Álgebra de Boole. João Paulo Cerquinho Cajueiro 19 de agosto de 2009
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- Henrique Clementino Capistrano
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1 Álgebra de Boole João Paulo Cerquinho Cajueiro 19 de agosto de 2009 A álgebra de Boole foi desenvolvida por George Boole( ) em seu livro An Investigation of the Laws of Thought on Which are Founded the Mathematical Theories of Logic and Probabilities de Ela buscava uma base matemática formal para a lógica e probabilidade e passou um longo tempo sendo conhecida apenas por matemáticos, sem encontrar uma utilidade prática. Foi, de certo modo, descoberta por Claude Shannon( ), que a utilizou em sua tese de mestrado A Symbolic Analysis of Relay and Switching Circuits em 1937 para desenvolver circuitos elétricos que realizassem funções lógicas. 1 Postulados Pensando em probabilidade, a idéia básica da álgebra booleana é de utilizar conceitos de álgebra para expressar questões de probabilidade ou de lógica. Neste sentido o número 1 expressa o conceito lógico de verdadeiro ou o conceito probabilístico (ou melhor, de teoria de conjuntos) de todo o espaço amostral, o 0 é o equivalente lógico de falso ou de conjunto nulo, a soma + equivale ao ou lógico e a união ( ) de conjuntos e a multiplicação equivale a operação lógica e e a intersecção ( ) de conjuntos. Os potulados são feitos de modo a garantir esta equivalência. Postulado 1 Operações: A álgebra de Boole tem um conjunto K de 2 ou mais valores e duas operações: e +, de modo que para todo a, b pertencentes a K: Postulado 2 Valores Neutros: Existem valores 0 e 1 tais que: a b K a + b K (P1) a + 0 = a a 1 = 1 (P2) Postulado 3 comutatividade: a + b = b + a a b = b a (P3) 1
2 Postulado 4 associatividade: a + (b + c) = (a + b) + c a (b c) = (a b) c (P4) Postulado 5 distributividade: a + (b c) = (a + b) (a + c) a (b + c) = (a b) + (a c) (P5) Postulado 6 existência de complemento: Para todo a K, existe um e apenas um a K, chamado o complemento de a, tal que: a + a = 1 (P6) a a = 0 2 Teoremas Várias características da álgebra de Boole não aparecem diretamente nos postulados, mas podem ser inferidas a partir deles. Muitas destas características serão úteis para nós, e abaixo descrevemos 10 teoremas, provados a partir dos postulados (ou de teoremas já provados, o que dá no mesmo). Dentre os 10 teoremas mostrados, 9 deles tem 2 formas, aqui chamadas de e, que são as formas duais dos teoremas. A dualidade será melhor discutida usando o teorema 1 como exemplo. Teorema 1: A soma ou o produto de um valor por ele mesmo é igual a ele mesmo. a + a = a a a = a (T1) E a prova deste teorema encontra-se abaixo: a = a + 0 = a + a a = (a + a) (a + a) = (a + a) 1 a = a + a a = a 1 = a (a + a) = (a a) + (a a) = (a a) + 0 a = a a Note que a prova de T1 é idêntica a de T1, ao se trocar as operações de soma por multiplicação e vice-versa e os 0 s por 1 s e vice-versa. Isto não é uma coincidência, mas vem diretamente do fato de que os postulados tem esta simetria. Em álgebra de Boole isto é chamado de dualidade. Diz-se então que uma expressão é o dual da outra quando se trocam os por + e vice-versa e os 0 s por 1 s e vice-versa. Além disso, a simetria dos postulados garante que: se uma expressão f é verdadeira, logo a expressão dual f d também é verdadeira. Por conta disto, para todos os teoremas subsequentes que tenham expressões duais, só provaremaos uma delas, já que o dual do teorema é automaticamente verdadeiro. 2
3 Teorema 2: a + 1 = 1 a 0 = 0 (T2) a + 1 = a + (a + a) = (a + a) + a = a + a a + 1 = 1 Teorema 3: a = a (T3) Seja a = b: logo: Teorema 4: b a = a b = a a 0 b + a = a + b = a + a 1 a b = a a + a b = a a (a + b) = a (T4) a + a b = a 1 + a b = a(b + b + a b = a b + a b + a b = a b + a b = a 1 a + a b = a O significado deste teorema é melhor visto através de um diagrama de Venn 1, mostrando a e a b (lembrando que a multiplicação equivale à intersecção e a soma à união). A figura 1 mostra justamente isto. Teorema 5: a + a b = a + b a (a + b) = a b (T5) 3
4 a a b b Figura 1: Diagrama de Venn demostrando o teorema T4. a a b Figura 2: Diagrama de Venn demonstrando o teorema T5. a + a b = (a + a b) + a b = a + b(a + a) = a + b 1 a + a b = a + b Teorema 6: a b + a b = a (a + b) (a + b) = a (T6) a b + a b = a(b + b) = a 1 a b + a b = a 1 na verdade, este é um diagrama de Johnston. Um diagrama de Venn mostraria todas as possibilidades: a b, a b, a b e a b. 4
5 a b a b Figura 3: Diagrama de Venn demonstrando o teorema T6. c a b c a b a b Figura 4: Diagrama de Venn demostrando o teorema T7. Teorema 7: a b + a b c = a b + a c (a + b) (a + b + c) = (a + b) (a + c) (T7) a b + a b c = a b 1 + a b c = a b (1 + c) + a b c = a b 1 + a b c + a b c = a b + a c(b + b) a b + a b c = a b + a c Teorema 8 Leis de DeMorgan 2 : a + b = a b a b = a + b (T8) 5
6 a + b a b a b a + b Figura 5: Diagrama de Venn mostrando que a)a b é o complemento de a + b e que b)a + b é o complemento de a b para provar as Leis de demorgan (T8). Prova-se mostrando que a b é o complemento de a+b: (a + b)a b = a a b + b a b (a + b)a b = 0 = (a + b) + a b = (a + b + a)(a + b + b) = (1 + b)(1 + a) = 1 1 (a + b) + a b = 1 Logo: a + b a b É possível ainda aplicar o teorema repetidas vezes e provar que: f (x 1,x 2,...,x n ) = f d (x 1,x 2,...,x n ) Teorema 9 Teorema do consenso: a b + a c + b c = a b + a c (a + b) (a + c) (b + c) = (a + b) (a + c) (T9) a b + a c + b c = (a b c + a b c) + (a b c + a b c) + (a b c + a b c) = (a b c + a b c) + a b c + (a b c + a b c) + a b c = a b c + a b c + a b c + a b c = (a b c + a b c) + (a b c + a b c) a b + a c + b c = a b + a c 6
7 a c a b Figura 6: Diagrama de Venn demonstrando o teorema do consenso. Teorema 10 Expansão de Shannon 3 : f (x 1,x 2,...,x n ) = x 1 f (1,x 2,...,x n ) + x 1 f (0,x 2,...,x n ) f (x 1,x 2,...,x n ) = [x 1 + f (0,x 2,...,x n )] [x 1 + f (1,x 2,...,x n )] (T10) Considerando que x 1 x 1 = x 1 1 e que x 1 x 1 = x 1 x 1 x 1 = x 1 0, podemos afirmar que: x 1 f (x 1,x 2,...,x n ) = x 1 f (1,x 2,...,x n ) E pelo mesmo raciocínio chegamos a: x 1 f (x 1,x 2,...,x n ) = x 1 f (0,x 2,...,x n ) Podemos então separar a função e aplicar estas igualdades: f(...) = 1 f(...) = x 1 f(...) + x 1 f(...) f(...) = x 1 f (1,x 2,...,x n ) + x 1 f (0,x 2,...,x n ) 3 Aplicação dos postulados e teoremas Podemos aplicar os postulados e teoremas da álgebra de Boole para simplificar equações booleanas. Como estas equações serão ou são implementadas por um circuito, isto significa um circuito menor e, consequentemente, mais barato e mais rápido. A tabela 1 condensa todas os postulados e teoremas até então desenvolvidos para facilitar o acesso. Exemplo 1: Minimize o circuito lógico mostrado na figura 7. 7
8 P1 a,b K : a b K a,b K : a + b K P2 a + 0 = a a 1 = 1 P3 a + b = b + a a b = b a P4 a + (b + c) = (a + b) + c a (b c) = (a b) c P5 a + (b c) = (a + b) (a + c) a (b + c) = (a b) + (a c) P6 a + a = 1 a a = 0 T1 a + a = a a a = a T2 a + 1 = 1 a 0 = 0 T3 a = a T4 a + a b = a a (a + b) = a T5 a + a b = a + b a (a + b) = a b T6 a b + a b = a (a + b) (a + b) = a T7 a b + a b c = a b + a c (a + b) (a + b + c) = (a + b) (a + c) T8 a + b = a b a b = a + b T9 a b + a c + b c = a b + a c (a + b) (a + c) (b + c) = (a + b) (a + c) T10 f (x 1,...) = x 1 f (1,...) + x 1 f(0,...) f(x 1,...) = [x 1 + f(0,...)] [x 1 + f(1,...)] Tabela 1: Resumo dos postulados e Teoremas. a b z c Figura 7: Circuito do exemplo 1. Resolução: Pela análise do circuito obtemos z = abc+ac ab. Aplicamos agora os postulados 8
9 e teoremas cabíveis: z(a,b,c) = abc + ac ab T8 = abc + ac (a + b) T3 = abc + ac(a + b) P5 = abc + aca P3 = abc + aa T1 + acb P3 c + abc = abc + ac + abc P3 = abc + abc+ac T6 = ab + ac P5 z(a,b,c) = a(b + c) O circuito simplificado é mostrado na figura 8. a b z c Figura 8: Circuito simplificado do exemplo 1. 4 Formas canônicas Há casos em que é necessário obter uma equação booleana a partir de uma tabela verdade. Nestas situações são bastante úteis as formas canônicas (também conhecidas de formas padrões) de soma de mintermos ou produto de maxtermos. Obviamente para entendê-las precisamos primeiro saber o que são mintermos e maxtermos. Vamos começar pela definição de mintermos e analisar a forma de soma de mintermos. Um mintermo é um produto não barrado de todas as variáveis da função, sejam elas barradas ou não. Considerando uma função de 4 variáveis, são exemplos de mintermos: abcd, abcd e abcd. 9
10 Não são mintermos abc (pois não tem todas as variáveis), ab + cd (pois não é um produto das 4 variáveis), ab(cd) (pois as variáveis tem que ser barradas uma a uma) e nem abcdd (pois a variável d está repetida). Um exemplo de função descrita na forma soma de mintermos (por simplicidade referido por sdm- soma de mintermos) é a função de 3 variáveis g = abc + abc + abc. Para entender a utilidade desta forma, observe a tabela 2, que é uma tabela verdade da função g e de cada um dos mintermos presentes nela. a b c abc abc abc g Tabela 2: tabela verdade da função g = abc + abc + abc e seus mintermos. Um mintermo, sendo um produto de todas as variáveis presentes, só pode ser 1 em um único caso, o que é exemplificado na tabela. Além disso mintermos diferentes representam um 1 em posições diferentes da tabela verdade, logo a soma de mintermos indica qual das posições da tabela-verdade é 1. Com base nisto, é possível descrever qualquer função lógica no formato sdm. Fica então fácil obter uma tabela verdade a partir de uma equação na forma sdm ou vice-versa. Dada uma tabela verdade qualquer, cada linha em que a função é 1 corresponde a um mintermo. O mintermo abc só será 1 quando a etrada for abc = 111; abc será 1 quando abc = 011 e assim por diante. Ou seja, para uma variável não barrada num mintermo corresponde aquela variável ser 1 na tabela verdade e uma variável barrada corresponde a um 0. A tabela 4 apresenta todos os mintermos de uma função de 4 variáveis junto com a respectiva entrada que faz ele ser 1. Obviamente, com 2 variáveis temos 4 mintermos possíveis (ab, ab, ab e ab), com 3 variáveis temos 8 mintermos possíveis, com 4 temos 16 e assim por diante. É bastante usual se trabalhar com equações na forma sdm. Uma das razões para isso é que uma sdm é uma soma de produtos, obviamente, e estamos acostumados a trabalhar com equações na forma de soma de produtos devido às propriedades da álgebra convencional. Mas a álgebra de Boole abre a oportunidade de trabalharmos com uma equação na forma produto de somas, o que leva a uma forma padrão alternativa: a forma padrão produto de maxtermos (ou pdm). Um maxtermo é uma soma não barrada de todas as variáveis da função, sejam elas barradas ou não. Considerando uma função de 4 variáveis, são exemplos de maxtermos: a + b + c + d, a + b + c + d e a + b + c + d. Não são maxtermos a + b + c (pois não tem todas as variáveis), ab + cd (pois 10
11 não é um produto das 4 variáveis), a+b+(c + d) (pois as variáveis tem que ser barradas uma a uma) e nem a + b + c + d + d (pois a variável d está repetida). Da mesma forma que fizemos com mintermos, vamos analisar a função exemplo g = (a + b + c) (a + b + c) (a + b + c) para entender a utilidade da forma pdm, observe a tabela 3, que é uma tabela verdade da função g e de cada um dos maxtermos presentes nela. a b c a + b + c a + b + c a + b + c g Tabela 3: tabela verdade da função g = (a + b + c) (a + b + c) (a + b + c) e seus maxtermos. Observa-se analisando a tabela que cada maxtermo só é 0 para um único vetor de entrada e 1 para qualquer outra entrada. Pegando como exemplo o maxtermo a + b + c, como se trata de uma soma, ele é 1 sempre que a = 1, que b = 1 ou que c = 0 (pois c está barrado), logo ele só é 0 quando a = b = 0 e c = 1. Isto quer dizer que, enquanto cada mintermo representava uma linha da tabela verdade com saída 1, cada maxtermo representa uma linha na tabela verdade com saída 0. E para unir diferentes maxtermos, faz-se o produto deles, pois assim os 0 s se somam na fórmula final. Daí a forma ser o produto dos maxtermos. Fica então fácil descrever qualquer função como sdm ou pdm a partir de uma tabela verdade. Ou de uma equação em uma das duas forma padrões, obter a tabela verdade. A tabela 4 mostra também os 16 maxtermos equivalentes a cada entrada possível com 4 variáveis. Exemplo 2: Reanalisando as tabelas 2 e 3, é fácil chegar nas equações das funções g na forma pdm e g na forma sdm: g = (a + b + c)(a + b + c)(a + b + c)(a + b + c)(a + b + c) (1) g = abc + abc + abc + abc + abc (2) Exemplo 3: Deseja-se implementar um circuito que acione uma saída f caso 2 ou mais de suas 3 entradas A, B e C forem 1. Resolução (Usando Mintermos): O primeiro passo é montar a tabela verdade da função f, vide tabela 5 Analisando a tabela 5, podemos obter a equação de f na forma sdm. f(a,b,c) = ABC + ABC + ABC + ABC (3) 11
12 a b c d mintermo maxtermo abcd a + b + c + d abcd a + b + c + d abcd a + b + c + d abcd a + b + c + d abcd a + b + c + d abcd a + b + c + d abcd a + b + c + d abcd a + b + c + d abcd a + b + c + d abcd a + b + c + d abcd a + b + c + d abcd a + b + c + d abcd a + b + c + d abcd a + b + c + d abcd a + b + c + d abcd a + b + c + d Tabela 4: Mintermos e maxtermos equivalentes a cada um dos possíveis valores de entrada de uma função de 4 variáveis. A B C f Tabela 5: Tabela verdade da função f. E então basta aplicar os postulados e teoremas cabíveis à equação 3 para 12
13 minimizar a função. f(a,b,c) = ABC + ABC + ABC + ABC AB (T6) = ABC + ABC + AB AC+AB (T7) = ABC + AC +AB BC+AC (T7) f(a,b,c) = BC + AC + AB (4) Resolução (Usando maxtermos): Reanalisando a tabela 5, obtemos a equação de f na forma pdm. f(a,b,c) = (A + B + C)(A + B + C)(A + B + C)(A + B + C) (5) E novamente aplicando os postulados e teoremas cabíveis: f(a,b,c) = (A + B + C)(A + B + C) (A + B + C)(A + B + C) A+B (T6) = (A + B)(A + B + C) (A + B + C) A+C (T7) = (A + B)(A + C)(A + B + C) B+C (T7) f(a,b,c) = (A + B)(A + C)(B + C) (6) É fácil mostrar que a equação 6 é equivalente à 4. Para tanto basta aplicar repetidas vezes o postulado da distributividade (P5). 13
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