Classificados: um gênero jornalístico descritivo
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- Cecília de Almada Vasques
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1 Classificados: um gênero jornalístico descritivo Pollyanna Honorata Silva 1 1 Mestrado em Lingüística - Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Rua: Araxá, nº 72 Bairro Osvaldo Resende CEP: Uberlândia/MG pollyhs@uol.com.br Resumo: A partir da análise de dois jornais de circulação nacional, este trabalho tem o objetivo de definir e classificar, sob a ótica dos estudos em Lingüística Textual, o texto chamado Classificados. Para tal, adotamos a teoria de tipologia textual de Travaglia (2003), que postula a existência de três categorias ou classes de texto: tipo, gênero e espécie. A classificação e a definição dos Classificados propostas neste trabalho estão relacionadas, também, ao aspecto estrutural desse texto, ou seja, suas categorias formais. Palavras-chave: Lingüística Textual; tipo; gênero; espécie; estrutura. Abstract: From the analysis of two journals that have a national circulation, this paper has the aim of defining end classifying, according to the researches on Textual Linguistics, the text called Classified. In order to do so, we adopted the textual typology theory of Travaglia (2003), who postulates that there are three categories or classes of texts: type, genre and specie. The classification and the definition of Classified postulated in this paper are also related to the structural aspect of this text, it means, the formal categories of this text. Keywords: Textual Linguistics; type; genre; specie; structure. Introdução Na Lingüística Textual, podemos elencar três momentos de análise, segundo Fávero e Koch (1988). Uma vez que pretendemos caracterizar e classificar o texto chamado em nossa sociedade de Classificados (anúncios de compra, venda e troca de produtos e serviços), este trabalho insere-se no segundo momento apontado pelas autoras, em que se deu a construção das gramáticas textuais e foram estabelecidas como tarefas da Lingüística Textual: a) verificar os princípios de textualidade, b) definir critérios de delimitação de textos; e c) diferenciar vários tipos de textos. Para o alcance de nossos objetivos, analisamos um exemplar (do dia 27 de novembro de 2005) de dois jornais de circulação nacional (A Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo). Como toda tipologização, a que será proposta aqui possui critérios que não devem ser tomados como únicos e absolutos, mas devem ser considerados como sendo pertinentes tendo em vista o objetivo de construção de uma teoria geral de tipologia, segundo critérios específicos de análise. Vários teóricos têm se dedicado à tarefa de definir e classificar os mais diversos textos encontrados em nossa sociedade, como Adam (1993), Koch e Fávero (1983), Weirich (1968), dentre outros. Neste trabalho, adotamos a proposta de Travaglia (2003), que postula a existência de três classes de texto, cuja distinção é fundamental para a análise dos textos existentes na sociedade. Estudos Lingüísticos XXXVI(3), setembro-dezembro, p. 210 / 216
2 Tipologia Textual Segundo Travaglia (2003), as classes de textos existentes na sociedade são: tipo, gênero e espécie; que são chamadas pelo autor de tipelementos, termo genérico utilizado para se referir a qualquer um desses elementos. O tipo é estabelecido pelo modo de comunicação que instaura, em função de perspectivas que variam, constituindo tipologias distintas. Desse modo, o tipo é uma maneira de interlocução usada por um interlocutor, que pode adotar perspectivas diversas. A primeira das perspectivas apontadas pelo autor é aquela em que o locutor se coloca em relação ao objeto do dizer na perspectiva do conhecer/saber ou fazer/acontecer inserido ou não no tempo e espaço. Dessa postura do produtor do texto derivam os tipos que são nomeados por descrição, dissertação, narração e injunção. A relação entre a perspectiva do produtor (bem como outros aspectos) e estes quatro tipos de textos está mais detalhada na tabela a seguir, extraída de Travaglia (2003, p. 6): Perspectiva do produtor do texto Objetivo do enunciador Forma como se instaura o interlocutor Tempo referencial 1 Relação entre o tempo de enunciação e o Tabela 1. Relação entre tipos de texto e perspectiva/objetivo do produtor Descrição Dissertação Injunção Narração Enunciador na Enunciador na Enunciador na perspectiva do perspectiva do perspectiva do conhecer, fazer posterior fazer/acontecer abstraído do ao tempo da inserido no tempo e do enunciação. tempo. espaço. Enunciador na perspectiva do espaço em seu conhecer. O que se quer é caracterizar, dizer como é. Como voyer do espetáculo. Simultaneidade das situações. O tempo da enunciação pode ser posterior, simultâneo ou anterior ao tempo Busca-se o refletir, o explicar, o avaliar, o conceituar, expor idéias para dar a conhecer, para fazer saber, associando-se à análise e à síntese de representações. Como ser pensante, que raciocina. Simultaneidade das situações. O tempo da enunciação pode ser posterior, simultâneo ou anterior ao tempo Diz-se a ação requerida, desejada, diz-se o que e/ou como fazer, incita-se à realização de uma situação. Como aquele que realiza aquilo que se requer, ou se determina que seja feito ou aconteça. Indiferença à simultaneidade ou não das situações. O tempo referencial é sempre posterior ao da enunciação. O que se quer é contar, dizer os fatos, os acontecimentos, entendidos como os episódios, a ação / o fato em sua ocorrência. Como assistente espectador não participante, que apenas toma conhecimento do(s) episódio(s) ocorrido(s). Não simultaneidade das situações, portanto sucessão. O tempo da enunciação pode ser posterior, simultâneo ou anterior ao tempo Estudos Lingüísticos XXXVI(3), setembro-dezembro, p. 211 / 216
3 Quando a perspectiva do produtor do texto é dada pela imagem que este faz do seu recebedor (alguém que concorda ou não com o que está sendo dito), há o discurso da transformação, ou da cumplicidade, que estabelece os tipos argumentativo stricto sensu e argumentativo não stricto sensu. O produtor do texto pode se colocar ainda na perspectiva de antecipação do dizer e, neste caso, temos os textos preditivos e não preditivos. Já quando a perspectiva é a do comprometimento ou não com o que está sendo dito, temos os textos do mundo comentado (comprometimento) e do mundo narrado (não comprometimento) (Cf. Weinrich, 1968). Travaglia (2003) ainda registra tipologias que não abordaremos aqui por não serem fundamento para nosso trabalho. Como podemos perceber, a teoria em questão insere a narração, a descrição, a dissertação e a injunção em uma tipologia distinta do texto argumentativo e preditivo, ao contrário do que ocorre em algumas classificações já existentes. Acoplando esses quatro tipos numa única classificação tipológica, o autor esclarece a existência, por exemplo, de textos narrativo-preditivos, descritivo-argumentativos e descritivos do mundo narrado ou comentado; visto que reconhece o cruzamento de tipos (um texto pode realizar simultaneamente tipos de tipologias estabelecidas por perspectivas critérios - diversas, como os exemplificados anteriormente), não considerando esse cruzamento como um novo tipo. Desse modo, o autor evita incoerências taxonômicas, pois, por um princípio taxonômico um texto só pode ser classificado de um tipo ou de outro, dentro de uma mesma tipologia. Além do cruzamento de tipos, de tipologias distintas, o autor postula a conjugação de tipos de uma mesma tipologia em um texto, podendo um deles ser ou não dominante. Essa dominância quando se estabelece acontece em termos de intenção comunicativa, não de espaço preenchido na superfície textual. Assim, por exemplo, no romance há trechos narrativos, descritivos, dissertativos e mesmo injuntivos (geralmente em falas de personagens), mas o tipo narrativo é dominante, daí dizer-se que o romance é narrativo. Já no caso da bula de remédio, por exemplo, em que aparecem os mesmos tipos de textos (narrativo, descritivo, dissertativo e injuntivo), nenhum deles é dominante e não se pode dizer que a bula seja um gênero necessariamente narrativo ou descritivo ou dissertativo ou injuntivo. Outro tipelemento definido por Travaglia (2003) é o gênero, que se caracteriza por exercer uma função social específica de comunicação. Desse modo, em cada gênero há uma função social, cuja explicitação, muitas vezes, é bastante complexa. Para Travaglia (2003), os vários gêneros com a mesma função básica vão se distinguir por outros elementos das condições de produção tais como produtor, recebedor, comunidade discursiva e/ou instituição, etc. O gênero, portanto, possui uma natureza social, exterior ao texto, à concretude das palavras. De fato, na vasta literatura a respeito do termo gênero (Bakhtin 1992, Bazerman 2005, Swales 1990, dentre outros) este sempre possui um aspecto social e histórico, mais relacionado a uma função extralingüística. O terceiro tipelemento proposto por Travaglia (2003) é a espécie, cuja definição se dá por aspectos formais de estrutura (e superestrutura) e da superfície lingüística; bem como por aspectos de conteúdo. Por exemplo, o soneto é uma espécie do tipo lírico que se caracteriza pela forma, já que é uma composição, necessariamente, de quatorze versos, organizados em dois quartetos e dois tercetos. As espécies se vinculam tanto a tipos quanto a gêneros, no primeiro caso, há, por exemplo, a narrativa (tipo) história (espécie) e, no segundo, os romances (gênero) policiais, eróticos, históricos, de ficção Estudos Lingüísticos XXXVI(3), setembro-dezembro, p. 212 / 216
4 científica, etc. (espécies), por exemplo. Os gêneros se vinculam a tipos, seja diretamente ou através de uma espécie do tipo. Essas inter-relações, segundo Travaglia (2003), não devem ser feitas de um ponto de vista hierárquico, uma vez que não há hierarquia entre tipo, gênero e espécie. As inter-relações exploradas neste trabalho não esgotam o assunto abordado pelo autor, mas são suficientes para o propósito deste trabalho. O esquema abaixo, extraído de Travaglia (2003, p. 9): Tipo Espécies Gênero(s) Finalmente, é preciso lembrar que o que circula/funciona na sociedade são os gêneros, que são constituídos por tipos e espécies. Ou seja, tipos e espécies constituem os gêneros e existem neles. Classificados: por uma definição Gênero(s) Espécies Considerando a tipologia textual adotada, os Classificados configuram-se num gênero publicado em jornais cuja função sociocomunicativa pode ser entendida como vender, alugar ou trocar produtos e serviços diversos. Além disso, esse gênero, como todo texto publicado em jornais, tem a função ética de informar os leitores (da maneira mais objetiva possível, como postula o Manual de Redação e Estilo do Estado de S. Paulo) a respeito de um assunto/acontecimento específico. Quanto ao tipo, os Classificados estão relacionados, necessariamente, ao tipo descritivo, uma vez que seu enunciador se coloca na perspectiva do espaço em seu conhecer, com o objetivo de caracterizar, dizer como é, instaurando seu interlocutor como um voyer que assiste a uma simultaneidade das situações, ou seja, há uma descrição (de imóveis, de veículos, de serviços, etc) sem uma sucessão cronológica, bem como marcadores textuais dessa sucessão (logo após, antes disso, dito isso, etc). Como os Classificados podem desenvolver temas diversos, acreditamos que esse gênero está relacionado a quatro espécies, caracterizadas pelo conteúdo que veiculam. Desse modo, temos Classificados de Imóveis, Classificados de Veículos, Classificados de Empregos e Classificados de Serviços Diversos. Esta última espécie apresenta características que merecem maior rigor de análise, uma vez que é constituída por textos de temas diversos (antiguidades, animais, massagens, máquinas, etc) e de difícil classificação em uma única categoria. Além de instaurar o modo de comunicação que revela o tipo descritivo e possuir uma função sociocomunicativa, o gênero Classificados realiza uma superestrutura 2 específica desse tipo. Segundo Neis (1986:50), as categorias dessa superestrutura são: - a situação do objeto-tema no espaço e/ou no tempo, situação essa que pode, por sua vez, fazer surgir novos objetos, ou seja, subtemas, suscetíveis de se transformarem em matéria de descrição; - as qualidades do objeto-tema, quer sejam físicas, tais como dimensões, formas, cores, quantidades, etc., quer sejam psíquicas, morais, intelectuais, etc.; - os elementos, ou partes que compõem o objeto e que também podem, como subtemas, passar a constituir matéria de descrição. Aplicando essas categorias ao gênero abaixo temos: Espécies Estudos Lingüísticos XXXVI(3), setembro-dezembro, p. 213 / 216
5 Figura 1. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 27 de nov. de Classificados, p.3. Situação: a) localização no tempo (data de publicação do jornal): domingo, 27 de novembro de 2005; b) localização no espaço: zona oeste de São Paulo (Cidade Jardim); Qualidades: a) boa localização (vista panorâmica e próxima ao Jóquei club), b) segura (condomínio fechado); Elementos ou partes: a) 4 suítes, lareira, churrasqueira e piscina. Podemos perceber pela superestrutura desse gênero que o tipo descritivo é dominante tanto no que se refere ao espaço ocupado no texto quanto pela perspectiva do enunciador. Há nos Classificados apenas um pequeno trecho que consideramos não pertencer ao tipo descritivo: o número de telefone para o qual a pessoa interessada no produto ou serviço divulgado deve ligar para que a compra, o aluguel ou a troca se efetue. Esse trecho, apesar de ser essencial para que se realize a função sociocomunicativa do gênero, não faz parte da descrição, pois é uma informação dada ao leitor sobre o enunciador do texto. Conclusão Tendo em vista nosso objetivo de definir e classificar o texto Classificados, contribuindo assim para a construção de uma teoria tipológica dos textos de nossa sociedade, acreditamos que esses anúncios: Constituem-se em um gênero, pelo fato de possuírem uma função sociocomunicativa; que, apesar de difícil definição e de merecer maior investigação científica, pode ser entendida como: vender, trocar ou alugar um determinado produto ou serviço. Essa venda, troca ou locação de itens diversos nos revela o aspecto social e interativo dos gêneros, principalmente de gêneros publicados em jornais, um meio de comunicação que atinge várias esferas da atividade social; São necessariamente do tipo descritivo, pois seu enunciador encontra-se na perspectiva do espaço em seu conhecer, procurando caracterizar algo ou alguém em seu texto. Além disso, o interlocutor é instaurado como um voyer, que assiste a uma simultaneidade de situações/descrições, que podem ocorrer antes, depois ou simultaneamente ao momento da enunciação. No caso dos Classificados, temos uma descrição presente, e não Estudos Lingüísticos XXXVI(3), setembro-dezembro, p. 214 / 216
6 passada ou futura; já que o produtor do texto anuncia e descreve algo ao mesmo tempo de sua enunciação; e não num momento anterior ou posterior; Estão relacionados a algumas espécies, as quais derivam do gênero Classificados por possuírem a mesma função sociocomunicativa; porém, desenvolvendo conteúdos distintos; Realizam as categorias da superestrutura do texto descritivo. Apesar de nossas constatações, nossa análise não esgota o tema e à definição e classificação do texto Classificados propostas neste trabalho podem ser acrescentados outros pontos de vista e parâmetros de análise que venham a contribuir para a construção de uma teoria tipológica geral de textos. Notas 1. Tempo referencial é o tempo de ocorrência no mundo real em uma sucessão cronológica. 2. Uma espécie de esquema (modelo cognitivo global) formal, abstrato, de caráter convencional e, portanto, dependente da cultura. Normalmente envolve uma seqüência esquemática e características de linguagem, de recursos retóricos ou estilísticos (Travaglia, 1991: 287). Referências ADAM, Jean Michel. Lês Textes: types et prototypes Récit, description, argumentation, explication et dialogue. Paris: Nathan, BAKHTIN, Mikail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais, tipificação e interação. São Paulo: Cortez, 2005 Estado de Minas. Belo Horizonte, 27 de nov. 2005, Classificados. FÁVERO, L. L.; KOCH,I, V. Lingüística Textual: introdução. 2 ª edição. São Paulo: Cortez, FOLHA DE SÃO PAULO. Manual de Redação. São Paulo, Folha de S. Paulo. São Paulo, 27 de nov. 2005, Classificados. KOCH, I. V. ; FÁVERO, L. L. Contribuição a uma tipologia textual. In: Letras & Letras. Vol. 3, núm. 1, Uberlândia: Editora da UFU; junho 1987, p MARCUSCHI, L.A. Lingúística de texto: o que é, como se faz. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, O ESTADO DE S. PAULO. Manual de Redação e Estilo. São Paulo, O Estado de S. Paulo. São Paulo, 27 de nov. 2005, Classificados. SWALES, John M. Genre Analysis English in academic and research settings. Cambridge: Cambridge University Press, TRAVAGLIA, L.C. Um estudo textual-discursivo do verbo no português do Brasil Tese de Doutorado IEL, UNICAMP, Campinas Estudos Lingüísticos XXXVI(3), setembro-dezembro, p. 215 / 216
7 TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Tipelementos e a construção de uma teoria tipológica geral de textos. In: FÁVERO, Leonor Lopes; BASTOS, Neusa Maria O. Barbosa. Língua Portuguesa e Ensino. Sãp Paulo: Cortez, EDUC, 2003, (NO PRELO) (cópia de inédito). WEINRICH, Harald. Estructura y función de los tiempos em el langaje. Madridi: Gredos, Estudos Lingüísticos XXXVI(3), setembro-dezembro, p. 216 / 216
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Da distinção entre tipos, gêneros e subtipos de textos. Estudos Lingüísticos, Marília, SP, v. XXX, p.
Como citar este artigo: TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Da distinção entre tipos, gêneros e subtipos de textos. Estudos Lingüísticos, Marília, SP, v. XXX, p. 1 6, 2001 Como citar este artigo: TRAVAGLIA, Luiz Carlos.
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