A INTER-RELAÇÃO DA FUNÇÃO DE MASTIGAÇÃO COM A ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR
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- Giovanni Santana Coimbra
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1 CEFAC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA MOTRICIDADE ORAL A INTER-RELAÇÃO DA FUNÇÃO DE MASTIGAÇÃO COM A ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR MONOGRAFIA DE ESPECIALIZAÇÃO EM MOTRICIDADE ORAL ORIENTADORA: MIRIAN GOLDENBERG PATRÍCIA GONÇALVES DE ALBUQUERQUE MENEZES RECIFE
2 RESUMO ESTA PESQUISA TEVE COMO OBJETIVO FAZER UMA INTER- RELAÇÃO ENTRE A FUNÇÃO DE MASTIGAÇÃO E A ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR VERIFICANDO AS INTERFERÊNCIAS DE UMA SOBRE A OUTRA, DENTRO DOS PARÂMETROS DA NORMALIDADE. ALGUMAS ALTERAÇÕES OU DESVIOS FORAM CONSIDERADOS PARA QUE FOSSEM AVALIADAS AS DINÂMICAS E AS INTERFERÊNCIAS QUE PUDESSEM OCASIONAR NAS OUTRAS ESTRUTURAS DO SISTEMA ESTOMATOGNÁTICO. POR FAZEREM PARTE DE UM SISTEMA MAIOR, O SISTEMA ESTOMATOGNÁTICO, FOI REALIZADA INICIALMENTE UMA DESCRIÇÃO DESTE SISTEMA, INFORMANDO SEUS COMPONENTES E SUAS PROPRIEDADES. A MASTIGAÇÃO E A ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR FORAM DESCRITAS SEPARADAMENTE, REALIZANDO UM ESTUDO ANÁTOMO-FUNCIONAL DE SUAS ESTRURURAS. A CORRESPONDÊNCIA ENTRE ESTAS DUAS MOSTROU-SE DE FORMA DINÂMICA, ATRAVÉS DA MOVIMENTAÇÃO MANDIBULAR E DA FUNÇÃO MASTIGATÓRIA DENTRO DO CONTEXTO DO SISTEMA ESTOMATOGNÁTICO. 2
3 SUMÁRIO I. INTRODUÇÃO II. DISCUSSÃO TEÓRICA II.1. O SISTEMA ESTOMATOGNÁTICO II.2. O SISTEMA MASTIGATÓRIO II.3. A ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR II.4. RELACIONANDO A MASTIGAÇÃO COM A ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR III. CONSIDERAÇÕES FINAIS IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
4 I - INTRODUÇÃO O interesse pelos problemas oclusais vem recebendo atenção não só dos ortodontistas, mas também dos cirurgiões bucomaxilomandibulares, otorrinolaringologistas, fisioterapeutas e, principalmente, dos fonoaudiólogos, uma vez que estes trabalham diretamente na reabilitação das funções do sistema estomatognático. O estudo da articulação temporomandibular com o funcionamento do sistema mastigatório tem sido um assunto de grande interesse da odontologia há muitos anos. Quanto à fonoaudiologia, é ainda um tema recente, que vem tomando conta de grupos de profissionais que se dedicam a esta área e, apesar de hoje o conhecimento ser bem maior, ainda há muito o que aprender. Em minha prática, a crescente incidência de indivíduos com alteração do sistema estomatognático e um trabalho em conjunto com áreas afins cada vez mais sistematizado, fez com que sentisse a necessidade de um estudo mais aprofundado e especializado, aprimorando os meus conhecimentos básicos de oclusão e, principalmente, da dinâmica dos movimentos mandibulares, do funcionamento da articulação temporomandibular e da respectiva musculatura, visando o equilíbrio das funções vitais e o bem estar do paciente. A necessidade de uma visão holística, nos coloca frente a um indivíduo único e inteiro, onde percebe-se não só boca, lábios ou língua, mas uma face que se expressa e demonstra sentimentos, emoções, e um corpo que fala. Para avaliar um paciente não basta perceber suas disfunções ou alterações. É preciso muito antes saber ver o que está bom, ou melhor, conhecer 4
5 a anatomia e a fisiologia, lembrando que as pessoas são diferentes e apresentam características individuais próprias, assim como as características familiares, que precisam ser levadas em consideração. Se a mastigação não funciona de forma adequada, saber observar e compreender o porquê. Saber se ela tem condições de ser diferente. Precisamos fazer os encaminhamentos necessários e, para que o paciente possa ser bem assistido, precisamos conhecer o que está sendo trabalhado. O sucesso na reeducação do sistema estomatognático depende diretamente do conhecimento prévio do seu crescimento, desenvolvimento, funcionamento e da relação entre suas estruturas. É comum na prática fonoaudiológica com motricidade oral, o trabalho de adequação das funções orais. Assim, é visto como de fundamental importância o estudo e a compreensão da fisiologia da mastigação e da articulação temporomandibular, uma vez que esta é o mecanismo guia para o equilíbrio da mastigação. O objetivo deste trabalho é aprender mais sobre esta relação complexa, onde as forças e os movimentos provenientes da mastigação terminam numa estrutura forte e, ao mesmo tempo delicada, que é a articulação temporomandibular. Será dado enfoque aos aspectos da normalidade, no entanto algumas alterações ou desvios serão colocados para que seja possível verificar a dinâmica e as interferências que podem ocasionar nas outras estruturas do sistema estomatognático. Para o desenvolvimento desta pesquisa, foi realizado um levantamento bibliográfico a respeito da fisiologia da articulação 5
6 temporomandibular e da mastigação, com o propósito de estudar a relação e a interferência de uma sobre a outra. 6
7 II - DISCUSSÃO TEÓRICA II.1 O SISTEMA ESTOMATOGNÁTICO Há algum tempo atrás o sistema estomatognático era denominado sistema mastigador por esta ser a função mais destacada da boca. Mastigação, sucção, fonoarticulação, deglutição e respiração são as funções do sistema estomatognático. Douglas (1994) define o sistema estomatognático como o conjunto de estruturas que desenvolvem funções comuns, tendo como característica constante a participação da mandíbula. Trata-se de um sistema com características próprias, apresentando uma unidade morfofuncional localizada centralmente na cavidade oral. Está constituído, de acordo com Marchesan (1997), por ossos, dentes, articulação temporomandibular, músculos, sistema vascular, sistema nervoso e espaços vazios. Onde, sobre os ossos encontram-se as partes moles e ao avaliar as partes duras é possível prever como ocorrem as funções. Quando ocorre uma alteração, esta pode ser avaliada em quaisquer das funções do sistema, mas tem sido estudada em particular na mastigação. Os componentes acima referidos precisam funcionar separadamente, de acordo com suas propriedades e seus sistemas específicos, mas exige-se uma inter-relação harmônica entre eles, levando ao equilíbrio do sistema, que, como refere Douglas (1994) é a homeostase estomatognática. 7
8 De acordo com Tanigute (1998), o sistema estomatognático mostra o trabalho conjunto entre a odontologia e a fonoaudiologia, por fazerem parte dele dois grupos de estruturas bucais: as estruturas estáticas ou passivas e as estruturas dinâmicas ou ativas, que, equilibradas e controladas pelo sistema nervoso central, serão responsáveis pelo funcionamento harmônico da face. Descritas por Douglas (1994), as estruturas estáticas são representadas pelos arcos osteodentários, maxila e mandíbula, relacionados entre si pela articulação temporomandibular (ATM), além de outros ossos cranianos e do osso hióide. As estruturas dinâmicas estão representadas pela unidade neuromuscular, que mobilizam as partes ativas. E são classificadas, segundo Marchesan (1993), em músculos mastigatórios, que agem sobre a mandíbula; músculos supra e infra-hióideos, que atuam sobre o hióide; músculos cervicais, que mantém a posição cervical e cefálica adequada para as funções estomatognáticas; músculos faciais, que colaboram nas atividades estomatognáticas; e músculos linguais, que são parte fundamental de qualquer das funções bucais. Molina (1989) salienta que apesar de cada um desses componentes apresentar biologia e estrutura funcional própria, podem promover um equilíbrio funcional entre as partes envolvidas. Para o desenvolvimento das funções vitais, as estruturas bucais deverão estar em equilíbrio dinâmico, caso contrário poderão levar a deformidades dento-faciais e ao desequilíbrio nas articulações temporomandibulares. 8
9 E, como refere Souza (1997), a avaliação fonoaudiológica deve ocorrer de maneira minuciosa para que sejam detectadas adaptações e/ou disfunções visando um adequado planejamento quanto ao que deverá ser feito e quando. II.2 O SISTEMA MASTIGATÓRIO O sistema mastigatório, de acordo com Felício (1994), pode ser considerado como uma unidade funcional dentro do contexto de outras entidades que compreendem a cabeça e o pescoço e, na realidade, todo o corpo. Seus componentes principais incluem dentição, estruturas periodontais de suporte maxilar e mandibular, articulações temporomandibulares, musculatura mastigatória e de lábios, bochechas e língua, tecidos moles que revestem essas estruturas, assim como a inervação e a vascularização que suprem todos eles. Douglas (1994) refere a mastigação como a função mais importante do sistema estomatognático, por ser ela a fase inicial do processo digestivo. Define a mastigação como o conjunto de fenômenos estomatognáticos que visa a degradação mecânica dos alimentos. A mastigação apresenta uma evolução gradativa que, para Tanigute (1998), depende de padrões de crescimento, desenvolvimento e amadurecimento do complexo crânio-facial, sistema nervoso central e das guias oclusais. Molina (1989) descreve quatro funções principais da mastigação. A primeira e mais importante é a fragmentação dos alimentos em partículas menores, preparando-as para a deglutição e digestão. A segunda função é prover 9
10 uma ação bacteriana sobre os alimentos colocados na boca. Uma terceira função da mastigação é promover força e função indispensáveis para o desenvolvimento normal dos ossos maxilares. E, a quarta função está relacionada com a manutenção dos arcos dentários, com a estabilidade da oclusão e com o estímulo funcional, principalmente sobre o periodonto, músculos e articulação. Durante a mastigação contraem-se coordenadamente vários grupos musculares, sendo os mastigatórios os mais importantes embora também sejam fundamentais os músculos da língua e os faciais, especialmente bucinador e orbicular dos lábios. O funcionamento dos músculos mastigatórios ocorre através dos músculos que fazem mover a mandíbula. Existem quatro pares de músculos mastigatórios: masséter, temporal, pterigóideo lateral e pterigóideo medial. Além desses, o músculo digástrico também tem uma função importante durante o ciclo mastigatório. Okeson (1992) relata que o masséter tem sua origem no arco zigomático e se insere na mandíbula. Ele é formado de duas porções, superficial e interna. Quando as fibras do masséter se contraem, a mandíbula se eleva e os dentes entram em oclusão. É considerado um músculo de força, necessário para uma mastigação eficiente. Sua porção superficial também auxilia na protrusão da mandíbula. É importante ressaltar que quando ocorre esta protrusão e a força da mastigação é aplicada, as fibras internas estabilizam o côndilo contra a eminência articular. O temporal é um músculo grande em forma de leque, que tem origem na fossa temporal e na superfície lateral do crânio, insere-se no processo 10
11 coronóide e na borda anterior do ramo ascendente. Ele é um importante músculo posicionador da mandíbula. Pode ser dividido em três porções: anterior, média e posterior. A contração do temporal eleva a mandíbula e os dentes entram em contato. Se ocorre contração apenas da porção anterior do temporal, a mandíbula é elevada verticalmente; na contração da porção média vai elevar e retruir. Quanto à porção posterior, Okeson (1992) refere uma controvérsia entre alguns autores : uns sugerem que vai retruir a mandíbula, outros que vai elevar e causar pequena retração. O músculo pterigóideo medial origina-se na fossa pterigóidea estendendo-se para baixo, para trás e para fora. Insere-se na superfície interna do ângulo mandibular. Forma com o masséter um suspensório muscular que sustenta a mandíbula na altura do ângulo mandibular. Sua contração favorece a elevação da mandíbula, atuando também na protrusão. O pterigóideo lateral inferior, continua Okeson (1992), tem sua origem na superfície externa da placa lateral pterigóidea e estende-se para trás, para cima e para fora, apresentando inserção no pescoço do côndilo. A contração bilateral deste músculo puxa os côndilos para baixo nas eminências articulares e a mandíbula se protrui. Todavia, ocorrendo contração unilateral, cria-se um movimento mediotrusivo da mandíbula no lado oposto. Quando o pterigóideo atua juntamente com os depressores, a mandíbula é abaixada e os côndilos deslizam para frente e para baixo nas eminências articulares. O pterigóideo lateral superior tem origem na superfície infratemporal da asa esfenóide maior e insere-se primariamente na cápsula articular e 11
12 no disco e depois numa pequena parte do côndilo. Este músculo atua apenas em conjunto com os músculos elevadores. Apesar de não ser considerado um músculo mastigador, Okeson (1992) refere que o digástrico tem um papel importante no funcionamento da mandíbula. É dividido em duas porções ou feixes, o anterior e o posterior. Na contração deste músculo, a mandíbula é abaixada e puxada para baixo, desocluindo os dentes. Rocabado (1998) enfatiza que os músculos cervicais posteriores, esternocleidomastóideo e trapézio, auxiliados pelos músculos intrínsecos do pescoço (infra-hióideos), fixam a posição do crânio para que ocorram os movimentos mandibulares. Esses músculos cervicais são estruturas básicas para manter o crânio num balanço postural. É importante referir que, de acordo com Bianchini (1998), os músculos mastigatórios (temporal, masséter, pterigóideo lateral e medial, digástrico) fazem parte dos músculos da mastigação, como também os suprahióideos, os infra-hióideos, a musculatura da língua, bucinador e musculatura da mímica. Molina (1989) descreve os primeiros movimentos mastigatórios como mal coordenados e dirigidos, onde primeiro se estabelecem e se fixam os movimentos mais simples, para depois serem executados os mais complexos. Inicialmente exige-se uma ação integrada entre todos os proprioceptores do sistema estomatognático, tais como: articulares, linguais, periodontais, periorais e os da mucosa oral. Estes proprioceptores realizam uma orientação sensorial. 12
13 Os proprioceptores do aparelho estomatognático, refere Molina (1989), apresentam alto grau de função e atividade, tanto na vida intra-uterina como na extra-uterina. Ele diz que para determinar os movimentos da mandíbula, os de rotação e inclinação da cabeça, da musculatura e expressão facial, entre outros, uma extensa rede de receptores, intra e extra-orais, provêem circuitos de informações constantes para o tronco cerebral e córtex através do V par craniano, o trigêmeo, que mantém o sistema nervoso central constantemente informado. É interessante destacar que os proprioceptores da região perioral e da articulação temporomandibular iniciam seu ciclo de amadurecimento antes do nascimento. Felício (1994) considera a mastigação infantil com movimentos mandibulares de charneira, passando posteriormente, em torno dos três anos, a apresentar rotação e que a remodelação temporomandibular se dá em conseqüência da mastigação, deglutição e fonação, sendo mais intensa aos seis anos e depois aos doze anos, quando a mastigação evolui a um padrão adulto típico. Bianchini (1998) refere que apesar de alguns autores relacionarem a mastigação com o desenvolvimento da função de sucção, na amamentação, é provável que a maturação do sistema nervoso permita que se desenvolvam novas funções acionadas pela erupção dentária. À medida que irrompem mais dentes, completa Molina (1989), como os caninos e os molares decíduos, estabelecem-se novas posições funcionais, os ciclos de abertura e fechamento da boca tornam-se mais integrados e automáticos, fazendo diminuir, gradativamente, a interferência cortical, quando a mastigação passa de uma fase aprendida para uma fase reflexa e condicionada. 13
14 Neste período, os músculos e as ATMs são extremamente adaptativas. Molina (1989) cita a probabilidade, nesta fase do desenvolvimento, de que os movimentos mandibulares e as posições estabelecidas dependam mais dos proprioceptores periodontais e articulares do que dos dentes. Dos 5 aos 6 meses, como descreve Tanigute (1998), a língua amassa o alimento contra o palato, realizando movimentos verticais. Aos 7 meses iniciam-se os movimentos de lateralização, quando a língua começa a lateralizar o alimento. Enquanto que, com 1 ano a 1 ano e meio, a mandíbula começa com movimentos rotatórios e a mastigação já tem condições de ser bilateral com os lábios selados. Considera-se nesta época que a mastigação tenha padrões de adulto. Hanson (1988) define a mastigação como uma atividade complexa em si mesma, voluntária mas nem sempre consciente. Para ele, o fato de colocar o alimento na boca não aciona o reflexo, embora, uma vez iniciado, ele pode continuar em nível subcortical. O controle do reflexo é centralizado na porção médio-inferior do córtex motor. A mastigação, para Plesh (1996), é um ato rítmico e normalmente automático, tem controle central incluindo geradores rítmicos e de atividade localizados junto dos núcleos motores do trigêmeo. Os geradores rítmicos controlam completamente a adaptação dos acontecimentos, durante o ciclo mastigatório. Enquanto isso, os geradores de atividade controlam a seqüência de ativação muscular e o nível de atividade em cada unidade motora. A mastigação ocorre em três etapas clássicas: incisão, trituração e pulverização. 14
15 Douglas (1994) descreve que na fase de incisão ocorre elevação da mandíbula em protrusão, apreendendo o alimento entre as bordas incisais. Aumenta-se a intensidade da contração muscular elevadora da mandíbula, até que o alimento seja cortado. Logo após a mandíbula cai. A língua e as bochechas, coordenadamente, localizam o alimento entre as superfícies oclusais dos dentes posteriores para realização das etapas seguintes. A trituração do alimento, que é a transformação mecânica de partes grandes em menores, ocorre, principalmente, nos pré-molares, uma vez que sua pressão intercuspidiana é maior que a dos molares. Finalmente, as partículas pequenas dos alimentos transformam-se em elementos reduzidos que não oferecem nenhuma resistência nas superfícies oclusais ou na mucosa bucal. Esta última etapa é a pulverização do alimento. Como coloca Bianchini (1998), todas estas fases dependem da presença e saúde dos dentes e, principalmente, dos movimentos mandibulares. Estes movimentos ocorrem devido à existência das ATMs, da atuação neuromuscular e do comando neural. Marchesan (1998) refere a mastigação como a fase preparatória para a deglutição, onde ocorre quebra do alimento e transformação deste em bolo homogêneo. Uma alteração nesta fase da deglutição poderá alterar as fases seguintes. Durante o ciclo mastigatório é possível analisar uma constante modificação na dinâmica mandibular e, com ela, modifica-se a articulação temporomandibular. Uma mastigação que não ocorre adequadamente irá 15
16 promover movimentos alterados de todo o sistema estomatognático e, principalmente, da ATM. À medida que a oclusão e a articulação temporomandibular se desenvolvem e amadurecem, a capacidade de adaptação articular diminui, aparecendo os primeiros sinais e sintomas entre dentes e articulação (Molina, 1989). Um padrão de mastigação maduro, para Molina (1989), só pode ser obtido quando ocorre o amadurecimento dos elementos do complexo crâniofacial, especialmente os que formam o sistema estomatognático, entre os quais destacam-se nervos, vasos e músculos. O padrão mastigatório depende também do desenvolvimento e crescimento desses elementos relacionados com o aumento nas dimensões da boca, ATM com anatomia mais definida, estabelecimento do plano oclusal, maturação dos músculos da face, estabelecimento de reflexos coordenados, assim como mecanismos de retroalimentação proprioceptivos a partir da região perioral, periodontal e articulação. Na avaliação do aparelho mastigatório, além da história clínica e dos exames complementares, Steenks (1996) acredita que o dentista deva observar e precisar diversos aspectos como oclusão e articulação, má função como o bruxismo e o apertamento, certos hábitos como roer unha, postura de cabeça e de boca, verificar a articulação temporomandibular, tanto em repouso como durante os movimentos de abertura e fechamento da boca. O conjunto de todos esses resultados, serve de base para a determinação dos fatores etiológicos e para a elaboração do plano de tratamento. 16
17 A mastigação é uma função vital e de fundamental importância para o crescimento e desenvolvimento harmônico do complexo crânio-facial. Mas, para que ela possa ocorrer sem intercorrências, é necessário que haja condições anatômicas favoráveis. Molina (1989) diz ser sugestivo que os alimentos duros têm uma função importante no desenvolvimento dos maxilares, nas dimensões dos ossos, tanto em espessura como em largura e altura. E, conseqüentemente, a dieta mole do homem moderno pode ter um efeito atrófico sobre os ossos maxilares. Bianchini (1998) faz uma reflexão importante sobre a evolução do homem com o decorrer dos tempos, onde o homem primitivo era obrigado a utilizar seu sistema mastigatório frente ao tipo de alimento que ingeria e como ferramenta ou arma de ataque e defesa em suas lutas. Enquanto que o homem moderno, além de utilizá-lo apenas para sua alimentação, estes alimentos passam agora por fases de preparação, apresentando consistência mais pastosa. E, conseqüentemente, com o uso cada vez menor da mastigação, provavelmente ocorrerá uma modificação anátomo-fisiológica, aumentando as possibilidades de adaptações e de perturbações em todo o sistema. II.3 A ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR A ATM é uma articulação dupla bilateral, que se movimenta sinergicamente. É através dela que a mandíbula, único osso móvel do crânio, ligase à base craniana. Constitui a parte terminal do osso mandibular e está intimamente relacionada com o crânio através do osso temporal (Douglas,1994). 17
18 Douglas (1994) classifica a ATM como uma diartrose sinovial bicondílea complexa, com movimentos sincronizados entre as articulações. Molina (1989) localiza anatomicamente a articulação temporomandibular entre a região distal superior terminal do osso mandibular e a região inferior e lateral do osso temporal. A articulação está delimitada posteriormente pela espinha pós-glenóide, a região escamosa do osso temporal, o conduto auditivo externo e a região posterior da fossa glenóide; anteriormente pelo tubérculo articular; lateralmente pela parede lateral externa da fossa glenóide e o músculo masséter; superiormente pelo osso temporal e pelo arco zigomático. Entre as superfícies articulares forma-se um plano de deslizamento dos côndilos, que são eminências ósseas elipsóideas cujo eixo maior dirige-se para trás e para dentro, conectando-se à mandíbula por um segmento estreito, o colo (Douglas, 1994). Assim, como descreve Douglas (1994), a cavidade glenóide ou condilar é uma profunda depressão côncava. Entre as superfícies articulares interpõe-se um menisco, o disco interarticular, que facilita o contato entre elas. Felício (1994) relata que o disco é formado por tecido conjuntivo denso fibroso, o qual é menos susceptível ao desgaste. O disco está inserido na cabeça do côndilo medial e lateralmente, sendo que, posteriormente, se liga à cápsula articular. Além de evitar o contato entre as estruturas ósseas, ele estabiliza o côndilo na cavidade glenóide, facilita e acompanha os movimentos condilares e, através de seus proprioceptores, regula os movimentos mandibulares. 18
19 O disco articular funciona como um osso não calcificado, que permite os movimentos complexos da ATM. No plano sagital, completa Okeson (1992), o disco pode ser dividido em três regiões de acordo com sua espessura. A parte central é a mais fina, chamada de zona intermediária; é desinervada e desvascularizada, permitindo que os movimentos se realizem sem desconforto. Nas partes anterior e posterior a esta zona intermediária, ele é mais espesso e a borda posterior é, geralmente, mais espessa que a anterior. A ATM, como cita Rocabado (1998), está rodeada por uma cápsula articular que contém o líquido sinovial, encarregado de lubrificar e nutrir as estruturas da articulação. Steenks (1996) destaca que a cabeça da mandíbula e a fossa articular não são congruentes e que é o disco articular que possibilita a adaptação das superfícies. Salienta também, que durante os primeiros anos de vida ocorrem modificações nas superfícies articulares. No recém-nascido a articulação apresenta-se rasa, a fossa mandibular é apenas esboçada, e o tubérculo articular encontra-se pouco desenvolvido. Após os cinco anos de idade, o desnível entre a fossa mandibular e o tubérculo tende a aumentar e, o estado definitivo desenvolve-se na idade de cinco a oito anos, resultando em conseqüências para as relações morfológicas entre a cabeça da mandíbula e a fossa articular. A influência da função das arcadas dentárias em desenvolvimento e dos dentes tanto os decíduos como os permanentes, vão interferir na forma definitiva da ATM. Numa articulação normal, continua Okeson (1992), a superfície articular do côndilo está localizada na zona intermediária do disco. A forma 19
20 precisa do disco é determinada pela morfologia do côndilo e da fossa mandibular. Durante o movimento o disco é, de certa forma, flexível e pode se adaptar às demandas funcionais das superfícies articuladas. De acordo com Rocabado (1998), a posição cêntrica condilar, onde as superfícies articulares do côndilo, disco e do osso temporal estão alinhados, é considerada a posição mais estável da mandíbula, sob o ponto de vista esquelético e muscular. Em cada ATM existe uma grande quantidade de receptores que, de acordo com Douglas (1998), respondem as variações de tensão. Os mecanorreceptores controlam e coordenam reflexamente os músculos que operam a ATM, desde a percepção do posicionamento da mandíbula, numa postura orofacial, até a direção e velocidade dos movimentos durante as funções estomatognáticas. Existem quatro tipos de receptores de acordo com a classificação de Greenfield e Wyke, são os receptores tipo I GWI, tipo II GWII, tipo III GWIII e tipo IV GWIV. (Douglas,1998) Os receptores mecânicos e de dor estão localizados em três ligamentos: lateral, esfenomandibular e estilomandibular. As estruturas articulares limitam a faixa de movimentação do côndilo, e ao mesmo tempo conferem firmeza e elasticidade. A ATM não suporta forças, tendendo a manter a mandíbula, que está pendurada na articulação. De acordo com Cabezas (1997), estes ligamentos não participam ativamente na função da articulação, atuam como guias para restringir certos movimentos (bordejantes) e, permitindo outros movimentos, que são os 20
21 funcionais. Ele ressalta que caso os movimentos da articulação forcem constantemente os ligamentos, o comprimento desses pode ser alterado porque têm pouca habilidade para esticar-se e, quando isto ocorre freqüentemente, alongam-se criando mudanças na biomecânica da articulação temporomandibular, podendo levar a mudanças patológicas. Douglas (1994) destaca que os movimentos da mandíbula são determinados pelo deslizamento do côndilo dentro da cavidade condilar e, que variam de acordo com as características da ATM. Salienta ainda que as características morfofuncionais da ATM definem-se de 7 a 10 anos de idade. Como defende Felício (1994), a ATM é o fulcro de todas as questões relacionadas às desordens temporomandibulares. Desta forma, faz-se necessário o conhecimento dos profissionais sobre as superfícies pelas quais desliza o côndilo da mandíbula, como o conjunto côndilo-disco se mantém para suportar diversas situações de estresse, incluindo a ação da musculatura e funções dos ligamentos. Felício (1994) enfatiza a ATM por ela não ser uma articulação comum, uma vez que por estarem localizadas uma em cada extremidade de um único osso, a mandíbula, cada côndilo impõe limitações de movimentos sobre o outro. O côndilo da mandíbula, continua Felício (1994), articula-se com a fossa do osso temporal. Anteriormente à fossa está a eminência articular, uma proeminência óssea convexa e, posteriormente, está a zona bilaminar, que é ricamente inervada e vascularizada. Ao abrir a boca os dois côndilos formam um eixo comum, onde nenhum movimento será unilateral. 21
22 Segundo Hanson (1988), pode-se tocar a ATM colocando os dedos à frente da orelha e em seguida abrir e fechar a boca. Outra maneira é colocar o dedo dentro da orelha, fazendo o mesmo movimento com a mandíbula de abrir e fechar ou também de lateralizar. Sobre a dinâmica mandibular, Rocabado (1998) refere que as bordas externas do disco articular, unidas à capsula articular, dividem a articulação em dois compartimentos. O compartimento supra-discal executa os movimentos de translação e o compartimento infra-discal realiza o movimento de rotação condilar. Ele diz que, em condições de saúde, os movimentos das articulações temporomandibulares devem ser suaves, coordenados, sem dor e sem estalos. Estes movimentos são propiciados pelos músculos da mastigação e supra-hióideos, nos quais o conjunto côndilo-disco deve trabalhar harmonicamente. Felício (1994) descreve que no início da abertura da boca o côndilo rotaciona pela contração dos músculos depressores da mandíbula e, na abertura final o côndilo translada para frente. Este movimento ocorre pela contração do pterigóideo lateral inferior. Durante o fechamento a mandíbula é puxada inicialmente para trás. O côndilo é então puxado para cima e mantido contra a eminência pela contração dirigida para frente dos músculos. Nesse momento o disco rotaciona para a frente do côndilo pela contração do pterigóideo lateral superior. 22
23 II.4 - RELACIONANDO A MASTIGAÇÃO COM A ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR Douglas (1994) enfatiza que o funcionamento das ATMs é sincrônico e a função harmônica, trabalhando por unidade e, por outro lado, que a fisiologia temporomandibular está intimamente relacionada à função neuromuscular, à função oclusal e periodontal. Braga (1997) diz que os arcos dentários e os rebordos alveolares representam uma unidade e seu crescimento e desenvolvimento harmonioso dependem, entre outras coisas, do equilíbrio de forças que desenvolvem os lábios e as bochechas por fora e a língua por dentro. Se esse equilíbrio se rompe, a unidade dente-osso alveolar se desviará inevitavelmente para o lado da força predominante. Afirma Rocabado (1998) que os movimentos mandibulares funcionais são controlados e dirigidos através da harmonia entre o componente neuromuscular, articulação temporomandibular, oclusão e periodonto. Ele descreve que havendo um equilíbrio entre essas estruturas, o sistema estomatognático estará em harmonia morfofuncional, ou seja, as funções estomatognáticas ocorrerão com a máxima eficiência gastando o mínimo de energia. Esta harmonia é denominada ortofunção ou normofunção, onde o sistema está silencioso e assintomático. Por outro lado, continua Rocabado (1998), quando o sistema está submetido à sobrecarga funcional contínua, associada ao stress emocional, passa a ser denominado parafuncional. Um exemplo é o bruxismo, o apertamento, que 23
24 podem desenvolver um estado de desequilíbrio morfofuncional entre os componentes. A esta situação de desarmonia morfofuncional denomina-se patofunção ou disfunção, onde o sistema trabalha com respostas patológicas. Entre estes dois estados de ortofunção e patofunção, o autor descreve um estado intermediário de adaptação, que se caracteriza por uma compensação morfofuncional, através dos mecanismos de adaptação fisiológica e de resistência tecidual dos diferentes componentes do sistema estomatognático. O sistema neuromuscular, segundo Douglas (1994), refere-se a um conjunto de músculos esqueléticos, cuja função depende do sistema nervoso central. Estes músculos são os elementos ativos ou dinâmicos do sistema estomatognático, movimentando a mandíbula em diferentes sentidos, de acordo com as características de inserção dos músculos na mandíbula e a orientação das fibras que se contraem num determinado momento. Bianchini (1995) refere que o mecanismo de crescimento da mandíbula ocorre através de surtos de crescimento. É importante ressaltar para nosso estudo que os músculos mastigatórios, principalmente temporal e masséter, estimulam esse crescimento e especialmente a projeção da mandíbula, que no bebê é pouco desenvolvida. De acordo com Douglas (1994), os músculos que trabalham na função mastigatória com a ação básica de elevar a mandíbula está o temporal, masséter e pterigóideo medial; os músculos que trabalham principalmente na depressão da mandíbula são o pterigóideo lateral, digástrico, genio-hióideo e milo-hióideo. 24
25 Felício (1994) faz referências quanto aos músculos responsáveis pelo posicionamento horizontal da mandíbula que são os pterigóideos laterais inferiores, que puxam o côndilo para frente; as fibras dos temporais, que puxam a mandíbula para trás; e os pterigóideos laterais superiores, os quais mantêm o disco alinhado com o côndilo durante a função. Em repouso, a mandíbula é mantida pela contração dos elevadores. Além dos músculos mastigatórios outros músculos participam ativamente da função de mastigação e são considerados auxiliares, são eles: bucinador, orbicular dos lábios, zigomático maior e zigomático menor (Douglas, 1994). Com o amadurecimento da oclusão e da mastigação, Molina (1989) faz referências quanto à anatomia de todos os componentes articulares, especialmente fossa, côndilo e tubérculo articular, que se modificam para adaptar às mudanças presentes com o estabelecimento da dentição permanente, em torno dos doze anos de idade. A dentição decídua, segundo Molina (1989), caracteriza-se por apresentar fossa glenóide pouco profunda, tubérculo articular pouco desenvolvido, cúspides baixas, dentes verticalmente posicionados. Uma oclusão com este padrão permite o desenvolvimento de movimentos mandibulares bordejantes e intrabordejantes que estimulam a função dos músculos mastigadores, influenciando o remodelado na articulação. O remodelado articular, devido aos movimentos da mandíbula durante a mastigação, fonação e deglutição, é mais significativo entre os 6 anos de idade, período em que inicia a troca dos dentes decíduos pelos permanentes. 25
26 A ATM realiza movimentos bordejantes extremos durante a mastigação de alimentos duros e volumosos e movimentos intrabordejantes na deglutição, mastigação de alimentos suaves e no ciclo mastigatório. Ao analisar os movimentos mandibulares desenvolvidos durante a mastigação, Bianchini (1998), enfatiza a necessidade de observar os ciclos mastigatórios. Cada ciclo corresponde a um movimento mandibular completo, ou seja, abertura da mandíbula, fechamento até ocorrer o contato e intercuspidação dentária para quebra do alimento. Quando os dentes estão em máximo contato chamamos de intercuspidação máxima. A posição de repouso fisiológico da mandíbula é aquela em que os músculos mandibulares estão simultaneamente em comprimento de repouso e em tônus equilibrado. Em pessoas com apertamento constante de dentes, os músculos elevadores da mandíbula não repousam, o que os leva a hiperatividade (Felício,1994). Como cita Marchesan (1997), a oclusão e a tipologia facial determinam a força e o modo de mastigar. Bianchini (1995) completa que mastigação, deglutição e fala devem ser correlacionados ao padrão facial. No caso de uma desproporção no sentido ântero-posterior, o padrão mastigatório caracteriza-se por ineficiência e movimentos mandibulares incoordenados. No indivíduo que apresenta uma oclusão classe II esquelética, percebe-se uma tendência à anteriorização mandibular durante o ciclo mastigatório, além de dificuldade de vedamento labial, impedindo o correto desempenho dos músculos orbicular dos lábios e bucinadores. 26
27 No caso de indivíduos classe III, continua Bianchini (1995), os movimentos da mandíbula são mais verticalizados com grande utilização de meio e dorso de língua, esmagando o alimento. De acordo com Felício (1994), a compreensão da oclusão envolve também conceitos como curva de Spee, curva de Wilson, guias de desoclusão e dimensão vertical. Segundo sua descrição, a curva de Spee é um alinhamento dos dentes visto lateralmente. Sua importância está relacionada à estabilidade das arcadas e aos movimentos funcionais da mandíbula que poderão sofrer alterações. Já a curva de Wilson tem um sentido vestíbulo-lingual e relaciona-se aos movimentos de lateralidade e à mastigação. Nas guias de desoclusão anterior e canina é possível verificar, através da movimentação da mandíbula, se ocorre harmonia oclusal. Tais guias funcionais, como relata Felício (1994), são as que a mandíbula segue nas funções de mastigação, fala, deglutição, as quais dependem do posicionamento dos dentes anteriores, que por sua vez pode ter sido determinado pelos lábios, língua, plano oclusal e comprimentos ótimos de contração muscular. Os maiores valores de força mastigatória estão nos primeiros molares e os menores nos incisivos, isto ocorre devido a posição de inserção dos músculos elevadores e à característica de maior área de suporte dentário. Quando há alterações da ATM, os valores da força mastigatória apresentam-se mais baixos. Douglas (1994) ressalta que o tipo de alimento tem influência nas características mastigatórias. O ciclo mastigatório se modificará de acordo com a 27
28 intensidade, freqüência e pressão de acordo com o tipo de alimento. Refere também, que a força mastigatória é levemente maior no sexo masculino do que no feminino, e que indivíduos jovens, entre 15 e 20 anos, apresentam valores maiores de forças mastigatórias. O valor desta força mastigatória pode variar segundo os hábitos alimentares de uma região ou de uma raça. Os grupos humanos que mastigam alimentos duros, fibrosos, apresentam valores maiores de força do que os que têm uma alimentação pastosa ou mole. Ele cita o exemplo dos esquimós que apresentam força mastigatória nos molares em torno de 150 Kg, enquanto que a dos norte-americanos contemporâneos fica ao redor de 70 Kg. Através do estudo realizado por Ottenhoff (1996), foi examinada a relação entre os potenciais bioelétricos desenvolvidos pelos músculos responsáveis pelo fechamento mandibular, registrados pela eletromiografia de superfície, e a resistência de alimentos durante os movimentos cíclicos de abertura e fechamento mandibular. Este estudo mostrou que os masséteres estavam mais envolvidos do que os temporais no fechamento mandibular. Em estudos qualitativos, relacionando a textura dos alimentos com os potenciais bioelétricos dos músculos durante a mastigação, verificou-se que as amplitudes dos registros aumentavam quando se mastigava alimentos duros e, aumentava também, a duração da atividade. Foi visto que a quantidade de alimento originou um aumento da atividade do músculo masséter. Uma mastigação adequada deve ter um padrão bilateral alternado, corte do alimento com os incisivos, vedamento labial, sem ruído ou participação exagerada da musculatura perioral, lateralização de língua e mandíbula, além de 28
29 simetria muscular. E, para que esse padrão mastigatório ocorra, Bianchini (1998), refere a necessidade de uma harmonia morfológica e funcional das estruturas estomatognáticas. De acordo com Marchesan (1993) é requisito para uma oclusão ideal que os contatos dentários sejam simultâneos e estáveis em posição intercuspideana, sem que haja interferência nos movimentos mandibulares; que ocorra distribuição das forças oclusais nas zonas de trabalho; e que exista um equilíbrio funcional com a articulação temporomandibular e o sistema neuromuscular da mandíbula. Esses requisitos apresentam-se quando há integridade morfofuncional de todos os componentes estomatognáticos. Uma criança que apresenta mordida cruzada lateral, passa a mastigar somente do lado da mordida e, com isso, a musculatura facial da mastigação, mímica facial, da língua, do pescoço e da nuca, passam a funcionar muito mais do lado cruzado. Assim, descreve Aragão (1997), com o passar do tempo, a mandíbula vai se deslocando para o lado da mastigação, ocasionando com isso um desvio do mento da criança também para o lado da mastigação, fazendo assimetrias faciais. Com a mastigação unilateral, continua Aragão (1997), os músculos da mímica do lado da mastigação são mais solicitados e ficam mais exercitados do que o lado oposto. As conseqüências são comissuras labiais repuxadas e com alturas assimétricas. Os músculos do pescoço e da nuca também apresentam alteração, causando desvios da posição da cabeça, afetando até o centro do equilíbrio, localizado nos canais semicirculares no ouvido médio. 29
30 De acordo com Molina (1989), as superfícies articulares da cabeça do côndilo, cavidade glenóide e declive posterior do tubérculo articular estão bem protegidos por um tecido conjuntivo denso fibroso e resistem a forças compressivas de considerável magnitude. Enquanto isso, as superfícies funcionais, principalmente a região central do disco, não possuem vasos e nervos resistindo a pressões menores. Nem todas as regiões da ATM apresentam a mesma capacidade de resistir a pressões. As regiões posteriores e anteriores são delicadas e facilmente respondem com dor e disfunção na presença de posições mandibulares e condilares excêntricas. As desordens temporomandibulares são caracterizadas por Cabezas (1997) como doenças que envolvem vários problemas clínicos comprometendo os músculos da mastigação, onde a ATM e estruturas orofaciais associadas são as principais causas de dor de origem não dental na região orofacial. O sintoma mais comumente encontrado é a dor nos músculos da mastigação, na região préauricular e na articulação temporomandibular. Apresentam também estalos articulares e dificuldade de abertura bucal. A maioria dos tratamentos recomendados, continua Cabezas (1997), são para aliviar os sintomas. É importante identificar as causas das desordens temporomandibulares como o trauma, hábitos parafuncionais, artrite reumatóide e hiperatividade muscular generalizada. O tratamento está diretamente relacionado com o fator etiológico. Myrhaugh (1965), citado em Felício (1996), sugeriu que os músculos tensor do tímpano e tensor do véu palatino entram em espasmo conjuntamente com os músculos elevadores da mandíbula. 30
31 Felício (1996) destaca que espasmos dos músculos mastigatórios podem ser acompanhados de espasmo no músculo tensor do véu palatino, prejudicando sua atuação na abertura da tuba auditiva. As conseqüências podem ser: disfunção da tuba, pressão nos ouvidos, desequilíbrio e perda da audição. Enquanto isso, continua Felício (1996), espasmos do músculo tensor do tímpano além de provocar os mesmos sintomas, apresentam otalgia, zumbido e cefaléia. Considera-se que nesses casos não há processo otorrinolaringológico patológico, e sim, disfunção de ATM, ou seja, o tratamento odontológico é capaz de promover a diminuição ou desaparecimento dos sintomas. O sistema neuromuscular forma a parte ativa do aparelho estomatognático, onde todas as atividades de movimento, como os movimentos mandibulares, posicionamento do côndilo, mecanismos de feedback, ou mesmo, no bruxismo, dependem de um sistema neuromuscular bem integrado cuja finalidade é proteger os componentes do aparelho estomatognático, principalmente as ATMs, do trauma interno ou externo.(molina, 1989) Dessa forma, todas as pressões sobre o côndilo devem estar acompanhadas por uma correta coordenação muscular e, para nós fonoaudiólogos, deve ficar claro que os exercícios miofuncionais nunca devem exceder os limites de movimentos ou mesmo alterar o posicionamento dos côndilos, para que não prejudique o funcionamento do sistema. A ATM é a articulação responsável pelos movimentos mandibulares associada à ação dos músculos mastigatórios. Estes movimentos possibilitam a realização das funções estomatognáticas. Portanto, defende Anelli (1997), quando há alteração muscular e das funções cabe ao fonoaudiólogo atuar como 31
32 membro da equipe que cuida do indivíduo que apresenta a desordem temporomandibular. Na odontologia tem chegado com força o conceito de que o equilíbrio muscular é um dos elementos que contribuem para o estabelecimento da movimentação dentária, refere Segóvia (1988). Ela continua dizendo que os dentes crescem em um mar muscular, onde de um lado estão os movimentos linguais e de outro o cinturão labial. E, através das funções neuromusculares da cavidade oral, ocorrem as modificações estruturais e morfogenéticas dos elementos neuromusculares do órgão da mastigação. Existe a necessidade de um trabalho coordenado entre o fonoaudiólogo e o odontólogo. É possível verificar assim, a real importância do estudo da articulação temporomandibular relacionada com a função de mastigação, uma vez que esta é uma constância na prática fonoaudiológica com motricidade oral. 32
33 III - CONSIDERAÇÕES FINAIS Através de uma inter-relação complexa e sinérgica da articulação temporomandibular com a mastigação, envolvendo desde musculatura, estrutura óssea, ligamentos, entre outros, foi possível verificar que modificações nesta função irão alterar não só as estruturas de suporte, como lábios, língua, bochechas, periodonto, etc., mas também outras funções como a deglutição, a digestão e até a postura corporal. O sistema mastigador, integrante do sistema estomatognático, origina-se na cavidade oral mas, está relacionado além do contexto crânio-facial, produzindo respostas em todo o corpo. O fonoaudiólogo em sua atuação clínica precisa pesquisar com detalhes a história do paciente, questões como rotina alimentar, dificuldade para deglutir, problemas gástricos, posturais, auditivos e até emocionais, podem ser reflexo de uma mastigação ineficiente. Adaptar a mastigação significa possibilitar ao paciente movimentos mandibulares sem dor e com amplitude suficiente para a execução desta função. Não se pode esquecer que, havendo desajustes oclusais ou dentários, esta mastigação pode estar se ajustando às estruturas ósseas evitando, de forma inconsciente, um dano maior na ATM. Não é suficiente a simples observação da disfunção ou alteração, mas é de fundamental importância saber responder os porquês. Se um paciente apresenta pouca mobilidade mandibular na mastigação, o profissional precisa ver se isto ocorre por um hábito, se ele está amassando o alimento com a língua 33
34 contra o palato, se ocorre dor, se a abertura de boca está limitada, entre outros e, o porque desses fatores ocorrerem. A partir dessas respostas faz-se um diagnóstico preciso e os resultados do tratamento serão melhores. Convém lembrar ainda, a importância de que o paciente esteja consciente de todo o trabalho. Isto fará com que ele também se empenhe no tratamento. Quanto mais informado, de forma simples, sobre a disfunção, a reabilitação e os procedimentos, mais colaborador, seguro e menos ansioso será o paciente. Foi possível verificar a unanimidade entre os autores a respeito da relação intrínseca entre a ATM e a mastigação, onde qualquer intercorrência quanto à forma irá refletir nas funções e vice-versa. Eles referem a mastigação como uma função de valor para o funcionamento harmônico do sistema estomatognático, assim como uma função imprescindível para o desenvolvimento e crescimento integrado do complexo crânio-facial. Isso nos leva a perceber a real necessidade de um trabalho em conjunto, fonoaudiologia, odontologia e áreas afins, buscando o bem estar do paciente para integridade do sistema estomatognático e o bem-estar do paciente. Esta pesquisa teve como objetivo realizar um estudo fazendo a interrelação da função de mastigação com a articulação temporomandibular. Muito foi lido e estudado mas, no universo da aprendizagem, este foi o início de um longo caminho a percorrer. No decorrer do trabalho foi verificado que a mastigação pode modificar ou alterar estruturas que estão além do sistema estomatognático, ou seja, que pertencem a partes distantes da cavidade oral. Este é um tema 34
35 interessante que despertou em mim curiosidade e, que deixo aqui como sugestão para outro estudo. 35
36 IV - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANELLI, W. Atuação fonoaudiológica na desordem temporomandibular. In: LOPES FILHO, O.C. Tratado de fonoaudiologia. São Paulo, Ed. Roca p ARAGÃO,W. O Tratamento de correções dentárias na infância: a partir dos três anos de idade. Jornal da ABOM, ano IV, n.17, abril/junho BIANCHINI, E.M.G. A Cefalometria nas alterações miofuncionais orais: diagnóstico e tratamento fonoaudiológico. São Paulo, Pró-fono dep. ed., 3 a. ed., BIANCHINI, E.M.G. Mastigação e ATM : Avaliação e terapia. In: MARCHESAN, I.Q. eds. Fundamentos em fonoaudiologia: aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, p. BRAGA, P.C.L. A Deglutição e o crescimento e desenvolvimento do sistema estomatognático. Jornal da ABOM, ano IV, n.17, abril/ junho CABEZAS, N.T. Desordens temporomandibulares. In: LOPES FILHO, O.C. Tratado de fonoaudiologia. São Paulo, Ed. Roca, p DOUGLAS, C.R. Tratado de fisiologia aplicado às ciências da saúde. São Paulo, Ed. Robe, p. DOUGLAS,C.R. Patofisiologia oral: fisiologia normal e patológica aplicada a odontologia e fonoaudiologia, vol. I. São Paulo. Pancast, p. FELÍCIO, C.M. Fonoaudiologia nas desordens temporomandibulares. São Paulo, Ed. Pancast, p. 36
37 FELÍCIO, C.M.; SOUZA, L.B.; SOUZA, L.G.; SILVA, M.A.M.R. Desordens temporomandibulares e patologias auditivas: o que há em comum? In: MARCHESAN, I.Q.; ZORZI,J.L.; GOMES, I.C.D,. Tópicos em fonoaudiologia vol. III, São Paulo, Lovise, p HANSON, M.L. & BARRET, R.H. Fundamentos da miologia orofacial. Rio de Janeiro, Enelivros p. MARCHESAN, I.Q. Motricidade oral: visão clínica do trabalho fonoaudiológico integrado com outras especialidades. São Paulo, Pancast p. MARCHESAN, I.Q.- Avaliando e tratando o sistema estomatognático. In: LOPES FILHO, O.C., Tratado de fonoaudiologia, São Paulo. Ed. Roca, p MARCHESAN, I.Q. Deglutição: diagnóstico e possibilidades terapêuticas. In: Fundamentos em fonoaudiologia: aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de janeiro. 1998, Guanabara. 108p. MOLINA, O.F. Fisiopatologia craniomandibular. São Paulo, Pancast, p. MYRHAUG, H. The incidences of ear symptons in cases of maloclusion and temporomandibular joint disturbances. Br. J. Oral Surg., 2: 28-32, OKESON, J.P. Fundamentos de oclusão e desordens temporomandibulares. St. Louis Mo, USA. Artes Médicas, p. 37
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