Terapia cognitivo-comportamental: origens teóricas, fundamentos e técnicas
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- Ian Graça Arruda
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1 CAPÍTULO UM Terapia cognitivo-comportamental: origens teóricas, fundamentos e técnicas Terapia cognitivo-comportamental (TCC) é um termo utilizado para descrever as intervenções psicoterapêuticas que visam reduzir o sofrimento psicológico e o comportamento desajustado, alterando processos cognitivos (Kaplan et al., 1995). A terapia cognitivo-comportamental é baseada no pressuposto subjacente de que o afeto e o comportamento são, em grande parte, um produto de cognições e, assim, as intervenções cognitivas e comportamentais podem causar mudanças no pensamento, no sentimento e no comportamento (Kendall, 1991). Portanto, a TCC abarca os elementos essenciais tanto das teorias cognitivas como comportamentais e foi definida por Kendall e Hollon (1979) como buscando: preservar a eficácia das técnicas comportamentais, mas em um contexto menos doutrinário que leva em conta as interpretações cognitivas e as atribuições da criança sobre os eventos. Há um interesse crescente na utilização da TCC com crianças e adolescentes. Esse interesse foi encorajado por uma série de críticas que concluíram que a TCC é uma intervenção promissora e efetiva para o tratamento de problemas psicológicos infantis (Kazdin e Weisz, 1998; Roth e Fonagy, 1996; Wallace et al., 1995). Foi descoberto que a TCC é efetiva no tratamento de transtornos de ansiedade generalizada (Kendall, 1994; Kendall et al., 1997; Silverman et al., 1999a), transtornos depressivos (Harrington et al., 1998; Lewinsohn e Clarke, 1999), problemas interpessoais e fobia social (Spence e Donovan, 1998; Spence et al., 2000), fobias (Silverman et al., 1999b), rejeição à escola (King et al., 1998), abuso sexual (Cohen e Mannarino, 1996, 1998) e no controle da dor (Sanders et al., 1994). Além disso, argumentou-se que ela produz efeitos positivos em muitos outros problemas, incluindo a conduta adolescente (Herbert, 1998), a alimentação (Schmidt, 1998), o estresse pós-traumático (March et al., 1998; Smith et al., 1999) e os transtornos obsessivo-compulsivos (March, 1995; March et al., 1994). A terapia cognitivo-comportamental enfoca o relacionamento entre os seguintes elementos: cognições (o que pensamos) afeto (como nos sentimos) comportamento (o que fazemos) A terapia cognitivo-comportamental demonstrou efeitos positivos no tratamento de uma série de problemas psicológicos infantis comuns. 11
2 BONS PENSAMENTOS BONS SENTIMENTOS Os fundamentos empíricos da terapia cognitivo-comportamental A base teórica da terapia cognitivo-comportamental evoluiu por uma série de influências de pesquisa significativas. A crítica dessa pesquisa está além dos objetivos deste livro, embora seja importante observar algumas das abordagens e conceitos fundamentais que alicerçaram e formataram a terapia cognitivo-comportamental. Uma das primeiras influências foi a de Pavlov e do condicionamento clássico. Pavlov destacou como, com combinações repetidas, respostas de ocorrência natural (p. ex., a salivação) podiam ser associadas (isto é, condicionadas) com estímulos específicos (p. ex., o som de um sino). Essa pesquisa demonstrou que as respostas emocionais (p. ex., o medo) podiam se tornar condicionadas a eventos e situações específicos. As respostas emocionais podem se tornar condicionadas a eventos específicos. O condicionamento clássico foi estendido para o comportamento humano e para problemas clínicos por Wolpe (1958), que desenvolveu o procedimento da dessensibilização sistemática. Pela combinação de estímulos indutores de medo com um segundo estímulo que produz uma resposta antagônica (isto é, relaxamento), a resposta de medo pode ser inibida. Agora, o procedimento é utilizado amplamente na prática clínica e envolve a exposição gradual, tanto in vivo como imaginária, a uma hierarquia de situações temidas enquanto o sujeito permanece relaxado. As respostas emocionais podem ser inibidas. A segunda maior influência comportamental foi a obra de Skinner (1974), que destacou o papel significativo das influências ambientais no comportamento. Isso se tornou conhecido como condicionamento operante e enfocava o relacionamento entre os antecedentes (condições desencadeadoras), as conseqüências (reforço) e o comportamento. Em essência, se um certo comportamento aumenta de freqüência, porque é seguido de conseqüências positivas ou não é seguido de conseqüências negativas, então ele foi reforçado. O comportamento é afetado por antecedentes e conseqüências. As conseqüências que aumentam a probabilidade de um comportamento são reforçadoras. Alterar os antecedentes e as conseqüências pode resultar em mudanças no comportamento. 12 Uma extensão importante da terapia comportamental, que considera o papel mediador dos processos cognitivos, foi proposta por Albert Bandura (1977), com o desenvolvimento da teoria da aprendizagem social. A importância do ambiente foi reconhecida ao mesmo tempo em que se destacou o efeito mediador das cognições que intervêm no estímulo e na resposta. A teoria enfatizava que a aprendizagem poderia ocorrer pela observação de outra pessoa e propunha um modelo de autocontrole com base na auto-observação, na auto-avaliação e no auto-reforço.
3 Um enfoque mais significativo sobre as cognições emergiu do trabalho de Meichenbaum (1975) e do desenvolvimento de treinamento auto-instrucional. Essa abordagem destacava o conceito de que grande parte do comportamento está sob o controle de pensamentos ou do diálogo interior. Mudar as auto-instruções pode levar ao desenvolvimento de técnicas de autocontrole mais apropriadas. O modelo adota uma perspectiva de desenvolvimento e reflete o processo pelo qual as crianças aprendem a controlar seu comportamento. Foi descrito um processo de quatro etapas envolvendo observar outra pessoa realizando uma tarefa, ser orientado verbalmente na mesma tarefa por outra pessoa, recitar a orientação em voz alta durante a tarefa e, finalmente, sussurrar as instruções/ fala silenciosa. O comportamento é influenciado por eventos e processos cognitivos. Mudar os processos cognitivos pode levar a mudanças no comportamento. A ligação entre emoções e cognições foi delineada por Albert Ellis (1962) na terapia racional-emotiva. Esse modelo propunha que a emoção e o comportamento surgem da maneira como os eventos são construídos, não pelo evento per se. Assim, os eventos ativadores (A) são avaliados em relação às crenças (B), o que resulta em conseqüências emocionais (C). As crenças podem ser racionais ou irracionais, com os estados emocionais negativos tendendo a surgir das crenças irracionais e sendo mantidos por elas. O papel das cognições desadaptativas ou distorcidas no desenvolvimento e na manutenção da depressão foi desenvolvido pelo trabalho de Aaron Beck, culminando na publicação de Cognitive Therapy for Depression (Beck, 1976; Beck et al., 1979). O modelo propõe que os pensamentos desadaptativos sobre o self, o mundo e o futuro (tríade cognitiva) resultam em distorções cognitivas que criam afeto negativo. É dedicada atenção particular a pressupostos ou esquemas básicos ou seja, as crenças razoavelmente fixas desenvolvidas na infância em relação às quais os eventos são avaliados. Uma vez ativadas, essas crenças centrais produzem uma gama de pensamentos automáticos. Os pensamentos e crenças automáticos podem estar sujeitos a uma variedade de distorções ou erros lógicos, com mais cognições negativas sendo associadas ao humor depressivo. O afeto emocional é influenciado pelas cognições. As crenças/esquemas irracionais ou cognições negativas associam-se ao afeto negativo. Alterar os processos cognitivos pode levar a mudanças no afeto. O relacionamento entre os processos cognitivos e outros estados emocionais e problemas psicológicos foi agora documentado (Beck et al., 1985; Hawton et al., 1989). O interesse mais recente levou à exploração ulterior do relacionamento entre as crenças e os esquemas no desenvolvimento e na manutenção de problemas psicológicos. Isso é apreendido pelo trabalho com esquemas de Young (1990), que propôs que os esquemas cognitivos desadaptativos formados durante a infância levam a padrões de comportamento de auto-sabotagem, os quais são repetidos ao longo da vida. Os esquemas desadaptativos são associados a certos estilos parentais e se desenvolvem caso as necessidades emocionais básicas da criança não são satisfeitas. Têm sido relatadas evidências que apóiam a presença de 15 esquemas primários (Schmidt et al., 1995). 13
4 BONS PENSAMENTOS BONS SENTIMENTOS Esquemas cognitivos desadaptativos desenvolvem-se durante a infância e podem estar associados aos estilos parentais. Ainda é necessária uma validação empírica dessa previsão. Entretanto, se comprovada, estabeleceria um desafio excitante para aqueles que trabalham com a infância, para identificar se processos cognitivos adaptativos podem ser promovidos, e futuros problemas de saúde mental, minimizados. O modelo cognitivo A terapia cognitivo-comportamental preocupa-se em entender como os eventos e as experiências são interpretados e como identificar e mudar as distorções ou déficits que ocorrem no processamento cognitivo. Baseada amplamente no trabalho de Aaron Beck, a maneira pela qual os processos cognitivos disfuncionais são adquiridos, ativados e afetam o comportamento e as emoções é resumida no modelo de diagrama apresentado na Figura 1.1. Postula-se que as experiências precoces e os cuidados parentais levam ao desenvolvimento de maneiras de pensar fixas e rígidas (i. e., crenças/esquemas centrais). Informações e experiências novas são avaliadas em relação a Crenças centrais/esquemas cognitivos formados durante a infância pelas experiências Eventos importantes ativam crenças centrais/esquemas cognitivos Crenças centrais/esquemas cognitivos desencadeiam pressupostos cognitivos Pressupostos produzem pensamentos automáticos Pensamentos automáticos geram respostas Respostas emocionais Respostas comportamentais Respostas somáticas Figura 1.1 O modelo cognitivo. 14
5 essas crenças/esquemas centrais (p. ex., tenho que ter sucesso ), e a informação que as reforça e mantém é selecionada e filtrada. As crenças/os esquemas são desencadeados ou ativados por eventos importantes (p. ex., fazer exames), os quais levam a uma série de pressupostos (p. ex., só conseguirei notas boas se estudar o dia inteiro ). Por sua vez, estes dão lugar a um fluxo de pensamentos automáticos relacionados à pessoa ( devo ser estúpido ), a seu desempenho ( não estou dando duro o bastante ) e ao futuro ( não passarei nesses exames e nunca chegarei à universidade ), e são freqüentemente referidos como a tríade cognitiva. Os pensamentos automáticos podem resultar em mudanças emocionais (p. ex., ansiedade, estresse), comportamentais (p. ex., imobilidade, trabalho constante) e somáticas (p. ex., perda de apetite, dificuldade para dormir). Déficits e distorções cognitivas A terapia cognitivo-comportamental supõe que a psicopatologia resultada de anormalidades no processamento cognitivo. Em particular, presume-se que as dificuldades sejam associadas com déficits ou distorções cognitivas. Foram relatadas distorções cognitivas em crianças com uma série de dificuldades. Descobriu-se que as crianças com transtornos cognitivos percebem erradamente eventos ambíguos como ameaçadores (Kendall et al., 1992). Elas tendem a ser excessivamente autofocadas e hipercríticas, e a relatar níveis aumentados de diálogo interno e expectativas negativas (Kendall e Panichelli-Mindel, 1995). Da mesma forma, as crianças agressivas percebem mais intenções agressivas em situações ambíguas e atêm-se seletivamente a menos pistas ao tomarem decisões sobre a intenção do comportamento de outra pessoa (Dodge, 1985). Foi descoberto que as crianças deprimidas fazem mais atribuições negativas do que as nãodeprimidas e têm mais probabilidade de atribuir os eventos negativos a causas internas estáveis e os eventos positivos a causas externas instáveis (Bodiford et al., 1988; Curry e Craighead, 1990). Elas têm percepções distorcidas do próprio desempenho e dão atenção aos aspectos negativos dos eventos seletivamente (Kendall et al., 1990; Leitenberg et al., 1986; Rehm e Carter, 1990). As intervenções que se referem às distorções cognitivas preocupam-se em aumentar a consciência da criança sobre cognições, crenças e esquemas disfuncionais e irracionais e em facilitar o seu entendimento dos efeitos destes sobre o comportamento e as emoções. Tipicamente, os programas envolvem alguma forma de automonitoramento, identificação de cognições desadaptadas, verificação de pensamento e reestruturação cognitiva. Foram descobertos déficits nos processos cognitivos, como a incapacidade de engajar-se no planejamento da ação ou na resolução de problemas, em crianças e adolescentes com problemas de autocontrole, como o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), e também em crianças com dificuldades interpessoais (Kendall, 1993; Spence e Donovan, 1998). Por exemplo, observouse que crianças agressivas têm capacidades limitadas de resolução de problemas e geram menos soluções verbais para dificuldades (Lochman et al., 1991; Perry et al., 1986). Descobriu-se que as crianças com fobia social apresentam déficits de habilidades sociais, e as anti-sociais demonstram capacidades de percepção social ruins (Chandler, 1973; Spence et al., 1999). As intervenções da terapia cognitivo-comportamental que se referem aos déficits cognitivos preocupam-se primariamente com o ensino de novas capaci- 15
6 BONS PENSAMENTOS BONS SENTIMENTOS dades cognitivas e comportamentais. Com freqüência, os programas envolvem resolução de problemas sociais, aprendizado de novas estratégias cognitivas (p. ex., treinamento auto-instrutivo e diálogo interno positivo/encorajador), prática e auto-reforço. Entender como crianças e adolescentes interpretam cognitivamente eventos e experiências é uma exigência fundamental da terapia cognitivo-comportamental e deveria informar a natureza da intervenção cognitiva oferecida. Entretanto, sabe-se relativamente pouco sobre os déficits ou as distorções cognitivas que alicerçam muitos problemas infantis. Os avanços no trabalho com adultos que sofrem de estresse pós-traumático e transtornos obsessivo-compulsivos destacam a importância de entender a forma como o trauma ou a compulsão é avaliado (Ehlers e Clark, 2000; Salkovskis, 1999). O transtorno de estresse póstraumático (TEPT) persistente pode estar associado a processos cognitivos distorcidos, que resultam na avaliação do trauma como uma séria ameaça corrente (Ehlers e Clark, 2000). Da mesma forma, as cognições que alicerçam muitos transtornos obsessivo-compulsivos relacionam-se a cognições e estimativas distorcidas a respeito de uma responsabilidade exagerada por danos (Salkovskis, 1999). Ainda não foi determinado se essas distorções também se aplicam às crianças, mas obviamente é necessário mais trabalho para melhorar o nosso entendimento dos processos cognitivos que subjazem aos problemas e transtornos psicológicos dessa faixa etária. As crianças com problemas psicológicos apresentam déficits e distorções cognitivas. Há necessidade de entender mais sobre os processos cognitivos associados aos problemas psicológicos nas crianças. Características essenciais da terapia cognitivo-comportamental O termo terapia cognitivo-comportamental é utilizado para descrever uma gama de intervenções diferentes, embora elas freqüentemente compartilhem uma série de aspectos essenciais (Fennel, 1989). A TCC é determinada teoricamente A terapia cognitivo-comportamental é baseada em modelos testáveis empiricamente, que fornecem os fundamentos para a intervenção (i. e., o afeto e o comportamento são determinados amplamente pelas cognições), além do enfoque e da natureza da intervenção (i. e., desafiar as distorções ou retificar as deficiências). A terapia cognitivo-comportamental é uma intervenção racional e coesa não simplesmente uma coleção de técnicas díspares. A TCC é baseada em um modelo colaborativo 16 Um aspecto fundamental da terapia cognitivo-comportamental é o processo de colaboração pelo qual ocorre. O jovem tem um papel ativo na identificação das suas metas, estabelecendo alvos, experimentando, praticando e monitorando seu desempenho. A abordagem é projetada para facilitar um autocontrole maior e
7 mais efetivo, com o terapeuta fornecendo uma estrutura de apoio para que isso ocorra. Seu papel é desenvolver uma parceria na qual o jovem é capacitado a atingir um melhor entendimento dos seus problemas e a descobrir maneiras alternativas de pensar e comportar-se. A TCC tem uma duração limitada Ela é breve e de duração limitada, freqüentemente consistindo em não mais de 16 sessões e, em muitos casos, bem menos do que isso. A natureza breve da intervenção promove a independência e encoraja a auto-ajuda. Esse modelo é prontamente aplicável ao trabalho com crianças e adolescentes, para os quais o período típico de intervenção é consideravelmente mais breve do que para os adultos. A TCC é objetiva e estruturada É uma abordagem objetiva e estruturada que guia o jovem por meio de um processo de averiguação, formulação de problemas, intervenção, monitoramento e avaliação. As metas e os alvos da intervenção são definidos explicitamente e revistos regularmente. Há uma ênfase na quantificação e na utilização de classificações (p. ex., a freqüência de comportamentos inadequados, o vigor das crenças em pensamentos disfuncionais ou o grau de sofrimento vivenciado). O monitoramento e a revisão regular fornecem um meio de avaliar o progresso pela comparação do desempenho atual em relação a avaliações iniciais. A TCC tem um enfoque no aqui e agora As intervenções da terapia cognitivo-comportamental enfocam o presente, lidando com problemas e dificuldades atuais. Elas não procuram descobrir traumas precoces inconscientes ou as contribuições biológicas, neurológicas e genéticas para a disfunção, mas, em vez disso, empenham-se em construir uma maneira nova e mais adaptativa para processar o mundo (Kendall e Panichelli-Mindel, 1995). Essa abordagem tem um alto valor manifesto para as crianças e os adolescentes, os quais podem estar mais interessados e motivados em tratar de questões do aqui e agora, em tempo real, em vez de entender suas origens. A TCC é baseada em um processo orientado de autodescoberta e experimentação Ela é um processo ativo que encoraja o autoquestionamento e o desafio de pressupostos e crenças. O cliente não é simplesmente um receptor passivo dos conselhos ou das observações do terapeuta, mas é encorajado a desafiar e aprender por meio de um processo de experimentação. A validade de pensamentos, pressupostos e crenças é testada, explicações alternativas são descobertas, e maneiras novas de estimar os eventos e de comportar-se são experimentadas e avaliadas. A TCC é uma abordagem baseada nas habilidades A TCC fornece uma abordagem prática, baseada nas habilidades, para aprender padrões alternativos de pensamento e comportamento. Os jovens são encoraja- 17
8 BONS PENSAMENTOS BONS SENTIMENTOS dos a praticar na sua vida cotidiana as habilidades e idéias discutidas durante as sessões terapêuticas, sendo as tarefas de casa um elemento essencial de muitos programas. A TCC é determinada teoricamente. É baseada em um modelo de colaboração ativa. É breve e de duração limitada. É objetiva e estruturada. Enfoca problemas atuais. Encoraja a autodescoberta e a experimentação. Defende uma abordagem de aprendizagem baseada nas habilidades. A meta da terapia cognitivo-comportamental O propósito geral da terapia cognitivo-comportamental é aumentar a autoconsciência, facilitar o auto-entendimento e melhorar o autocontrole pelo desenvolvimento de habilidades cognitivas e comportamentais mais apropriadas. A TCC ajuda a identificar pensamentos e crenças disfuncionais predominantemente negativos, enviesados e autocríticos. Os processos de automonitoramento, educação, experimentação e testagem (ou verificação) resultam na substituição desses pensamentos e crenças por cognições mais positivas, equilibradas e funcionais, que reconhecem as capacidades e os sucessos. Os déficits cognitivos e comportamentais são identificados, e novas habilidades cognitivas de resolução de problemas e maneiras de comportar-se são aprendidas, testadas, avaliadas e fortalecidas. É desenvolvido um entendimento maior da natureza e das razões subjacentes aos sentimentos desagradáveis, à medida que eles são substituídos por emoções mais agradáveis. Finalmente, novas habilidades cognitivas e comportamentais permitem que situações novas e difíceis sejam enfrentadas com sucesso, de maneira mais adequada. O processo ajuda a levar o jovem de um ciclo disfuncional para um mais funcional, conforme ilustrado na Figura 1.2. Ciclo disfuncional Pensamentos Exageradamente negativos Autocríticos Seletivos e enviesados Ciclo funcional Pensamentos Mais positivos Reconhecem o sucesso Equilibrados, reconhecem capacidades Comportamento Evitativo Pouco determinado Inapropriado Sentimentos Incomodado Ansioso Deprimido Enraivecido Comportamento Confrontador Persistente Adequado Sentimentos Contente Relaxado Feliz Calmo Figura 1.2 Ciclos funcionais e disfuncionais. 18
9 Os componentes centrais das intervenções cognitivo-comportamentais Devido à variedade de influências que contribuíram para o desenvolvimento da terapia cognitivo-comportamental, não é surpreendente que ela tenha se tornado um termo genérico, usado para descrever uma gama de técnicas e estratégias, utilizadas em seqüências e permutações diferentes. Os componentes específicos da intervenção devem ser determinados pela formulação do problema, a qual irá informar o enfoque e a natureza do programa. As intervenções devem ser especí- Formulação e psicoeducação Entendendo a ligação entre pensamentos, sentimentos e comportamento COGNIÇÕES Monitoramento do pensamento Identificação de: pensamentos automáticos negativos, crenças/esquemas centrais e pressupostos disfuncionais Identificação de distorções e déficits cognitivos Cognições, pressupostos e crenças disfuncionais comuns Padrões de distorções cognitivas Déficits cognitivos Avaliação do pensamento Testando e avaliando cognições Reestruturação cognitiva Desenvolvimento do pensamento equilibrado Desenvolvimento de habilidades cognitivas novas Distração, diários positivos, diálogo interno positivo e de enfrentamento Treinamento auto-instrucional, pensamento conseqüencial, habilidades de resolução de problemas COMPORTAMENTO EMOÇÕES Monitoramento da atividade Ligue atividade, pensamentos e sentimentos Identifique reforços mantenedores Planejamento de metas Identifique e acorde metas Estabelecimento de alvos Exercite as tarefas Aumente as atividades agradáveis Reagendamento de atividades Experimentos comportamentais Teste previsões/pressupostos Educação afetiva Distinga entre as emoções essenciais Identifique os sintomas fisiológicos Monitoramento afetivo Ligue o sentimento com os pensamentoseocomportamento Escalas para classificar a intensidade Controle do afeto Habilidades novas (por ex., relaxamento, controle da raiva) Exposição gradual/prevenção da resposta Aprenda habilidades/comportamentos novos Role play Modelação Ensaio Reforços e recompensas Auto-reforço, cartões de estrelinhas, contratos de contingência Figura 1.3 A caixa de ferramentas do clínico. 19
10 BONS PENSAMENTOS BONS SENTIMENTOS ficas para problemas particulares e necessidades individuais da criança, em vez de serem feitas com uma abordagem padronizada, como um livro de culinária. Embora essa flexibilidade seja louvável, também leva à confusão a respeito de quais intervenções são TCC e quais não são. As abordagens defendidas como situadas nesse conceito genérico variam consideravelmente na sua ênfase sobre as intervenções cognitivas ou comportamentais e, às vezes, pode ser difícil identificar o componente cognitivo. Por exemplo, as intervenções com crianças e adolescentes com transtorno obsessivo-compulsivo tendem a ter uma orientação primariamente comportamental, enfatizando a psicoeducação, o controle da ansiedade, a exposição gradual e a prevenção da resposta (March, 1995). O componente cognitivo tende a ser extremamente limitado e pode se basear extensamente em um conjunto de estratégias cognitivas (p. ex., o diálogo interno positivo ou o treinamento de auto-instrução). Ainda que a ênfase relativa sobre os elementos cognitivos e comportamentais e os componentes específicos do tratamento variem com freqüência, incluem muitos dos seguintes elementos: Formulação e psicoeducação Um componente básico de todos os programas cognitivo-comportamentais envolve a educação sobre a ligação entre pensamentos, sentimentos e comportamento. O processo implica desenvolver um entendimento claro e compartilhado do relacionamento entre como as pessoas pensam, como sentem e o que fazem. Monitoramento do pensamento Uma tarefa fundamental é a identificação de cognições e padrões de pensamento comuns. O monitoramento do pensamento pode enfocar crenças centrais, pensamentos negativos automáticos ou pressupostos disfuncionais e envolve lembrar de situações tensas (i. e., aquelas que produzem uma mudança emocional forte ou pensamentos excessivamente negativos ou autocríticos). A tríade cognitiva fornece uma maneira útil de estruturar e organizar a informação e avaliar os pensamentos dos jovens sobre si mesmos, o seu mundo e o que fazem. Identificação de distorções e déficits cognitivos O processo de monitoramento do pensamento oferece uma oportunidade de identificar cognições negativas ou disfuncionais e crenças e pressupostos irracionais comuns. Isso resulta no aumento da consciência da natureza e do tipo das distorções cognitivas (p. ex., catastrofização, abstração seletiva), dos déficits cognitivos (p. ex., má interpretação das pistas dos outros como negativas, gama limitada de habilidades de resolução de problemas) e do efeito destes sobre o humor e o comportamento. Avaliação do pensamento e desenvolvimento de processos cognitivos alternativos 20 A identificação de processos cognitivos disfuncionais leva à verificação e à avaliação sistemática desses pressupostos e crenças e à aprendizagem de habilidades cognitivas alternativas. É encorajado o desenvolvimento de um processo de pen-
11 samento equilibrado ou reestruturação cognitiva. Isso pode envolver um processo de procurar uma informação nova, pensar a partir da perspectiva de outra pessoa ou buscar evidências contraditórias, o que resulta na revisão das cognições disfuncionais. A avaliação é a oportunidade de desenvolver cognições alternativas, mais equilibradas e funcionais, as quais reconhecem dificuldades, mas também as capacidades e os sucessos. Aprender habilidades cognitivas novas Com freqüência, os programas envolvem o ensino de habilidades cognitivas novas. A gama de habilidades é enorme e poderia incluir distração, diálogo interno positivo, treinamento auto-instrutivo, pensamento conseqüencial e habilidades de resolução de problemas. Educação afetiva A maioria dos programas envolve educação emocional projetada para identificar e distinguir emoções essenciais, como a raiva, a ansiedade e a infelicidade. Com freqüência, eles enfocam as mudanças fisiológicas associadas a essas emoções (p. ex., secura da boca, suor nas mãos, aceleração dos batimentos cardíacos), para facilitar uma consciência maior das próprias expressões pessoais de emoção da criança. Monitoramento afetivo O monitoramento de emoções fortes ou dominantes pode ajudar a identificar momentos, lugares, atividades ou pensamentos que são associados tanto a sentimentos agradáveis como a desagradáveis. São utilizadas escalas para classificar a intensidade da emoção durante as situações da vida real e das sessões de tratamento e fornecer uma maneira objetiva de monitorar o desempenho e avaliar a mudança. Controle afetivo Os programas que tratam de problemas nos quais há níveis altos de excitação, como a ansiedade, as fobias e o estresse pós-traumático, geralmente fornecem treinamento de relaxamento. Isso pode envolver técnicas como o relaxamento muscular progressivo, o controle da respiração ou a imaginação calmante. A maior consciência do padrão emocional único do indivíduo pode levar ao desenvolvimento de estratégias preventivas. Por exemplo, uma consciência do acúmulo de raiva pode permitir que um jovem pare a progressão emocional no estágio inicial e, assim, previna explosões agressivas. Estabelecimento de alvos e reagendamento de atividades O estabelecimento de alvos é uma parte inerente a todos os programas cognitivocomportamentais. As metas gerais da terapia são acordadas e definidas conjuntamente, de forma que possam ser avaliadas com objetividade. A transferência de 21
12 BONS PENSAMENTOS BONS SENTIMENTOS habilidades das sessões terapêuticas para a vida cotidiana é encorajada pela utilização sistemática de tarefas designadas. A conquista de alvos especificados é revista e fornece uma visão geral do progresso. Os alvos podem envolver aumentar as atividades que produzem emoções mais agradáveis ou reagendar a vida cotidiana para prevenir ou minimizar aquelas atividades que estão associadas com emoções desagradáveis fortes. Experimentos comportamentais A terapia cognitivo-comportamental é baseada em um processo de descoberta orientada durante o qual os pressupostos e pensamentos são desafiados e testados. Isso implica o estabelecimento de experimentos comportamentais para determinar se o que acontece é semelhante ao que foi previsto. Exposição Um processo de exposição gradual, projetado para facilitar o domínio de imagens ou situações difíceis, está incluído na maioria dos programas. São definidas as situações problemáticas, a tarefa geral é analisada em passos menores e, então, cada um deles é classificado em uma hierarquia de dificuldade crescente. Começando com o menos difícil, o cliente é exposto a cada passo da hierarquia, in vivo ou na imaginação. Uma vez que uma etapa tenha sido completada com sucesso, passa-se para a próxima, progredindo pela hierarquia até que o problema tenha sido dominado. Role play, modelação e ensaio A aprendizagem de habilidades e comportamentos novos pode ser atingida de diversas maneiras. O role play fornece uma oportunidade de lidar com situações difíceis ou desafiadoras, como suportar a provocação. Ele permite que habilidades positivas sejam identificadas e soluções alternativas ou habilidades novas sejam destacadas. Um processo de fortalecimento de habilidades pode facilitar a aquisição de habilidades e comportamentos novos. Então, observar os outros modelando comportamentos adequados ou habilidades pode resultar no ensaio de um novo comportamento na imaginação, antes de ele ser praticado na vida real. Reforço e recompensa Um referencial de todos os programas cognitivo-comportamentais é o reforço positivo do comportamento adequado. Isso pode tomar a forma de auto-reforço por exemplo, cognitivamente ( muito bem, suportei bem aquela situação ), materialmente (comprar um CD especial) ou por atividades específicas (um banho relaxante especial). O reforço positivo dos outros, particularmente dos responsáveis, é importante para as crianças mais novas e pode ser encorajado pela utilização de cartões de estrelinhas, contratos de contingência ou sistemas de créditos simbólicos. 22
13 O equilíbrio entre as intervenções cognitivas e comportamentais varia consideravelmente nos programas de TCC. Os componentes essenciais de muitos programas de TCC incluem os seguintes: monitoramento dos pensamentos, sentimentos e/ou comportamentos; psicoeducação e formulação de problemas; identificação, desafio e verificação de cognições; desenvolvimento de habilidades cognitivas novas; aprendizado de maneiras alternativas de controlar a ansiedade ou as emoções desagradáveis; aprendizado de comportamentos novos; estabelecimento de alvos e designação de exercícios para casa; reforço positivo. Nota de advertência Embora o interesse crescente na utilização da terapia cognitivo-comportamental com crianças e adolescentes seja bem-vindo, é importante reconhecer que as evidências e a base teórica para essa clientela são mais limitadas do que para os adultos. Evidência para a efetividade Até hoje foram relatadas poucas tentativas de tratamentos bem-projetados com crianças. Realizou-se uma série de estudos iniciais demonstrando a efetividade da terapia cognitivo-comportamental com voluntários, que podem não ser tão gravemente prejudicados quanto a clientela clínica (Weisz et al., 1995). Comparativamente, realizou-se pouca avaliação de populações clínicas que possam também apresentar múltiplas condições co-mórbidas. Raramente foi feita a replicação em lugares diferentes e por outras equipes clínicas e de pesquisa para demonstrar a aplicabilidade das intervenções definidas de TCC. Foram realizadas relativamente poucas tentativas controladas aleatórias (Harrington et al., 1998; Kazdin e Weisz, 1998), e faltam evidências demonstrando a efetividade da TCC a médio e longo prazos (Graham, 1998). Em conclusão, os resultados de tentativas de tratamento controlados aleatoriamente sugerem que a TCC é mais efetiva do que não fazer nenhuma intervenção (i. e., grupos de controle e listas de espera), embora sua superioridade em relação a outras intervenções psicoterapêuticas ainda tenha que ser demonstrada consistentemente. Modelos teóricos apropriados em termos de desenvolvimento A base teórica da TCC e os modelos de intervenção foram desenvolvidos amplamente no trabalho com adultos. Ainda que esses modelos e técnicas tenham sido aplicados a crianças e adolescentes, são necessárias mais pesquisas para confirmar se são adequados para esse grupo etário. Por exemplo, em que idade as crianças desenvolvem cognições distorcidas? As crianças que sofrem traumas fazem as mesmas estimativas que os adultos? 23
14 BONS PENSAMENTOS BONS SENTIMENTOS A terapia cognitivo-comportamental também se alicerça na premissa de que as intervenções são baseadas em modelos teóricos subjacentes testáveis, que vinculam comportamentos e emoções problemáticos aos processos cognitivos. A filtragem de modelos derivados de adultos para crianças tem resultado em modelos cognitivos teoricamente apropriados em termos de desenvolvimento para explicar problemas emocionais e comportamentais em crianças e adolescentes, que são comparativamente ainda menos desenvolvidos. Avaliar as mudanças nos processos cognitivos O sucesso da TCC na realização de mudanças no comportamento e nas emoções depende da alteração dos processos cognitivos (Spence, 1994). Embora possa haver ocasiões em que as intervenções cognitivas têm sucesso sem a suposição de que a psicopatologia é um resultado direto de habilidades cognitivas deficientes, é importante focalizar mais os resultados cognitivos. Até hoje, os estudos da TCC tiveram ênfase amplamente na avaliação de resultados comportamentais, sendo raramente avaliadas diretamente as mudanças postuladas nos processos cognitivos. Isso levou Durlak e colaboradores (1991) a concluírem que: seria desconcertante descobrir que as variáveis cognitivas enfatizadas nos programas da TCC não estão relacionadas aos resultados de alguma maneira. O desafio para os pesquisadores é desenvolver maneiras apropriadas de avaliar as cognições das crianças. Isso aumentará o entendimento dos déficits e/ ou distorções subjacentes aos problemas psicológicos infantis e permitirá a verificação da premissa de que a TCC resulta em mudanças nos processos cognitivos. Definição da TCC com crianças A quarta questão é a da definição e da necessidade de esclarecer o que acarreta a terapia cognitivo-comportamental com crianças. Como destacado por Graham (1998), a TCC inclui uma gama diversa e ampla de técnicas e, às vezes, é difícil identificar os elementos essenciais e compartilhados desses programas. Por vezes, o componente cognitivo é mínimo ou está limitado a uma técnica específica, como o diálogo interno de enfrentamento, sendo comportamental a ênfase predominante da maioria dos programas. Agrupar esses programas diversos sob a denominação geral de terapia cognitivo-comportamental pode parecer questionável. Essa falta de especificidade gera confusão, e a questão de se a TCC é uma intervenção efetiva permanecerá sem resposta, a menos que os elementos essenciais desses programas sejam definidos. É necessário mais trabalho para: demonstrar a efetividade a longo prazo da TCC com grupos clínicos; desenvolver modelos teóricos apropriados em termos de desenvolvimento; avaliar supostas mudanças nos processos cognitivos; definir os aspectos fundamentais da TCC com crianças. 24
15 Em suma, embora as evidências disponíveis sugiram que a TCC pode trazer uma contribuição importante para o tratamento de uma ampla gama de problemas emocionais e comportamentais, é necessária mais pesquisa bem-projetada com populações clínicas. Há uma necessidade de criar modelos cognitivos apropriados em termos de desenvolvimento e definir mais precisamente o que acarreta a terapia cognitivo-comportamental com crianças. Isso também ajudará a determinar que componentes específicos da TCC oferecidos em qual seqüência ou combinação produzem que mudanças em que esferas de resultados (Durlak et al., 1991). 25
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