A Visão Contratual da Governança de Empresas Familiares: Um Estudo Sobre o Setor de Distribuição de Insumos Agrícolas



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Transcrição:

A Visão Contratual da Governança de Empresas Familiares: Um Estudo Sobre o Setor de Distribuição de Insumos Agrícolas Autoria: Fabio Matuoka Mizumoto, Roberto Pedroso Junior Resumo Este artigo propõe a visão contratual da governança de empresas familiares. Existem contratos internos entre os subsistemas família propriedade gestão que influenciam a capacidade da organização de superar os desafios de crescimento e de perpetuação. Temas recorrentes na literatura sobre empresas familiares como a profissionalização e a sucessão são tratados sob aspecto das regras que norteiam as relações entre os subsistemas. São aplicados conceitos de agência no entendimento dos problemas que podem surgir quando um gestor ou herdeiro age em nome dos proprietários. Por outro lado, a unificação de propriedade e gestão nos proprietários implica em custos de transparência que afetam os investimentos específicos dos empregados na organização familiar ou que influenciam os investimentos dos herdeiros no sentido de assumir os negócios. O trabalho empírico analisou 12 empresas familiares do setor de distribuição de insumos agrícolas, em que foram identificados grupos distintos de acordo com o seu faturamento e estágio de participação da família na gestão. Os resultados exploram as diferenças entre os grupos, com base no modelo que avalia a separação da propriedade e gestão, a propensão aos investimentos específicos, o uso de contratos relacionais e contratos formais dentro da organização. Palavras-chave: estrutura de governança, contratos, empresa familiar. Introdução A origem no campo e o desenvolvimento para a indústria e para serviços é trajetória comum às empresas familiares brasileiras. Muitas delas compõem maioria nos diversos setores do agronegócio. Os desafios de crescimento e de continuidade das empresas familiares têm levado à profissionalização da gestão e ao planejamento sucessório. Um primeiro desafio comum às empresas familiares é o de manter o controle da empresa no âmbito da família. Ao longo das gerações, o controle tende a se pulverizar uma vez que a velocidade de crescimento do negócio não acompanha o crescimento da família. A estatística da SBA - Small Business Administration (1996) aponta que apenas um terço das empresas norte-americanas chegam à segunda geração e, destas, somente metade atingem a terceira geração. Apesar de não dispor desta estatística para o Brasil, entende-se que a perpetuidade seja ainda menor que a verificada para empresas norte-americanas. As questões ora apresentadas, sobre sucessão da empresa e profissionalização da gestão são desenvolvidas no âmbito da governança corporativa, que assume o caráter contratual da empresa, em que existem regras que estabelecem as relações entre as partes envolvidas. Nesse sentido, a governança corporativa em empresas de controle familiar, portanto, estabelece não apenas no âmbito da separação entre propriedade e gestão (como no caso das empresas não familiares), mas no âmbito das relações entre família, patrimônio societário (propriedade) e empresa (gestão). (IBGC, 2006:23).

Os três subsistemas: família, gestão e propriedade são propostas por Gersick et al. (1997). A Figura 1 representa os três subsistemas unificados na figura do fundador da empresa em seu estágio inicial e que, com o crescimento da família e da empresa, passam a se desenvolver em diferentes direções, mas sempre inter-relacionados. Figura 1 Dimensões de Empresas Familiares Estágio Inicial Estágio Avançado Gestão Propriedade Família Família Propriedade Gestão Fonte: Gersick et al. (1997). A prosperidade da empresa familiar depende da sua capacidade de se adequar às novas realidades, tanto da estrutura familiar quanto do próprio negócio. A decisão sobre a continuidade da empresa familiar capta a fragilidade do equilíbrio entre aceitar gestores fora do círculo familiar e a entrada de herdeiros na gestão da empresa. A sucessão interessa não só à família do fundador, mas aos empregados, clientes e credores da empresa. De acordo com Moreira (1983), 99% das empresas privadas são familiares, destas 20% estão passando por processos sucessórios, que duram de 3 a 5 anos para serem concluídos. Cohn (1991) adiciona que apenas 5% das empresas preparam a geração seguinte. Segundo Lodi (1993), a profissionalização tem uma face muito reconhecida pelos empresários que é a da substituição total dos membros familiares. A outra é a da transformação no sistema de gestão da empresa por meio da qualificação dos herdeiros. Entre os principais objetivos da profissionalização, cita-se: a empresa familiar assume práticas administrativas mais racionais, modernas e menos personalizadas; integração de gerentes contratados e assalariados no meio de administradores familiares; substituição de métodos intuitivos por métodos impessoais e racionais. Este artigo propõe a visão contratual da governança de empresas familiares. Existem contratos internos entre os subsistemas família propriedade gestão que influenciam a capacidade da organização de superar os desafios de crescimento e de perpetuação. Temas recorrentes na literatura sobre empresas familiares são tratados sob aspecto das regras que norteiam as relações entre os subsistemas. São aplicados os conceitos de contratos internos desenvolvidos pela Economia dos Custos de Transação e os conceitos da Teoria de Agência que embasam os princípios da governança corporativa. O presente artigo investiga os arranjos contratuais internos que empresas familiares adotam para impulsionar o seu crescimento e garantir a sua perpetuação no agronegócio. Especificamente, pretende-se: Avaliar o perfil de empresas familiares dentro de um mesmo setor de atuação. 2

Analisar os contratos internos de empresas de diferentes portes e de estágios distintos de participação da família na gestão. Identificar as alterações contratuais desejáveis para melhorar a governança de empresas familiares. O aporte teórico que embasa o modelo de análise do trabalho empírico é apresentado na seqüência. A terceira parte do artigo descreve a metodologia e a coleta de informações. Os resultados são discutidos na parte quatro, que antecede a última sobre as considerações finais. Revisão de literatura: A visão contratual da empresa familiar Os conceitos que suportam o modelo de análise foram extraídos da literatura de Teoria de Agência e da Economia dos Custos de Transação. A apresentação segue três etapas seqüências, as mesmas que serão discutidas nos resultados do trabalho empírico. 1) Separação da propriedade e gestão O desenvolvimento da empresa familiar leva à separação da propriedade e gestão. Os problemas de alinhamento entre o proprietário e o gestor levam aos custos de agência, conceito desenvolvido pela Teoria de Agência. A relação agente-principal é sempre conflituosa quando um determinado indivíduo agente age em nome de outro, o chamado principal, e os objetivos de ambos não coincidem integralmente. Os problemas de agência são ex-post ao contrato, decorrentes de assimetria de informações entre o acionista tomador de risco e os demais stakeholders (todos que são afetados pela decisão do negócio). Villalonga e Amit (2006) avançam no entendimento do papel da família ao derivar o problema de agência em dois tipos. O problema de agência clássico, do conflito entre proprietário e gestor, descrito por Berle e Means (1932) e por Jensen e Meckling (1976), é considerado problema de tipo 1. A família como controladora majoritária tem grandes incentivos para monitorar, ou mesmo assumir o papel dos gestores e, dessa forma, mitigar os problemas de agência do tipo 1. Entretanto, quanto maior a participação da família na propriedade da empresa, maiores as possibilidades de extrair benefícios privados ao custo dos acionistas minoritários, surge, então, o problema de agência de tipo 2. Para mitigar os problemas de tipo 2, as empresas familiares utilizam-se de mecanismos de governança corporativa para assegurar transparência, equidade e prestação de contas que aumente a segurança dos acionistas minoritários. Na essência das práticas de Governança está a necessidade da redução dos Custos de Agência, de forma que se busque conciliar os interesses de longo prazo da organização. A partir do trabalho seminal de Spence e Zeckhauser (1971) e Ross (1974), os estudiosos da ciência das organizações passaram a dar atenção ao desenvolvimento da chamada Teoria da Agência desenvolvida posteriormente por Jensen e Meckling (1976), Fama e Jensen (1983). O problema de agência é um elemento essencial dentro da visão contratual da firma, trazida por Coase (1937). 2) Investimentos específicos A Economia dos Custos de Transação (ECT) nos fornece a base para compreensão de como escolhas estratégicas estão inseridas em meio ao contexto histórico. No trabalho singular de 3

Ronald Coase de 1937, The Nature of the Firm, temos a exposição do custo de transação como uma variável de excepcional relevância na estratégia das firmas. Segundo a definição de North: Custos de transação podem ser definidos como aqueles a que estão sujeitas todas as operações de um sistema econômico. (NORTH, D. C., p.8, 1998). Logo, os custos de transação é uma forma de custo que aparece indiretamente ao logo do processo produtivo e de comercialização de um bem, ele está estreitamente relacionado aos problemas de coordenação entre os agentes econômicos. Desta forma, o custo total de uma atividade econômica não é somente o custo de produção desta dada pela tecnologia empregada na transformação dos insumos, mas também os custos envolvidos no próprio funcionamento da estrutura de governança empregada. Williamson (1985) atenta para a existência de dois tipos de custos de transação: os custos gerados ex-ante (na elaboração dos contratos) e os ex-post (que surgem após a concretização da transação). Na ECT os pressupostos comportamentais assumidos para os agentes econômicos diferem da economia neoclássica, temos a racionalidade limitada e o oportunismo como balizadores do comportamento econômico. A racionalidade limitada i nos permite admitir a inexistência de contratos perfeitos, logo todos os acordos, formais e informais, no meio econômico possuem brechas para ações oportunistas. O oportunismo, por sua vez, aparece como uma condição do indivíduo (agente econômico) que busca atender os seus próprios interesses. Desta forma, na ECT não existem limitações sobre o comportamento egoísta dos indivíduos. Com o desenvolvimento da ECT temos o foco sobre a gênese do sistema econômico, ou seja, a troca e obviamente os custos envolvidos nela. Para Williamson (1975) os três atributos que devem ser levados em consideração são: freqüência, incerteza e especificidade do ativo. Neste estudo somente serão analisadas questões relativas a incerteza e especificidade do ativo. A segunda característica trabalhada por Williamson é a incerteza ii.. As transações que ocorrem entre agentes em uma ambiente onde a incerteza simplesmente não existe, neste caso recaem novamente na estrutura organizacional neoclássica, na qual a incerteza não tem um papel atuante no modelo teórico. Neste ambiente as transações são certas, não há motivos racionais que justifiquem qualquer assombro diante de alterações no ambiente, já que todas as possíveis alterações são passíveis de predição iii. Em ambiente de incerteza, nenhum dos agentes consegue prever os acontecimentos futuros, o que por sua vez possibilita o aumento do espaço para renegociações entre os agentes, entretanto em tal ambiente também se verifica o aumento da possibilidade de perdas advindas do comportamento oportunista. Na realidade nas empresas em ambientes que englobam alterações previsíveis (risco) e imprevisíveis (incerteza). Ademais, Williamson ressalta um terceiro grupo de alterações imprevisíveis que provêm de ações comportamentais que surgem da dependência bilateral entre os agentes. Para Milgrom e Roberts (1992) a incerteza emerge fundamentalmente de relações contratuais com informação incompleta e assimétrica. Logo, em ambiente onde as regras das relações entre agentes não são claras a incerteza aflora mais facilmente, impedindo, muitas vezes, que relacionamentos de comprometimento e cooperativas surjam. 4

A terceira característica é a especificidade de ativos. Esta está vinculada a investimentos específicos em maquinário, treinamento especializado entre outros que só possuem valor no caso da produção de um bem específico. Caso esse produto não seja mais demandado à empresa produtora dele terá que arcar com todo o montante não amortizado do investimento nos ativos de produção. Visualizando os extremos entendemos que no mercado, onde os agentes econômicos não necessitam incorrer em nenhum grau de investimento específico, não necessitam também incorrer em nenhum tipo de dependência específica. Caso a transação não se concretize o agente econômico que despendeu recursos em ativos produtivos terá condições de redirecionar sua produção para outro tipo de bem. No outro extremo podemos ter um agente com total dependência para a concretização da transação, pois os investimentos produtivos específicos só terão alguma utilidade para a produção de um bem específico daquela transação. Muitas vezes a especificidade do ativo é tão grande que não é possível encontrar algum agente econômico que queira correr em tal grau de dependência para uma transação, logo a empresa que necessita de um bem com tamanha especificidade dos ativos acabará ela mesma produzindo o bem. Williamson identifica alguns tipos de especificidade dos ativos: locacional, marca, física, temporal, ativos dedicados e ativos humanos. O presente artigo irá focar nos investimentos realizados pelos próprios agentes econômicos que constituem uma empresa, proprietários e empregados. Os ativos humanos significam formas específicas de capital humano em determinadas atividades, ou seja, que contempla o processo de learning by doing. 3) Contratos relacionais e contratos formais A estrutura de governança de uma firma é o que determinará a existência de contratos formais e informais que promovam eficiência dentro e fora da mesma. Na literatura sobre teoria da firma encontramos uma vertente que foca os contratos celebrados entre empresas, e uma segunda que foca os estudos sobre os contratos existentes dentro da empresa. Este último ramo apresenta autores como Bull (1987) que buscam compreender qual é o papel dos contratos nos relacionamentos que formam a estrutura interna da empresa, que por sua vez definirá sua estrutura de governança. Dixit (2004) aponta uma interessante interpretação quanto a relação entre formais e informais, para este autor os contratos formais funcionariam como uma espécie de fall-back aos contratos relacionais. Assim, temos o entendimento que os contratos informais surgem antes dos formais e permanecem funcionando até problemas vinculados a atitudes oportunistas. O contrato formal, baseado em cláusulas explícitas entre os agentes econômicos se torna necessário quando se evidencia casos de descumprimento do acordo informal. O que será explicitado nas seções seguintes é que em muitos aspectos o modelo apresentado por Dixit molda-se adequadamente sobre os problemas encontrados nas empresas agrícolas familiares. Apenas quando o ambiente organizacional não mais suporta acordos relacionais e potenciais crises envolvendo o real descumprimento de acordo as partes se voltam para os termos formais de contratos existentes, ou buscam elaborar contratos formais para terem maiores salvaguardas. Desta forma, na gestação inicial de empresas familiares a maior parte de toda a estrutura de governança estará sobre contratos relacionais. 5

Metodologia e coleta de dados Trata-se de um estudo exploratório de caráter qualitativo, com objetivo de identificar e analisar as principais alterações dos contratos internos que embasam a governança de empresas familiares atuantes na distribuição de insumos agrícolas. São empresas conhecidas como revendas e que são responsáveis pela distribuição de fertilizantes, agro-químicos para a sanidade vegetal e serviços de suporte ao agricultor. Foram analisadas 12 revendas familiares, em amostra intencional e não probabilística. A soma do faturamento das revendas analisadas é de aproximadamente US$ 216 milhões. Estima-se que 75% do faturamento sejam provenientes da venda de defensivos agrícolas, um mercado que movimentou cerca de US$ 4,243 bilhões em 2006, de acordo com o SINDAG (Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola). Portanto, estima-se que a amostra represente 3,82% do volume distribuído de defensivos agrícolas. Por outro lado, a amostra busca representatividade geográfica: uma revenda de São Paulo, uma do Rio Grande do Sul, uma do Espírito Santo, uma da Bahia, uma de Pernambuco, duas de Minas Gerais, duas de Goiás e três do Paraná. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas não estruturadas com empresários e consultores de empresas, para levantamento de informações pertinentes ao estudo durante os meses de dezembro de 2006 a fevereiro de 2007. O modelo de análise segue as etapas da fundamentação teórica apresentadas na visão contratual da empresa familiar. É analisada a separação da propriedade e gestão da revenda familiar na primeira etapa. Na segunda, são avaliados os fatores que influenciam os investimentos específicos. A última etapa investiga o uso de contratos relacionais e contratos formais na organização familiar. Resultados As revendas familiares analisadas foram agrupadas de acordo com o seu perfil de faturamento e de estágio da participação da família nos negócios. Os grupos são apresentados na figura 2, em que os nomes das revendas foram substituídos pelo nome da cidade ou região de atuação, para garantir seu anonimato. As revendas que contam com herdeiros na gestão do negócio, independente do cargo, foram consideradas de 2ª geração. O critério de corte de faturamento foi aleatório, assume-se que empresas com faturamento superior a R$ 40 milhões podem ser consideradas de grande porte, enquanto que as demais são consideradas de médio porte. A empresa de menor faturamento movimentou R$ 12 milhões em 2006 enquanto que a maior atingiu R$ 100 milhões. O primeiro grupo caracteriza-se pela gestão centralizada, pouco ou nenhum gestor contratado. Não há planejamento sucessório, nem preparação dos herdeiros que são jovens, fora da idade profissional ou sem interesse no negócio. Este grupo concentra a maior parte das revendas estudadas. 6

Figura 2 Revendas familiares agrupadas de acordo com a geração da família na gestão e tamanho do faturamento Faturamento (R$ milhões) Luis Eduardo Vitória Cornélio Procópio > R$ 40 mi Matão Rio Verde Foz do Iguaçú 1ª Geração Goiatuba Paraguaçú de Minas Boa Esperança Ponta Grossa Recife Erechim Grupo 2 Grupo 1 < R$ 40 mi Grupo 3 Grupo 4 2ª Geração Geração Fonte: elaboração dos autores No grupo dois, as revendas apresentam controle centralizado nos sócios, com participação de gestores contratados. As práticas administrativas são personalizadas, limitadas pelo relacionamento e confiança dos familiares. Não há planejamento sucessório aparente. O terceiro grupo concentra revendas de grande porte e que se encontram na segunda geração. Apresentam controle centralizado na família e a tomada de decisão envolve sócios, herdeiros e gestores contratados. Entrada dos herdeiros sem capacitação ou planejamento sucessório aparente. Identificados conflitos de gerações, com conseqüências para as famílias. Não foram identificadas revendas familiares no grupo 4. Apesar das limitações de representatividade, é possível indicar que na amostra estudada, as empresas do grupo 1 que cresceram passaram por um processo de profissionalização para o grupo 2 e/ou passaram por um processo de sucessão para o grupo 3. Outra possibilidade é que as empresas de grupo 1 que passaram para a segunda geração podem ter falido ou sofrido um processo de cisão que a tornou novamente uma empresa de grupo 1. Cada grupo de revendas foi analisado de acordo com as etapas seqüenciais da visão contratual da empresa familiar. Alguns aspectos particulares de uma ou outra revenda é destacado, mas as inferências valem para o grupo de forma geral. 7

1) Separação da propriedade e gestão A separação da propriedade e gestão tem sido relatada como uma das práticas desejáveis para a boa governança das empresas. Entretanto, para as empresas familiares, é preciso atentar para os condicionantes. Primeiro, a empresa, em seu início de desenvolvimento, não apresenta complexidade ou volume de negócios que justifique a contratação de terceiros. Segundo, o perfil de centralização das decisões no proprietário faz com que a união de propriedade e gestão se torne interessante. Conforme relatado por Villalonga e Amit (2006), existem dois tipos de problema de agência. O de tipo 1 é encontrado quando existe a separação entre propriedade e gestão, em que o custo aparece quando os gestores contratados agem de forma não alinhada aos interesses dos proprietários. Este tipo de problema de agência pode ocorrer em empresas do grupo 2 e 3. Em revendas do grupo 1 a união de propriedade e gestão é evidente. Leva ao problema de agência de tipo 2, em que um dos sócios expropria valor dos demais no exercício de seu cargo. Figura 3 As dimensões da empresa familiar de acordo com cada grupo, segundo o modelo tridimensional de Gersick et al. (1997). Faturamento (R$ milhões) Propriedade Familia Propriedade Familia Gestão > R$ 40 mi Gestão Grupo 2 Grupo 3 1ª Geração 2ª Geração Geração Grupo 1 Grupo 4 Propriedade Familia < R$ 40 mi Gestão Fonte: elaboração dos autores No primeiro grupo, as dimensões são unificadas. A centralização das decisões torna interessante a unificação de propriedade e gestão. Porém, foram identificados muitos casos em que a centralização da tomada de decisão vale para questões operacionais tanto quanto 8

para as estratégicas. O senso de prioridade por impacto da decisão tomada seria importante alavancador de resultados para empresas deste grupo. O grupo 2 apresenta um passo à frente no que diz respeito à separação de propriedade e gestão. A participação de gestores contratados indica o início da profissionalização destas revendas. Apesar da descentralização indicada, a centralização das decisões estratégicas é restrita ao âmbito dos proprietários. Os profissionais empregados sentem espaço para o seu crescimento dentro da organização, mas ao mesmo tempo sentem-se inseguros com a ausência de transparência na tomada de decisão dos proprietários. O terceiro grupo adiciona a dimensão família. A tomada de decisão passa a envolver sócios, herdeiros e gestores contratados. Na separação de propriedade e gestão, os herdeiros podem se posicionar como acionistas da empresa, permanecendo alheio aos seus acontecimentos ou podem assumir atividades de gestão. 2) Investimentos específicos Como o foco desta análise está nas relações internas das empresas, consideram-se investimentos específicos focados no relacionamento de investimento dos próprios sócios diante da empresa constituída e dos empregados em relação à mesma. Nas empresas constituintes do grupo 1 evidencia-se um alto investimento em termos de tempo, ativos humanos e em ativos dedicados. Os proprietários fundadores encontram-se a frente dos negócios, todos estão comprometidos com altos investimentos específicos baseados na alocação de seu tempo, estes investimentos só terão retorno se a empresa continuar existindo. Os empregados das empresas neste grupo se vêm diante de sérias restrições quanto à possibilidade de investirem na capacitação própria, esperando um retorno futuro deste investimento através da conquista de uma posição melhor na empresa, pois não há garantias que tal possibilidade realmente existirá. Outra questão importante está nos investimentos feitos pelos empregados no desenvolvimento do relacionamento junto aos proprietários da empresa, mais uma vez, como não temos uma sinalização clara quanto ao desenvolvimento da empresa e como este se dará os empregados ficam sem posicionamento de quanto deverá investir na relação com a empresa. As regras internas nas empresas do grupo 1 costumam ser na maioria dos casos estudados pouco claras, não se evidencia na maioria dos casos explicita definição de quem é responsável pelo que na empresa, sendo que quase sempre todas as decisões estarão centralizadas na figura dos proprietários. Surge neste ponto os problemas relacionados a incerteza. A capacidade dos proprietários em avaliarem adequadamente o desempenho fica prejudicada, como seria possível investir no aperfeiçoamento da equipe quando existe espaço para atitudes oportunistas por parte dos contratados, tal perspectiva reforça uma maior centralização nos proprietários sobre as decisões tanto operacionais quanto estratégicas. No grupo 2 o ambiente interno é mais estruturado. Constata-se o evidente crescimento do empreendimento. Nos dois casos estudados verificamos que as empresas sinalizam interesse em aumentar o grau de profissionalização do negócio. No caso de Vitória temos uma grande estrutura departamental, a maioria das ações operacionais do negócio possui responsáveis definidos, tendo inclusive organograma funcional elaborado. Entretanto, algumas restrições existentes no grupo 1 permanecem como 9

a falta de definição de quais membros da empresa deve participar no momento da elaboração de estratégias do negócio, além da autonomia de decisão permanece limitada na maioria dos casos. Desta forma, a falta de clareza nas regras permanece reduzindo a eficiência dos processos internos, o que reflete na morosidade da empresa em responder a demandas externas por parte de outras empresas parceiras na cadeia de negócio (ex: fornecedores). No grupo evidencia-se o investimento na contratação de empregados especializados, o que implica em investimento em ativos específicos. Como parte da incerteza fora reduzida na passagem do Grupo 1 para o Grupo 2, evidenciam-se claras de que vários empregados investem em sua capacitação, no outro extremo existem incentivos sinalizados pelo lado dos proprietários que custeiam parte do investimento na capacitação, ou seja, existe uma dependência bilateral que assegura a permanência do relacionamento no longo prazo. As duas partes, empresa e empregados, agora incorrem em um maior grau reputacional que será levado em consideração em qualquer momento que haja possibilidade de quebra de acordos. No grupo 3 temos um ambiente que passa por algumas mudanças devido a passagem da gestão para a segunda geração, o que em alguns casos aumente o nível de incerteza do ambiente. Neste grupo as empresas vêem necessidades prementes em se profissionalizarem definitivamente, pois em alguns processos sucessórios vários problemas que haviam sido encobertos durante anos devido aos contratos relacionais afloram. Há também a necessidade por parte de algumas empresas em conseguirem crédito no mercado para alavancarem suas operações, o que mais uma vez cria a necessidade de formatação de contratos formais, pois a maior parte dos investidores externos só terá incentivos em investir em ativos específicos na empresa caso esta tenha garantias e salvaguardas que assegurem seus investimentos. No caso específico de Matão o ambiente interno da empresa demonstra a clara passagem da empresa do grupo 1 direto para o grupo 2 sem a devida profissionalização da equipe e clara definição de funções e responsabilidades de cada empregado e sócio. Alguns dos empregados mais qualificados se vêem sem grandes perspectivas de continuidade na empresa devido à falta de regras claras por parte dos proprietários quanto às questões vinculadas a autonomia de decisão, incentivos futuros que possam garantir os investimentos em capacitação e em dedicação no aprimoramento do relacionamento interno na empresa. A falta de salvaguardas dadas por relacionamentos garantidos por contratos inteiramente relacionais não proporcionam um adequado incentivo para a inversão de maiores somas de ativos específicos. Em um caso extremo, existem claras evidências que um empregado altamente qualificado pretende se desligar da empresa para logo em seguida passar a prestar serviços para a mesma como terceiro, pois conseguirá ter um relacionamento mais claro com a empresa, com funções e perspectivas mais bem definidas, estando fora da mesma, essa maior clareza provém do acordo deixar de ser fundado em contrato relacional e passar para bases em contrato formal. Outra questão que aparece também neste terceiro grupo está nos relacionamentos dos herdeiros (2ª geração) com a empresa. Quais são os incentivos gerados e as garantias para que um membro da família deseje se envolver diretamente no negócio? Essa decisão envolve primordialmente investimentos que este terá de realizar. Uma quebra de acordo neste caso envolve não somente a dissolução de uma relação com a empresa, mas também terá um custo não determinado sobre o relacionamento familiar. 10

3) Contratos relacionais e contratos formais Devemos salientar que neste ponto assumiremos que as relações existentes entre empregados e empregadores são garantidas tanto por contratos formais (registro na carteira de trabalho) quanto contratos relacionais (que garante uma série de benefícios, muitos deles não monetários, incluindo a autonomia de decisão). No Grupo 1 verificamos que os contratos relacionais aparecem com muito mais relevância se comparado ao Grupo 3. Neste primeiro grupo grande parte dos acordos é garantido por relações familiares e/ou pessoais entre os sócios. As empresas são geridas diretamente pelos sócios fundadores e as divisões de funções e autonomias praticamente não existem. Como já fora exposto na seção anterior, o ambiente organizacional da empresa propicia o surgimento de incertezas comportamentais que colaboram no aumento das renegociações de acordos informais, por sua vez essas renegociações aumentam ainda mais a incerteza presente na estrutura da organização. Esse ciclo só é rompido quando do estabelecimento de diretrizes internas na empresa que garantam na percepção dos empregados expectativas futuras da continuidade do relacionamento. Assim, os proprietários de várias revendas deste grupo percebem a necessidade de maior formalização contratual. No grupo 2 verificamos um maior equilíbrio entre contratos formais e informais em relação a sua importância na governança das empresas. As exigências de formalização começam a aparecer com maior evidência junto a fornecedores de insumos. No caso de Procópio evidencia-se um período de melhor estruturação interna, que conseqüentemente vem acarretando uma maior formalização dos acordos interno. Um outro tópico importante no Grupo 2 está na diversificação dos negócios ligados a empresa, ou seja, com o crescimento da empresa verifica-se não só uma maior profissionalização, mas uma maior diversificação das atividades. Isso leva a necessidade que contratos relacionais sejam importantes para adequação de novas realidades da empresa, mas também gera uma maior necessidade de que se tenha clareza quanto ao relacionamento dos empregados nas várias frentes de negócio. Quanto aos sócios, começa também a surgir possibilidades de expropriação de lucros devido a não participação de alguns sócios nos novos negócios abertos pelos demais. A grande maioria dos novos negócios está vinculada à atividade da revenda, como por exemplo, transporte de grãos, estocagem, serviços de irrigação, produção agrícola (fazendas) etc. Em vários desses novos negócios, como é o caso das fazendas, muitas vezes a revenda é fornecedor de insumos, neste caso exige-se a transparência nas negociações e na efetuação da transação para que não existam transferências indevidas de lucros de um negócio para outro, no qual um ou mais sócio não fazem parte. No Grupo 3 o ambiente demonstra uma inversão clara do peso entre os contratos formais e relacionais. Neste grupo os contratos formais são muito mais presentes nas empresas analisadas dos que nos demais grupos. O fator tamanho (faturamento), profissionalização da gestão, participação da segunda geração na gestão e diversificação de negócios vinculados, levam em grande medida a adoção de um relacionamento baseado em acordos formais que garantam salvaguardas contra possíveis ações oportunistas, tanto por empregados, quanto por sócios. 11

Considerações Finais A definição dos grupos de empresas familiares de acordo com o seu porte e estágio de participação da família na gestão mostrou-se adequada para avaliar perfis menos heterogêneos encontrados no setor de distribuição de insumos agrícolas. Para cada grupo, foram analisados os contratos internos no aspecto da separação de propriedade e gestão, propensão a investimentos específicos, utilização de contratos relacionais e contratos formais. As comparações entre os grupos levam à análise da dinâmica de desenvolvimento das empresas familiares, apresentada na figura 4. A seguir, são tecidos comentários sobre os arranjos contratuais desejáveis para melhorar a governança das empresas familiares que buscam o crescimento e perpetuação. Figura 4 Dinâmica de desenvolvimento das empresas familiares Faturamento (R$ milhões) Grupo 2 Sucessão Grupo 3 Profissionalização Grupo 1 > R$ 40 mi 1ª Geração 2ª Geração < R$ 40 mi Grupo 4 Sucessão com Profissionalização Sucessão sem Profissionalização Geração Fonte: elaboração dos autores A profissionalização é marcante do grupo 1 para o grupo 2. Nesse sentido, existe um avanço para a separação de propriedade e gestão da organização familiar. Embora passem a delegar as decisões operacionais, os proprietários retêm o direito de decisão para questões estratégicas, como forma de viabilizar o crescimento do negócio sem a perda de controle. Os investimentos dos profissionais contratados em tempo e esforço dedicado ao negócio familiar são favorecidos quando existem regras claras e transparentes que levem ao reconhecimento de seu trabalho. Regram bem definidas evitam que o empregado se desgaste na tentativa de argumentar sobre questões decididas em foros familiares ao quais não tem acesso. Os contratos que eram estritamente relacionais passam, portanto, a seguir algum nível de formalização. A adoção de plano de carreira, a definição de cargos e salários são regras que costumam ser adotadas em substituição às promoções intuitivas fomentadas pelo estilo paternalista do grupo 1. 12

O processo de sucessão marca a passagem do grupo 2 para o grupo 3. Nesse sentido, o grupo 2 já tem a separação de propriedade e controle amadurecida, mas pode sofrer alterações mediante a entrada dos herdeiros. Os empregados, mesmo tendo regras internas de tomada de decisões, desejam que a família controladora adote uma postura clara com relação ao papel dos herdeiros, se posicionados como acionistas ou como potenciais gestores do negócio. Os herdeiros devem ser orientados a assumir atividades funcionais e de responsabilidade, para que tenham a oportunidade de ter o seu desempenho avaliado e reconhecido. A figura do assessor do pai leva ao entendimento difuso e não produtivo à organização familiar. Por sua vez, o investimento em conhecimento do negócio e de tempo dedicado do herdeiro à empresa familiar depende de regras claras sobre os critérios de entrada e avaliação de desempenho. Os contratos relacionais de pai para filho do âmbito familiar não podem ser replicados para o âmbito empresarial. A sucessão sem profissionalização marca a passagem do grupo 1 para o grupo 3. O crescimento do porte do negócio associada à entrada da segunda geração no negócio é temerária pela falta de amadurecimento dos contratos implícitos. A começar pela separação de propriedade e gestão ainda incipiente e que deve ainda contemplar os anseios dos herdeiros. Como os contratos relacionais prevalecem, os herdeiros podem utilizar de seu relacionamento com a família para entrar no negócio, o que implica em sub-investimento de sua capacidade de dedicar-se à empresa. A posição dos empregados torna-se ainda mais fragilizada, antes da entrada dos herdeiros já não havia regras claras, com a entrada da segunda geração, as decisões podem se tornar ainda mais tendenciosas. O presente artigo encontrou limitações de informações detalhadas sobre a participação da família nos negócios. Pesquisas futuras poderão explorar as diferenças entre empresas unifamiliares, constituídas por uma única família que se ramifica, e as multi-familiares, que congregam diferentes famílias em torno de um negócio. Não foram encontradas empresas em segunda geração e de pequeno porte (grupo 4), mesmo com adoção de outros critérios de faturamento para a definição do porte da empresa. Pesquisas futuras poderão investigar as razões pelas quais as empresas familiares que crescem passam pelas etapas de profissionalização e/ou de sucessão. Bibliografia COASE, R.H. The Nature of the Firm, Econômica, 1937, vol.4, 386-405p, reprinted in Coase, 1988, The Firm, the Market and the Law. Chicago: University of Chicago Press, Chapter 2. COHN, M. Passando a tocha. São Paulo: Makron Books, 1991. BERLE, A.A. e MEANS G. The Modern Corporation and Private Property. The Macmillan Company, New York, 1932. BULL, Clive. The Existence of Self-Enforcing Implicit Contracts, Quarterly Journal of Economics, [S.1.], CII, pp147-159, 1987. DIXIT, Avinash, Lawless and Economics, 1 st Jersey, 2004. Edition, Princeton University Press; New 13

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i SIMON, H. Human Nature in Politics: the dialogue of psychology with political science. American Politics Science Review, 79: 293-304, 1985. apud Zylbersztajn, D. e Sztajn, R. Direito e Economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. ii A definição de incerteza utilizada foi abordada por Knight. KNIGHT, F. H. Risk, uncertainly and profit. New York, Harper and Row, 1965. iii Ressaltamos que todas as mudanças e transformações neste ambiente organizacional continuam sendo factíveis, a questão central encontra-se exatamente na capacidade de previsão. Neste aporte teórico (neoclássico) a incerteza knightiana deixa de existe, possuímos apenas o risco que é passível de mensuração e de previsão. 15