Guillermo Figueroa Luna e Ninfa Idrogo Cubas
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- Nelson Cipriano Bardini
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1 Resenha
2 Guillermo Figueroa Luna e Ninfa Idrogo Cubas 168 R. Mestr. His., Vassouras, v. 4, n. 2, p , 2001/2002
3 A Inteligência da Complexidade A Inteligência da Complexidade José D Assunção Barros A Inteligência da Complexidade - Edgar Morin e Jean-Louis Le Moigne - Tradução de Nurimar Maria Falci, São Paulo: Peirópolis, páginas. Edgar Morin - sociólogo, filósofo, antropólogo, historiador e epistemólogo - é reconhecido nos dias de hoje como um dos mais ilustres representantes de uma corrente do pensamento contemporâneo que, desde o último quarto de século, tem anunciado enfaticamente a emergência de um novo paradigma da Ciência e do entendimento humano. O chamado paradigma da complexidade, embora dado a perceber mais claramente em tempos recentes, beneficiou-se para a sua eclosão mais sistemática dos inúmeros desenvolvimentos que se verificaram em vários campos disciplinares de um século XX que, não sem razão, muitos têm considerado como o século das incertezas. Conhecer esta nova proposta para os possíveis rumos do conhecimento científico neste novo milênio, que parece se iniciar alternando dramaticamente a esperança e o desespero, mostra-se imprescindível para aqueles que atuam nos vários campos científicos, inclusive o da História. A Inteligência da Complexidade, publicado em Paris em 1999 e traduzido para o português no ano seguinte, constitui-se de um conjunto de artigos e ensaios de Edgar Morin habilmente organizados por Jean-Louis Le Moigne - conjunto enriquecido no capítulo 3 por diálogos de Edgar Morin com pensadores como o educador Jacques Ardoino e o astrofísico Hubert Reeves, para além do prefácio e do texto final escritos pelo próprio Jean-Louis Le Moigne. Se quisermos tentar resumir os principais aspectos do pensamento R. Mestr., Vassouras, v. 4, Ed. Especial, p ,
4 José D Assunção Barros complexo proposto por Edgar Morin, será necessário ressaltar de imediato a sua rejeição enfática das várias formas de reducionismo e determinismo, para além da sua perspectiva transdisciplinar de um conhecimento que procura ultrapassar definitivamente a separação e o isolamento entre os vários campos disciplinares que têm marcado a ciência ocidental a partir do século XIX. Como um aspecto especialmente importante, destaca-se ainda na abordagem complexa o desejo e a necessidade imperiosa de elaborar uma ciência que reflita sistematicamente sobre os seus próprios limites, o que eqüivale a integrar Ciência e Consciência. Ciência com consciência é aliás o título de um dos primeiros livros de Edgar Morin (1982), temática que abre também o conjunto de ensaios reunidos em A Inteligência da Complexidade. Partindo de uma célebre frase de Rabelais - que já no século XVI alertava que Ciência sem consciência é somente a ruína da alma - Edgar Morin procura examinar neste primeiro artigo a drástica separação entre Ciência e Ética sob a qual parece ter se sustentado, desde há muito, a ciência moderna. Esta separação - que deixa a entender que o conhecimento deve ser tornado público e pesquisado quaisquer que sejam as suas conseqüências morais - leva Morin a se indagar criticamente pelas relações possíveis entre a ciência, a técnica, a sociedade e a política. É sobretudo da desumanização que tem marcado a pensamento científico ocidental, mesmo no campo das ciências humanas, que pretende tratar Edgar Morin neste artigo inicial. Nos dias de hoje, este texto datado de 1984 parece se iluminar de uma impactante atualidade. Cresce a sua importância precisamente neste mundo onde os cientistas estão colocados diante das novas possibilidades da clonagem humana, e neste princípio de milênio onde se fez dramaticamente conhecida a eclosão de um novo tipo de terrorismo que ameaça ultrapassar limites antes inconcebíveis para o assassinato em massa e para a utilização de uma guerra química e biológica que agora se volta contra os seus próprios fundadores. Urge ser discutida mais uma vez a relação entre Ciência e 170 R. Mestr., Vassouras, v. 4, Ed. Especial, p , 2002
5 A Inteligência da Complexidade Consciência neste mundo, por fim, onde a terrível imagem de um dedo capaz de acionar uma explosão termonuclear volta a assombrar a população mundial. É diante de tais angústias que Ciência e Ética, e cientificidade e humanismo, devem ser repensados mais do que nunca na sua relação complexa, tal como propõe Edgar Morin. Após esta parte inicial que procura inserir a inteligência da complexidade em seus contextos ético e ecológico, os demais artigos selecionados navegam livremente por questões que vão desde as relacionadas à epistemologia da complexidade até a proposta de uma reforma do entendimento humano que se apóie em uma educação transdisciplinar, capaz de integrar uma nova cultura humanística a esta tradicional cultura científica que, separadora de campos do conhecimento, tem se mostrado também isolada da possibilidade de pensar a si mesma de maneira mais humana. Para os historiadores, demasiadas vezes envolvidos com a necessidade de simplificar uma realidade social que lhes chega de forma caótica ou fragmentada dos textos e fontes do passado, talvez não haja benefício maior do que ler alguns dos artigos onde Edgar Morin discute o desafio de pensar a complexidade. Valerá a pensa tentar resumir a crítica que o filósofo francês dirige ao pensamento científico tradicional, tão presente nos nossos meios acadêmicos. Os capítulos 2 e 4 de a inteligência da complexidade oferecem um excelente panorama dos limites que têm constrangido o paradigma científico tradicional, e também um retrato das alternativas oferecidas pelo pensamento complexo para a superação destes limites. Para Edgar Morin, o modelo científico tradicional foi construído originalmente sobre alguns princípios fundamentais, verdadeiros pilares da certeza, que gradualmente começaram a ser abalados no último século - entre eles os princípios da ordem, da separabilidade e da razão absoluta. O princípio da ordem - ancorado na idéia de que por trás de R. Mestr., Vassouras, v. 4, Ed. Especial, p ,
6 José D Assunção Barros toda a desordem aparente existe uma ordem a ser descoberta - estaria na origem de perspectivas diversas como o mecanicismo, o determinismo, ou mesmo a antiga ambição de descobrir as leis absolutas que regeriam o universo, incluindo as sociedades humanas. Conforme o princípio da ordem, toda desordem ou acaso aparente deveriam ser considerados uma carência do conhecimento humano ou o efeito de uma ignorância provisória. Através deste princípio redutor, pode-se dizer, a ciência tradicional estaria a promover um sempre renovado recalque do caos e do acaso. O princípio da separabilidade é coerentemente ilustrado pelo famoso método de Descartes, segundo o qual para se resolver um problema ou para se compreender um objeto seria preciso decompô-lo obsessivamente em elementos mais simples. Neste processo de análise cartesiana, existiria o freqüente risco de se ver perdida uma interação das partes entre si, delas com o todo, e do todo com o seu exterior. Em um plano mais amplo, o princípio da separabilidade teria também trazido consigo a tendência ocidental à hiper-especialização - a partir da qual conjuntos complexos como a Natureza ou o ser humano têm sido drasticamente fragmentados em partes não-comunicantes. Isto, naturalmente, estaria também na base da compartimentalização do conhecimento humano em disciplinas estanques, quase sempre tratadas de maneira nãointerdisciplinar. Outro efeito da noção de separabilidade esteve, por fim, na antiga idéia de que a realidade objetiva pode ser considerada sem levar em conta o seu observador. Já o princípio da Razão refere-se a um tipo muito específico de racionalidade que se atrelou a todo o desenvolvimento científico ocidental, correspondendo à lógica indutivo-dedutivo-identitária. A indução, processo de raciocínio que parte dos casos particulares para chegar aos princípios gerais, e a dedução, procedimento que tira conclusões necessárias de proposições preliminares, marcam de maneira óbvia o modelo científico operatório no 172 R. Mestr., Vassouras, v. 4, Ed. Especial, p , 2002
7 A Inteligência da Complexidade Ocidente, com exclusão de quaisquer outros procedimentos legítimos. A lógica identitária, que na sua forma mais simples afirma a impossibilidade de que um mesmo atributo pertença e não pertença ao mesmo sujeito, complementa este parâmetro de racionalidade. Estes princípios fundamentais, perfeitamente interdependentes no pensamento científico ocidental, teriam sido confrontados diversas vezes pela própria realidade física e social, e não é a toa que sempre tenham circulado modelos teóricos alternativos como por exemplo os modelos dialéticos, empenhados em ordenar as contradições, ou que tenham surgido ainda as alternativas desagregadoras que inviabilizam qualquer possibilidade de compreensão do universo por considerá-lo inteiramente caótico. O pensamento complexo, conforme as próprias palavras de Morin, longe de substituir a idéia de desordem por aquela de ordem, visa colocar em dialógica a ordem, a desordem e a organização. Da mesma forma, com relação à questão metodológica da separabilidade, o pensamento complexo não a substitui pela inseparabilidade - ele convoca uma dialógica que utiliza o separável mas o insere na inseparabilidade. Examinar o funcionamento das partes, à maneira cartesiana, não seria suficiente para a compreensão de qualquer sistema ou processo, uma vez que a organização de um todo produz qualidades ou propriedades novas em relação às partes consideradas isoladamente. De acordo com este raciocínio, o todo é mais do que a soma das partes. Por outro lado, o todo é igualmente menos do que a soma das partes, pois certas qualidades de cada uma das partes também podem ser inibidas pela organização do conjunto. Da mesma forma, no que concerne às antigas ilusões de separabilidade entre sujeito e objeto, o pensamento complexo encampa uma percepção que já parece ter se consolidado na historiografia que gradualmente passou a predominar no último século: já não se crê mais no cientista que examina de maneira neutra o seu objeto, sem alterá-lo a partir de seu próprio R. Mestr., Vassouras, v. 4, Ed. Especial, p ,
8 José D Assunção Barros contexto e prática de observação e sem, de outro lado, que o próprio cientista seja transformado retroativamente pelo objeto de seu estudo. O cientista social que examina uma sociedade, conforme acrescenta Edgar Morin, é um fragmento no interior desta sociedade, e a sociedade, enquanto totalidade, está no interior dele. Com relação à lógica indutivo-dedutivo-identitária, o pensamento complexo não convoca o seu abandono, mas sim uma combinação dialógica entre a sua utilização, segmento por segmento, e a sua transgressão nos buracos negros onde ela pára de ser operacional. Assim, à lógica identitária podese opor um princípio dialógico, capaz de compatibilizar dois princípios ou noções antagônicas que aparentemente deveriam se repelir simultaneamente, mas que são indissociáveis e indispensáveis para a compreensão da mesma realidade. Não há como deixar de citar um expressivo parágrafo de Edgar Morin: A caminhada consiste em fazer um ir e vir incessante entre certezas e incertezas, entre o elementar e o global, entre o separável e o inseparável. Do mesmo modo, utilizamos a lógica clássica e os princípios de identidade, de não-contradição, de dedução, de indução, mas conhecemos seus limites, sabemos que em certos casos é preciso transgredi-los. Não se trata, portanto, de abandonar os princípios da ciência clássica - ordem, separabilidade e lógica -, mas de integrá-los num esquema que é, ao mesmo tempo, largo e mais rico. Da mesma forma, ao lado dos padrões indutivos e dedutivos - poderíamos de nossa parte acrescentar - seria preciso repensar a possibilidade de incorporar o intuitivo, de trazer um pouco de arte a uma ciência que sem ela corre o risco de se desumanizar. Questão que, enfim, remete-nos mais uma vez ao tema da Ciência com Consciência a partir do qual se inicia este belo livro que reúne alguns dos mais esclarecedores artigos de Edgar Morin. 174 R. Mestr., Vassouras, v. 4, Ed. Especial, p , 2002
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