Precisamos de uma revolução educomunicativa para transformar o mundo 1
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- Miguel Lameira Soares
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1 Precisamos de uma revolução educomunicativa para transformar o mundo 1 Ignacio Aguaded Catedrático da Universidade de Huelva (Espanha) / Grupo Comunicar. director@grupocomunicar.com ENTREVISTA Resumo: José Ignacio Aguaded Gómez é professor da Universidade de Huelva, Espanha. É também diretor da revista Comunicar, uma das principais das áreas de Comunicação e Educação, com alta qualidade científica. Ele esteve em agosto de 2016 no Brasil, onde participou do seminário "Educomunicação na Práxis Social", promovido pelo Departamento de Comunicação e Artes (CCA), dentro das comemorações dos 50 anos da ECA-USP. Na entrevista, Aguaded destaca o papel da Educomunicação e da educação midiática, além de comentar as políticas debatidas e implantadas na Europa. Palavras-chave: educomunicação; educação midiática; revista Comunicar; Ignacio Aguaded; tecnologia na escola. Abstract: José Ignacio Aguaded Gómez is a professor at Huelva University, in Spain. He is also director of Comunicar, one of the most important scientific publication in the field of Communication and Education. He participated in August 2016, in a seminar organized at ECA-USP. In this interview he highlights the role of Educommunication and education for media, and also comments on the policies debated and implemented in Europe. Keywords: educommunication; education for media; Comunicar magazine; Ignacio Aguaded; technology in schools. Comunicação & Educação: Que possibilidades a Educomunicação nos apresenta para a educação midiática? Ignacio Aguaded: A Educomunicação é um campo de estudos, de pesquisa e de intervenção na prática, que vem adquirindo, ao longo das últimas décadas, uma notável importância. Os meios de comunicação e as novas tecnologias ocupam já grande parte do nosso tempo livre e de trabalho. Os smartphones, que existem há menos de uma década, são o centro nevrálgico da vida de muitas pessoas, que recorrem a eles de forma constante e permanente para quaisquer atividades: notícias, atualidades, jogos, diversão, comunicação com outras pessoas, leituras etc. Frente a esta realidade tão presente em nossas vidas, a Educomunicação surge como o espaço intelectual para a reflexão sobre a mesma Recebido: 10/10/2016 Aprovado: 03/11/ Tradução de Wilson Alves Bezerra. 97
2 comunicação & educação Ano XXI número 2 jul/dez 2016 Fonte: divulgação. realidade, para oferecer alternativas à formação e ao pensamento crítico, para fazer com que as tecnologias sejam instrumentos construtivos em nossas vidas e nos afastem da hipnose e da manipulação. Educomunicação e educação midiática são duas faces de uma mesma moeda e precisam uma da outra, até quase fundir-se nessa necessária formação que a população precisa para que seja possível compreender, de forma global, as interações das pessoas com as novas mídias que sempre surgem, com sua faceta multimidiática e interativa. Em suma, para poder conviver, de modo integral e plural, nesta sociedade midiática na qual nos foi dado viver. C&E: Do ponto de vista de políticas globais, como o senhor vê a inter-relação entre a Comunicação e a Educação na Europa? IA: A Europa é um continente com 30 países que contam com políticas bastante diferentes, fundamentalmente planejadas por seus governos. Entretanto, as ações do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia foram muito influentes na última década. Várias foram, nos últimos anos, as normativas do Parlamento, sendo a mais importante a Recomendação 2009/625/CE, de 20 de agosto de 2009, que versa sobre a alfabetização midiática nos currículos educacionais. Entretanto, as políticas e iniciativas em Educomunicação nos diferentes países europeus seguem caminhos próprios. De uma integração efetiva e eficiente dos meios de comunicação na educação nos países da região norte (Noruega, Finlândia, Suécia ), ou em países como França e Grã-Bretanha, até um desenvolvimento mais desigual em países como Portugal, Itália e Espanha, 98
3 Precisamos de uma revolução educomunicativa para transformar o mundo Ignacio Aguaded nos quais a educação midiática tem ficado a cargo de organizações ou grupos específicos. Em tais países, tem havido muitos estudos no campo da análise comparativa da educação midiática no currículo, do nível de competência midiática da população, das práticas educacionais, da criação de recursos para a alfabetização midiática, ou da prevenção de condutas de risco. A revista Comunicar [ já publicou mais de trabalhos (propostas, pesquisas, reflexões e experiências) ao longo de quase 25 anos na temática; ela é, sem dúvida, um fórum privilegiado nesse campo, em edição quadrilíngue: inglês e espanhol nos textos integrais, chinês e português nos resumos. Cabe destacar, nos últimos 15 anos, as iniciativas e pesquisas em Educomunicação em avaliação dos níveis de competência (Buckingham, Celot, Pérez-Tornero, Ferrés, García-Matilla e Aguaded), a formação (Di-Croce e Livingstone), estudos que privilegiam a Europa sobre o uso inteligente de novos meios emergentes para a formação de cidadãos mais críticos, participativos e criativos. C&E: E como as políticas de comunicação para a educação/educação para as mídias estão sendo realizadas na Europa? IA: Há uma grande diversidade nas políticas de educação midiática, dada a grande diversidade de países e organização própria dos estados. O currículo escolar depende, em muitos casos, dos governos regionais, que são os que na maioria dos países têm a responsabilidade pela educação. Assistimos agora a um momento-chave, no qual a educação está se transformando profundamente na Europa (e em todo o mundo), porque a revolução da internet questiona as formas tradicionais de ensinar e aprender. Hoje não há problemas de acesso à informação, mas o contrário: o acesso gera diversos problemas porque há um excesso de informação, em muitos casos, sem nenhum tipo de filtragem, informação de má qualidade. Da infraformação passamos à saturação informacional, o que os especialistas chamam de infoxicação. Os governos europeus têm se mostrado cada vez mais preocupados com a presença da mídia na vida dos cidadãos; entretanto, as políticas globais de educação formal e informal são escassas e assistemáticas. O Parlamento Europeu realizou diferentes diretrizes para os países da União Europeia, mas todas não obrigatórias. Em todo caso, na sociedade civil têm se mobilizado múltiplas associações, grupos de pesquisa e universidades com propostas de estudo e especialmente de intervenção para fomentar uma educação midiática para a sociedade. C&E: Como o senhor entende a questão da tecnologia na escola? IA: Os recursos tecnológicos sempre estiveram presentes na escola, desde a aparição do cinema, do rádio, da televisão, dos meios audiovisuais, dos computadores etc. Entretanto, eles sempre tiveram um uso superficial, nunca estrutural. A escola continua sendo transmissora, tradicional e clássica em 99
4 comunicação & educação Ano XXI número 2 jul/dez 2016 seus modos de ensinar e aprender. A internet e suas tecnologias e dispositivos podem ser uma nova oportunidade para revolucionar a educação, no sentido de atualizar a escola para as necessidades da sociedade contemporânea. Entretanto, o poder das novas mídias (mais universais e acessíveis que nenhuma outra), canalizadas por grandes empresas mercantilistas, podem condicionar em um sentido positivo a cultura do mundo. Não poderíamos mais ter uma visão ingênua e romântica e pensar que a mídia transforma a escola; a escola precisa de professores vocacionados que acreditem em um mundo melhor. As mídias são recursos, meios que podem nos apoiar nessa tarefa. Hoje em dia as crianças e adolescentes fazem uso constante das tecnologias (videogames on line, televisão interativa, smartphones, dispositivos móveis diversos etc.), o papel da escola, um de seus eixos, deve ser ensinar a convivência com as novas mídias, e aprender com elas. C&E: O senhor poderia nos falar como entende a Educomunicação e como vê a ampliação do debate sobre ela? IA: A Educomunicação é a convergência em uma síntese superior da educação e da comunicação, dois âmbitos imprescindíveis para o progresso dos povos, em seu aspecto social e cultural, para além da simples visão economicista. Os comunicadores necessitam atualmente de uma visão ética e educativa que supere os modelos mercantilistas a serviço dos poderes econômicos. Os educadores devem transformar a escola a partir das novas estratégias de comunicação. O educomunicador é um novo profissional, que não é simplesmente uma soma de educadores e comunicadores, e, sim, o detentor de um perfil profissional singular a partir das novas exigências deste mundo no qual vivemos, tão dominado pelas mídias e pela hiperconexão. Por outro lado, é um campo de estudos muito novo, que demanda pesquisa constante porque suas premissas ainda estão em construção. Necessitamos de pesquisa rigorosa e sistemática sobre as novas tendências da comunicação, especialmente quanto aos usos da população para a construção de propostas reais que permitam às pessoas conviver com a mídia de uma forma integral. Nesse sentido, a universidade pode colaborar com o desenvolvimento da pós -graduação, com mestrados e doutorados, bem como com projetos de pesquisa interacionais. C&E: Qual é a sua expectativa em relação à questão da Educomunicação na Espanha? IA: Na Espanha, atualmente há muitos movimentos e grupos de pesquisa interessados na educação midiática. Tanto nas faculdades de comunicação quanto nas de educação há um crescente interesse em estudar as relações da mídia com as pessoas e perguntar-se sobre novas estratégicas de educação. Também nos últimos anos estamos assistindo ao surgimento de projetos de pesquisa em alto 100
5 Precisamos de uma revolução educomunicativa para transformar o mundo Ignacio Aguaded nível, que aglutinam as diferentes linhas e correntes de pesquisa, especialmente nos estudos de competência midiática. C&E: O senhor poderia nos falar um pouco de sua experiência junto ao Grupo Comunicar? IA: O Grupo Comunicar [ é uma associação profissional de educomunicadores (professores e jornalistas) com mais de 25 anos de experiência, que se dedica basicamente à formação de diferentes grupos, a pesquisas e publicações. Ao longo dos anos, foram milhares de atividades planejadas e realizadas, como congressos, seminários, oficinas, conferências, bem como publicações variadas, tanto práticas para uso em sala de aula quanto estudos teóricos. Durante este tempo tão prolongado, milhares de pessoas (e não apenas educadores e comunicadores) puderam participar de todo tipo de atividade destinadas a fomentar o uso crítico, plural e lúdico dos meios de comunicação em sala de aula. C&E: Na sua opinião, a questão da tecnologia resolve o problema da educação? IA: As tecnologias são o símbolo de nosso tempo. Não podemos viver sem elas porque representam a comunicação em nosso mundo, a conexão. Entretanto, em seu âmago convivem duas dimensões: a libertadora e a manipuladora. Por um lado, nos oferecem imensas possibilidades para nos projetarmos como pessoas, mas por outro são recursos para a hipnose e a manipulação. Os estudos concluem que as tecnologias não são a chave, as pessoas é que o são. Quando temos competência para o uso (capacidades, atitudes etc.) elas se transformam em instrumentos libertadores e de excelentes possibilidades de crescimento em nossa vida. Portanto, as tecnologias não são nem boas nem ruins, depende do uso que sejamos capazes de fazer delas, e isso dependerá de nossa formação, de nossa educação diante da mídia. Daí a importância que pressupõe a revolução educomunicativa. C&E: Nesse sentido, como é possível ajustar os atuais projetos de educação formal às demandas do século XXI? IA: Este é justamente nosso desafio atual: saber utilizar as tecnologias nos processos de ensino e aprendizagem, para que nos seja possível formar pessoas críticas e judiciosas, com capacidade de pensar e aproveitar. A educação, como dizia Paulo Freire, é a arma da transformação social mais importante que temos à nossa disposição, temos de saber utilizá-la para melhorar nosso futuro e o dos demais. A Educomunicação, com suas metodologias, com seus processos e aspirações, é o melhor instrumento para alcançar tal objetivo. 101
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