Governo Temer é exemplo de Estado promotor da desigualdade e da concentração de renda
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- Thais Marinho Taveira
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1 Carta Campinas, 13 de junho de 2016 Governo Temer é exemplo de Estado promotor da desigualdade e da concentração de renda Se é verdade que o diabo mora nos detalhes, o governo interino já forneceu alguns sinais de mudança não só de rota, mas de concepção. Tirou, por exemplo, a palavra desenvolvimento de um de seus ministérios estratégicos, o da Indústria e Comércio Exterior, acrescido de serviços. E em meio a uma severa crise no mercado de trabalho, nomeou para o Banco Central um economista que, refletindo uma ideia corrente em certa linha de pensamento, defende que um pouco de desemprego não é ruim para a economia. Nas medidas econômicas anunciadas pouco depois da posse, não trouxe tanta novidade, adotando um programa de austeridade já implementado em outros países e com resultados perversos em termos sociais. Depois da divulgação do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre, feita em 1º de junho pelo IBGE, o Ministério da Fazenda saiu a público para dizer que a implementação intempestiva das iniciativas anunciadas pelo governo deve iniciar o processo de recuperação da economia nos próximos trimestres. Basicamente, o programa econômico se fundamenta em controle de gastos, ou controle rígido e rigoroso da despesa, como afirmou o ministro Henrique Meirelles, que inclui nesse rigor setores diretamente ligados à área social, como educação e saúde. Medidas dessa natureza levarão não só a uma recessão econômica, mas social, avalia o professor João Sicsú, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E revelam intenções e pensamentos do governo de plantão. O Estado tem de estar mais presente em momentos de dificuldade. Aqui, a situação é invertida. O Estado se retira, e o setor privado também, aponta. Além de não ampliar os gastos sociais,
2 como já vinha sendo feito no governo Dilma, agora estão tentando comprimir os gastos. O economista e consultor Antonio Corrêa de Lacerda, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, concorda. Hoje, esse discurso da austeridade vai na contramão das experiências históricas. É nas crises que o Estado tem de gastar, afirma. Para ele, o governo Temer adotou o mantra do ajuste fiscal como solução para todos os problemas. E repete um erro já feito pelo ministro Joaquim Levy, no início do segundo mandato de Dilma Rousseff: fazer ajuste com a economia em baixa. Mas é um ajuste que pega uns e não outros, observa o professor Denis Maracci Gimenez, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit) da mesma instituição. Com o governo interino, reduz-se, sim, o papel do Estado nas áreas de proteção social. E mantém muito forte onde há uma maciça transferência de recursos públicos para o setor financeiro. Esse é o arranjo. Para ele, nenhuma das medidas anunciadas pelo governo é capaz de recuperar a economia ou garantir um sistema de proteção. Pelo contrário: Apontam crescente fragilização de políticas públicas, num quadro de estagnação. Se a ideia fosse de fato recuperar a economia, não se começaria por reformas da Previdência Social ou da legislação trabalhista, mas por uma discussão de uma estratégia nacional de desenvolvimento, envolvendo bancos públicos e o setor privado, na busca da recuperação do investimento. O governo, porém, acena com reformas. O próprio ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou em entrevista à agência de notícias Reuters que depois da Previdência o objetivo é mirar na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Eu não sei se aprova até o final do ano, mas a ideia é
3 aprovar as duas até o final do ano para entrar no ano novo com uma nova perspectiva, declarou. Entidades empresariais, que em bom número apoiaram a mudança de governo, fazem pressão para implementar a sempre pedida flexibilização da leis trabalhistas, como solução para o problema do desemprego. O professor da Unicamp contesta: Não há evidência empírica de que medidas de flexibilização do mercado de trabalho gerem emprego ou conduzam à recuperação da atividade econômica, diz. Neste momento, só aumentaria a falta de proteção social e debilitaria ainda mais a capacidade de arredacação fiscal. Ele receia que as ações deste governo aprofundem as dificuldades, que não são recentes. Nos últimos dois anos, o país entrou em uma situação de estagnação, e isso coloca em risco os avanços sociais da última década. Não estão sob ameaça, estão indo embora, concretamente. É o que ocorre, por exemplo, no mercado de trabalho, que sofre uma deterioração muito rápida, muito intensa, e vai prosseguir ao longo do ano. Juros Ao falar em controle de gasto público, o governo não menciona a verdadeira sangria de recursos: os juros. O que vem degradando as finanças públicas muito rapidamente é a política monetária, diz o economista da Unicamp. Não há nenhum motivo que impeça a redução da taxa de juros, afirma, lembrando que com a tendência de inflação menor, o juro real aumenta. Essa taxa está muito acima do nível de equilíbrio, acrescenta o professor Lacerda. Isso dificulta também uma eventual recuperação da indústria, que atualmente convive com um câmbio mais realista. Mas é preciso ter uma sinalização clara de que essa taxa (cambial) se manterá. O câmbio não para de pé sem seu coirmão, que é a taxa de juros.
4 Segundo ele, o ajuste já começou a ser feito via desemprego. E todas as sinalizações são de redução dos benefícios, o que denota uma visão conservadora da economia, sem a visão do papel multiplicador do investimento público. Está no DNA. Buscam atacar os falsos problemas, afirma, para quem o governo interino tem vícios de origem: Acha normal ter juro alto, cortar investimento, ter desemprego. É uma tese superada, mas está muito presente. É aquela fé cega no mercado. O economista também lembra dos efeitos da Operação Lava Jato, em que pese a importância do combate à corrupção. O problema da operação, a despeito de ser valiosa, é que no curto prazo ela travou a economia. É preciso que haja uma saída para punir os executivos e recuperar as empresas. Dizer que podem ser substituídas por empresas de fora é simplista. Não é mercado financeiro, que você troca papel por papel. Investimentos Em um cálculo preliminar, Sicsú estima que se regras anunciadas pelo governo interino tivessem sido aplicadas nos dez últimos anos, o país teria gasto aproximadamente R$ 200 bilhões a menos em saúde e R$ 300 bilhões a menos em educação. Para ele, está em curso um processo de transferência de renda para o setor empresarial e financeiro. Não se pensa em fazer nenhuma grande política de investimento público, diz, vendo ainda uma tentativa de estrangular o BNDES ao se propor a devolução de R$ 100 bilhões ao Tesouro até 2018, e lamentando a ideia de extinguir o Fundo Soberano. Seria bastante abastecido com recursos do présal. O pré-sal também está na mira. A tomar posse na presidência da Petrobras, em 2 de junho, Pedro Parente disse ser favorável ao fim da obrigatoriedade de investimento mínimo de 30% da empresa, dando apoio a
5 projeto do senador tucano e agora chanceler José Serra, combatido pelos trabalhadores e por setores nacionalistas. Mesmo o anunciado controle é, para Sicsú, mais uma mudança de composição de gastos, ao se aumentar de forma extravagante, anormal, a meta de déficit fiscal de R$ 96,7 bilhões para R$ 170,5 bilhões. Duvido muito que no governo Dilma se conseguisse alterar uma meta dessa forma, comenta o professor da UFRJ, para quem o governo, com uma meta tão larga, além de dar mais dinheiro a bancos e empreiteiras, ainda poderá posar de bom administrador fiscal. Os três economistas concluem que o chamado rentismo continua prevalecendo no país mesmo na gestão anterior. Desde o governo Dilma, precisaríamos de um programa de pequenas obras, colocar mais dinheiro para os mais pobres. A economia ficaria mais dinamizada, diz Sicsú. Empresário não gasta nada quando a economia está desacelerando. Trabalhador de baixa renda sempre gasta. A soma de arrocho salarial, redução do Estado, sequestro do orçamento e corte em programas sociais tem como consequência o crescimento da desigualdade, interrompendo e até revertendo uma trajetória positiva verificada em período recente. Mesmo que em algum momento a economia cresça, esse processo não resultará em distribuição de renda. Será à la ditadura, na definição de Sicsú, lembrando que em alguns anos o país cresceu em até dois dígitos, mas para poucos. Em uma imagem conhecida da época, esperava-se o bolo crescer para então dividi-lo. Naquele momento, observa, nunca dividiram, só cresceu. A culpa é do desempregado O diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, vê na crise atual um pretexto para jogar a conta nas costas do trabalhador. Seja para afirmar que ele é responsável pelo desemprego, por falta de qualificação, ou para dizer
6 que o movimento sindical não ajuda na busca de alternativas, recusando-se a aceitar a chamada flexibilização. O emprego é resultado da dinâmica econômica, afirmou, durante debate que reuniu as centrais sindicais justamente para debater a situação do mercado de trabalho. Em abril, a taxa nacional de desemprego atingiu recorde de 11,2%, com estimativa de 11,4 milhões de desempregados, Segundo o IBGE. Ele lembrou que no final de 2015 centrais e entidades empresariais aprovaram um Compromisso pelo Desenvolvimento, com sete diretrizes para retomada da economia. O documento lista itens como recuperação do setor da construção civil, afetado pela Operação Lava Jato Estamos acabando com um dos setores estratégicos da economia brasileira, da capacidade de investimento do Estado e do crédito para empresas e famílias, além de políticas de promoção e proteção ao emprego. Não é um problema de curta duração. Levaremos alguns anos para recuperar o nível de emprego de dois anos atrás, observa Clemente. O diálogo é o melhor caminho. Em documento recente, o Dieese lembra que a agenda de austeridade adotada ainda no final de 2014, antes da posse do governo Dilma, esteve longe de responder satisfatoriamente ao desafio de fazer a economia crescer e o emprego se recuperar. (Vitor Nuzzi RBA)
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