A IDENTIDADE CULTURAL E OS PARADIGMAS DA DIVERSIDADE E DA
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- Fátima Beretta Lemos
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1 Eixo Temático 1 Educação e Diversidade Cultural A IDENTIDADE CULTURAL E OS PARADIGMAS DA DIVERSIDADE E DA RESUMO DIFERENÇA. Simony Freitas de Melo - UFPE As questões sobre identidade estão sendo discutidas amplamente na teoria social. O que se discute especificamente é que a velha identidade, antes estabilizada, definida, está em declínio. Novas identidades surgem fragmentando o indivíduo moderno, a isto se dá o nome de crise de identidades. Sob esta perspectiva, o presente estudo procurou compreender os conceitos de cultura e identidade e suas perspectivas a partir dos paradigmas da diversidade e da diferença. Para atingir os objetivos, utilizou-se da abordagem qualitativa tomando como procedimento metodológico a realização de pesquisa bibliográfica tendo como principal obra: A identidade cultural na pósmodernidade, de Stuart Hall (2006). Percebemos que na discussão atual sobre identidades é perceptível uma perspectiva emergente de compreensão das diferenças e que indicam uma visão mais complexa do ser diferente, para além do paradigma da diversidade. Desta perspectiva surge o campo híbrido, polissêmico, ao mesmo tempo promissor, da diferença, que se constituem, nos centro das enunciações de diferentes sujeitos e identidades sócio-culturais. Palavras-Chaves: Identidade Cultural, Diversidade, Diferença, Cultura. INTRODUÇÃO Há algum tempo questões sobre diferença cultural têm ganhado mais espaço nas discussões e preocupações no âmbito educacional. Uma das evidências desta afirmativa está refletida nos Parâmetros Curriculares Nacionais, publicado pelo governo, no ano de 2000, onde um dos cinco temas transversais é o Pluralismo Cultural. A pluralidade de culturas nos convoca a nos vermos como seres sociais atuantes e participantes dessas múltiplas culturas. Quando nos aproximamos dessas questões culturais as percebemos de forma concreta possibilitando até novos contornos e olhares. De acordo com Santos, a discussão sobre cultura pode nos ajudar a pensar sobre nossa própria realidade social. De fato, ela é uma maneira estratégica de pensar sobre nossa sociedade, e isso se realiza de modos diferentes e às vezes contraditórios 1. 1 (2003, p. 9)
2 2 As diferenças culturais estão presentes não somente nas discussões e questionamentos científicos, mas nas salas de aula, intimando o professor a trabalhar com ela no seu cotidiano. Hoje, não mais como na educação tradicional, que se atuava de forma a reconhecer apenas uma cultura, geralmente a das elites, mas de forma diferenciada, buscando promover a interação das várias culturas, de promover, reconhecer e legitimar as culturas das classes menos favorecidas. O Multiculturalismo, especificamente, tem sido objeto de discussões e tem trazido grandes contribuições para a formação de professores. É requerido ao professor trabalhar com diferentes culturas, no entanto, devido a presença da educação tradicional, supõe-se que na maioria das vezes não sabe como fazer. A saída para eles seria continuar trabalhando de forma monocultural, que contribui e fomenta a exclusão de crianças e jovens que possuem uma cultura diferente da cultura modelo existente nas escolas. De acordo com Giroux e McLaren, Para muitos professores que se vêem lecionando para alunos de classe operária ou integrantes de minorias, a falta de uma estrutura bem articulada para o entendimento das dimensões de classe, cultura, ideologia e gênero, presentes na prática pedagógica, favorece a formação de uma alienada postura defensiva e de uma couraça pessoal e pedagógica que freqüentemente se traduz na distância cultural entre nós e eles 2. Ao professor é facultada a promoção e a possibilidade de uma prática pedagógica multiculturalista, diferenciada, que redimensiona o currículo com o qual trabalha, para construir, reorientar, conceber o processo educativo em função de novas demandas sociais. Não queremos afirmar que a formação do professor pautada nos princípios do multiculturalismo garanta uma atuação multicultural, porém sem a mesma está possibilidade não ficaria ainda mais difícil? Pois, mesmo que esteja este profissional disposto a assumir tal postura, ele não teve subsídios e nem conhecimentos em sua formação. Dentro desta perspectiva cultural, Leite nos aponta que a formação de professores necessita, como premissa o desenvolvimento de competências que permitam aos Professores configurar e desenvolver projectos que adequem o discurso oficial às especificidades locais e ao mundo em que vivemos ou, dito de outro modo, que tornem significativo para quem aprende 2 (1994, p.134)
3 3 os conhecimentos seleccionados pela escola e os processos dessa aprendizagem criem condições para o exercício activo da cidadania 3. É necessário uma formação mais completa que permita ao professor a aquisição de conhecimentos socioculturais, a compreensão das relações que a cultura, a língua, a economia, têm no desenvolvimento escolar dos seus alunos. Uma formação capaz de promover uma prática educativa preocupada com as diferenças culturais direciona para o compromisso de formar professores investigadores, pesquisadores, ativos, principalmente, na construção e reconstrução diária dos currículos escolares. A formação poderá proporcionar conhecimentos que possibilitem aos mesmos a capacidade de se assumirem autor de uma prática educativa crítica. Faz-se necessário que o professor seja educador, agente da transformação social e não apenas cumprir o papel de instruir seus alunos, sem provocar, nem estimular a emancipação dos mesmos. Ainda, segundo Leite: é preciso que os professores não sejam meros ensinantes mas que sejam, principalmente, educadores. Dito por outras palavras, não basta que os professores dominem conhecimentos da disciplina ou disciplinas a que se encontram ligados; é preciso que eles próprios, professores, tenham consciência das situações que ocorrem na comunidade e no mundo e que sejam militantes emprenhados na compreensão dessas situações e na criação de um mundo mais justo e plural 4. O presente estudo surge desta preocupação com a formação do professor, este artigo, no entanto, é um recorte de um trabalho maior que busca compreender como é tratada a diferença cultural nos currículos do curso de Pedagogia. Neste artigo nos detemos a fazer um estudo e análise teórica sobre os conceitos de cultura, identidade e suas perspectivas a partir das terminologias diversidade e diferença. A pesquisa desenvolvida seguiu parâmetros da pesquisa bibliográfica dentro da abordagem qualitativa. Sendo este tipo de abordagem escolhida porque seu propósito fundamental é a compreensão, explanação e especificação do fenômeno 5. A pesquisa bibliográfica se justifica nesse tipo de pesquisa, pois seu objetivo principal consiste em conhecer e analisar as principais contribuições teóricas existentes sobre um determinado tema ou problema, tornando-se um instrumento indispensável para qualquer tipo de pesquisa 6. 3 (2003, p. 45) 4 (2003, p. 47) 5 Gamboa, 1997, p KOCHE, 1997, p.122.
4 4 Nossa pesquisa bibliográfica se realizou através da leitura, fichamento sistematizado e análise, de algumas obras, entre elas estão: A identidade cultural na pósmodernidade de Stuart Hall (2006); Por uma filosofia da diferença de Gilles Deleuze (2000). E CULTURA, O QUE É? Iniciando os estudos sobre cultura, percebemos ao longo da história que o desenvolvimento da humanidade é marcado principalmente por conflitos entre modos diferentes de organização da vida social. As realidades dos agrupamentos humanos e as características que os assemelham e os diferenciam são complexas demais, no entanto, na maioria das vezes a cultura as expressa. Neste caso, seria cultura como compreensão da humanidade como um todo e ao mesmo tempo a cada um dos povos, sociedades, entre outros, em suas particularidades. Cada realidade cultural tem sua lógica a qual buscamos conhecer para que façam sentido em suas práticas, costumes e concepções. É necessário relacionar a variedade de procedimentos culturais com os contextos em que são produzidos. O estudo da cultura, neste sentido, pode contribuir no combate ao preconceito e levar as diferentes culturas a se respeitarem entre si. As preocupações com a cultura se voltam para a compreensão das sociedades modernas, assim como das sociedades mais antigas que porventura de contatos e influências externas, desapareceram. Nesta perspectiva histórica é que buscamos a origem e o significado da palavra cultura. A palavra cultura é de origem latina e seu significado inicial está ligado à atividade agrícola. Deriva do verbo latino colere, que significa cultivar. Os antigos pensadores ampliaram esse significado e a usaram para referir-se ao refinamento pessoal. E ainda hoje, também é utilizado para esse fim. No entanto, não há uma definição única para cultura, inclusive no próprio Dicionário da Língua Portuguesa, encontramos quatro definições: a primeira, ato ou efeito ou modo de cultivar ; a segunda, o complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições, das manifestações artísticas, intelectuais, etc, transmitidos coletivamente e típicos de uma sociedade ; a terceira, trata como o conjunto dos
5 5 conhecimentos adquiridos em determinado campo ; e a quarta como criação de certo animais, esp.microscópicos: cultura de germes 7. Na literatura também encontramos vários autores que nos apresentam inúmeros significados. Dentre esses autores, Santos (2003) nos aponta que várias definições de cultura derivam de duas concepções básicas. A primeira estaria mais preocupada com todos os aspectos de uma realidade social, como tudo aquilo que caracteriza a existência de uma nação ou de grupos sociais, como modo de vestir, falar, comer, entre outros. A segunda concepção se refere ao conhecimento, às idéias e as crenças de um povo. Porém, as duas concepções apresentadas podem levar ao entendimento de cultura como algo acabado, mas para o autor é exatamente o contrário, as culturas humanas são dinâmicas e sempre estão em processo. De acordo com Santos, Cultura é uma dimensão do processo social, da vida, de uma sociedade. Não diz respeito apenas a um conjunto de práticas e concepções, como por exemplo se poderia dizer da arte. Não é apenas uma parte da vida social como por exemplo se poderia falar de religião. Não se pode dizer que cultura seja algo independente da vida social, algo que nada tenha a ver com a realidade onde existe. Entendida dessa forma, cultura diz respeito a todos os aspectos da vida social, e não se pode dizer que ela exista em alguns contextos e não em outros. Cultura é uma construção histórica, seja como concepção, seja como dimensão do processo social. Ou seja, a cultura não é algo natural, não é uma decorrência de leis físicas ou biológicas. Ao contrário, a cultura é um produto coletivo da vida humana 8. Nesta perspectiva, cultura pode ser entendida no seu conceito mais amplo que engloba os modos de vida em vários segmentos da nossa sociedade, religião, política, raça, economia, etnia, entre outros, traz a cultura como um conseqüência ou produto da ação humana na vida em sociedade. Ainda nesta direção, Santos (2003) aproxima-se da concepção de Williams e Thompson (2006), no entanto eles trazem um enfoque mais voltado para as práticas e relações sociais. Para eles, cultura era uma rede de práticas e relações que constituíam a vida cotidiana dentro da qual o papel do indivíduo estava em primeiro plano. Já Costa, Silveira e Sommer (2003) nos direcionam para uma perspectiva histórica do conceito que antes significava apenas sofisticação e aos poucos o popular também passou a ter como referência a mesma palavra. O termo cultura deixou, 7 Ferreira, (2003, p. 44)
6 6 gradativamente, de ser domínio exclusivo da erudição, passando a contemplar também o gosto das classes de baixo poder aquisitivo, começou a contemplar o popular. Popular este que pode indicar tanto a breguice, como gostos e condutas comuns de um determinado povo. E isso tudo pode ser chamado de cultura. Ainda buscando significados da palavra cultura, pensamos ter encontrado uma das conceitualizações mais densas em Hall, para ele: A cultura é uma produção. Tem sua matéria-prima, seus recursos, seu trabalho produtivo. Depende de um conhecimento da tradição enquanto o mesmo em mutação e de um conjunto efetivo de genealogias. Mas o que esse desvio através dos seus passados faz é nos capacitar, através da cultura, a nos produzir a nós mesmos de novo, como novos tipos de sujeitos. Portanto, não é uma questão do que as tradições. Paradoxalmente, nossas identidades culturais, em qualquer forma acabada, estão à nossa frente. Estamos sempre em um processo de formação cultural. A cultura não é uma questão de ontologia, de ser, mas de se tornar 9. Para fins de entendimento deste trabalho de pesquisa nos aproximaremos da concepção de cultura descrita por Hall. Para ele nos encontramos sempre imersos num processo cultural, onde a cultura não é uma questão natural, uma questão de ser, mas de se estar e intervir na sociedade e no mundo. No entanto, independente dos vários significados da palavra cultura que encontramos e apresentamos anteriormente, entendemos ser necessário levar em consideração, antes de qualquer coisa, que trata-se de uma concepção que seja apropriada em favor do progresso social e da liberdade, em favor da luta contra a exploração de uma parte da sociedade por outra, em favor da superação da opressão e da desigualdade. Percebemos que mais do que uma simples descrição teórica de significados, cultura pode ter uma significação bem maior e mais relevante na história, práticas e relações de nossa sociedade. TEMPOS PÓS-MODERNOS: A IDENTIDADE EM QUESTÃO. As questões sobre identidade estão sendo discutidas amplamente na teoria social. O que se discute especificamente é que a velha identidade, antes estabilizada, definida, 9 (2003, p. 44).
7 7 está em declínio. Novas identidades surgem fragmentando o indivíduo moderno, a isso dá-se o nome de crise identitárias. Desde o final do século XX, a sociedade se depara com uma mudança estrutural, desde lá ocorrem fragmentações nos elementos culturais que se referem a gênero, classe, sexualidade, raça e etnia. Este sentimento de mudança atinge diretamente o sujeito, podendo se caracterizar como uma crise de identidade. Hall (2006) apresenta três concepções diferentes de identidade, são elas: identidade do sujeito do iluminismo, identidade do sujeito sociológico e identidade do sujeito pós-moderno. Para ele, A primeira, do iluminismo, se caracteriza pelo sujeito centrado, unificado, dotado da capacidade de razão, de consciência e de ação. O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa. A segunda, do sociológico, se caracteriza pela consciência de que o sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era formado na relação com os outros, que mediam a cultura. Essa concepção advém da idéia de interação entre o eu e a sociedade, sob a perspectiva dos interacionistas simbólicos 10. Neste sentido, o sujeito permanece com seu eu, mas este é constantemente influenciado com o mundo cultural externo, é uma relação de reciprocidade, os dois são estáveis e por isso, previsíveis e unificados. Na terceira concepção, a identidade do sujeito é caracteriza pela instabilidade e fragmentação, composto não de uma, mas de várias identidades. A chamada identidade pós-moderna do sujeito, que não é fixa, essencial ou permanente. O sujeito assume diferentes identidades em diferentes momentos, elas vão sendo constituídas historicamente e não biologicamente. Muitos teóricos, entre eles Laclau (1990), Harvey (1989), Giddens (1990), Bauman (2001) e o próprio Hall (2006), discutem sobre a era pós-moderna. Para eles, de uma forma geral, as sociedades atuais são sociedades de mudanças constantes, rápidas e permanentes. Baseando-se nesses teóricos, podemos dizer que a sociedade atual é caracterizada pela mudança, especificamente ao processo de mudança conhecido como globalização e seu impacto efetivo sobre a identidade cultural. Nessa perspectiva, o sujeito antes detentor de uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado, composto não de uma única mais de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas. O próprio processo de identificação, 10 Concebem a vida social como interações mediadas simbolicamente. O simbólico não é resultado da interação do sujeito consigo, nem do sujeito com o objeto, mas do sujeito constituído e do sujeito projetado pela linguagem. O sujeito está em si e está no outro em interação, construindo a realidade. Os primeiros interacionistas simbólicos foram George Hebert Mead, Hebert Blumer e Charles Cooley.
8 8 através do qual nós projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisória, variável e problemático. Esse processo caracteriza um sujeito pós-moderno, concebido como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se móvel, sendo formada e transformada continuamente nas relações e nas formas pelas quais somos representados e interpretados nos sistemas culturais que nos rodeiam. Ela vai se constituindo e se definindo historicamente e não biologicamente. Para Laclau (1990) as sociedades da modernidade tardia, são caracterizadas pela diferença, são perpassadas por diferentes divisões e antagonismos sociais que produzem uma variedade de identidades. É como se o sujeito assumisse identidades diferentes em diferentes momentos. Identidades estas muitas vezes contraditórias que se movimentam em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações ficam continuamente deslocadas. Para Hall (2006), se sentimos que temos uma identidade desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda da estória sobre nós mesmos ou uma confortadora narrativa do "eu. Nesta direção Silva e Louro, afirmam que "a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia" 11. As transformações associadas à modernidade libertaram o indivíduo de apoios estáveis que se davam nas tradições e nas estruturas. Antes acreditava-se que essas eram divinamente estabelecidas, não estavam sujeitas a nenhum tipo de mudança. Movimentos importantes na nossa história contribuíram para a emergência dessa nova concepção de sujeito. A Reforma e o Protestantismo, que promoveram e buscaram um maior desprendimento entre os indivíduos e a Igreja. O Humanismo Renascentista, que colocou o homem no centro do universo, as Revoluções Científicas que conferiram ao homem faculdade e a capacidade para inquirir, investigar e decifrar os mistérios da natureza. O Iluminismo centrado na imagem do homem racial, libertado do dogma e da intolerância, e diante do qual se estendia a totalidade da história humana, para ser compreendida e dominada. Na história da filosofia também há grandes contribuições, pois parte dela é voltada para as reflexões dessa concepção de sujeito, seus poderes e suas capacidades. A emergência de noções de individualidade, no sentido moderno, pode ser relacionada ao colapso da ordem social, econômica e religiosa da Idade Média. No movimento geral contra o feudalismo houve uma ênfase na existência pessoal do 11 (1992, p.13)
9 9 homem, no seu lugar e na sua função numa rígida sociedade hierárquica. Houve uma ênfase similar, no protestantismo, na relação direta ou individual do homem com Deus, em oposição a esta posição descrita antes, pela Igreja. Ainda no século XVlll, ainda tínhamos os processos de vida centrados no individuo, chamado sujeito da razão, no entanto, à medida que as sociedades modernas se tornavam mais complexas, elas adquiriam uma forma mais coletiva e social. A partir daí então, as teorias clássicas, baseadas nos direitos e consentimentos individuais, foram obrigadas a dar conta das estruturas do todo e das grandes massas. Além destes, dois outros importantes eventos contribuíram para a articulação do sujeito moderno. O primeiro foi a biologia Darwiniana, a partir dele o sujeito foi biologizado com base na natureza. E o segundo foi o surgimento das novas ciências sociais. O estudo do indivíduo e de seus processos mentais se tornou objeto de estudo especial e privilegiado na psicologia. A sociologia forneceu uma crítica ao individualismo racional do sujeito cartesiano. Desenvolveu uma explicação alternativa do modo como os indivíduos são formados subjetivamente através de sua participação em relações sociais mais amplas, e inversamente do modo como os processos e as estruturas são sustentadas pelos papéis que os indivíduos neles desempenham. Nesse sentido, Hall (2006) destaca cinco grandes contribuições ocorridas na teoria social e nas ciências humanas, no período da modernidade tardia 12, cujo maior efeito foi o descentramento final do sujeito cartesiano. A primeira refere-se ao movimento marxista, a segunda à teoria freudiana, a terceira diz respeito ao trabalho desenvolvido por Ferdinand Saussure, a quarta corresponde aos estudos de Michel Foucault e a quinta e última contribuição foi o impacto do movimento feminista, tanto como uma crítica teórica, quanto como um movimento social. O movimento feminista, porém, teve uma relação mais direta com o descentramento conceitual do sujeito cartesiano e sociológico. Ele abriu para a contestação da política, da família, da sexualidade, da divisão doméstica do trabalho, do cuidado com as crianças e enfatizou a forma de como somos formados e produzimos sujeitos, ou seja, ele tornou política a subjetividade, a identidade e o processo de identificação, como homens, mulheres, mães, pais, filhos e filhas. Posteriormente, o que começou como um movimento dirigido a contestação da posição social das mulheres expandiu-se para a formação das identidades sexuais e de gêneros. 12 Terminologia utilizada por Stuart Hall (2006) para referir-se à pós-modernidade.
10 10 IDENTIDADES DIVERSAS OU DIFERENTES? Atualmente, encontramo-nos frente à desconstrução de perspectivas identitárias em torno da sexualidade, das identidades nacionais e étnicas, raciais, religiosas, de classe, entre outras. Vivemos num cenário em que diferentes grupos reclamam sua representação diferencial no espaço societário. Na discussão atual sobre identidades é perceptível uma perspectiva emergente de compreensão das diferenças e que indicam uma visão mais complexa do ser diferente, para além do paradigma da diversidade. Desta perspectiva surge o campo híbrido, polissêmico, ao mesmo tempo promissor, da diferença, que se constituem, nos centro das enunciações de diferentes sujeitos e identidades sócio-culturais. Há muitas concepções de diferentes autores, sobre o que vem a ser diferença e diversidade. Alguns igualam as duas palavras em um mesmo significado, outros distinguem com significados diferentes. Para Abramowicz 13 diversidade pode significar variedade, diferença e multiplicidade. A diferença é qualidade do que é diferente; o que distingue uma coisa de outra, a falta de igualdade ou de semelhança. De acordo com a citação acima, entendemos que neste caso, o conceito de diferença se aproxima muito do conceito de diversidade, sendo diversidade uma palavra com diversos significados, inclusive podendo significar diferença, que nesse caso é definida como falta de igualdade. Numa outra perspectiva, Costa (2008) afirma que a diferença não é uma marca do sujeito, não seria uma marca inata, mas sim uma marca que o constituem socialmente, e se estabeleceu como uma forma de exclusão, ser diferente na educação ainda significa ser excluído, ou ser subrepresentado nos interesses sociais. Outro autor que discute sobre a temática é Homi Bhabha (1998), pra ele a diversidade cultural, refere-se à cultura como um objeto do conhecimento baseado na experiência, reconhecendo conteúdos e costumes culturais pré-existentes. Já a diferença cultural se constitui, para ele, como um processo de enunciação da cultura, ou seja, trata-se de um processo de significação através do qual afirmações da cultura e sobre a cultura diferenciam, discriminam e autorizam a produção de campos de força, referência, aplicabilidade e capacidade 14. Nesse sentido, o conceito de diferença indica 13 (2006, p.12) 14 (1998, p. 63)
11 11 uma nova perspectiva que aponta para a compreensão do hibridismo, que constituem as identidades e as relações entre os sujeitos. Essa conceptualização do que vem a ser principalmente a terminologia diferença, é uma discussão que vem sendo realizado há algum tempo e é uma problemática demarcada por limites teórico-filosóficos. Os primeiros estudos no ocidente sobre a definição conceitual de identidade surgem com a discussão entre Heráclito e Parmênides 15. A idéia de permanência e essência universal eram os principais pontos de reflexão da época. Um pouco depois Platão propõe-se a discutir sobre a esta tensão existente entre Heráclito e Parmênides, fazendo surgir nos seus escritos o conceito de identidade, que para ele acontece em decorrência de identificar e distinguir o mundo sensível do mundo inteligível. Já para Aristóteles identidade e diferença são sempre algo que se estabelece entre os seres. O interesse deste último era com a diferença específica. Tanto Aristóteles, quanto Platão, são adversários da diferença pura, concepção trazida por Gilles Deleuze (2000). Ele se opõe aos fundamentos e princípios da identidade, utilizadas por esses dois pensadores. De forma geral, podemos dizer que a diferença pura afirma a própria diferença em si, fora da representação das imagens e objetos do mundo real e fora da comparação dos conceitos de igualdade ou desigualdade, semelhança ou dessemelhança entre as coisas e os sujeitos. CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com os estudos para fins de realização deste trabalho, compreendemos que as discussões sobre cultura e identidade, cada vez mais presentes no âmbito educacional, tem uma gama de entendimentos, perspectivas e definições.. Contudo, percebemos que o reconhecimento da diferença, para além do paradigma da diversidade, seria questionar os conceitos homogêneos, estáveis e fixos que excluem aquele que o difere. As certezas que foram socialmente construídas estão aos poucos sendo fragilizadas e questionadas, assim como as culturas modelos e hegemônicas, consideradas como certas e absolutas. No entanto, para que isto ocorra de 15 Parmênides e Heráclito são filósofos chamados pré-socráticos e de pensamentos comumente opostos. Para Parmênides o ser não é gerado, é imutável, é incorruptível e uno, enquanto que para Heráclito não há o imutável, tudo flui, tudo é móvel.
12 12 forma salutar, sem provocar outros tipos e maneiras de exclusão, seria necessária a desconstrução, pluralização, ressignificação, seria necessário uma reinvenção e aceitação de novas identidades e subjetividades, saberes, valores, convicções. Podemos dizer que está reinvenção, vem ocorrendo, e atualmente de maneira mais evidente e rápida, porém por outro lado, a aceitação vem ocorrendo de maneira mais tímida e lenta. De acordo com Candau (2005) somos obrigados a assumir o múltiplo, o plural, o diferente, o híbrido, na sociedade como um todo. Se o objetivo é não excluir, não discriminar, não marginalizar, é este o exercício a ser feito e refeito, pensado e repensado cotidianamente. Nessa perspectiva, Boaventura Santos (2002) nos diz que temos o direito de sermos iguais, quando a diferença nos discrimina, nos marginaliza, nos exclui. Assim como, temos o direito de sermos diferentes, quando a igualdade sucumbe nossa identidade. O ideal é a valorização da igualdade com o respeito e o reconhecimento das diferenças individuais, das necessidades de cada um. Por fim, entendemos que a luta contra os estereótipos e os processos discriminatórios, assim como a defesa da igualdade de oportunidades e o respeito às diferenças não é um movimento simples, já que, os mesmos argumentos desenvolvidos para defender relações mais plurais, dependendo do contexto e do jogo político que se encontram, podem também ser utilizados para legitimar processos de exclusão e discriminação. REFERÊNCIAS ABRAMOWICZ. A. Trabalhando a diferença na educação infantil. São Paulo: Moderna, BHABHA, H. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, BRASIL, S. de E. F. Parâmetros curriculares nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Brasília: MEC/SEF, CANDAU, M. V. Sociedade multicultural e educação: tensões e desafios. In CANDAU, M. V. (Org). Cultura(s) e educação: entre o crítico e pós-crítico. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
13 13 COSTA, M. V. Currículo e pedagogia em tempo de proliferação da diferença. In Trajetórias e processos de ensinar e aprender: sujeitos, currículos e culturas XIV ENDIPE; Porto Alegre RS: Edipucrs, DELEUZE, G. Por uma filosofia da diferença. São Paulo: EDUSP, FERREIRA, A. B. de H. Miniaurélio século XXI escolar: o minidicionário da língua português. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 4ed GAMBOA, S. S. Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, GIROUX, H. & MCLAREN P. Formação do professor como uma esfera contrapública: a pedagogia radical como uma forma de política cultural. In MOREIRA, A. F. & SILVA T.T. (Orgs): Currículo, Cultura e Sociedade. São Paulo: Cortez, HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 11ª ed., KÖCHE, J.C. Fundamentos de Metodologia Científica: teoria da ciência e prática da pesquisa. Petrópolis: Vozes, 14 ed.,1997. LACLAU, E. Nuevas reflexiones sobre la revolución de nuestro tiempo. Buenos Aires: Nueva Visión, LEITE, C. Para uma escola curricularmente inteligente. Porto: ASA, SANTOS, B. de S. Os processos da globalização. In B. de S. Santos (Org.), A globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, SANTOS, J. L. dos. O que é Cultura. São Paulo: Editora Brasiliense, VORRABER. M. ; SILVEIRA, R.; SOMMER, L. H. Estudos Culturais, Educação e Pedagogia. Rio de Janeiro: ANPEd, 2003.
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