ENEF: UMA EXTRAORDINÁRIA INICIATIVA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO FINANCEIRA

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1 ARIANNA LEGOVINI E MIRIAM BRUHN Economistas do Banco Mundial ENEF: UMA EXTRAORDINÁRIA INICIATIVA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO FINANCEIRA TEXTO E FOTO POR RENÉ DECOL * O Brasil está capitaneando uma das mais bem-sucedidas experiências de educação financeira do mundo, avalia a economista Arianna Legovini, chefe de um programa de vanguarda do Banco Mundial Avaliação de Impacto sobre Projetos no Setor Privado e Financeiro que envolve 300 agências de 72 países e cujo objetivo é estimular o setor privado dos países em desenvolvimento a investir na formação financeira dos jovens. É extraordinário o que está sendo feito aqui, disse Arianna após visitar uma escola pública na periferia do Rio de Janeiro, onde os alunos têm aulas de educação financeira. Se experiências como esta forem expandidas para o conjunto da sociedade brasileira, pode-se esperar, em poucos anos, resultados no plano macroeconômico, como o aumento da taxa de poupança. Arianna e Miriam Bruhn, economistas do Banco Mundial, que acompanham a iniciativa, mostraram em pormenores para a Revista da Nova Bolsa o impacto da iniciativa para o Brasil. Os avanços do programa do Banco Mundial, apoiado pela BM&FBOVESPA e pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM), foram discutidos, em junho, em workshop internacional realizado no Rio de Janeiro. No encontro, foram apresentados os dados preliminares de pesquisa inédita do Banco Mundial que avaliou como os alunos dos projetos da Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef) desenvolveram habilidades para entender contextos econômicos por exemplo, analisar o orçamento familiar. É um programa de grandes dimensões, com 27 mil estudantes do Ensino Médio de 900 escolas públicas brasileiras, apenas na primeira fase do projeto piloto. Um aspecto inovador do programa é que ele não é voltado para o setor governamental. As parcerias entre o setor público e o privado, quando existem, são focais. Há décadas se fala em reformas públicas que tornem o ambiente de negócios mais competitivo nos países em desenvolvimento, diz Arianna. Para essa italiana de 46 anos, doutora em economia pela Universidade de Maryland e líder do projeto, o objetivo é estimular o setor público, capitalizando o resultado dessas reformas. Entre as iniciativas do projeto está uma parceria com a Secretaria da Educação do Rio, vista como excelente tanto por técnicos do Banco Mundial, como por adolescentes matriculados 14 REVISTA DA NOVA BOLSA

2 Arianna Legovini e Miriam Bruhn no Ensino Médio do Colégio Estadual Professora Sonia Regina Scudese (situado numa travessa da Avenida Brasil, nas proximidades de uma área de classe média baixa, na Penha, periferia da capital fluminense). Educação financeira é um assunto muito interessante, diz Denilson, aluno do segundo ano, que pretende ser professor de psicologia. É algo muito mais concreto do que física, por exemplo. Como acrescenta, com veia filosófica, seu irmão gêmeo Vanilson: Gosto das aulas de educação financeira. Elas nos põem em contato com o mundo do trabalho. O que acontece no colégio carioca e em outras escolas do Rio e de São Paulo que fazem parte dessa experiência piloto é monitorado de perto pelo Banco Mundial. Temos todo o interesse do mundo em avaliar experiências como essa, afirma Miriam Bruhn. Em poucos meses, verificamos que houve enorme salto no interesse e no grau de conhecimento dessas crianças em relação ao mundo da economia. E houve mesmo. Os jovens que recebem aulas de educação financeira se mostram mais inclinados a poupar para o futuro. E o que vocês pretendem fazer com o dinheiro economizado?, indagou Arianna aos jovens da Penha. Comprar um tênis novo?, ironizou. Não, responderam em coro. Eu pretendo guardar minhas economias para fazer a faculdade de Relações Internacionais, disse a adolescente Beatriz Ruas que já percebeu que nada será como antes num mundo cada vez mais globalizado. No Brasil, a desoneração dos impostos, a diminuição do tempo e da burocracia para abrir um negócio, ou mesmo a integração minimamente racional da atuação das três esferas de governo sobre a iniciativa privada, caminha a passos lentos, para dizer o mínimo. O objetivo do pessoal comandado por Arianna é aproveitar ao máximo as melhorias, por menores que sejam, nas políticas de governo. No Rio de Janeiro e em São Paulo, por exemplo, secretarias da educação de municípios como a capital fluminense ou do Interior paulista (20 cidades estão incluídas no projeto, além da capital), fizeram experiências pioneiras em que a educação financeira foi introduzida no Ensino Médio. É o tipo de iniciativa governamental que apoiamos, diz Luciana Leão, uma carioca de 27 anos, formada em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e uma das representantes do projeto no Brasil. Enquanto no Brasil o programa está voltado para a educação financeira nas escolas, em outros países o foco é outro. No encontro do Rio havia participantes de países distantes, do Afeganistão a Uganda, ou da Croácia, da Romênia e da Índia, que discutiram educação e inclusão financeira, reformas do ambiente de negócios, acesso a mercados e empreendedorismo, entre outros temas. Nos últimos anos, houve a incorporação de vastos segmentos da população brasileira ao mercado de consumo, disse José Alexandre Vasco, superintendente de proteção e orientação aos investidores da CVM. Quase 30 milhões de pessoas foram incorporadas à classe média, mas REVISTA DA NOVA BOLSA 15

3 grande parte dessa população não tem nenhuma experiência financeira anterior. Por isso, precisamos melhorar o seu nível de educação. Entre os projetos na pauta dos técnicos brasileiros está a introdução da educação financeira entre os milhões de brasileiros atendidos por programas sociais, como o Bolsa Família. Não se trata de assistencialismo, diz Arianna, mas de capitalizar o alcance desses programas, elevando o grau de educação financeira da população. A seguir, os principais trechos da entrevista de Arianna Legovini e Miriam Bruhn à Revista da Nova Bolsa: Revista da Nova Bolsa Qual a avaliação do projeto de educação financeira nas escolas? Arianna Legovini Extremamente positiva. Embora ainda estejamos num estágio preliminar da pesquisa, o resultado é extraordinário. Em apenas quatro meses de acompanhamento, nossa avaliação mostra um avanço de quase 7%, numa escala de conhecimento financeiro. Veja bem: 7% em apenas quatro meses! Em nenhum outro programa, em nenhum outro lugar do mundo, verificamos um resultado tão positivo. Por esse resultado animador, nossa expectativa é muito boa. O Brasil é o único dos países com os quais estamos lidando que pressupõe uma intervenção no Ensino Médio. Isso é muito importante, porque o jovem está em sua fase de formação. Há um enorme potencial para mudar a atitude do jovem antes da sua entrada no mercado de trabalho. R.N.B. Há outros exemplos de programas bemsucedidos em outros países? Miriam Bruhn Na África do Sul, há uma experiência com o uso da TV para melhorar o conhecimento de educação financeira. Mas isso não é grande novidade no Brasil, onde a BM&FBOVESPA já tem uma iniciativa importante na produção de vídeos educacionais. No México, há uma experiência interessante: oficinas de educação financeira nos bairros da periferia. Ali, as pessoas podem chegar a qualquer momento do dia para discutir questões como organização das finanças domésticas; uso de instrumentos bancários, como empréstimos e financiamentos, taxas de juro; uso de cartões de crédito; projetos de aposentadoria; aplicações em fundos; ações; e outros. A ideia não é mostrar uma solução única, que sirva de modelo para todos os países do mundo copiarem, mas sim soluções originais que estão brotando aqui e ali. R.N.B. E qual a peculiaridade do caso brasileiro? M.B. A peculiaridade do Brasil é que há, no momento, enorme expansão da classe média, com um número enorme de pessoas entrando no mercado de trabalho e de consumo, usando pela primeira vez instrumentos de crédito, empréstimos bancários e financiamentos em geral. É muito importante acompanhar esse processo com um amplo programa de educação financeira, principalmente para os jovens. R.N.B. Qual a importância disso? A.L. A taxa de evasão escolar no Ensino Médio no Brasil é muito alta, uma das mais elevadas entre os países em desenvolvimento. É algo que o País precisa corrigir urgentemente. É preciso não só tornar a escola mais interessante, mas fazer os jovens entenderem qual é o custo que terão, no futuro, se abandonarem os estudos agora. No passado, o custo de abandonar a escola não era tão elevado porque o mercado de trabalho não estava num processo tão rápido de transformação. Hoje, um jovem que abandona a escola vai encontrar lá na frente um mercado de trabalho no qual não vai mais conseguir se inserir. Numa economia mais competitiva, o custo de abrir mão dos estudos se torna cada vez maior. A economia brasileira tem melhorado nos últimos anos, mas a taxa de poupança ainda é muito baixa. Se conseguirmos mudar o comportamento dos jovens, esse processo poderá ter consequências macroeconômicas. A educação financeira é importante por uma questão de igualdade social, porque proporciona aos setores menos favorecidos da população uma educação financeira que os ricos de qualquer forma já têm. Mas, além disso, pode ser também um instrumento de mudança macroeconômica. Veja este exemplo: o programa brasileiro de educação financeira já conseguiu aumentar em quase 7% o número de jovens que dizem que estão poupando. E isso em apenas quatro meses. Imagine se conseguirmos ampliar o programa para todo o conjunto de estudantes do Ensino Médio. À medida que esses jovens forem ingressando no mercado de trabalho, incorporando o hábito de poupar, e passando a experiência adiante, em alguns anos teremos como resultado aumento significativo da taxa de poupança da população, com impacto macroeconômico. 16 REVISTA DA NOVA BOLSA

4 R.N.B. E os jovens em idade escolar são mais receptivos, não? M.B. É muito mais difícil mudar o comportamento dos adultos, que já estão no mercado de trabalho, já têm compromissos assumidos. Já os jovens ainda estão em processo de formação, estão na escola e sua única obrigação é aprender. Por isso, a educação financeira na escola é tão promissora em termos de impacto no longo prazo. Há toda uma série de novas abordagens, como os jogos interativos para computadores, em que se desenvolve o uso da decisão financeira, enfrentando situações típicas do dia a dia de empreendedores. R.N.B. Há indícios da importância do que jovem aprende em casa em relação ao universo do mundo da economia e dos negócios. A.L. Sem dúvida. Sempre achei que o fato de que, pessoalmente, sou boa em matemática, tem a ver com o fato de que muitos na minha família, antes de mim, foram professores e pesquisadores nas áreas de matemática e de exatas. O que me salvou na faculdade foi a econometria. R.N.B. Qual a formação de vocês? A.L. Sou doutora em economia pela Universidade de Maryland. Concentrei-me em política macroeconômica e monetária. Nasci na Itália e cheguei aos Estados Unidos com o suficiente para pagar apenas um semestre de faculdade. Mas, logo no primeiro mês, um professor notou meu entusiasmo pelos estudos e a partir daí sempre tive empregos de monitoria e ensino na faculdade, pagando assim meus estudos. M.B. Me formei no MIT. Especializei-me em macroeconomia e desenvolvimento. Não sou tão boa assim em matemática. [Nota do repórter: o comentário foi feito após uma apresentação brilhante, com ênfase minuciosa nos dados estatísticos.] R.N.B. Há muitos projetos de agências internacionais que buscam aumentar a competividade da economia dos países emergentes. Qual a especificidade desse projeto do Banco Mundial? A.L. Em muitos países, há programas governamentais voltados para reformas. O nosso projeto visa não só avaliar se esses programas estão funcionando, mas como podemos fazer para que funcionem ainda melhor. E fazer reformas que tenham um alto grau de retorno. Reformas governamentais não criam necessariamente resultados por si sós. Dependem de como as reformas são comunicadas e incorporadas ao ambiente de negócios. A ideia é trabalhar com o setor privado para entender como utilizar as reformas para capitalizar resultados em termos de crescimento do setor privado, do número de empregos, da melhor distribuição de renda, do aumento da produtividade e da competitividade da economia como um todo. Você tem, no Brasil, duas economias separadas por um abismo: uma economia de baixíssima produtividade, sem acesso a instrumentos de crédito, sem acesso a mercados, sem os conhecimentos mais elementares sobre como funciona o mundo da economia; e outra, com altíssima produtividade, alto nível de especialização, acesso a mercados internacionais e aos instrumentos mais sofisticados que existem no mercado de capitais. A ideia é diminuir a distância, o abismo que separa esses dois mundos. E não se trata de assistencialismo. Trata-se, no fundo, de tornar o setor privado mais competitivo, levando conhecimento e educação financeira a esse mundo Em apenas quatro meses de acompanhamento do projeto, nossa avaliação mostra um avanço de quase 7% numa escala de conhecimento financeiro. Veja bem: 7%, em apenas quatro meses! Em nenhum outro programa, em nenhum outro lugar do mundo, verificamos um resultado tão positivo Arianna Legovini REVISTA DA NOVA BOLSA 17

5 Na África do Sul, há uma experiência com o uso da TV para melhorar o conhecimento de educação financeira. Mas isso não é grande novidade no Brasil, onde a BM&FBOVESPA já tem uma iniciativa importante na produção de vídeos educacionais Miriam Bruhn da baixa produtividade. Só assim poderemos aproximar esses dois Brasis tão diferentes. O desenvolvimento mais justo no Brasil pressupõe dois pilares: um é a inclusão social, o acesso universal a serviços básicos como água, saneamento, educação e saúde. Vejo este aspecto do problema sendo enfrentado pelos governos. Mas o outro pilar, que não pode ser deixado de lado, é o do aumento da produtividade do setor privado. Este é um lado do problema que só pode ser enfrentado através da liderança e de projetos educativos como os que a BM&FBOVESPA patrocina. R.N.B. A propósito de lideranças, não há no momento muitos líderes políticos que empolguem a sociedade brasileira, para dizer o mínimo. A.L. Lembro-me de que quando o presidente John Kennedy falou da importância do trabalho voluntário, houve um surto nesse tipo de atividade nos Estados Unidos. Os líderes podem fazer uma diferença muito grande apontando caminhos, exercendo papel efetivo de liderança, não só no plano político, mas também no comportamento social. No mundo atual, os líderes estão usando muito pouco o pódio para inspirar as pessoas com seus exemplos. Os humanos são os únicos seres que ficam horas vendo seus líderes. Até pagam para isso. Muitos pagaram pequenas fortunas para viajar até a Inglaterra só para ver o casamento real. Se apenas usássemos essa característica para levar adiante as nossas causas, o mundo seria outro. R.N.B. Quando se fala em aumento de produtividade, muitos temem uma sociedade em que os ganhos de produtividade gerem desemprego, porque se precisa de menos gente para executar a mesma tarefa. A.L. Não há nenhuma correlação entre aumento de produtividade e desemprego. Quanto mais a economia se desenvolve, mais se força as pessoas a migrarem para os setores mais produtivos. Foi o que aconteceu na Ásia. Tanto a América Latina como a Ásia tiveram mudanças estruturais importantes nos anos de A diferença é que a Ásia investiu muito em educação. Basicamente, usaram o espaço de uma única geração para fazer uma revolução, dar um enorme salto à frente. O processo na América Latina tem sido muito mais gradual. R.N.B. Mas o Brasil está implantando mudanças importantes, como o fim do vestibular como porta exclusiva de acesso à universidade. Isso pode fazer uma diferença? A.L. Isso é muito importante, pois pode criar um mercado nacional de mão de obra, como existe nos Estados Unidos. Na Europa, as pessoas em geral vão para a faculdade, na sua própria cidade, enquanto nos Estados Unidos procuram a melhor escola na sua especialidade em qualquer lugar que seja, mesmo que seja do outro lado do país. Isso cria um espírito de mobilidade muito importante: quem muda de cidade para estudar estará mais disposto a mudar mais adiante para ir atrás de um emprego melhor. Essa mobilidade da mão de obra, com os melhores profissionais indo atrás das melhores oportunidades, torna a economia mais produtiva. Uma força de trabalho mais flexível é um fator muito importante em uma economia dinâmica e avançada. * RENÉ DECOL É JORNALISTA. 18 REVISTA DA NOVA BOLSA