AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORMAÇÃO DO PEDAGOGO E SUA PRÁXIS NO COTIDIANO DA ESCOLA: IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA DOCENTE Resumo Tânia da Costa Fernandes Universidade Estadual de Londrina- UEL/PR. Neste texto, objetiva-se apresentar aspectos de um estudo das políticas de formação do pedagogo que definem o currículo do curso de pedagogia, visando, com isso, compreender o quanto daquilo que está declarado nestas políticas coincide, ou não, com as atividades que este profissional desenvolve no cotidiano da escola. Uma reflexão desta natureza fomenta um repensar necessário do pedagogo sobre sua práxis e, também, permite identificar possíveis implicações no planejamento e na prática educativa do docente. Sendo de cunho qualitativo, a pesquisa foi desenvolvida a partir de sistematizações e análises à luz da temática da formação e práxis do pedagogo; em decorrência disso, foram elaboradas sínteses descritivas e analíticas que podem colaborar com a reflexão de professores e gestores. A partir de uma pesquisa bibliográfica documental, analisou-se o principal documento orientador desta formação: as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia. Num segundo momento, aplicou-se um questionário a docentes e pedagogos de uma escola pública estadual, verificando-se as expectativas e percepções destes sujeitos em relação à atuação do pedagogo. Dentre seus resultados, observa-se, numa análise comparativa, que a legislação define como função do pedagogo algo muito distante daquilo que este profissional realiza no cotidiano escolar. O currículo do curso tem proporcionado uma formação generalista, em conformidade com os parâmetros da polivalência e da flexibilidade na atuação do trabalhador, negligenciando a principal atribuição do coordenador/pedagogo, que é efetuar um acompanhamento pedagógico dos professores e seus planejamentos de ensino. Compromete-se assim o desenvolvimento de um ensino de qualidade, cujos objetivos precípuos são a transmissão do patrimônio cultural acumulado e o desenvolvimento de habilidades. Nesse sentido, a pesquisa tem revelado aspectos da interface entre políticas educacionais e ideologia neoliberal, podendo contribuir com a crítica necessária a uma educação adaptativa e a construção de uma educação que tenha como objetivo a emancipação humana. Palavras-chave: políticas públicas; formação do pedagogo; práxis docente. Introdução O estudo das políticas públicas de formação do pedagogo e a análise do quanto daquilo que está declarado nestas políticas se aproxima ou se distancia da práxis deste profissional no cotidiano da escola é, a nosso ver, tema de importante discussão na busca da qualidade de ensino. Por isso, por meio da sistematização de leis e concepções educacionais, trata-se de contribuir para a reflexão sobre a formação e a atuação dos educadores, as quais conduzem e podem comprometer, técnica e qualitativamente, as orientações dadas em planejamentos e práticas de docentes e gestores. Em muitas escolas, os pedagogos/coordenadores pedagógicos têm encontrado dificuldades para realização das tarefas pertinentes à sua função, voltando-se para 9405
2 inúmeros afazeres que decorrem das diversas e urgentes demandas do cotidiano escolar. Nelas, com o predomínio das demandas de caráter imediatista, tornam-se uma espécie de faz tudo, secundarizando sua atuação como orientador e colaborador do professor no planejamento da prática educativa. Esta realidade coincide com um entendimento equivocado de que o pedagogo é um generalista, profissional polivalente e flexível, capaz de atuar onde for preciso. Para compreender o predomínio desta formação, faz-se necessário um estudo da concepção de currículo que orienta os cursos de Pedagogia, pois, como organizador do processo educativo/formativo, o currículo torna-se um instrumento de poder política e ideologicamente determinado, com desdobramentos no contexto educacional. Nesta pesquisa, de início, são analisadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, Resolução CNE/CP Nº 1, de 15 de maio de 2006. Com isso, espera-se identificar a concepção de educação e o perfil profissional que elas pretendem garantir, especialmente em sua convergência ou divergência com ideias progressistas ou conservadoras de intervenção social. Por fim, buscando compreender a práxis do pedagogo no cotidiano da escola, foi aplicado um questionário a docentes e pedagogos de uma escola pública estadual do Município de Londrina/PR. Desenvolvimento Um procedimento teórico comum a muitos ideólogos das classes dominantes da sociedade capitalista é a negação de que suas ideias sejam perpassadas por qualquer ideologia. Com isso, declaram que elas são assentadas numa postura de neutralidade e orientadas por parâmetros eminentemente técnicos. No campo educacional, isto pressupõe que as ideias que orientam a organização da escola e a prática docente não podem estar vinculadas a nenhuma concepção política. Desnecessário dizer que, aqui, parte-se da concepção oposta: as ideias que orientam a educação escolar não são neutras e, deste modo, seus processos e resultados estão relacionados aos processos econômicos, políticos e culturais. Portanto, à reprodução do capital e suas demandas no momento atual, sob influxo primordial das forças da globalização e do neoliberalismo, mesmo que estes vínculos não sejam declarados e explícitos. Como lembra Apple (1982, p. 19), embora as escolas possam estar a serviço de muitos, e isso não deveria ser negado, ao mesmo tempo, no entanto, empiricamente elas também parecem fazer às vezes de poderosos agentes de reprodução econômica e cultural das relações de classe numa sociedade estratificada como é a nossa. Isso significa que, ao contrário das ideias de Bobbitt acerca do currículo (cujo 9406
3 intuito é racionalizar à la Taylor os resultados da educação), defende-se aqui uma concepção crítica (pautada, dentre outros, por Apple, Goodson), segundo a qual o currículo se tornou um dos principais instrumentos de poder e disseminação das ideologias que perpassam as políticas sociais mais amplas e se manifestam nas práticas educacionais. O currículo nunca é simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos, que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um país. Sempre parte de uma tradição seletiva, da seleção feita por alguém, da visão que algum grupo tem do que seja o conhecimento legítimo. Ele é produzido pelos conflitos, tensões e compromissos culturais, políticos e econômicos que organizam e desorganizam um povo (APPLE, 2000: 53, grifos do autor). Política e socialmente determinado, o currículo está intimamente atrelado ao contexto histórico vigente à época, portanto, marcado por continuidades e descontinuidades em relação à efetivação de uma formação crítica e emancipatória. Assim, o currículo não é algo fixo, mas como um artefato social e histórico, sujeito a mudanças e flutuações. [...] Ele está em constante transformação/.../, é preciso não interpretar o currículo como resultado de um processo evolutivo, de continuo aperfeiçoamento em direção a formas melhores e mais adequadas (GOODSON, 1995, p. 7). Desvelar, então, qual currículo orienta a formação do pedagogo é de fundamental importância para identificarmos quais interesses e concepções políticas, econômicas e sociais estão presentes e definem as ideias e práticas deste profissional. Ou seja, é imprescindível para que os educadores possam discernir quais são os objetivos prevalecentes e, por conseguinte, quais devem orientar a práxis educativa. Nesse sentido, importa lembrar que, com a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (DCNP), a docência tornou-se a base da formação e da organização curricular do curso. O debate acerca da organização dos eixos do curso, segundo Evangelista (2005), partiu de três projetos: 1) o Documento das entidades sobre a Resolução do CNE, assinado pela ANFOPE, FORUMDIR, ANPAE, ANPED, CEDES, Executiva Nacional dos Estudantes de Pedagogia, de abril de 2005; 2) o Manifesto de educadores brasileiros sobre diretrizes curriculares nacionais para os cursos de pedagogia, de setembro de 2005 e 3) o Parecer (versão 18) sobre Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, do CNE, de setembro de 2005. Em todos eles persiste apenas uma elementar ideia comum o pedagogo é um profissional da educação, mas, em contrapartida, é notável a divergência quanto ao seu perfil profissional e à sua 9407
4 inserção no mundo do trabalho. No projeto apresentado pelo CNE, o pedagogo pode atuar tanto na docência como na administração escolar e, também, desenvolver trabalho pedagógico em instituições não escolares. A ANFOPE enfatiza a formação para docência e o rompimento das especializações oriunda da pedagogia tecnicista. O Manifesto de educadores afirma que o pedagogo é um profissional da educação, porém, não é docente, dado que desenvolve trabalho pedagógico em vários setores e aprofunda teorias e pesquisas. Deste modo, a Pedagogia é tida como uma ciência em que a prática educativa e o trabalho pedagógico são objetos de reflexão, pesquisa e análise (EVANGELISTA, 2005, p. 3). Nas DCNP, segundo Vieira (2011), almeja-se que os profissionais da educação sejam polivalentes, com restruturação e flexibilização de suas ocupações; ou seja, defende-se o profissional generalista, oposto ao especialista. No entanto, longe de ser uma questão meramente técnica, tal aderência a uma formação generalista está intimamente associada à questão da eficiência econômica. Nas palavras do autor, Vale destacar que não se pode esquecer que a aprovação das Diretrizes faz parte do processo de reforma da educação brasileira desde a década de 1990. As mudanças que o Estado brasileiro vem sofrendo na área educacional configuram-se como uma adaptação às transformações do mundo produtivo, o qual apresenta algumas características: polivalência dos trabalhadores, reestruturação das ocupações, flexibilização da produção. Tais características serão encontradas tanto na política econômica como na política educacional (VIEIRA, 2011, p. 137). Noutro aspecto, concordamos com Libâneo (2001), quando afirma ser errônea a concepção que reduz a pedagogia a um mero modo de ensinar, ligada simplesmente ao fato da técnica e da metodologia. Ao meu ver, a Pedagogia ocupa-se, de fato, dos processos educativos, métodos, maneiras de ensinar, mas antes disso ela tem um significado bem mais amplo, bem mais globalizante. Ela é o campo de conhecimentos sobre a problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, o mesmo tempo uma diretriz orientadora da ação educativa. /.../. Pedagogia é, então, o campo do conhecimento que se ocupa do estudo sistemático da educação, isto é, do ato educativo, da prática educativa concreta que se realiza na sociedade como um dos ingredientes básicos da configuração da atividade humana. /.../ Numa sociedade em que as relações sociais baseiam-se em relações de antagonismo, em relações de exploração de uns sobre os outros, a educação só pode ter cunho emancipatório, pois a humanização plena implica a transformação desta realidade (LIBÂNEO, 2001, p. 23, grifos nossos) Num segundo momento da pesquisa, para se analisar como o pedagogo tem atuado, foi aplicado um questionário a docentes e pedagogos de uma escola pública de 9408
5 Londrina-PR. Por meio dele, buscou-se investigar as expectativas e percepções desses profissionais relativas às atribuições do coordenador pedagógico. E, em síntese, as respostas dadas destacaram que as atividades exercidas atendem a situações corriqueiras que não constam como atribuições em documentos legais ou propostas curriculares, tais como ministrar aulas na ausência/falta de docente, conversar com alunos por motivo de indisciplina, fiscalizar corredores etc. Ou seja, atividades que negligenciam o trabalho pedagógico que o coordenador deveria realizar junto ao professor, distorcendo gravemente sua verdadeira responsabilidade e função profissional. Percebe-se que a ausência deste acompanhamento e orientação pedagógica compromete a qualidade do ensino, a reflexão coletiva sobre a prática educativa e a seleção de conteúdos e metodologias de ensino. Enfim, essa ausência compromete a construção de um currículo pleno e emancipatório. Por isso, foi unânime entre os pedagogos pesquisados a indicação da necessidade de se propiciar melhores condições de trabalho e realizar cursos de capacitação continuada para que pudessem se qualificar teoricamente como orientadores do trabalho pedagógico. Considerações Finais Dentre os resultados desta pesquisa, cabe salientar o distanciamento entre as funções declaradas na legislação educacional e as atividades efetivamente realizadas pelos pedagogos na unidade escolar investigada. E mais, por meio do questionário aplicado aos docentes e pedagogos, notou-se também que grande parte da comunidade escolar desconhece o papel/função do pedagogo e, ainda assim, percebe que suas atribuições têm se circunscrito ao atendimento de demandas imediatas e corriqueiras. Conclui-se assim que é necessário a oferta de melhores condições de trabalho aos pedagogos, pois a precarização nas condições de trabalho os impedem de desenvolver suas reais atribuições como orientadores do trabalho pedagógico junto aos professores, comprometendo a realização de um ensino de qualidade e de uma educação voltada para a emancipação de nossos educadores e educandos. Referências Bibliográficas APPLE, Michael W. Ideologia e Currículo. São Paulo: Brasilense, 1982.. Política Cultural e Educação. São Paulo: Cortez, 2000. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia. Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006. EVANGELISTA, Olinda. O Curso de Pedagogia: projetos em disputa. Projeto PIBIC/CNPq 2005-2006. Florianópolis: EED/CED/UFSC, 2005. GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e Pedagogos, para quê? São Paulo, Cortez, 2001. 9409
6 VIEIRA, Suzane da Rocha. Docência, gestão e conhecimento: conceitos articuladores do novo perfil do pedagogo instituído pela resolução CNE/CP n. 01/2006. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.44, p. 131-155, dez2011 - ISSN: 1676-2584. 9410