O Instituto Superior de Estudos Brasileiros - ISEB: uma singular experiência educativa concebida no âmbito do projeto de desenvolvimento nacional
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- Manuela Barata Lisboa
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1 O Instituto Superior de Estudos Brasileiros - ISEB: uma singular experiência educativa concebida no âmbito do projeto de desenvolvimento nacional. Maria Teresa Cavalcanti de Oliveira (Universidade Estácio de Sá) Situando-se no âmbito da história da educação brasileira, esse trabalho teve por objetivo identificar e compreender o conjunto de estratégias político-educativas concebidas e implementadas pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros ISEB. Órgão vinculado ao MEC, o ISEB foi oficialmente institucionalizado em 1955 (DL de 14 de julho de 1955) e violentamente extinto em 1964, tendo se constituído através de um grupo de intelectuais radicados no Rio de Janeiro 1 que tinham por finalidade o estudo, o ensino e a divulgação dos saberes das ciências sociais (notadamente a História, a Sociologia, a Economia e a Política). Ao longo de sua existência, o ISEB se caracterizou por aplicar os conhecimentos gerados por essas ciências sociais à análise e à compreensão crítica da realidade brasileira, tendo em vista uma ação de cunho político expresso na intervenção e no direcionamento de uma nova mentalidade da sociedade voltada à superação do subdesenvolvimento do país. Ao se colocar o compromisso de superação dos problemas e da crise vivenciada naquele contexto dos anos de 1950, o ISEB assumiu a concepção e condução (teórica e prática) de uma ideologia que se configurou no Projeto «Nacional- Desenvolvimentista»; dentre as diferentes dimensões presentes nessa ideologia destaca-se um determinado pensamento de cunho educativo e pedagógico que discretamente dava suporte e conjugava um conjunto de atividades formativas - cursos, palestras e conferências práticas a serem analisadas e compreendidas pelo estudo desenvolvido. Definido no decreto-lei de sua criação como um curso de altos estudos sociais e políticos de nível pós-universitário, o ISEB manteve um Curso Regular, promoveu Cursos Extraordinários, Ciclos de Conferências e Conferências isoladas; ou seja, um aparato educativo singular para uma instituição que mesmo não sendo uma universidade, a meu ver, desenvolveu uma significativa produção intelectual de nível acadêmico que acabou, mesmo após sua existência, influenciando o pensamento intelectual brasileiro em diferentes áreas, inclusive no âmbito educacional foco do presente trabalho. A hipótese 1 Criado em pleno governo provisório do Presidente Café Filho, o ISEB era constituído por um grupo de intelectuais liderados pelo Prof. Hélio Jaguaribe (Filosofia e Ciência Política), além dos professores Álvaro Vieira Pinto (Filosofia), Cândido Mendes (História), Alberto Guerreiro Ramos (Sociologia), Nelson Werneck Sodré (História) e Roland Corbisier (Filosofia).
2 2 central trabalhada foi a de que ao articular suas finalidades de estudo, ensino e pesquisa com as estratégias necessárias ao alcance do desenvolvimento nacional, esse grupo de intelectuais materializou de maneira singular, determinadas preocupações que geraram estratégias educacionais singulares. O objetivo do presente texto é apresentar, de maneira sucinta, o encaminhamento da pesquisa e as conclusões alcançadas; trata-se de uma apresentação estruturada em duas partes a primeira parte se constituirá um pequeno registro das abordagens teóricometodológicas expressas no conjunto das análises textuais desenvolvidas (centradas no livro de Vanilda Paiva, Paulo Freire e o nacionalismo desenvolvimentista e em determinadas obras de referência editadas pelo ISEB). Na segunda parte o texto irá tratar de um documento-chave o Relatório do ISEB, levantamento minucioso que ao cobrir todas as atividades educativas do Instituto, ao longo dos anos de 1955 até 1960, acaba confirmando e complementando o delineamento do que foi o Ideário Educativo isebiano. Abordagens teórico-metodológicas e análises textuais Parto do pressuposto de que a necessidade de apropriação e maturação de uma abordagem metodológica é um processo que se insere na longa trajetória de formação de um pesquisador. Fazer ciências humanas sem refletir sobre as condições do investigador, sobre as perspectivas em que trabalha, sobre a própria problemática dessas ciências, é arriscarmos-nos a cair no positivismo e a tomar como a verdade o que não passa do aspecto parcial de uma verdade, é fazer um trabalho que só pode ter valor científico na medida em que se esteja consciente dessa situação, em que se possa levantar o problema da sua limitação e da sua superação. (...) Se queremos fazer ciência positiva, em matéria de ciências humanas somos obrigados a ser filosóficos, quer dizer, a refletir sobre o estatuto do conhecimento e sobre o seu lugar na elaboração das verdades. (Goldman, 1972; p. 128; grifos sublinhados meus) Defendo portanto a necessária reflexão sobre o estatuto do conhecimento e seu lugar na construção da verdade como princípio metodológico, aspecto amplamente cotejado pelo método materialista histórico e dialético. E ao trabalhar com o materialismo histórico me apóio nos seguintes aportes: 1) o materialismo histórico é o materialismo das relações sociais; a própria lógica do processo histórico está submetida ao processo histórico; dar sentido (construir conhecimento) é um ato social; 2) o real é dado pelas relações sociais; a maneira de conhecer e de gerar conhecimento opera via conceito; 3) o ser social determina a consciência; o pesquisador trabalha com a estrutura da vida social do homem.
3 3 Nesse sentido, o ISEB foi pensado dentro dos diferentes níveis de sua totalidade: o todo da instituição x as individualidades parciais que o integravam; o contexto da realidade brasileira x a especificidade de uma instituição como o ISEB; o amplo projeto ideológico do desenvolvimento nacional concebido pelo ISEB x a especificidade da corrente estruturalista-culturalista e a apropriação isebiana. Busquei a compreensão e o entendimento da realidade isebiana num movimento de desestruturação e posterior estruturação significativa de dados, informações, conceitos, reflexões, aportes, etc. expressos tanto pela instituição como um todo quanto pelos seus membros especificamente. Ainda sobre o materialismo histórico e dialético, faz-se necessário apontar de que maneira tenho trabalhado com alguns de seus princípios norteadores: a totalidade, a determinação econômica em última instância e a luta de classes, assim como a construção de um entendimento dialético da realidade. A totalidade nos remete à questão de que o todo e a parte se articulam estabelecendo uma significativa relação mútua; exemplo disso é que o entendimento do ISEB deve pressupor uma análise ampla do contexto do país naquele momento; e que, ao mesmo tempo em que o ISEB expressa a realidade social na qual se encontra, ele interfere e influencia essa mesma realidade. Dialeticamente, essa maneira de perceber a realidade implica na apreensão da instituição a ser estudada no interior do todo social, no interior da unidade do processo histórico, onde os fatos, abstratos e isolados, devem ser dissolvidos e concebidos como momentos deste processo unitário (Löwy, 1998). Esse estudo sobre o ISEB também se apóia na tese da determinação econômica; uma tese que, por apresentar entendimentos múltiplos e duvidosos, exige explicitação. Entendo que não há uma dimensão econômica separada do todo social (Marx, Lenin, Gramsci, Lukács), ou seja, entendo que as relações humanas (relações dos homens entre si e com a natureza) se organizam fundamentalmente a partir dos modos através dos quais os homens produzem suas vidas, suas sociedades etc. E, esses modos de produção resultam da tensão gerada por duas outras dinâmicas sociais, em constante interação, que são as forças produtivas (ou capacidade social do fazer) e as relações sociais de produção (relações sociais que os homens estabelecem entre si para efetivar o processo produtivo que se faz necessário à vida). Produção e socialização são determinações que acontecem numa interação dinâmica, são partes de um todo e não se separam; não existe dimensão produtiva sem socialização, assim como as relações sociais se articulam a uma determinada lógica de produção. Concluindo, vale assinalar que a reflexão teórica propiciada pelo materialismo histórico e dialético explicitado por Goldman
4 4 me apontou três regras que procurei assimilar e desenvolver: 1) a sustentação de que o pensamento participa, ou mais exatamente, faz parte do real; 2) a defesa de que a análise teórica deve, para se articular na essência do real, romper com o fetichismo dominante das relações sociais; 3) e, a noção de que o conteúdo de verdade da análise equivale à relação que esta terá sabido estabelecer com a totalidade (Samir Naïr, 1984) 2. Paralelamente, a definição do universo empírico a ser trabalhado se deparou com a reduzida existência de fontes primárias que descrevessem o dia-a-dia das práticas educacionais e pedagógicas da instituição 3 ; por esse motivo, além do trabalho analítico centrado nos textos isebianos optei por buscar autores que tivessem desenvolvido uma análise que, de alguma maneira, levasse em conta aspectos educativos presentes no Instituto. Através dessa busca acabei chegando à obra de Vanilda Paiva, Paulo Freire e o nacionalismo-desenvolvimentista. E, finalmente, complementando esse universo empírico, surgiu um documento, identificado muito recentemente, que descreve minuciosamente as atividades educativas desenvolvidas pelo Instituto, no período de 1956 a Do trabalho de Paiva surgem as primeiras pistas estratégicas (ainda que incompletas) para a identificação do que passarei a chamar de Ideário Educativo do ISEB. Ao analisar as influências isebianas presentes no ideário de Paulo Freire, Paiva se remete aos aspectos que caracterizaram o pensamento pedagógico assumido pelo ISEB; ou seja a idéia de uma pedagogia existencial-culturalista, centrada numa situação fundamental do homem, preocupada com uma determinada maneira de se interpretar a realidade e apoiada numa análise crítica da realidade educativa. Na defesa, tanto de um homem que se diferencia das massas, quanto das possibilidades da função comunicativa no trato das consciências humanas. Ao mapear o conjunto da formação pedagógica de Freire no contexto dos anos de 1950 e 1960, Paiva nos mostra aproximações teóricas pouco trabalhadas no âmbito da história do pensamento educacional brasileiro; Paiva afirma ter sido Anísio Teixeira, dentre os renovadores, quem mais marcou o ideário freireano. Como podemos constatar o texto que se segue confirma a presença das teses isebianas na produção anisiana. 2 O comentário de Naïr se encontra no prefácio que esse autor faz do livro de Lucien Goldman, Epistemologia e Filosofia da Ciência. 3 Vale lembrar que nos primeiros dias de abril de 1964, o ISEB foi invadido e suas instalações depredadas por grupos que se diziam revolucionários. Segundo Toledo, as sedes da UNE e do ISEB depois de destruídas, tiveram seus documentos, arquivos e publicações apreendidos pelas forças de segurança ou consumidos pelo fogo (Toledo, 1997).
5 5 A cultura nacional, o desenvolvimento nacional, a história contemporânea do Brasil, ninguém poderá dizer que sejam estudadas na escola secundária brasileira. E não o são também na Universidade. (...) Com uma escola assim desnacionalizada e desnacionalizante, como esperar que a juventude se sinta esclarecida para conduzir, como vanguarda que é, o movimento nacionalista? Este homem brasileiro é que será o construtor do Brasil. E quem o tem de formar será a escola brasileira. A escola brasileira é que irá ensinar a compreender o Brasil... 4 (grifos meus) Tanto o ISEB quanto o método de Paulo Freire atua nesse espaço de constituição do homem brasileiro e de uma escola brasileira, ajudando a formar e mobilizar a sociedade civil, reajustando e recompondo idéias e crenças compatíveis com uma sociedade urbana, industrial e moderna. Uma recomposição que, ao confirmar a valorização e reabilitação da esfera ideológica (das consciências), acaba legitimando uma única e determinada ideologia como expressão do caminho certo a ser seguido pelo país a do desenvolvimento. Diante do desafio, Freire situa o papel da educação na geração de disposições mentais democráticas através das quais o homem se identifique com o clima cultural do povo, aderindo assim, ao projeto de desenvolvimento, idéia nuclear do novo contexto do país. O texto de Paulo Freire que se segue deixa clara sua admiração pelos dois ideários, distintos e próximos, que marcaram o pensamento educacional no Brasil nos anos de 1950 e 1960, o existencialismo-culturalista isebiano e o escolanovismo apoiado numa abordagem pragmatista. Dois empenhos, da mais alta importância, da educação universitária e pós-universitária, merecem referência especial. O do Instituto Superior de Estudos Brasileiros ISEB e o da Universidade de Brasília. Ambos frustrados pelo Golpe Militar. Compreender o seu papel implica em apreender o significado desta realidade: o ISEB foi um momento do despertar da consciência nacional, que se prolonga à Universidade de Brasília. (...) Não foi por acaso que o ISEB, não sendo uma universidade, falou e foi escutado por toda uma geração universitária e não sendo um organismo de classe, fazia conferências em sindicatos. Esta forma de pensar o Brasil como sujeito que levava a uma necessária integração com a realidade nacional, vai caracterizar a ação da Universidade de Brasília que, fugindo obviamente à importação de modelos alienados, busca um saber autêntico, por isso comprometido. Sua preocupação não era, assim, a de formar bacharéis verbosos, nem a de formar técnicos tecnicistas. Inserindo-se cada vez mais na realidade nacional, sua preocupação era contribuir para a transformação da realidade, à base de uma verdadeira compreensão do seu processo. Sua influência [da UnB] e a do ISEB podem ser compreendidas como resultado da identificação com o despertar da consciência nacional, que avança em busca da conquista do Brasil como tarefa de transformação. Neste sentido, a 4 Anísio Teixeira, Educação como problema central da sociedade, texto publicado no livro Educação no Brasil, 1976.
6 6 mensagem de ambos continua, como continua a tarefa do intelectual e da juventude brasileira. Do povo brasileiro. 5 (grifos meus) Vale assinalar que muitos dos princípios norteadores do ISEB se originaram em duas outras instituições que o precederam - Grupo de Itatiaia e no IBESP 6 ; nesse universo anterior são consolidados aportes que irão marcar definitivamente a intervenção do Instituto: ênfase nos problemas nacionais; novas abordagens metodológicas; novo papel do intelectual; e o novo papel da ideologia na realidade brasileira. Vale assinalar que o que muda após a institucionalização do ISEB refere-se à questão da consciência, conceito vinculado ao pensamento existencialista, que defende a possibilidade de se resgatar nossas naturezas mais primitivas, puras e isentas de influências externas no ISEB, a consciência aparece na sua relação com a valorização da razão, do entendimento e da compreensão. Se no pensamento existencialista o conceito de consciência se aplicava ao indivíduo, no ideário isebiano, ele passa a ser aplicável à análise dos problemas do Brasil, suas influências históricas, seus desafios diante das transformações de um processo em plena industrialização. Em se tratando da última fase do ISEB, período posterior à crise de 1958, as mudanças mais significativas de encaminhamento do ideário se dão no âmbito do direcionamento político da instituição que passa a se assumir como uma entidade política ao invés de se assumir como uma entidade científica, como anteriormente ocorria. Mas o impacto dessa transformação não alterou significativamente o ideário educativo até então adotado: 1) a ênfase e valorização do entendimento histórico; 2) o uso da filosofia enquanto instrumental básico da busca de um caminho; 3) a confirmação dos princípios e métodos fenomenológicos, além dos aportes da sociologia, da economia, e das ciências sociais. O Relatório do ISEB a materialidade de uma educação ideológica Em seu texto Condições Institucionais do Desenvolvimento de 1958, Jaguaribe explicita seu entendimento do que ele denomina educação e organização ideológica como sendo os instrumentos fundamentais para que se possa, tanto desencadear a necessária vinculação à ideologia do desenvolvimento, quanto dar conta de sua contínua assimilação tendo em vista o projeto pretendido. Ao analisar a definição de Jaguaribe identifica as duas funções de uma educação e organização ideológica: 1) a 5 FREIRE, Paulo (1983). Educação como prática da liberdade. RJ: Paz e Terra, p IBESP Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política.
7 7 primeira seria a de viabilizar, de maneira sistematizada e até didática, a apropriação e o entendimento do significado e do objetivo da ideologia que se quer hegemônica no caso, o desenvolvimentismo; e 2) a segunda função, seria a de organizar núcleos de coordenação e de esclarecimento de seu conteúdo - papel a ser desempenhado, naquele contexto, por instituições tais como o ISEB. Ou seja, um instituto que, a despeito de não se constituir numa instituição vinculada ao sistema público de educação nacional, se caracterizou por desenvolver uma efetiva atuação educativa, peculiar e diferenciada, na medida em que era exclusivamente direcionada à construção e divulgação do conhecimento ideológico necessário ao projeto de desenvolvimento do Brasil. Complementando, para Jaguaribe, o momento da conscientização se constitui o momento-chave da educação ideológica, a partir do qual a ideologia se encontra efetivamente assimilada. O autor fala da necessidade de se alcançar o estágio de uma eficácia da consciência ideológica, algo a ser atingido com conferências e palestras assim como através da geração de núcleos de esclarecimento, formação e pesquisa, tal como o ISEB. O Relatório do ISEB, documento que passamos a analisar, se constitui assim a expressão concreta de funcionamento do mais importante núcleo de esclarecimento e formação de quadros multiplicadores da ideologia nacional-desenvolvimentista, característica dos anos 50 no Brasil; conhecer e compreender seu conteúdo, tendo acesso à maneira pela qual a educação e organização ideológica eram pensadas, organizadas e efetivamente praticadas, nos permitirá complementar e concluir com alguma clareza o ideário educacional do ISEB. No Sumário do documento, destaca-se uma estrutura descritiva, onde o item mais volumoso é o das Atividades Realizadas (60 páginas) onde aparecem 3 sub-títulos 1) Setor de Estudos e Pesquisas; 2) Levantamento Estatístico e Documentação; e 3) Serviços de Cursos e Conferências o mais volumoso em informações seguido do Setor de Estudos e Pesquisas. No Setor de Estudos e Pesquisas descreve o trabalho especializado do ISEB e se subdivide em 8 subitens: 1) Estudos e Pesquisas (estagiários em tempo integral); 2) Aos representantes dos Estados; 3) Pesquisa sobre a estrutura econômica dos Estados do Brasil ; 4) Pesquisa sobre os desequilíbrios regionais do Brasil ; 5) Pesquisas sobre capitais estrangeiros ; 6) Estudos sobre o problema agrário; 7) Comércio exterior e problema cambial brasileiro; e 8) Estudos iniciados pesquisas e análises. No universo desse primeiro item a constatação mais relevante confirma a preocupação com estudos centrados na realidade brasileira - a maioria dos títulos contem as expressões do Brasil,
8 8 brasileira, do País, nacional, etc. No universo das 34 pesquisas desenvolvidas em diferentes áreas somente 3 relacionam-se às questões da educação no Brasil. O item denominado Levantamento Estatístico e Documentação, apresenta uma relação de dados compilados e sistematizados, agrupados em 12 grandes temas e finalmente o item mais volumoso Serviços de Cursos e Conferências onde são apresentados os produtos dos diferentes tipos de ação educativa do ISEB Curso Regular; Cursos Extraordinários; Ciclos de Conferências; e Conferências. Neste item o Relatório explicita a existência de 3 tipos de professores: 1) professores Chefes de Departamentos; 2) Professores Adjuntos; e 3) Professores Assistentes. E a existência de 2 tipos de alunos denominados: estagiários de tempo integral e estagiários de tempo parcial. A lista das instituições às quais esses estagiários de tempo integral se veiculam constitui-se num universo de 64 instituições, das quais 28 são órgãos vinculados, direta e/ou indiretamente, à administração estatal nos seus diferentes níveis e 14 representantes de Estados da União. Destaca-se também a presença de federações de trabalhadores e de empresários, alguns sindicatos e organizações estudantis. Em se tratando de números, o relatório aponta terem sido ministradas nesse período de 1956 a 1960, um total de 1452 aulas e 332 seminários, levando-se em conta o ano, e a área trabalhada (Filosofia, Sociologia, Formação Histórica do Brasil, Economia, História, Filosofia do Brasil, e Política). Em se tratando das Conferências proferidas, constata-se mais uma vez uma ênfase nos temas e problemáticas da realidade brasileira, confirmando assim ser o país e suas problemáticas o foco dos estudos do ISEB. Os conceitos mais presentes nos títulos são: desenvolvimento, nacionalismo, política do desenvolvimento, indústria no Brasil, política nacional, colonialismo e planejamento. Diante do conjunto dessas abordagens também evidencia-se que o conceito de desenvolvimento nacional se apoiava fundamentalmente no fomento dos recursos produtivos centrados na industrialização e desdobramentos afins envolvendo recursos energéticos, recursos técnicos, etc. Diante do universo apresentado pelo Relatório evidencia-se a existência de 3 estratégias internas que marcaram as opções do encaminhamento educativo da instituição: 1) a determinação de ter como objeto de estudo e pesquisa a realidade brasileira e suas problemáticas; 2) a decisão de assumir os princípios da filosofia existencialista- culturalista e a metodologia fenomenológica como principal instrumental teórico condutor das análises envolvendo essa realidade brasileira; e 3) a preocupação tanto de conceber e produzir um número elevado de estudos e pesquisas, quanto de encaminhar uma ampla divulgação através de Cursos Regulares, Seminários, Publicações, etc.
9 9 Complemento minha análise afirmando que a singularidade do ISEB enquanto curso de nível pós-universitário se dá na medida em que constata-se a presença de uma missão política, a ser percebida em dois procedimentos institucionais: a) uma análise dos títulos e temas mais freqüentes nas reflexões e pesquisas isebianas nos leva a crer que o projeto de desenvolvimento do país passava fundamentalmente por estudos e pesquisas relacionados com os recursos produtivos do país; ou seja, no ISEB o espaço e o papel da educação não geram reflexões sistematizadas tais como os temas do desenvolvimento, dos recursos econômicos, envolvendo recursos energéticos, alimentícios, agrícolas, etc.; b) para o ISEB, o estudo, o ensino e a divulgação do projeto de desenvolvimento do país a partir de 1956, foco central de suas práticas de ensino e pesquisa se apoiavam em alguns princípios: concentração de esforços no estudo, na pesquisa e no planejamento de tudo o que se relacionasse com a realidade brasileira; busca e construção de um entendimento histórico do país; investimento numa abordagem metodológica voltada às especificidades nacionais; etc. Assim sendo a educação como estratégia política se insere na missão política do ISEB, sendo resultado de uma reflexão interna do grupo isebiano em função dos objetivos a serem alcançados. Objetivos esses que, se num primeiro momento estavam focados no estudo, no ensino e na divulgação das problemáticas presentes na realidade brasileira, num segundo momento, complementam-se no estudo, no ensino e na divulgação de algo que tinha um valor político estratégico - a ideologia de um projeto de desenvolvimento para o país. O fato é que, a partir de um determinado momento (pós 1956), essa ideologia do projeto de desenvolvimento passa estrategicamente a se operacionalizar através das instâncias educativas do ISEB o ensino propriamente dito (docência e discência) e a pesquisa. O conjunto desses dois tipos de atividades educativas totalizaram, num período de 5 anos ( ), um universo de aulas, 332 seminários, 167 teses apresentadas, 95 Conferências para o Curso Regular, 52 Conferências Externas e 27 Publicações. Como considerações finais fica o registro do que foi o Ideário Educativo do ISEB - um conjunto de princípios que em nenhum momento é sistematizado ou formalmente assumido pelo grupo isebiano, mas que como podemos constatar, efetivamente direcionou a concepção educativa e a prática pedagógica desenvolvida internamente nesse instituto. Assim sendo a institucionalização do ISEB (1955) marca o surgimento de uma instituição que se percebia, e que era percebida pela sociedade na qual se encontrava, como sendo um órgão de natureza educativa; mesmo não tendo se constituído e se configurado como uma
10 10 universidade, o ISEB se colocava atributos de uma universidade, o que se evidencia no desenvolvimento de um ensino definido como sendo de nível pós-universitário. Seu ideário educativo se caracterizou por uma forte influência existencialista presente no conjunto de aportes que se materializaram nos seguintes princípios: 1) na ênfase em estudos e temas voltados exclusivamente para a realidade brasileira; 2) na valorização dos estudos propiciados pelas ciências sociais, com ênfase na história, tendo em vista a geração de soluções efetivas na reversão dos problemas; 3) no entendimento do papel do intelectual enquanto agente de mudança (alguém que passou pelo processo de transformação da consciência ingênua para a crítica e que portanto pode direcionar, a partir das massas, o futuro do país); e 4) na defesa da existência de um caráter fundamentalmente ideológico presente em todas as estratégias a serem adotadas o que inclui o espaço de atuação da educação. Referências Gerais Bibliografia ABREU, Alzira, (1975). Nacionalisme et action politique au Brésil: une étude sur l ISEB. FREIRE, Paulo, (1983). Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra. GOLDMANN, Lucien, (1984). Epistemologia e Filosofia Política. Lisboa: Editorial Presença. GRAMSCI, Antonio, (2000). Cadernos do Cárcere, Volume 2 Os Intelectuais. O princípio Educativo. Jornalismo. Edição e tradução, Carlos Nelson Coutinho; co-edição, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro; Civilização Brasileira. LÖWY, Michael, (1998). A evolução política de Lucáks ( ). São Paulo; Cortez , (1994). As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen. Marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. São Paulo: Cortez. PAIVA, Vanilda, (2000). Paulo Freire e o nacionalismo desenvolvimentista. São Paulo: Graal. SODRÉ, Nelson Werneck, (1978). A Verdade sobre o ISEB. Rio de Janeiro, Avenir Editora. TEIXEIRA, Anísio, (1968). Uma perspectiva da Educação Superior no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. no. 50 (111), p , jul-set. TOLEDO, Caio Navarro, (2005). Intelectuais e política no Brasil. A experiência do ISEB. Caio Navarro de Toledo (org.) Rio de Janeiro: Revan., (1997). ISEB: Fábrica de Ideologias. Campinas, SP: Ed. da UNICAMP. Relatórios e Legislação Relatório sucinto das atividades do Instituto Superior de Estudos Brasileiros ISEB, durante o período de janeiro de 1956 a novembro de Biblioteca Nacional; Seção de Manuscritos; Arquivo INL (Instituto Nacional do Livro) (52, 30, 49). Decreto Lei no de 14 de julho de 1955, que Institui no Ministério da Educação e Cultura um curso de altos estudos sociais e políticos, denominado Instituto Superior de
11 Estudos Brasileiros, dispõe sobre seu funcionamento e dá outras providências (LEX, 1955; p. 232,233) DL (...), modificado pelo DL (...), dispõe sobre o seu funcionamento e dá outras providências (LEX, 1959; p. 101, 102)... 11
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