não acontece. induzida pelas cartas de F. Entretanto, folhas possuem sempre uma estrutura de variedade Os dois próximos resultados esclarecem bem as observações feitas acima. Teorema 1.3.2. Toda folha F possui uma estrutura de variedade C r de dimensão n, onde os domínios das cartas são placas de F. Com esta estrutura, a aplicação i : F M, i(p) = p, é uma imersão biunívoca de classe C r. Além disso, F é uma subvariedade C r de M se e somente se i é um mergulho. Teorema 1.3.3. Sejam F uma folha e Σ uma seção transversal de F tal que Σ F. Existem três possibilidades. i. Σ F é discreto, e neste caso F é uma folha mergulhada. ii. O fecho de Σ F em contém um aberto. iii. Σ F é um conjunto sem pontos isolados e com interior vazio. Até o fim desta secão, (e 1,..., e n, e n+1,..., e m ) representam os vetores da base canônica de R m. Além disso, W é o subespaço de R m gerado por (e 1,..., e n ), enquanto V é o subespaço gerado por (e n+1,..., e m ). Fixada uma carta trivializadora (ϕ, U), com p U, denotaremos por (p),..., (p) x 1 x m a base de T p M que satisfaz [dϕ(p)] 1 e i = x i (p). 16

Definição 1.3.5. A aplicação de n-planos determinada por F associa, a cada p M, o subespaço de T p M gerado por ( x 1 (p),..., x n (p)). Tal aplicação será denotada por P. Fica claro que P (p) é exatamente o espaço tangente de uma placa no ponto p. Isto garante que aplicação está bem definida, ou seja, que não depende da escolha da carta trivializadora. Definição 1.3.6. Dizemos que F é orientável se existe um atlas B = (U k, ϕ k ) k K de M formado por cartas trivializadoras de F satisfazendo as seguintes condições equivalentes: i. Se (U i, ϕ i ) e (U j, ϕ j ) pertencem a B e p U i U j, as bases i i (p),..., (p) e x 1 x n determinam a mesma orientação em P (p). j j (p),..., (p) x 1 x n ii. Se p U i U j, entãod[ϕ j (ϕ i ) 1 ] ϕi (p) W : W W é um isomorfismo positivo. Lema 1.3.1. Seja F uma folheação de dimensão um. Se existe um campo contínuo X : M T M tal que, para cada p M, P (p) é gerado por X(p), então F é orientável. Demonstração. Considere o conjunto B formado por todas as cartas (U, ϕ) de F, tais que, para alguma função contínua a : U R + dϕ(p)x(p) = a(p) e 1, p U. Se (φ, V ) F, segue da conexidade de V, da continuidade de X, e do fato de que P (p) é gerado por X(p), que existe uma função contínua b : V R que não se anula, nem muda de sinal, satisfazendo Considere a aplicação dφ(q)x(q) = b(p) e 1, q V. L 1 : R m R m (x 1, x 2,..., x m ) ( x 1, x 2,..., x m ). Se b for negativa, a carta (ϕ = φ L 1, V ) F. Portanto, os domínios de cartas de B cobrem M. Agora, o resultado segue diretamente da definição de orientabilidade. 17

No que segue, F é uma folheação unidimensional de R m, e X é um campo contínuo satisfazendo as hipóteses do Lema 1.3.1. Nessas condições, diremos que X orienta F. Além disso B F denota o atlas construído na demonstração do Lema 1.3.1. Proposição 1.3.1. Se X orienta F, então X define um fluxo. Além disso, as trajetórias de X são exatamente as folhas de F. Demonstração. Por definição X não possui singularidades. Tome um ponto p R m e uma carta (U, ϕ) do atlas B construído na demonstração do Lema 1.3.1. Aplicando o Lema 1.1.2 concluímos que X U define um fluxo e que ϕ é uma equivalência entre X U e e 1 ϕ(u). Logo X também definirá um fluxo, e a interseção das trajetórias de X com o aberto U são exatamente as trajetórias de X U. Como a placa de U que contém p é exatamente a trajetória de X U, temos o resultado desejado. Observação 1.3.4. Uma carta de B é um fluxo tubular de X. Observação 1.3.5. Podemos definir facilmente o conceito de folheação de classe C 0, exigindo que o atlas F da Definição 1.3.1 seja apenas de classe C 0. Vimos que um campo contínuo que orienta uma C 1 -folheação unidimensional F de R m, define um fluxo, e que as trajetórias deste campo são exatamente as folhas de F. No Exemplo 2, vimos que as trajetórias de um campo C 1 sem singularidades são folhas de uma C 1 -folheação. Se X = (f, g) : R 2 R 2 é um campo contínuo, sem singularidades, e localmente lipschitziano, podemos utilizar o Teorema 1.1.2 (Picard) e as soluções do campo ortogonal ( g, f) para garantir que todo p R 2 pertence ao domínio de um fluxo tubular de X. Com isto, verificamos facilmente que X define uma folheação de classe C 0 de R 2, também conhecida como folheação planar. Definição 1.3.7. Um caminho injetivo γ : I = [0, 1] M de classe C 1, recebe o nome de caminho simples em M. Lema 1.3.2. Seja γ um caminho simples contido numa folha de F. Existe uma cobertura U 1,..., U r de γ(i), formada por domínios de cartas de F tal que i. U 1 U r = 18

ii. Para i = {2,..., r 1}, U i intersecta apenas U i 1 e U i+1. Definição 1.3.8. Uma cobertura (U 1,..., U r ) de γ dada pelo Lema 1.3.2 recebe o nome de cobertura subordinada a γ. Teorema 1.3.4. Considere a folheação L definida no produto dos discos D m n D n cujas folhas são as superfícies de nível da projeção π 2 : D m n D n D n, P (x, y) = y. Seja F uma folheação de classe C r, r 1, e codimensão n. Se γ : I M é um caminho simples cuja imagem está contida em uma folha F, existe uma vizinhança V γ(i), e um difeomorfismo h : V D m n D n, que leva folhas de F em folhas de L. Demonstração. Seja β = (U 1,..., U r ) uma cobertura subordinada a γ. Para cada i {1, 2,..., r 1}, tome um ponto p i U i U i+1, e considere uma seção transversal Σ i p i de F Ui U i+1. Denote γ(0) por p 0, e γ(1) por p 1. Tome seções transversais Σ 0 p 0 de F U1, e Σ r+1 p r+1 de F Ur. Fixado j {0,..., r 1}, existe um disco mergulhado D j = D j (p j ) Σ j suficientemente pequeno tal que toda folha de F Uj que toca D j cruza Σ j+1 exatamente uma vez. Considere a aplicação injetiva f γj : D j Σ j+1 que associa, a cada p D j, o ponto de interseção entre Σ j+1 e a folha de F Uj que contém p. Como U j é domínio de uma carta de F, f γj é um difeomorfismo C r sobre sua imagem. Como β é uma cobertura finita, existem discos D 0 = D 0 (p 0 ) Σ 0 e D r+1 = D r+1 (p r+1 ) Σ r+1 suficientemente pequenos, onde está definido um difeomorfismo f γ : D 0 D r+1 de classe C r, que associa, a cada p D 0, o ponto de interseção entre Σ r+1 e a folha de F r k=1 U r que contém p. Segue do Teorema 1.3.1 que a união de todas as folhas de F r k=1 U r que cruzam D 0 é um aberto U de M contendo γ(i). Considere a submersão f : U D 0 que associa, a cada x U, o ponto de interseção entre D 0 e a folha de F U que passa por x. Seja A a folha de F U que contém γ(i). Utilizando as cartas (ϕ k, U k ), k {1,..., r}, considere a retração π : U A de classe C r que associa, a cada ponto de U, sua projeção sobre a folha A. Reduzindo A se necessário, tome um difeomorfismo k 1 : D m n A de classe C r. Seja k 2 : D n D 0 um difemomorfismo de classe C r tal que k 2 (0) = p 0. 19

Definimos h : V D m n D n p (k 1 1 (π(p)), k 1 2 (f(p))). A aplicação h é um difeomorfismo de classe C r que satisfaz as condições desejadas. Observação 1.3.6. Se X orienta F, e γ é um arco compacto de alguma trajetória de X, o par (h, V ) obtido no Teorema 1.3.4 é um fluxo tubular para γ. De fato, a derivada de h leva X V em um múltiplo do campo e 1. Daí, basta compor h com o funcional (x 1,..., x m ) ( x 1,..., x m ), se necessário, e aplicar o Lema 1.1.2. 1.4 Integração e Medida de Lebesgue Nesta seção faremos uma rápida exposição sobre a σ-álgebra e a medida de Lebesgue na reta. Obteremos alguns resultados que serão utilizados na demonstração do principal teorema deste trabalho. Para maiores detalhes, ver [3]. No que segue, utilizaremos o termo família para designar um conjunto de conjuntos. A família de todos os subconjuntos de um conjunto Ω será denotada por P(Ω). Definição 1.4.1. Dizemos que uma família A P(Ω) é uma álgebra se forem satisfeitas as seguintes condições: 1. Se A e B pertencem a A, então A B A. 2. Se A A, então A c A. Observação 1.4.1. Se A e B pertencem a uma álgebra A, então A B = (A c B c ) c A, e A\B = A B c A. Definição 1.4.2. Dizemos que uma álgebra A P(Ω) é uma σ-álgebra se para qualquer família enumerável {A n } n N contida em A, a união i=1 A n pertence a A. Observação 1.4.2. Uma σ-álgebra A também é fechada para interseções enumeráveis. De fato, se {A n } n N A, então ( i=1 A c n = i=1 n) Ac A. 20

Definição 1.4.3. Seja D P(Ω). Uma função µ : D (, + ] denomina-se uma função de conjunto. Definição 1.4.4. Seja A uma σ-álgebra. Dizemos que µ : A [0, + ] é uma medida quando µ ( + ) E n = µ(e n ) n=1 para qualquer sequência E n de conjuntos disjuntos dois-a-dois pertencentes a A. Definição 1.4.5. Se Ω é um conjunto, A P(Ω) é uma σ-álgebra, e µ : A [0, + ] é uma medida, a tripla (Ω, A, µ) recebe o nome de espaço de medida. n=1 Definição 1.4.6. Seja (Ω, A, µ) um espaço de medida. Seja B A a família de subconjuntos cuja medida é zero. Dizemos que µ é completa quando, para todo B B, A B A A. Definição 1.4.7. Seja (Ω, A, µ) um espaço de medida. Seja A A. Dizemos que uma propriedade P acontece em quase todo ponto de A com respeito à µ quando existe um subconjunto B A com µ(b) = 0 tal que propriedade P é verdadeira para todos os pontos de A\B. Denotaremos o comprimento de um intervalo I R por l(i). Definição 1.4.8. Para cada A R, considere a família H enumeráveis α = {I n } de A formadas por intervalos abertos. Seja A função de conjuntos m Lebesgue. m (A) = inf α H ( l(i n ) ). n de todas as coberturas : P(Ω) [0, + ] recebe o nome de medida exterior de Observação 1.4.3. Se I é um intervalo, m (I) = l(i). Além disso, se A é um conjunto finito, m (A) = 0. Proposição 1.4.1. Seja (A n ) uma família contável de subconjuntos de R. Temos que m ( A n ) m (A n ). 21

Considere a família L P(Ω) definida pela seguinte sentença: E L A R, m (A) = m (A E) + m (A E c ). Teorema 1.4.1. A família L é uma σ-álgebra que contém todos os conjuntos abertos de R. Além disso, se E R, e m (E) = 0, então E L Teorema 1.4.2. A função de conjunto m = m L completa. : L [0, + ] é uma medida Definição 1.4.9. A σ-álgebra mencionada no Teorema 1.4.1 recebe o nome de σ-álgebra de Lebesgue em R. A medida m mencionada no Teorema 1.4.2 é denominada medida de Lebesgue em R. em R. No que segue, L e m denotam, respectivamente, a σ-álgebra e a medida de Lebesgue Proposição 1.4.2. Seja E L. Dado ɛ > 0, existe uma união finita U de intervalos abertos tal que m ( (U\E) (E\U) ) < ɛ. Definição 1.4.10. Seja x n uma sequência de números reais. Definimos lim sup x n := inf (sup x k ) n lim inf x n := sup n k n (inf x k). k n Definição 1.4.11. Seja I R um intervalo. Dada uma função f : I [, + ], e um ponto y I, definimos ( lim sup f(x) := inf x y δ>0 ( lim sup f(x) := inf x y + δ>0 lim sup x y f(x) := inf δ<0 lim inf x y lim inf x y lim inf x y ( sup 0< x y <δ sup 0<x y<δ sup δ<x y<0 f(x) ) f(x) ) f(x) ) ( f(x) := sup inf f(x)) δ>0 0< x y <δ ( f(x) := sup inf f(x)) + δ>0 0<x y<δ ( f(x) := sup inf f(x)). δ<x y<0 δ<0 22

Definição 1.4.12. Seja A L. Uma função f : A [, + ] é dita mensurável se, para cada α R, o conjunto {x; f(x) < α} pertence a L. Definição 1.4.13. Seja A R. Dizemos que uma função f : A [, + ] é semicontínua superiormente em y A se f(y) + e lim sup x y f(x) f(y). Equivalentemente, f é semi-contínua superiormente em y se, e somente se, dado ɛ > 0, existe δ > 0 tal que se x y < δ, então f(x) f(y) + ɛ. Lema 1.4.1. Seja I R um intervalo. Se f : I [, ] é semi-contínua superiormente em quase todo ponto, então f é mensurável. Demonstração. Seja E I um subconjunto com medida de Lebesgue zero tal que f é semi-contínua superiormente em F = I\E. Sejam α R, e H α := {x R; f(x) < α}. Seja y F H α. Tomando ɛ = α f(y) 2 existe, por definição, um δ > 0 tal que, se x I y = (y δ, y + δ), então f(x) f(y) + ɛ < α. Logo I y H α. Portanto, H α = ( y F H α I y ) (E Hα ). Como y F H α I y é aberto, e (E H α ) tem medida exterior zero, H α pertence a L. Definição 1.4.14. Seja f : I R R uma função, e seja x I. Definimos abaixo um conjunto de quatro valores, que recebem o nome de derivadas de f em x: D + f(x) := lim sup h 0 + D + f(x) := lim inf h 0 + D f(x) := lim sup h 0 D f(x) := lim inf h 0 f(x + h) f(x) h f(x + h) f(x) h f(x + h) f(x) h f(x + h) f(x). h Dizemos que f é diferenciável em x quando as quatro derivadas de f em x são iguais e finitas. Observação 1.4.4. Obviamente, temos que D + f(x) D + f(x) e D f(x) D f(x). O Lema abaixo será de fundamental importância para o nosso propósito. Sua demonstração pode ser encontrada em [22] 23

Lema 1.4.2. Seja f : [a, b] R uma função mensurável tal que f(x) < K, para todo x [a, b]. Seja B o conunto dos pontos x [a, b] tais que, para alguma sequência h n 0, Então m(b c ) = 0. f(x + h n ) f(x) lim n h n = σ R. Corolário 1.4.1. Seja f : [a, b] R uma função mensurável e limitada. Para quase todo ponto x [a, b] existe uma sequência h n 0 de termos diferentes de 0 tal que f(x + h n ) f(x) lim = σ R. n h n Demonstração. O resultado segue diretamente do Lema 1.4.2. Definição 1.4.15. Seja E L. A função 1, se x E χ E (x) = 0, se x / E recebe o nome de função característica de E. Definição 1.4.16. Dizemos que uma função mensurável ϕ é simples se existem conjuntos E 1, E 2,..., E n pertencentes a L tais que ϕ(x) = n a i χ Ei (x). i=1 Convém observar que uma função simples não se escreve de maneira única como combinação linear de funções características. Proposição 1.4.3. Seja ϕ uma função simples que se anula fora de um conjunto de medida finita. Se n k ϕ = a i χ Ei (x) = b i χ Fi (x), i=1 i=1 temos que n k a i m(e i ) = b i m(f i ). i=1 i=1 24

Definição 1.4.17. Seja ϕ uma função simples que se anula fora de um conjunto de medida finita. Se ϕ = n i=1 a i χ Ei (x), definimos abaixo a integral de Lebesgue de ϕ: n ϕ = ϕ(x)dx = a i m(e i ). Se E é um conjunto mensurável, definimos abaixo a integral de Lebesgue de ϕ sobre E: ϕ = ϕ χ E. E Proposição 1.4.4. Uma função limitada definida num conjunto mensurável E com medida finita é mensurável se, e somente se, onde ψ e ϕ são funções simples. inf f ψ E i=1 ψ = sup f ϕ Definição 1.4.18. Seja f uma função limitada definida em um conjunto mensurável E com medida finita. Definimos a integral de Lebesgue de f sobre E através da sentença f = f(x)dx = inf ψ(x)dx, ψ f onde ψ é uma função simples. E E Definição 1.4.19. Seja f uma função mensurável não-negativa definida em um conjunto mensurável E. Definimos a integral de Lebesgue de f sobre E através da sentença f = sup h, h f E onde h é uma função mensurável limitada que se anula fora de um conjunto de medida finita. Lema 1.4.3 (Lema de Fatou). Se f n é uma sequência de funções mensuráveis nãonegativa, e f n (x) f(x) em quase todo ponto de um conjunto mensurável E, então f lim inf f n. E Definição 1.4.20. Se f : A [, ] é uma função mensurável. As funções não negativas f + (x) = max{f(x), 0} e f (x) = max{ f(x), 0} são chamadas de parte positiva de f e parte negativa de f, respectivamente. 25 E E E ϕ E

Observação 1.4.5. AS funções f + e f são mensuráveis. Definição 1.4.21. Dizemos que uma função mensurável f : E [, ] é integrável sobre E se as integrais das funções não-negativas f + e f são ambas finitas. Neste caso, definimos abaixo a integral de f sobre E: f = f + f. E E E Proposição 1.4.5. Sejam f e g duas funções integráveis sobre E. Então: 1. Para qualquer constante c R, a função cf é integrável sobre E, e cf = c f. E E 2. A função f + g é integrável sobre E, e f + g = f + g. E E E 3. Se f g em quase todos os pontos, então E f E g. 4. Se A e B são conjuntos mensuráveis disjuntos contidos em E, então A B f = A f + B f. Definição 1.4.22. Seja I uma família de intervalos. Dizemos que I cobre um conjunto E no sentido de Vitali se dados ɛ > 0, e x E, existe um intervalo I I tal que x I e l(i) < ɛ. Lema 1.4.4 (Lema de Vitali). Seja E um conjunto tal que m (E) <. Se I é uma coleção de intervalos que cobre E no sentido de Vitali, dado ɛ > 0, existe uma coleção finita {I 1,..., I N } de intervalos pertencentes a I, dois a dois disjuntos, tal que N ) m (E\ I n < ɛ. n=1 Teorema 1.4.3. Se f : [a, b] R é uma função crescente, então f é diferenciável em quase todo ponto. Além disso, se f (x) denota a derivada de f no ponto x, temos que f é mensurável e b a f (x)dx f(b) f(a). 26

Demonstração. Devemos mostrar que o subconjunto dos pontos x [a, b] que possuem duas derivadas de f em x distintas tem medida nula. Provaremos que o conjunto dos pontos x [a, b] tais que D + f(x) > D f(x) tem medida nula. Para os casos restantes, a demonstração é análoga. Seja E (u,v) := {x; D + f(x) > u > v > D f(x)}. Pela densidade dos racionais na reta, a igualdade abaixo é óbvia: E = (u,v) Q Q E (u,v). Portanto, é suficiente provar que m (E (u,v) ) = 0. Seja s = m (E (u,v) ). Tomemos ɛ > 0. Pela definição de medida exterior, podemos tomar um aberto U tal que m(u) < s + ɛ. Se x E (u,v), então D f(x) < v. Pela Definição 1.4.11, podemos tomar um h 1 < 0 com valor absoluto arbitrariamente pequeno, de forma que f(x + h 1 ) f(x) h 1 < v. Como U é aberto, podemos tomar h 1 suficientemente pequeno de forma que, se 0 < h = h 1, então i. o intervalo [x h, x] está contido em U. ii. f(x) f(x h) < vh. Pelo Lema 1.4.4, podemos escolher uma coleção {I 1,..., I N } de intervalos cujos interiores cobrem um subconjunto A E (u,v) tal que m (A) > s ɛ. Além disso, para cada n {1,..., N}, temos que I n = [x n h n, x i ], onde h n > 0 e x n E (u,v). Por (ii), temos que N n=1 ( ) f(x n ) f(x n h n ) < v N n=1 h n < v m(u) < v (s + ɛ). 27

Como D + f(x) > u, temos por argumento análogo que cada ponto de A é o extremo de um intervalo (y, y + k) arbitrariamente pequeno, contido em algum I n, e que satisfaz f(y + k) f(y) > uk. Utilizando novamente o Lema 1.4.4, podemos tomar uma coleção finita {J 1,..., J M } de tais intervalos, tal que M i=1j i contém um subconjunto de A de medida maior do que s 2ɛ. Portanto, M i=1 ( ) f(y i + k i ) f(y i ) > u M i=1 k i > u (s 2ɛ). Fixe n {1,..., N}. Considere todos os valores de i {1,..., M} tais que J i I n. Como f é crescente, temos que Logo, N n=1 i ( ) f(y i + k i ) f(y i ) f(x n ) f(x n h n ). ( ) f(x n ) f(x n h n ) M i=1 ( ) f(y i + k i ) f(y i ). Portanto, v (s + ɛ) > u (s 2ɛ). Como ɛ é arbitrário, e u > v, s deve ser zero. Agora, consideremos a função f(x + h) f(x) g(x) = lim. h 0 h Pelo que vimos, g está definida em quase todos os pontos de [a, b]. diferenciável nos pontos x [a, b] tais que g(x) <. Além disso, f é Estendamos a função f para o intervalo [a, + ), fazendo f(x) = f(b) para todo x > b. Consideremos a seguinte sequência de funções: g n (x) = n ( ) f(x + 1/n) f(x). Como f é crescente, g n 0. Além disso, para quase todos os pontos de [a, b], g n (x) 28

converge para g(x). Isto implica que g é mensurável. Pelo Lema 1.4.3, temos que b ( b ) b ( ) g lim inf g n = lim inf n f(x + 1/n) f(x) dx a a = lim inf = lim inf ( ( n f(b) f(a). a b+1/n b f(b) n f n a+1/m a+1/m Concluimos que g é integrável, portanto finita em quase todos os pontos de [a, b]. Logo, f é diferenciável em quase todos os pontos e g = f. a f a ) f ) 29

Capítulo 2 Injetividade de Aplicações no Plano Neste capítulo, obteremos o teorema principal deste trabalho, que garante a injetividade de um campo C 1 no plano sob certas condições no seu espectro. 2.1 Não-injetividade Nesta seção, X = (f, g) : R 2 R 2 é uma aplicação de classe C 1 tal que 0 / Spec(X). Provaremos que a não injetividade de X implica na existência de componentes Semi-Reeb para as folheações orientadas definidas por f e g. Como para cada p R 2, DX(p) é não singular, f : R 2 R é uma submersão. Portanto, pelo Exemplo 1, as componentes conexas das curvas de nível da função f definem as folhas de uma folheação F(f) de classe C 1 do plano. Além disso, o campo X f = ( f y, f x ) não possui singularidades. Como o gradiente de f é ortogonal ao campo X f, e também às folhas de F(f), é claro que X f orienta F(f). Portanto, pela Proposição 1.3.1, X f define um fluxo, e suas trajetórias são exatamente as folhas de F(f). Por conveniência, estaremos considerando o atlas D F(f) mencionado na Observação??. Todos os argumentos acima, assim como os próximos resultados, possuem uma versão análoga para a função g. Lema 2.1.1. Seja F uma folha de F(f) orientada pelo fluxo de X f. Temos que g F estritamente monótona. Em particular, X f não possui trajetórias fechadas. é 30

Demonstração. Considere a trajetória φ t (p) de X f que passa por um ponto arbitrário p. Temos que d dt g(φ t(p)) = dg(φ t (p)) d dt φ t(p) = dg(φ t (p)) X f (φ t (p)) = detdx(φ t (p)) 0. Como X é de classe C 1, det DX(q) tem o mesmo sinal para todo q R 2. Lema 2.1.2. Sejam γ 1 e γ 2 duas folhas distintas de F(f). Existe um cami-nho simples α tal que i. α(0) = p 1 γ 1, α(1) = p 2 γ 2. ii. α é transversal à γ 1 em p 1, e à γ 2 em p 2. iii. α tem um número finito de pontos de tangência com F(f), todos quadrá-ticos. Demonstração. Tome pontos q 1 γ 1, q 2 γ 2. Considere o segmento de reta parametrizado β(t) = q 2 t + (1 t) q 1, e os valores t 0 = sup{t [0, 1]; β(t) γ 1 } e t 1 = inf{t [t 0, 1]; β(t) γ 2 }. Como γ 1 e γ 2 só se acumulam no infinito (ver Observação 2.2.2), temos que 0 t 0 < t 1 1, β(t 0 ) γ 1 e β(t 1 ) γ 2 (ver Figura 2.1). PSfrag replacements γ 1 γ 2 β(t 0 ) β(t 1 ) Figura 2.1: Segmento unindo γ 1 e γ 2. Como as folhas são subconjuntos fechados de R 2, podemos tomar uma cobertura finita (B 1, B 2,..., B r ) de β([t 0, t 1 ]), formada por bolas abertas, tal que 1. β(t 0 ) B 1, β(t 1 ) B r, B 1 B r =. 31

2. se i {2,..., r 1}, B i intersecta apenas B i 1 e B i+1. 3. para cada i {1,..., r}, B i está contida em algum domínio de carta de A. Agora é fácil substituir β([t 0, t 1 ]) por um caminho satisfazendo as condições desejadas (ver Figura 2.2). γ 1 γ 2 PSfrag replacements Figura 2.2: Caminho com um número finito de tangências. Devido ao Teorema 1.3.4, dados quaisquer pontos p 1 γ 1 e p 2 γ 2, existe um caminho α satisfazendo as condições (i), (ii) e (iii) do Lema 2.1.2. Considere o conjunto Ω(p 1, p 2 ) dos caminhos simples que satisfazem as condições (i), (ii) e (iii) do Lema 2.1.2. Um caminho α Ω(p 1, p 2 ) que possui o menor número possível de pontos de tangência com F(f) recebe o nome de caminho ideal em Ω(p 1, p 2 ). Lema 2.1.3. Se um caminho simples α intersecta uma mesma curva de nível da função f em pontos distintos p 1 = α(t 1 ) e p 2 = α(t 2 ), existe um t (t 1, t 2 ) tal que α(t) = q é um ponto de tangência entre α e F(f). Demonstração. Considere a função h = f α : [t 1, t 2 ] R. Como h(t 1 ) = h(t 2 ), existe um t [t 1, t 2 ] tal que ḣ(t) = df(α(t)) α(t) = f(α(t)), α(t) = 0. 32

Logo, α é tangente à F em q = α(t). Observação 2.1.1. Pelo Lema 2.1.1, nenhuma seção transversal de F(f) pode tocar a mesma folha mais de uma vez. Proposição 2.1.1. Seja α um caminho ideal em Ω(p 1, p 2 ). i. Se α intersecta uma folha em exatamente dois pontos, as interseções são transversais. ii. α não intersecta uma folha mais do que duas vezes. Demonstração. Suponha que α intersecte alguma folha γ em dois pontos, e que a interseção em algum deles não seja transversal. Utilizando o Teorema 1.3.4, encontramos um caminho com um número menor de pontos de tangência com F(f) do que α (ver Figura 2.3). α PSfrag replacements γ h Figura 2.3: Interseções transversais. Da mesma forma, se α intersectar alguma folha γ em três pontos, utilizando o Teorema 1.3.4 e o Lema 2.1.3, obtemos um caminho com um número menor de pontos de tangência com F(f) do que α (ver Figura 2.4). 33

α PSfrag replacements γ Figura 2.4: No máximo dois pontos de interseção. h Observação 2.1.2. Utilizando o Teorema 1.3.4, o Lema 2.1.3 e a Proposição 2.1.1, concluimos que um caminho ideal α Ω(p 1, p 2 ) intersecta γ i apenas em p i, i = {1, 2}. (ver Figura 2.5). α PSfrag replacements p i γ i Figura 2.5: Não ocorre. Devido ao Teorema de Jordan, cada folha γ de F(f) divide o plano em duas regiões, ambas limitadas por γ. Sejam γ 1 e γ 2 duas folhas de F. Se δ γi (γ j ) é a região do plano limitada por γ i que contém γ j, considere µ(γ 1, γ 2 ) := δ γ1 (γ 2 ) δ γ2 (γ 1 ) (ver Figura 2.6). Definição 2.1.1. Fixemos duas folhas γ 1 e γ 2 de F(f). Diremos que duas seções transversais compactas Σ 1 e Σ 2 de F(f) são admissíveis para o par (γ 1, γ 2 ) se 34