DIFICULDADES ESCOLARES
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- Betty Esteves Belmonte
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1 PROCESSAMENTO AUDITIVO E ESTRESSORES FAMILIARES EM INDIVÍDUOS COM DIFICULDADES ESCOLARES Stela Maris Aguiar Lemos, Liliane Desgualdo Pereira Universidade Federal de São Paulo INTRODUÇÃO: As dificuldades escolares têm sido objeto de estudos, pesquisas, projetos, reflexões e intervenções e afetam a qualidade de vida de um número cada vez maior de crianças e adolescentes brasileiros. Neste contexto, enquanto fonoaudiólogos consideramos que a avaliação do processamento neurológico da informação recebida via audição pode ser fundamental para discutirmos as dificuldades comunicativas e sociais de indivíduos com dificuldades escolares. Na população com dificuldades escolares a exigência do ambiente escolar parece estar sempre à frente das possibilidades da criança. Verificamos ainda na literatura compulsada que crianças com dificuldades escolares têm mais dificuldades em processar informações sociais e emocionais. 1 Deste modo, este quadro nos remete ao conceito de Estresse, considerado uma reação psicológica e fisiológica que ocorre quando se percebe um desequilíbrio entre o que é cobrado pelo entorno social e o que o indivíduo é capaz de corresponder. 2 Considerando os eixos temáticos dificuldades escolares, estresse e processamento auditivo o presente estudo foi delineado com o objetivo de verificar o processamento neurológico da informação auditiva e sua possível associação com queixas de estresse familiar em crianças e adolescentes atendidos no Ambulatório de Dificuldades Escolares do Programa de Integração Docente Assistencial da UNIFESP no município do Embu. MÉTODOS: Trata-se de estudo retrospectivo transversal aprovado pelo CEP/UNIFESP, protocolo número 0977/04 e realizado com 76 prontuários de escolares na faixa etária de 7 a 14 anos, sendo 21 do sexo feminino e 55 do sexo masculino, avaliados no período de março de 2002 a junho de Foram analisados neste estudo os dados demográficos e da história de vida dos indivíduos destacando-se dados de desenvolvimento neuropsicomotor (parecer do pediatra), queixas fonoaudiológicas e de situações de estresse familiar. Os estressores familiares considerados foram doença grave na família, hospitalização, criminalidade, violência, suicídio, desemprego, piora de renda e ausência de suporte social.
2 Para a realização da avaliação auditiva foram selecionados procedimentos da rotina audiológica do ambulatório: audiometria tonal liminar, logoaudiometria e imitanciometria. Para avaliação do processamento auditivo foram realizados testes comportamentais, utilizando estímulos verbais e não verbais em tarefas dióticas, dicóticas e monóticas com os testes: Memória Seqüencial para Sons Verbais, Memória Seqüencial para Sons Não-Verbais, Localização Sonora, Dicótico Não-Verbal, Dissílabo Alternados SSW, Dicótico de Dígitos e Fala com Ruído. Os equipamentos utilizados foram: audiômetro AD27 e imitanciômetro AZ7, ambos da marca Interacoustic, PAC-2000 da marca Acústica Orlandi e fones TDH-39 (padrão ANSI, 1969). Para análise das respostas do processamento auditivo e dos dados de história estabelecemos critérios qualitativos. A ferramenta estatística utilizada foi a análise de agrupamento, ou análise de conglomerados ou clusters com método de ligação simples. no qual os grupos são formados de maneira a agrupar os indivíduos vizinhos que tenham a menor distância entre si, ou seja, indivíduos que tenham a maior similaridade. Utilizamos a Distância Euclidiana. Neste trabalho, para determinar o número de clusters, foi utilizado um nível de similaridade de 80%. Para o estudo da correlação entre processamento auditivo e estresse agrupamos os sujeitos segundo a presença ou ausência de queixas de situações de estresse e quanto à adequação ou inadequação nos testes, tendo como referência o tipo de estímulo utilizado (verbal ou não-verbal) e os mecanismos fisiológicos auditivos. Para analisar a associação entre inadequação do processamento auditivo e estressores foi utilizado o Teste Exato de Fisher para independência entre variáveis. RESULTADOS E DISCUSSÃO: Ao analisarmos a ocorrência de alterações do desenvolvimento neuropsicomotor, queixas de alterações fonoaudiológicas e suas associações com as queixas de situações de estresse familiar, verificamos uma relação estatisticamente significante nas associações entre queixas de audição e hospitalização (p-valor 0,044), queixas de audição e desemprego (0,018) e queixas de fala e criminalidade (0,030). Na análise das medidas estatísticas descritivas dos limiares tonais dos indivíduos observamos valores de média e moda, dentro dos padrões de normalidade em todas as freqüências sonoras testadas. Assim, os indivíduos avaliados apresentaram boa capacidade para detectar tons puros e sensibilidade auditiva
3 1 5 compatível com os padrões de normalidade. Na análise das medidas de imitância acústica verificamos curva timpanométrica tipo A com compliância em torno de zero da Pa em 75 indivíduos (98,7%), o que indica boa transmissão sonora pelo sistema tímpano-ossicular. Nestes indivíduos os reflexos acústicos contralaterais em 500, 1000 e 2000Hz estiveram presentes e dentro dos padrões de normalidade. Na freqüência sonora de 4000Hz encontramos indivíduos com reflexos acústicos aumentados que podem ser indicativos de alteração de processamento auditivo. Testes Verbais - Grupo Total Testes Não Verbais - Grupo Total 25,01 29,88 50,00 53,26 75,00 76, Figura 2: DENDOGRAMAS DEMONSTRATIVOS DA ANÁLISE MULTIVARIADA CONSIDERANDO O DESEMPENHO DOS INDIVÍDUOS NOS TESTES VERBAIS E NOS TESTES NÃO-VERBAIS. Discriminação de sons em sequência - Grupo Total Atenção Seletiva - TDD e/ou SSW e TDNV 18,01 55,67 45,34 70,44 72,67 85, Figura 3: DENDOGRAMAS DEMONSTRATIVOS DA ANÁLISE MULTIVARIADA CONSIDERANDO O DESEMPENHO DOS INDIVÍDUOS NOS MECANISMOS AUDITIVOS DE DISCRIMINAÇÃO DE SONS EM SEQÜÊNCIA E DE ATENÇÃO SELETIVA. Os agrupamentos formados baseados nos desempenhos nos testes comportamentais auditivos segundo o tipo de estímulo utilizado (verbal e não-verbal) e segundo os mecanismos fisiológicos auditivos (discriminação de sons em seqüência e atenção seletiva) foram mais evidentes no mecanismo de atenção seletiva. A elegibilidade e valorização do estudo de processos atencionais neste trabalho relacionam-se ainda a associação entre estresse e dificuldades de concentração, desinteresse e alterações de atenção. 2-4 Estudos correlacionam aprendizagem e memória como mecanismos importantes de adaptação às condições ambientais complexas e mutáveis, e lembram que além das forças seletivas da evolução, a
4 aprendizagem e a memória são os meios principais de adaptação às modificações do meio-ambiente. 5,6 Além disso, a análise da associação entre presença de estressores e alterações de processamento auditivo evidenciou que: No estudo dos testes comportamentais auditivos, por tipo de estímulo verbal e não-verbal, verificamos que o desempenho da população estudada foi pior com estímulo verbal. Além disso, os indivíduos com pior desempenho nos testes verbais, com exceção do teste de fala com ruído,apresentaram a queixa de desemprego; Os indivíduos com melhor desempenho nos testes não-verbais apresentaram como queixa de estresse familiar mais freqüente o desemprego e/ou a piora de renda. Sendo assim o aspecto renda não parece influenciar os testes não-verbais (dicótico, localização e de sons em seqüência); No estudo dos testes comportamentais auditivos, por mecanismo fisiológico auditivo de discriminação de sons em seqüência e de atenção seletiva, verificamos que quando o estímulo distrator foi o ruído e a tarefa monótica o desempenho foi melhor do que quando o estímulo competitivo foi fala e a tarefa dicótica; No estudo dos testes comportamentais auditivos, por mecanismo fisiológico auditivo de tarefa dicótica, houve muita variação quanto ao número e ao tipo de estressores nos diferentes desempenhos; No estudo do mecanismo fisiológico auditivo de discriminação de sons verbais em seqüências complexas (inversões no SSW), quando o desempenho foi muito fraco os indivíduos apresentaram as queixas fonoaudiológicas de audição, fala, leitura e escrita; TABELA 1: DISTRIBUIÇÃO DA PRESENÇA E AUSÊNCIA DE ESTRESSE EM RELAÇÃO À ADEQUAÇÃO E INADEQUAÇÃO DOS RESULTADOS SEGUNDO O DESEMPENHO GERAL NA AVALIAÇÃO DO PROCESSAMENTO AUDITIVO Processamento Estresse Presença Ausência Total N % N % N % Adequação 16 22,2 01 1, ,6 Inadequação 45 62, , ,4 Total 61 84, , Teste Exato de Fisher: P-Valor: 0,2041
5 Cabe destacar os achados que consideramos significativos, como o fato de que a maioria da população é composta por indivíduos expostos a situações de estresse familiar e com alterações de processamento auditivo (tabela 1). Tais achados nos fazem acreditar que o estresse pode afetar o rendimento escolar, a orientação da atenção, a percepção seletiva, a memória, e a capacidade da criança em estabelecer um relacionamento emocional adequado com os outros. 7 Sabemos que as dificuldades enfrentadas rotineiramente pelas crianças com distúrbios de processamento auditivo são bastante próximas das descritas pelas autoras. Não encontramos na literatura compilada estudos que relacionassem estresse e processamento neurológico da informação recebida via audição. Contudo, sabemos que o estudo no campo dos distúrbios de comunicação relacionados às dificuldades escolares não é a avaliação de uma área isolada e sim o estudo de um indicador composto, no qual o estudo das co-morbidades é fundamental para o avanço na intervenção fonoaudiológica. CONCLUSÃO: A maioria da população estudada era composta por indivíduos expostos a situações de estresse familiar e com alterações de processamento auditivo. Verificamos não existir na população estudada associação estatisticamente significante entre inadequação do processamento auditivo e queixas de situações de estresse familiar. No entanto, consideramos significativa a co-ocorrência de estressores familiares e inadequação do processamento auditivo em indivíduos com dificuldades escolares. REFERÊNCIAS: 1. Bauminger N, Edelsztein HS, Morash J. Social information processing and emotional understanding en children with LD. J Learn Disabil. 2005;38(1): Ribeiro MAP, Ribeiro LTF. Estresse: conhecer para superar. Petrópolis: Vozes; Elkind D. Sem tempo para ser criança: a infância estressada. 3a ed. Traduzido por Lopes MF. Porto Alegre: Artmed; Lipp MEN. O stress da criança e suas conseqüências. In: Lipp MEN, organizadora. Crianças estressadas. Causas, sintomas e soluções. 3a ed. São Paulo: Papirus; p Almaguer-Melián W, Bergado-Rosado JA. Interacciones entre el hipocampo y la amígdala en procesos de plasticidad sináptica. Una clave para entender las relaciones entre motivación y memoria. Rev Neurol. 2002;35(6): Morgado I. Psicobiología Del aprendizaje y la memoria: fundamentos y avances recientes. Rev Neurol. 2005;40(5):
6 7. Franca CA, Leal EQ. A influência do stress excessivo no desenvolvimento. In: Lipp MEN, organizadora. Mecanismos neuropsicofisiológicos do stress: teoria e aplicações clínicas. 2a ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; p Descritores: audição, percepção auditiva, estresse, escolares.
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