EDUCAÇÃO FÍSICA: PODER, IDENTIDADE E DIFERENÇA
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- Mariana Figueiroa Bardini
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1 EDUCAÇÃO FÍSICA: PODER, IDENTIDADE E DIFERENÇA Mário Luiz Ferrari Nunes Grupo de pesquisa em Educação Física Escolar FEUSP (CNPq) Resumo O atual debate sobre identidade e a diferença está associado ao processo de transformação social. Nesta perspectiva, a identidade é construída à medida que os sistemas de significação e representação cultural se ampliam permitindo ao sujeito localizar-se de diferentes formas na sociedade. Por outro lado, a discussão educacional é como o currículo influencia nas identidades de forma a reproduzir as relações de poder. Diante deste quadro, realizamos uma pesquisa com objetivo de investigar quais posições os sujeitos assumem diante das práticas discursivas da Educação Física. Foram realizadas entrevistas com pessoas escolarizadas e buscou-se subsídio, em suas histórias de vida, para estabelecer relações entre as atividades vividas nas aulas e a construção da identidade, pois estas narrativas possibilitaram ao entrevistado expressar sua situação social, bem como relatar as experiências que marcaram sua vida. Como resultado, pudemos inferir que os campos culturais onde ocorrem as práticas apresentam significados diferentes para cada sujeito, e que estas incidem nas relações de poder, privilégios e desigualdades nas esferas culturais da escola. Palavras chave Educação Física, currículo e identidade cultural. Nos últimos anos, observa-se um intenso debate sobre questões relativas à problemática da identidade cultural na teoria social. Este debate está associado a um profundo processo de transformação na sociedade que está deslocando as estruturas e as referências que ancoravam o sujeito no sistema social. Essas mudanças que enfrentamos, desde o final do milênio, vêm sendo amplamente expostas nos meios de comunicação de massa, fato que facilita uma exposição de modos e comportamentos permanentes, e oferecem, constantemente, uma visão de homem múltipla, plural e paralelamente fragmentada. Essa
2 divulgação, ao mesmo tempo em que elimina a distância e o tempo e torna o mundo mais próximo, possibilitando o risco de homogeneizá-lo, permite que percebamos quem somos, as contradições e desigualdades sociais em que vivemos, e, também, como estas constroem a diferença. Compreender quem somos e como somos construídos nas práticas discursivas situadas no mundo social tornou-se imprescindível. Nessa perspectiva, o sujeito centrado, dotado de razão e de uma essência que o mantinha idêntico ao longo da sua existência, alinhado ao lugar objetivo que ocupava no mundo social e cultural, passou a ser um sujeito fragmentado composto de várias identidades. Essas identidades permitem ao sujeito situarse em um sistema social e vincular-se a uma classe social, a uma etnia, nação, gênero, religião etc.. Dentre as várias instituições das quais o ser humano participa, a escola tem sido continuamente indicada como uma das mais importantes e responsáveis pela construção da representação de quem somos. A escola é um dos primeiros espaços sociais que freqüentamos longe da presença da família, ou seja, é, na maioria das vezes, o primeiro momento em que entramos em contato com as diferenças que nos constituem. Essas são produzidas nas relações entre diferentes culturas, e estas relações não são tratadas em consenso, isto é, são questões que envolvem relações de poder. No debate atual das teorias educacionais o que está em jogo é como os discursos culturais promovem e tentam perpetuar as relações assimétricas de poder associando esta problemática ao multiculturalismo. Nessa perspectiva, estas questões carecem de uma investigação mais aprofundada, principalmente no âmbito das aulas de Educação Física. Nota-se nas diversas obras da área, produzida pós-redemocratização da sociedade brasileira, em 1985, uma preocupação central com a participação de todos os alunos nas aulas, haja vista que o modelo de aula anterior a esse período foi duramente criticado por favorecer apenas àqueles que alcançavam o desempenho esperado pelo professor. Além dessa questão, observa-se a
3 ênfase na valorização da cultura do aluno. Porém, mesmo nas abordagens que propõem uma reflexão crítica da sociedade, a idéia que transmite sobre a diversidade cultural nos leva a sensação da prática tolerante e benevolente com o diferente, por exemplo: com aquele que apresenta menos habilidades motoras. Esses novos referenciais teóricos questionam as práticas da Educação Física escolar, principalmente as esportivas, mas não debatem como essas atividades podem implicar na formação da identidade dos sujeitos envolvidos, tampouco as situações em que esta produção cultural constrói relações de poder, pois qualquer forma de relação social envolve poder, resistência, dominação, subordinação e até mesmo luta. Perante estas prerrogativas, tencionamos investigar o modo como aprendemos a nos constituir como seres sociais, e mais especificamente a influência do currículo de Educação Física, na construção da identidade cultural do educando. A fundamentação teórica desta pesquisa baseou-se nas análises produzidas no campo dos Estudos Culturais, priorizando as reflexões sobre a identidade cultural de Hall (1997, 1998, 2000 e 2003) e as discussões sobre o currículo proposta por Silva (1995, 1996, 2000 e 2002), e relacionamos esta temática com as práticas curriculares da Educação Física a partir das críticas de alguns autores da área que embasam suas obras a partir das Ciências Humanas como: Bracht (1986, 1992 e 2003), Betti (1981) e Daólio (1995 e 2001). O método de pesquisa empregado foi a coleta de história de vida divulgado por Poirier et.all. (1999). Ao contar suas histórias de vida, os entrevistados deste trabalho puderam narrar suas experiências mais significativas dentro da situação proposta, ou seja, essas narrativas serviram como instrumento para fazer sentido de quem eles foram naquele contexto vivido. Ao mesmo tempo, elas são uma maneira de legitimar essas vivências por meio das quais os sujeitos posicionam a si mesmo e os outros em relações de poder exercidas nas práticas sócio-históricas. A confecção das narrativas das entrevistas permitiu-nos selecionar trechos
4 que julgamos serem os mais significativos para a discussão. Esta seleção pautou-se na possibilidade de descrever o modo como os sujeitos foram interpelados nas aulas, no treinamento sistematizado, nos recreios e outros tempos e espaços escolares e nas diversas competições e práticas esportivas escolares que compõem o currículo de Educação Física e, assim, refletir como esses eventos proporcionaram relações de poder e a construção de identidades: do componente, dos seus sujeitos e das instituições escolares. Como resultado, pudemos inferir que, além da afirmação das identidades citadas, cada sujeito atribuiu às suas práticas significados diferentes, e que a luta pela validação de suas formas de ser confrontaram-se com relações de poder, privilégios e desigualdades construídos pela cultura escolar. Consideramos que, dentro dos pressupostos das teorias educacionais atuais, a busca pelo rendimento e a superação característicos de abordagens tecnicistas - facilita apenas aqueles que já trazem determinados saberes validados socialmente, deixando lentamente à margem do conhecimento os que não se apresentam de forma hegemônica. Além disso, percebemos que estas preposições não colocam em cheque as questões que permeiam a sociedade multicultural em que vivemos. Nesta, a discussão central está voltada para a validação das representações dos grupos hegemônicos e os conflitos decorrentes para que outros grupos culturais lutem para serem representados no jogo do poder cultural. Não podendo ficar a mercê desta discussão, a escola atual deve, não apenas fazer falar todas as vozes culturais e valorizar a cultura de cada um, mas também se preocupar com uma educação voltada para a ética. Uma educação que questione as relações assimétricas de poder e tencione novas relações sociais. Neste sentido, cabe à Educação Física possibilitar a comunidade educativa reflexões críticas e transformadoras sobre as manifestações da cultura corporal para a construção da cidadania.
5 Referencial Teórico: BETTI, M. Educação Física e sociedade. São Paulo: Movimento, BRACHT, V. A criança que pratica esportes respeita as regras do jogo...capitalista. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 7(2): 62-68, Educação Física e Aprendizagem Social. Porto Alegre: Magister, Identidade e crise da Educação Física: um enfoque epistemológico. In: BRACHT, V. e CRISÓRIO, R. A educação física no Brasil e na Argentina: identidade, desafios e perspectivas. Rio de Janeiro: PROSUL e Campinas: Autores associados, 2003 (a). A política de esporte escolar no Brasil: a pseudovalorização da Educação Física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Campinas, v.27, nº3, p , Maio 2003 (b). DAOLIO, J. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, Antropologia social e educação física: possibilidades de encontro. In: CARVALHO, Y. e RÚBIO, K. (orgs) Educação Física e Ciências Humanas. São Paulo: Hucitec,2001. HALL, S. A Centralidade da Cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo. In: Educação e Realidade. Porto Alegre, v.22, nº 2, p.15-46, Quem precisa de identidade? In: SILVA, T.T. (org.) Identidade e diferença: As perspectivas dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, Brasília: Representações da Unesco no Brasil, POIRIER, J. et alli. História de vida: teoria e prática. Lisboa: Celta, SILVA, T.T. Currículo e identidade social: territórios contestados. In: SILVA, T.T. (org.) Alienígenas na Sala de Aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, Identidades terminais: as transformações na política da pedagogia e na pedagogia da política. Petrópolis: Vozes, A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, T.T.(org.) Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2000 (a). Teoria cultural da educação: Um vocabulário crítico.belo Horizonte: Autentica, 2000 (b).
6 Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
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