Eu (quase) cozido, Outro (mal) passado

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1 1 Débora Brenga Eu (quase) cozido, Outro (mal) passado PROAC 2014 Bolsa-Incentivo à Criação Literária Dramaturgia

2 2 A boa vingança Celebrar a gratidão é praticar a boa vingança, que segundo Nietszche, origina da profunda alegria e potência. Eu, para chegar aqui, cruzei o meu caminho com muitas pessoas que, de algum modo, me apoiaram nessa empreitada. Muitas nem imaginam que assim o fizeram. Outras tantas sabem que o fizeram e, no entanto, eu mesma nem imagino seus gestos em prol desse trabalho. Pode ser, também, que ao atravessar o caminho de algumas, tenha afetado os seus cotidianos. Como saber? Assim, não citarei nomes com receio de esquecer alguns ou mesmo ignorar outros. Citarei Nietszche: Gratidão em tempo de colheita, vitória, paz alguns acontecimentos invocam um sujeito em relação ao qual o sentimento se descarrega. Deseja-se que todas as coisas boas que acontecem a alguém, tenham sido feitas - deseja-se que haja feitor. Da mesma forma, diante de uma obra de arte, evoca-se quem a fez. O que é então essa evocação? Uma tentativa de equilibrar o que se percebe como benefícios recebidos, um dar de volta, uma forma de atestar o nosso poder (...) pois ao evocar aquilo que gera as coisas, afirma-se, decide-se, estima-se, juga-se: nos damos o direito de ser capazes de afirmar e de distribuir honras (...) o mais alto sentimento de felicidade e vida é também o mais alto sentimento de poder: a partir deste sentimento se evoca (a partir deste sentimento se inventa e se busca algo que tenha feito as coisas um sujeito). A gratidão se apresenta como boa vingança: demandada e praticada onde a igualdade e a honra são mantidas firmes onde a boa vingança é melhor efetuada. Espero que a feitura dessa dramaturgia dialogue com o seu tempo. Possa contribuir com o pensamento contemporâneo a respeito do Eu e do Outro, provocando a reflexão sobre as relações de alteridade. Sobre como o Outro me afeta, me modifica, me transforma. Nessa trajetória iniciada em 2012, fui, aos poucos, desenvolvendo a perspectiva da generosidade, a qual teve o seu cume no encontro com os Guarani Mbya. Com eles, descobri que a minha voz não lhes serve, que o meu teatro não lhes tira da marginalidade lugar, que nosso mundo os colocou. Coube, então, a mim o exercício cru, mal cozido e mal passado da honestidade. Acho, que é disso, que as próximas páginas tentam falar. Que a boa vingança, aqui, se propague. se

3 3 Qual é a parte que nos cabe nesse latifúndio? Estamos em tempo de privação. Privação do privado. O espaço privado perdeuse no espaço público. O público, por sua vez, tornou-se árido, desertificação do lugar do encontro. Busco Milton Santos para me aconselhar. Ele me diz: Quando um homem se defronta com um espaço que não ajudou a criar, cuja história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de uma vigorosa alienação. Então, penso - é isso! Desde o começo era sobre isso que eu queria falar. EU, esse homem, essa mulher, esse vir-a-ser que me habita, habitando esse lugar de vigorosa alienação. Como fugir desse desatinado destino de ser brasileira? E, sendo, me perceber no completo desconhecimento do que, efetivamente, eu sou ou poderia ser? Perco-me nesse lugaroso, busco-me e não me encontro, senão pelo viés de uma identidade forjada pela nacionalidade, cor, RG. CPF, nome e sobrenome. Mas, seria isso o ser? E, como seria o ser se a ele não houvesse sido negado o conhecimento do outro, esse outro que, desde o princípio, já vivia aqui? Como eu seria se pudesse pensar, sentir e me comunicar em Nhengatu? Por quais experiências EU teria passado? Se o Brasil não se faz essa pergunta, não deseja nem mesmo cogitar que nação seria, caso os povos originários ocupassem seus territórios e, nós outros soubéssemos nosso lugar e tamanho... se isso está distante de acontecer, então, não temos a menor chance de experimentar o sentimento de pertencer aquilo que nos pertence. Mas, pelo menos na ficção, posso garantir esse espaço de pertencimento, que se configura na escolha de criar Cantos ao invés de Cenas. Uma espécie de vingança dessa História mal tecida e mal narrada desse lugaroso chamado terra de ninguém. Vontade de que meu teatro seja esse Ato, tempo-espaço de resistência. Também, é possível que as perguntas norteadoras, desde o momento em que Lucienne Guedes Fahrer me conduziu ao Meu tio, o Iauraetê de Guimarães Rosa, tenham de algum modo, provocado essa perspectiva. Talvez... Afinal, era (continua sendo) lugaroso demais e, não saber ao certo se estava indo ou voltando me provocou, muitas vezes, uma vontade profunda de repouso, de

4 4 ter um canto onde eu pudesse apaziguar (ou seria definitivamente enterrar?) essas questões. Canto como lugar que nos abriga, o qual precisamos ter a chave, posto que sem ela, vivemos errantes ou a constatação das Covas que nos cabem nesse latifúndio? Um palmo e meio de profundo... No meu caso, essa dramaturgia foi o próprio espaço de conflito e apaziguamento - espaço de territorialização e, ao mesmo tempo, espaço fronteiriço. Pensar-se nessa linha divisível do invisível entre EU e um OUTRO foi o exercício com o qual me deparei durante este caminho dramatúrgico, esse interminável ir e vir para desassosegar-me na divisa da alteridade. Criando Cantos, ocupo lugares que as Cenas por si não se bastam e, ao ultrapassar a palavra escrita, busco rasgar o tempo e o espaço cênico para que, ao menos, no papel não haja a necessidade de demarcação de território deformação do tecido social - afinal o espaço é a matéria trabalhada por excelência. Nenhum dos objetos sociais tem uma tamanha imposição sobre os homens, nenhum está tão presente no cotidiano dos indíviduos. Aqui, seja por resistência, seja por luta, seja por conquista árdua, cada figura tem seu Canto - lugar de ser pertencindo por algo, que reconhecemos, somos pertencentes e, nesse sentido, os espaços privado e público se configuram como extensões de cada corpo, voz, ser que se habita..

5 5 Do Eu (quase) cozido, do Outro (mal) passado Canto Zero Do enterramento de Carapiru Awá Guajá Assim como as ondas do mar vão e vem o tempo todo, assim também, caminho eu. Ora vou ora volto. Às vezes, me encontro no meio como agora. Sempre entre um dia e outro há uma noite no meio. Agora sei, estou no meio. Nem vou nem venho. Estou no meio, na noite escura, no centro dessa encruzilhada. Carrego uma urna funerária. O texto que carrego na outra mão, daqui a pouco, virará pó. Eu virarei pó? Mas, ainda, posso escolher. Sou eu quem escolho o que queimo; se queimo. O que eu enterro; se enterro. Dessas páginas, algumas quero salvar. O resto é ritual cênico. O prólogo? As profecias. Pronto. Agora não dá mais pra retroceder. Há um oceano de olhos que me espreitam. Também vão e volto intermitentemente. Eles podem me engolir. Posso, também, devorá-los. Devo prosseguir, mesmo que doa, mesmo que sangre. Vou. Eu vou até o fim. Porque havendo prólogo, haverá epílogo. É; não dói tanto assim. Pensam que eu estou no início ou no fim, mas não eu estou no meio.... Todos essas cenas eu pico. Nanos pedaços de papel. Picadinho de cenas. Assim... bem assim. Todas elas eu queimo - algumas gotas de álcool, um fósforo. É o suficiente. Não tenho tempo pro arrependimento. Nem vontade. Nem dom. Mas ainda assim é preciso que se diga desculpa Carapiru, pouco ou quase nada vai sobrar de seu enredo. Dou uma pausa nada dramática. Preciso tossir. Ler o prólogo, espécie de homenagem póstuma. Não é assim que falam? Não vou pigarrear. Acho ridículo quem faz isso. Também não vou chorar. Tenho aprendido que a morte é só um instante da vida.... Tudo isso não é dito nem bendito nem maldito. Nem fluxo de pensamento é. Tudo isso é só rubrica. EU...Eu sei, você não concorda. Mas é fato, só o que está escrito está posto no mundo. Salvei o prólogo, as profecias, não vê?... Pode repousar em paz Carapiru. Comigo tua vida foi curta, mas respeitosa... Agora deve ir. Vai; segue o seu caminho; eu sigo o meu. É melhor assim. Sem mágoas, sem ressentimentos....não, Carapiru; não devemos. Sua história segue sem mim. Nem me pertence mais. Nunca me pertenceu. Mas ouça o prólogo, o seu epitáfio. Ah, você não sabe o que é um epitáfio... Não faz mal, é o que restou dessa história. Ouça, ouça...

6 6 Canto Um Do que restou do Res Nullius Leio o prólogo ao Carapiru. Na vida real isso seria patético. Mas nessa vida de faz de conta, onde tudo pode, esse gesto está validado. Isso é bom; gosto. Então, leio: A PRIMEIRA HORA DO INSTANTE AGORA O MAR ENGOLE QUASE TUDO - Carapiru Awá-Guajá contempla e ouve o mar. Ele sabe que o mar engole o tempo e o devolve outro. Desde o princípio foi assim. O CÉU ENGOLE QUASE TUDO - Carapiru Awá-Guajá não contempla nem ouve o céu do avião. Ruído e sombra presentes no tempo de sua presentificação. Ele sabe que o quê o céu traz, o céu leva. Desde o princípio foi assim. O MAR ENGOLE QUASE TUDO - Carapiru Awá-Guajá veste trajes de não-índio e carrega seu arco e sua flecha. Ele coloca-os alguns metros à sua frente, na areia molhada. Ele retira os trajes da civilização. Retira, também, o cocar, os colares e outros adereços. Ele os arruma cuidadosamente, um ao lado do outro, próximos de seu arco e flecha e espera que as ondas do mar venham buscar o que é seu. Ele espera e contempla o horizonte marítimo... Ondas do mar arrastam os seus apetrechos. Desde o príncipio foi assim. A TERRA ENGOLE QUASE TUDO - Carapiru Awá-Guajá retira a pintura de seu corpo e entra para a floresta. Ele sabe que lá é o lugar dos povos originários. Lá, também é o seu lugar. EU - Ouve bem, você agora é cinzas. É pergaminho enrolado; homenagem póstuma que já foi prólogo....virou epílogo? Não, não!...mas o que é que você virou, Carapiru? Por que não dá logo o último suspiro? Morre homem, morre. É necessário que você morra. É das cinzas de suas entranhas que um novo enredo vai nascer... Ele não morre. Respira do interior dessa urna funerária; eu posso ouvir. *(...) Fraco, é verdade, mas respira. Finjo que ele dorme. Embalo sua urna; canto pra ele dormir. É preciso continuar, inventar outro tempo. Fugir desse lugar do enterramento. *(...) Carapiru Awá-Guajá é personagem do documentário Serra das Desordens, de Andrea Tonacchi.

7 7 Canto Dois- EU sou o que eu não sei Qual é o meu lugar, eu me pergunto. O enterramento desse Carapiru me pertuba. Como enterrar o que, ainda, respira? Transpira em mim esse estado febril. Deliro, às vezes. Falo coisas. Vejo coisas inquietantes. Ouço vozes como agora... Tudo depois desse enterramento. Tudo! EU Eu sei lá! E, se eu não sei, por que você quer saber? *(...) Que paradeiro? (...) Que diferença faz se estou indo, se estou voltando? Faz? Faz? Então tá: estou bem no meio da encruzilhada; bem no meio! (...) Não! Eu não tenho fome! Para. Já disse, eu não quero comer. (...) Psiu, espera! Para, para de falar comigo. Não vê que estão me chamando? Sim, sim, eu sei; é ela. Canto Três Eu sou Valdelice Verón... Valdelice Verón está no centro da cena, sentada em uma cadeira. Eu estou sentada à frente dela. Eu entrevisto, ela é entrevistada. Eu me pergunto, quais perguntas devo fazer? O que ela quer me dizer? Será que ela quer me dizer algo? Eu arrisco... EU Nome. ELA Valdelice Verón. EU Valdelice Verón é o seu nome indígena? Ela silencia. Depois responde. ELA Eu me chamo Valdelice Verón. Eu silencio. Depois insisto. EU Mas esse não é um nome indígena. Ela me olha longamente nos olhos. ELA Tá gravando? (Crio uma imagem em minha mente, eu a vejo em um telão). Eu sou Valdelice Verón, filha de Marcos Verón, o cacique morto apyrupã 1 por jagunços *(...) - a personagem EU dialoga com o personagem onçeiro de Meu tio, o Iauraête, de José Guimarães Rosa, podendo aqui se configurar na personagem da Avó. 1 Apyrupã (v.t.d) matar a pauladas, pág. 24

8 8 dos fazendeiros, coronéis dos latifúndios, que eles insistem em chamar de agronegócio. Capitães de Naus que querem a terra dos Guarani-Kaiowá, mesmo que manchada de sangue. Querem a terra também para sugar sua seiva até sua morte. (Eu penso que índia é essa com esse português? Eu penso, mas me calo, enquanto ela continua) Eu falo assim, porque sou professora em Dourado, no Mato Grosso do Sul... Eu sou Valdelice Verón, filha do cacique morto às pauladas, Marcos Verón. Guerreiro até o fim pela causa de vida e morte dos Guarani-Kaiowá. Eu sou uma Guarani-Kaiowá. Muito prazer. E você quem é? Eu confesso, ela me incomoda. A entrevista tomou um rumo diferente, e eu não sou jornalista, sou dramaturga... Não sei muito bem como continuar ou interromper. EU - Quer um pouco de água? ELA Sim, obrigada. Eu a sirvo. Ela bebe. Eu aproveito e bebo também. É preciso respirar, ganhar tempo, talvez. Canto Quatro - Do corpo e do sangue de cristo? Eu escrevo: A avó está sentada no centro da cena. O fogo da pequena fogueira, aos poucos, se atiça, espalhando luz e calor; revelando o lugar do encontro. A avó está entre seis representantes de etnias indígenas brasileiras de um lado e seis do outro. (Um deles... parece que eu conheço aquele ali, do lado esquerdo da vó. É... eu devo conhecer sim. Ele me lembra... quem ele me lembra? Ah! Ele me lembra Carapiru). Ela apresenta e reparte o alimento em treze partes. AVÓ Apytu ū! 2 (a avó experimenta a parte que lhe cabe desse cérebro de um morto. Parece gostar.) Inhakã porã! (Ele está bom da cabeça, ela diz). A princípio rejeito essa ideia canibal. Eu tento dizer a ela, não! Não, avó! Carne de gente, não! Mas, ela não me vê nem me ouve. Eu não existo para ela. Não existo para nenhum deles. Os convivas comem em efeito coral. 2 Apytu ū Ver cérebro, pág. 138

9 9 AVÓ (ela aponta à sua direita) - Xeaxu e'ỹa re. 3 UM À DIREITA É duro. Difícil de engolir. AVÓ (agora, ela aponta à sua esquerda) Xeaxua re. 4 DOIS À ESQUERDA Hum! Melado... Amargo? DOIS À DIREITA Escapa na boca. Ágil como uma ave de rapina? UM À ESQUERDA Hei, fiapo de mente que se enfia entre os dentes! TRÊS Á DIREITA (este grita) Axê! 5 Gosto de cinzas. AVÓ Camaleão! Todos falam ao mesmo tempo. AVÓ (repartindo e apresentando o alimento) Kuraxô! 6 Tinha um bom coração para a sua gente... sempre dividia a comida. SEIS À DIREITA Tem calor dentro dele! Ata pyī Ata pyī! 7 ESQUERDA Ai! Dor que me rasga! Ipy'a tyty vaipa. 8 AVÓ - Mbopy'a tyty. 9 CINCO À DIREITA Py a Guaxu. 10 Destemido. Engulo de sua valentia. CINCO À ESQUERDA Não, não... Temeroso na morte. O que faço com o medo dele? TODOS Mbojevy! Mbojevy! 11 O quinto à esquerda vomita em uma cuia. QUATRO À DIREITA É limboso... Coração limboso já viu de tudo um pouco. QUATRO À ESQUERDA É... é... Seco! Parou de chorar faz tempo. 3 Xeaxu e'ỹa re Ver axu (s) à minha direita, pág Xeaxua re Ver xu (s) à minha esquerda, pág Axê (v.i.) gritar sem pronunciar palavra como medo ou dor, pág Kuraxô, py a (s) coração, pág Ata pyī Ver ata (s) brasa, pág Ipy a tyty vaipa Ver py a (s) tem taquicardia, com o coração palpitando, pág Mbopy a tyty Ver py a tyty (s. modificado) fazer com que alguém fique taquicárdico, pág Py a Guaxu (s) corajoso lit. fígado grande, pág Mbojevy (s) Ver vomitar, pág. 194

10 10 Todos falam ao mesmo tempo. AVÓ Vamos cantar para ele. Pevy'aa pemoĩ pendepy'a re. 12 Vamos alegrar esse coração sofrido. Eles cantam, enquanto a velha índia, agora, reparte e repassa o sexo do morto. AVÓ Akuã-embu! 13 (experimenta e sente prazer) UM À DIREITA He'ē axy! He ē axy! 14 SEIS À ESQUERDA (lambe os beiços) Tembi'u ee! 15 AVÓ - Mba'eaxy gui ha'e nhandereraa jepe. 16 DOIS À DIREITA Comi o hevi kua 17 dele. Risada Geral DOIS À DIREITA Você jexa kuaa uka. 18 Mais risadas CINCO À ESQUERDA - (arrota) Xerevy atã ma. 19 TRÊS À DIREITA (lambe dos dedos) Ruxã'i. 20 Mais risadas QUATRO À ESQUERDA Omboguevi atãmba ngovaigua kuery. 21 A luz, gradativamente, se apaga. Agora só é possível ver a velha índia. AVÓ (na medida em que menciona as partes do corpo do morto, coloca-as em um cesto) Dividam as mãos para as mulheres... Para os meninos se guiarem pela mata, dividam os pés... A língua vai para os caciques... As orelhas para os pajés afinarem a escuta dos seus filhos e de toda a floresta (lá no escuro, onde ficaram os doze líderes indígenas, há um burburinho. A avó pressente uma presença alheia. Ela funga. Ela cheira). 12 Pevy'aa pemoĩ pendepy'a re ponham a alegria em seu coração, pág Akuã-embu experimenta e sente prazer 14 He ē axy Ver axy (adv.) doce demais, pág Tembi u ee Ver e (adj) comida gostosa, pág. 30; ee variante do adj e temperado c/ gordura, pág Mba'eaxy gui ha'e nhandereraa jepe Ver -eraa jepe (v.t.direto) salvar - ele nos salva da doença, ág Hevi kua - ânus 18 Jexa kuaa uka 1. Tornar-se conhecido a alguém. 2. Por eufemismo, ter relações sexuais com alguém 19 Xerevy atã ma já estou satisfeito; lit. minha barriga já está dura 20 Ruxã i (adj) bem pequeno, pág Omboguevi atãmba ngovaigua kuery Ver mboguevi (v.t.d) fazer alguém se afastar, indo de costas: fez todos os seus adversários se afastarem, pág.41

11 11 UM À DIREITA (do escuro aonde se encontra) - Evoko ma oua! 22 A avó me localiza e vem em minha direção. Quer me dar os olhos do morto. UM À ESQUERDA - Não, não! Os olhos não. Epa! Eu conheço essa voz!... Sim, claro! É Carapiru, mesmo no escuro, eu sei que é ele. AVÓ (ela grita) Axê! Estes irão pra você... (silêncio) Toma. Come! (Eu estou, deveras, assustada. Ela sabe disso. Ela sorri. Sorriso de canto de boca. Agora, menos incisiva, porém, mantendo a firmeza). Mecê quer de comer? EU Já falei que não, avó. Desculpa, mas, eu não como nem carne de bicho, que dirá de gente! AVÓ Bobagem, isso! Tudo pode ser gente, tudo! Bicho pode, árvore pode, gente pode ser gente, ou não! Comer os olhos do morto é ver o mundo com os olhos dele. Mecê não é escrivinhadora? Então, escrivinhador tem que ver o mundo com muitos olhos, ouvir com todos os ouvidos. Eu gostaria de dizer a ela que isso é uma bela metáfora, mas receio que ela não veja desse modo. Eu, afinal, como vejo? AVÓ Pega, vamos! Engole. (ela me olha profundamente) Lembra, minha neta, que o padre também se alimenta do outro. Eu Avó, o que fala? AVÓ Pois não é ele que come do corpo e bebe do sangue de Cristo? Padre ikaru jae'a 23. Come, anda! Canto Dois Eu sou o que não sei ou Da matéria fina dos sonhos EU Este é Teodoro. (imagem de um bebê) Ele é meu neto. Ele tem seis meses. Eu sonhei com ele na noite passada e, foi depois de ter comido os olhos e bebido o ²² Evoko ma oua Ver Evoko (adv demonst) - Aí vem alguém! Pág Ikaru jae a tem muito apetite

12 12 sangue que a jaryi 24 me deu, que o sonho nasceu dentro de mim. Eu não sei se foi sonho. Pode ter sido uma visagem. Bem, ele estava sentado em sua cadeirinha de bebê e eu vou em sua direção. Ele me vê e se agita de contentamento... Eu vou ao encontro dele, mas na medida em que me aproximo do Teo, ele vai reagindo de um modo estranho, diferente... Aquela agitação inicial vai dando lugar a outra coisa. É... eu percebo, ele está meio acuado. Tem medo de mim, parece... Eu me pergunto - Por quê? Será que ele vê coisas feias? Dizem, que as crianças até os sete anos são suscetíveis às visões. Acredito. É possível.... Então, eu continuo caminhando em sua direção, mas o Teo, ele está muito assustado. Cada vez mais. Quanto mais eu me aproximo dele, mais assustado ele fica.... Já estou a um passo de beijá-lo.... É bem nesse instante que eu me percebo. Eu, na verdade, não poderei beijá-lo porque minha condição física me impede. É... eu me vejo. Tenho bico e penas. Penas pretas e brancas. Tornei-me uma mulher-pássaro ou um pássaro-mulher?...acordei. Suando, assustada. Vasculhei a cama pra ver se não tinha nenhuma pena caída por lá. Não tinha. Perdi o sono. Medo que a realidade e a ficção fossem uma coisa só? Também.... E, tudo tudo, depois de ter comido aqueles olhos, de ter bebido daquele sangue! Ah, jaryi!... Vocês estão pensando o mesmo que eu?... Será que a avó, ela me enfeitiçou? Afinal, o Teo é um bebezinho! Sim, eu acredito que ele possa ver coisas! Agora, eu? Eu me vendo como um pássaro? Eu me vendo como ele mesmo estava me vendo? Mas por que ela me enfeitiçaria? Não faz sentido!... A não ser, claro, que ela me enganou me fazendo pensar que eu comia o que não comi. É isso; pode ser! Os olhos que eu comi e o sangue que eu bebi não era de padre, coisa nenhuma!...será? Então quem era o morto? A quem pertenciam aqueles olhos? É,.. começa a fazer sentido.... Não, não faz nenhum sentido! Eu nem sei mais o que falo, o que penso! Eu via o Teodoro como meu neto. Ele é que não me via como sua avó....ah, foi só um sonho! Só um sonho! Só um sonho!...mas, afinal, do que são feitos os sonhos? De que matéria são tramados? Olha, eu só sei que perdi o sono... Fiquei pensando se o Teodoro não tinha sonhado também o mesmo sonho... quer dizer, nesse caso, pesadelo e, só não liguei pra minha filha porque eram três horas da manhã! Três horas da manhã e, eu lá me antropomorfizando Jaryi (s) avó, pág. 48

13 13 Passagem de um Canto (dois) a outro Canto (quatro) Da dança que cria asas e raízes AVÓ Toma, minha neta! É pra te ajudar escrevinhar o que precisa ser escrevinhado. EU A senhora tava aí... AVÓ O tempo todo. Pega, vamos! EU (Espera! Ela pensa que eu uso chocalho pra escrever?) Avó, pra escrever eu uso lápis, caneta, lap top. Essas coisas... AVÓ Quer falar da minha gente, dos meus costumes e nem sabe a força do mbaraka mirim! 25 (Ela movimenta o chocalho, inicia uma espécie de dança) *(...) Isto aqui é palavra em movimento, que dança na boca, que sussurra nos ouvidos... Se mostra aos olhos. Eu olho pra ela dançando e parece que vejo raízes, muitas, em seus pés. Então, a avó é árvore?, eu penso. AVÓ (ainda na sua dança) Árvore, pássaro, água, terra, bicho do mato. Avó é de tudo um pouco... Eu continuo olhando pra ela. Um misto de admiração e assombro porque, agora, além das raízes, eu percebo que ela tem asas enormes. AVÓ (dançando ainda) Você precisa se acostumar comigo. EU Vai ser bem difícil, isso. A avó é uma caixinha de surpresas. AVÓ (Ela me convida pra dançar com ela) Come um pouco de mim, também, come! Vai, se lambuza de mim! Eu, meio tímida, aceito o convite metafórico da avó. Ficamos lá eu e ela dançando, sei lá quanto tempo. Sei que ficamos assim Mbaraka mirim (s) chocalho, pág. 67 *(...) O Chocalho do xamã é um acelarador de partículas (Eduardo Viveiros de Castro Coleção Encontros)

14 14 EU (ainda dançando) Aqueles olhos que você me deu/ AVÓ (dançando ainda) /Não estavam enfeitiçados, não. Olhos de homem, urubu rei! EU Urubu rei, eu? AVÓ Urubu rei, ele. Cuidado minha neta. Não dá palavra pro urubu rei, não! Se não... Ela me passa o mbaraka mirim. Eu pego. Já não estou tão tímida, percebo pequenas raízes que se espalham pelos meus pés. E brotos de asas querendo rasgar a minha carne EU (ainda de olhos fehados) Se não? Agora sim, abro os meus olhos. Cadê ela? Cadê a avó? Ela não está mais ali. EU Eu sinto... eu posso ouvir... sim, é ela que me chama novamente... Aos poucos a voz de Valdelice Verón sai do meu escuro e, já é possível vê-la sentada, exatamente, onde ela ficou, tomando aquele copo de água. Canto Três Eu Sou Valdelice Verón... E tenho um exército Guarani-Kaiowá ELA - Na manhã de treze de janeiro Kelen chegou correndo ao quarto. Kelen é minha filha. Eu me aproximo dela e retomo o meu lugar de entrevistadora. EU Kelen... ela também tem nome de jurua? 26 Ela não me responde. Olha-me, mas é como se não me visse. Passeia pela sua memória, eu acho. 26 Jurua (s) não-índio: branco, negro, outras etnias; ao pé da letra significa boca com bigode, pág. 55

15 15 ELA - Pois Kelen gritou Manhê o vovô tá ruim! A TV Globo, no Bom dia Mato Grosso do Sul dizia O líder indígena foi encontrado à beira da rodovia que liga Juti a Caarapó. Em estado grave, foi levado para o Hospital Evangélico de Dourados. Bom dia Mato Grosso do Sul? Bom dia Brasil?...Bom dia Mato Grosso do Sul! Bom dia Brasil!...Senti o meu corpo amolecer. Meu medo é que me manteve em pé. Meu pai; xeru oikoa pukukue re 27, ele sempre disse não quero mulher atrás de mim, mulher é medrosa. Ah, meu pai... (Ela se levanta, está agitada) Você não tem api'a, 28 não tem memby ryru 29 pra saber sobre a força e os medos de uma mulher. Nunca te falei sobre isso, nunca. Mas, agora, eu vou falar. Mulher pode virar em yvytu apu'a 30 pra defender os seus. Pode ser, como dizem os brancos, o cão chupando manga. E, eu fui. Cada vez mais, eu sou... (ela volta pra cadeira, senta-se) Ele dizia isso... de não querer mulher atrás dele, de mulher ser medrosa... dizia assim antes de cada ação de seu exército. Mas eu, meu pai, xerua gui aju! 31 Um som de trem se inicia distante de nós. Aos poucos ouvimos a sua aproximação. EU - Exército? ELA Os Guarani-Kaiowá têm um exército de arcos, flechas e conduta de guerreiro. Eu sou Valdelice Verón. Sou guerreira Kaiowá. Só meu pai não via; não me via. E, eu sempre lhe respondendo Eu temo é pelo senhor, meu pai... pelo senhor! O trem engole a fala dela. A sombra dele nos engole. 27 Xeru oikoa pukukue re Ver puku (adj.) durante a vida toda de meu pai, pág Api a (s) órgãos genitais de mulher, pág Memby ryru Ver memby (s) útero, Ivytu apu a Ver apu a ( adj.) tufão, vento tempestuoso, pág Xerua gui aju Ver a gui (sufixo a com posposição) do lugar onde algo ou alguém está. Xerua gui aju vim do meu pai, pág. 17

16 16 Canto Cinco Para Poty quer ser atriz A imagem do meu blog aparece na metade de um telão. A outra metade está reservada para a mensagem que chega de um celular. Então, pode-se ver o movimento das palavras que se interligam e se completam em um comentário, porque a escrita de quem comenta acontece em tempo real. COMENTARISTA Nhande Ka aruju! 32 Eu tenho quatorze anos e sou da etnia Guarani Mbya. Quero ser atriz. Você pode me ajudar? EU Oi. Eu não sei como posso ajudá-la. Você sabe como? COMENTARISTA - Queria fazer um curso de teatro, mas moro longe. EU Onde você mora? COMENTARISTA No tekoa Tenondé Porã, no extremo sul de São Paulo. EU Em uma aldeia! Eu posso conhecer sua aldeia? Posso levar uma oficina de teatro praí. Que acha? COMENTARISTA É bom. Mas, preciso ver com as lideranças daqui. Vou pra escola, agora. Depois combinamos. Canto Quatro - Do corpo e do sangue de cristo ou Do desenterramento do novo enredo AVÓ Você me chamou, minha neta? EU - Chamei? Não sei... estava aqui com os meus pensamentos. AVÓ Precisa de ajudinha... mas como não sou das letras, desconfia de mim. EU Não, avó. Não se trata, disso. É que preciso fazer um enredo, só que não sei como se faz isso! Pra fazer, eu teria que saber o começo o meio e o fim da história, mas avó, eu não sei! É estranho... me dá a sensação de ser um pouco Nhanderu, sabe? AVÓ Não diga bestagem, que você nem conhece Nhanderu Kuery! 32 Nhande Ka aruju boa tarde após às 12 horas essa é a forma de saudação, mesmo que o encontro entre as pessoas ocorra às 24 horas, ainda é Nhande Ka aruju, mas na despedida diz-se japytu uju e no amanhecer do dia até às doze horas diz-se javuju. (informações recebidas por Jera Giselda etnia Guarani Mbya, Tekoa Tenondé Porã)

17 17 EU Sei bem que não! Mas é como, avó! Se eu tenho que saber tudo da história, passado presente futuro, começo meio e fim, é como se fosse, não é? Avó pita o petỹgua 33 dela. Impregna o espaço de fumaça. Eu tusso. Ela pita. Pita, pita, depois, solta fumaça em mim. Várias vezes. AVÓ (quase sussurando) - Pra fazer enredo precisa primeiro enterrar Carapiru Awá-Guajá. EU Awá-Guajá está vivo! Como posso enterrar quem está vivo? AVÓ (ela me entrega uma urna funerária) O Carapiru que você vai enterrar não é o Carapiru que Nhanderu criou. Esse está vivo! O outro, esse que você criou na sua cabeça de jurua, esse é que precisa morrer. Sem enterrar o Carapiru da sua cabeça de jurua não tem enredo, não! Canto Zero Do enterramento de Carapiru Awá-Guajá ou Do epitáfio em sua urna funerária Caminho com a urna funerária que jaryi me deu. Levo, também, um texto de teatro. Eu retiro alguma cenas, inclusive as profecias. As demais, depois de picá-las em nanos pedaços, ateio fogo em todas elas. As cinzas? Coloco-as na urna. Converso com Carapiru de dentro da urna.. EU Carapiru Awá-Guajá, eu tentei... Você sabe que sim, mas não fui capaz. Eu achava que podia ser sua porta-voz quando você nem queria nem precisava de uma. Agora, olha bem, só sobrou as cinzas de cada palavra escrita em vão. As cinzas, o prólogo... as profecias. Essas partes, eu deixei que sobrevivessem... Eu gosto delas e antes de botar fogo nelas, eu quero ler pra você. É como se fossem vários epitáfios gravados em sua urna funerária, sabe? (uma luz se acende de dentro da urna, mas eu não me dou conta disso) Não, você não sabe. Isso é coisa de não-índio. Coisa de jurua... Mesmo assim, eu vou ler....ora, por quê! Porque eu quero; pronto e acabou. Passagem de um Canto (Zero) para outro Canto (Um) Dos restos, memorial do esquecimento Entre as páginas que salvei, escolho a Primeira Profecia do trem 33 Petỹgua (s) cachimbo, pág. 89

18 18 EU (Se é verdade que todos temos uma odisseia, esta profecia, diz respeito ao drama pessoal de Carapiru Awá-Guajá. Está lá na Serra das Desordens, de Andrea Tonacchi. Está aqui, como material que sobrevive ao naufrágio de uma dramaturgia incinerada).... Presta atenção, Carapiru! Vai doer, eu acho, mas é necessário... HUM MIL NOVECENTOS E SETENTA E OITO (a luz na boca da urna se intensifica) quê? Sim, sim. *(...) Foi o fatídico ano. Eu disse que ia doer... Mas, homem, sossega! Já passou... Já vai longe. Posso ler? (A luz se agita, ainda, mais. Depois, se azula na sua tristeza. Sim, eu posso ler). *(...) ano de 1978, quando Carapiru escapa de um ataque surpresa de fazendeiros, mas sua família não, sendo toda ela dissimada HUM MIL NOVECENTOS E SETENTA E OITO Som de trem rasgando o espaço Carapiru Awá-Guajá ouve tiros perto dali. Ele sabe que a bala, mais que assustar aves e répteis, elas matam. Ele sabe que a bala é a arma do homem branco (a luz torna-se mais forte) ãh? Tá, tá... (reflito) Mas por que sem cor? (a luz pulsa, impõe um ritmo) Eu não concordo, mas tudo bem, que seja. (o que eu mais quero é ler essa profecia. Mudo a palavra e pronto...) Ele sabe que a bala é a arma do homem sem cor. EU É isso? A arma do homem sem cor? Eu não tenho cor, Carapiru? (Agora, ele se finge de morto. É o ponto final dessa sentença que ele acaba de me dar)...é, eu não tenho cor. (retorno à leitura) Muito distante pode se ouvir o ruído de um avião. Ele corre para lá onde está o seu clã. Ele corre para lá ao encontro da morte. Do clã morto à morte do clã. Jaz o tempo dos rituais mortuários. Agora o tempo do clã jaz. Ele corre do tempo da morte, do fogo chispando o corpo do clã. Ele tem uma panela e vontade de correr. Na sede, chupa cana em território privado. E pernas pra que te quero. Ele tem arco, tem flecha. No calor, banha-se em açudes alheios. E corre sempre, cada vez mais. Ele corre muito e sempre e sem parar. Agora, o barulho do avião está mais próximo, capaz de engolir a minha voz. Carapiru andante. Carapiru errante corre muito, cada vez mais. Carapiru Awá-Guajá corre por dez anos.... Agora já pode parar. Pode olhar para o rastro de 2000 km que deixou para trás. Som de trem rasgando o espaço.

19 19 A sombra do avião está sobre as nossas cabeças. Não há mais corpo nem voz. Nem luz na boca da urna funerária há. Canto Dois Eu sou o que não sei ou Da matéria fina dos sonhos E da matéria viva do enredo Eu, mais por comodismo do que por pulsão, convenço-me de que enterrar Carapiru foi um grande acerto. Olho para essas três nativas que me contemplam no vazio de minha imaginação. A velha índia (a antropófoga), a madura (a da entrevista) e a jovem (a do blog). EU (estou aos pés desse vazio, dessa matéria onírica de onde nascem os enredos, os dramas, os poemas; os sonhos. Sinto-me atraída pela essência da mais velha. Vou em sua direção. Um claro lumia minhas mãos, as quais iniciam essa feitura de baixo pra cima, dando forma, contornos a esse corpo. Agora ela está na luz. Posso contemplá-la. Posso modificá-la se assim desejar. Posso nomeá-la, mesmo, na incógnita de quem é) Avó. (Sigo em direção a do meio e apalpo o escuro que habita o contorno da mulher madura. Ela, também, recebe das minhas mãos as luzes que a modelam. Já posso percebê-la. Mais que isso, posso sentir sua carne, seu cheiro, sua respiração quase bélica e, também, posso lhe nomear) Mãe. (repetindo o mesmo jogo cênico entre minhas mãos modeladoras e a luz que dá forma, sigo em busca da terceira, da mais jovem. Apalpo a matéria que dá forma e desforma, criando os contornos da jovem nativa, certamente, a futura atriz) Filha. Passagem de um Canto (dois) para outro Canto (zero) - Do Desenterramento da luz que fala Trabalhando na matéria bruta da mais nova, sinto uma mão de homem segurando a minha mão de mulher. Minha mão está paralisada e, a luz que acompanhava minha modelagem se aloja, agora, na boca da urna funerária, onde mora o que resta de Carapiru. Por ela, Carapiru fala. ELE Não adianta me enterrar. Quanto mais você me enterra, mas eu broto! Das cinzas eu broto. EU Carapiru?

20 20 ELE Enterrando a história que fizemos juntos? EU Fizemos? ELE Acha que tudo só saiu da sua cabeça? EU Também, saíram de outras partes de mim! ELE Muitas luas convivemos juntos. Jurua não tem memoria? Jurua só tem esquecimento! EU Você está sendo injusto. Pensa que foi fácil o seu enterramento? Não foi. Mas a vida é movimento. Você, muito mais que eu, sabe que não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio, não sabe? (...) O que o vento traz num dia, ele leva no outro. Não é assim que é? ELE Aquele yvytu ijava ete. 34 Agora, outro vento está me trazendo. Você ouve? (...) Pode ouvir? Pode sentir? Uma neblina toma conta do espaço. O som do vento é quase um lamento. EU Sim, eu posso. ELE Ouve? Sente? Então, sabe que é inútil me enterrar. Sabe que me movo (ele quase sussurra) Ontem fui andarilho, onça, cacique? Hoje, talvez, eu seja o pajé. Aquele que vê o polvo, a cobra, o pássaro grande... Vejo os disseminadores da morte. EU Ando confusa. Não se deve tomar nenhuma decisão nesse modo duvidoso... Preciso de tempo. ELE Temos pouco tempo. Temos urgência. Não se demore. EU Também tenho pressa. Tenho prazos, cobranças. ELE - Não se demore muito. EU - Deixa eu te encontrar nesse novo enredo. ELE Eu vou, mas eu volto. Assim como o dia vem depois da noite, eu também tô indo e vindo o tempo todo. Só mais uma coisa... (agora fala mais baixo) este encontro entre um Awá-Guajá e um branco... EU O que é que tem? ELE Ani ke eremombe'u. 35 Pra ninguém! Esse encontro é só nosso, só nosso Yvytu ijava ete o vento estava perigoso 35 Ani ke eremombe u não conte isso de jeito nenhum (Ani, palavra Paraguaia ), pág.22

21 21 A luz da urna já se apagou. Carapiru se foi, mas deixou um nó na minha cabeça. Não sei quanto tempo fico em meus pensamentos. Canto Seis Das imagens que revelam o não revelado Tão rápido como Carapiru aparece, ele desaparece. Carapiru é só um pensamento meu? A fala contudente dele é só um pensamento meu colocado em sua boca?...não sei. Sei da impressão que fica. Dessa confusão de pensamentos ora reais ora ficcionais, ora meus ora de ninguém. Por quanto tempo estou assim? Há quanto tempo ele, o fotógrafo, está ali, a me observar, a me espreitar, tal qual esse mar de olhos que me olham? Tal qual a velha índia que me espia e eu a ela? FOTÓGRAFO Olha só. Se reconhece? EU (olho-me na minha imagem que ele acabou de fazer. Parece quente, saída da fornalha. Ela me parece enorme, crescida no fermento que se mistura à carne, ao sangue, aos músculos que me compõem, me disforma) Você, agora, deu pra fotografar pensamentos? FOTÓGRAFO Quem dera! Mas neste caso é palpável. Você estava em qualquer lugar do planeta, menos aqui. EU Já conseguiu segurar uma onda de mar?...esse enredo parece o próprio mar no seu ir e vir. Ele me contém, mas não eu a ele. Eu sou só uma gota. FOTÓGRAFO Também comigo é assim... Às vezes, na revelação de uma foto ela se revela outra pra mim. O processo é uma linha tênue. EU Neste, eu começo a me sentir personagem. Eu, à mercê de mim... O pensamento daquela figura é dela ou é meu? Isso tá me consumindo. FOTÓGRAFO Fala; aonde tá o nó? EU... Nisso está o nó. Em Carapiru está o nó. Na avó está o nó! Imagina, que ele suspeita dela? Receia que ela não é quem aparenta ser.... Ela pode mesmo não ser. FOTÓGRAFO Eu também posso não ser. Você, também, pode não ser quem aparenta. EU Eu, um urubu rei... ela falou, outro dia. FOTÓGRAFO Sua orientadora sabe disso? Dessa interferência de Carapiru sobre sua obra? Da avó sobre sua pessoa?

22 22 EU Não. Isso eu preciso resolver comigo mesma. Se não fosse essa foto nem contigo eu teria falado. Canto Três - Eu sou Valdelice Verón. Tenho um Exército Guarani Kaiowá E um pai morto a pauladas O corpo de Valdelice Verón caminha de lá pra cá, enquanto busca no infindável ir e vir de sua memória, as palavras cruas para relatar o cozido de pai assassinado. O corpo dela é, todo ele, ressentimento e raiva. O meu por fora se mantém estático, sentado na cadeira. Por dentro, é fio condutor que se conecta com a dor das suas lembranças mais doídas, não cicatrizadas, sangrentas. O ir e vir de Valdelice Verón coloca os meus nervos em frangalhos. O silêncio que as lembranças desse episódio provoca, me envergonha. Pela primeira vez, é no corpo que a vergonha da minha consciência de jurua chega. ELA O pai, ele estava internado na UTI... (aqui, há longo silêncio repleto de imagens internas, que são dela. Não nascem em mim. Moram nela) Pra poder vê-lo fora do horário de visitas, eu paguei R$ 50 a um enfermeiro que eu conhecia. (ela silencia novamente... seu silêncio continua cheio de dor, raiva, gastura). Esse enfermeiro, ele me disse parece que foi meio grave. O que que ele é, mesmo? (outro silêncio; agora entre ir e vir de seu corpo, até que ela para) Ele é meu pai. Cacique Guarani- Kaiowá (retoma o ir e vir, o balançar de seu corpo) Eu sempre dizia pra ele - Medo, pai? Eu temo é pelo senhor! Mas, ele ria e me dizia. Não minha filha, você teme é por você!... Nessa noite pouco dormi. Em meio a uma nesga de cochilo, ele chegou em meu sonho, rindo. Ele falou eu vou lá na roça filha, vou lá buscar milho branco pra gente fazer chicha. Chicha é uma bebida fermentada. (...) Lá pra onde eu vou vai ter festa grande, filha! (Ela para. Silencia novamente, mas desta vez, seu silêncio está cheio de imagens que sangram bem aos meus pés. Desconcertome). EU (limpo a poça de sangue. Preciso falar qualquer coisa, quebrar esse silêncio sangrento. Talvez um lapso no tempo) - Não acha que vai chover? ELA - Vi meu pai como quem vê um peixe em um aquário e senti um segundo de paz. Ele ali, adormecido, plácido (ela me olha e não me vê. Em mim vê o jagunço, jurua como eu, que matou o cacique a pauladas) Que é que há? Eu

23 23 sei muito bem o que é plácido! Eu falo o português! Eu penso nessa bosta de língua imposta! (ela se desmonta toda) Mas eu sinto em Guarani. (novamente me olha e não me vê. Vê o outro jagunço. Talvez, veja o instrumento que matou o seu pai) E você, hein? Você fala o guarani? Pensa em guarani? EU Me perdoe, Valdelice. (olho para o mar de olhos que me olham) ELA Xeru oiko axy karamboae. 36 (ela olha para o mar de olhos que nos olham) Têm olhos e enxergam. Ouvidos, e escutam só o próprio umbigo. O EU, o EU, o EU! Ela não me ouve, ela não está ali. Ela está lá, na hora h. ELA - Esse segundo de paz que eu senti foi logo antes da enfermeira tocar em meu ombro e me falar Você é parente? Seu Marcos Verón não agüentou. Ele acabou de falecer. Canto Cinco Para Poty quer ser atriz E o mundo virtual invade a nossa cena O mundo virtual invade o espaço de meu enredo. O telão se divide entre o espaço de meu blog e o monitor do celular dela. Pode-se ver o movimento das palavras que se interligam e se completam em um comentário, porque a escrita de quem comenta acontece em tempo real. É a jovem Guarani retornando. COMENTARISTA Ka aruju! Você está aí? Pode me responder? EU Ka aruju! Tudo bem com você? COMENTARISTA Sim. Tudo. Você quer conhecer a aldeia onde moro? EU Caraca! Quero muito! COMENTARISTA Vem pro nosso encontro de jovens. Vai ser na sexta-feira, na Opy EU Opy? COMENTARISTA É, na Casa de Reza. Você vem? Evolução do Canto Cinco Para Poty quer ser atriz E o mundo virtual invade a nossa cena Quando a língua Guarani se espalha feito fumaça de petỹgua 36 Xeru oiko axy karamboae meu pai passou por sofrimento (que eu vi). Adv. Ação no passado, e presenciada pelo falante (sobre karamboae), pág.57

24 24 Eu na Opy. A fumaça dos petỹguas se espalha pelo ambiente. Uma pequena fogueira aquece e ilumina o espaço, todo ele, rodeado por jovens Guarani. Somos, Eu e o fotógrafo, dois peixes fora d água salvos por ela, a comentarista de meu blog. Finalmente, em carne e osso. PARA POTY Nhande ka aruju. Que bom que vocês vieram. O encontro já vai começar. EU Nhande ka aruju. FOTÓGRAFO Nhande ka aruju! Sobre o que vão discutir? PARA POTY Aqui se discute sobre tudo. Meu nome é Para Poty. EU Bonito. O que significa? Nossa conversa é interrompida. Um ritual com canto, dança e fumaça dos petỹguas inicia o encontro - o bom encontro. Enquanto dançam, cantam e pitam, nós, os jurua kuery, de olhos vermelhos e garganta irritada, apenas assistimos. Há muita transpiração ali. Aos poucos, o canto e a dança se acalmam; adormecem. A fumaça não. Para Poty senta-se entre nós dois. Um jovem vai à frente e narra um sonho. Para Poty quase sussurrando, traduz todo o sonho para nós. Penso, ela é tradutora e nem sabe que é. Mas, mesmo que ela não saiba disso, mesmo que ela nunca saiba disso, aqui ela é. É a tradutora de sonhos, por isso pode falar baixinho, bem baixinho. Eu gosto, eu penso que Para Poty traduz, não ao pé da letra. Ela traduz... é ao pé do ouvido. - Kuee mboa 37, sonhei que xejaryi 38 falava comigo. Ele falava Ijava ete. Nhembo e reko ijava ete nhanhembo eporã i ta ramo. Ha vy pe i tembiu pi py ha e rami, teῖ ke reiporavo ma. TRADUTORA Anteontem, ele sonhou com sua avó, que disse pra ele: São desafios. Existem muitos desafios para rezar, quando vamos rezar mesmo. É a mesma coisa com a alimentação, você tem que escolher bem. - Nhandy ndere uvei ma rã, ndee ae ndeparte gui rive, nateinkontevei ijayvua. 37 Kuee mboa Anteontem (pág. 62) 38 Xejaryi minha avó (sobre Xe - pref. Pron. 1ª pessoa do singular), pág. 115

25 25 Nhandy ndere uvei ma rã, jurua roo kue ndere uvei ma rã, sinhora roo ndere u vei rã, evoi roo kue, mboi roo kue, xype, ju i, ha e rengua ndere u vei rã. TRADUTORA - Gordura, você não pode comer mais. Você mesmo tem que ter iniciativa, ninguém precisa falar. Não pode comer mais gordura, carne que foi de branco [porco] não pode mais comer, carne que foi de mulher branca não pode comer mais, carne de minhoca, carne de cobra, lesma, rã, não pode comer nada dessas coisas. - Ndee reiporavo ma rã, tove ndera y kuery to u, ndee i rive i ma rã. Repuã re re u mba emo rei. Ere ngau nderayxy pe ejapo rora rive i xe vy pe, mbeju rive i, ndee nderei rã ke, tembiu vaikue ko pe u, ndaevei ri ma pe u aguã nderei. TRADUTORA - Você vai ter que escolher, pode deixar os seus filhos comerem, só vale pra você. Você levanta e come coisas simples. Você pede para sua esposa faça apenas rora [farinha de milho], ou mbeju [tipo de beiju de milho]. E você não pode ficar falando, vocês estão comendo comida ruim, vocês não podem comer isso, você não deve falar isso. - Nderei rã nderay kuery pe, tove to u, tove to u ojeupe va rã pe. Ndee ha e rami ndejeupe vã rã. TRADUTORA - Não pode ficar falando assim para seus filhos, deixe que comam, deixe que comam para si mesmos. Você também está comendo para si mesmo. - Mba e rã tu xeru, mba e re tu xeramoῖ, mba e re tu xeretarã, tembiu oiporavo nguau ri. Hei xe vai ko jaexe vai ko. TRADUTORA - Pra que o meu pai, pra que meu avô, pra que meus parentes estão escolhendo a comida? Assim eu iria falar, assim se fala. - Tekoaxy gui ha e va e re ju nhandeayvu, pero ndajaikuaai py mba e re pa ha e, ha e oikuaa rupi rã. TRADUTORA - Criticamos porque somos tekoaxy, mas nem sabemos quais são seus princípios. EU O que é tekoaxy? TRADUTORA Coisas da terra, o que é imperfeito. - Ha e rami tujakue oikuaa xamoῖ kuery nhandereko ma ha e va e ae. Ha e ma opamba e ipyau.

26 26 TRADUTORA - É assim que os mais velhos sabem, os nossos avós, é esse o nosso modo de ser. Tudo se renova. PARA POTY Pela dança e pelo suor ficamos mais leves. Ndaetei ky a vei. Ndaetei ky a vei, ela fala baixinho. Mais tarde soube que dizia o corpo não está mais sujo. Insurreição entre Cantos De como Para Poty torna-se Valdelice Verón e Carapiru busca seu lugar na cena Depois da Opy, do encontro de jovens, meu olhar está modificado. Retomo para minha dramaturgia e a aldeia não sai mais de mim. Retorno à entrevista com Valdelice Verón, mas toda vez que ela começa a falar, vejo que ela fala pela boca de Para Poty. Ela, Valdelice Verón está sentada em sua cadeira. Eu estou na minha. Mas na minha cabeça, Para Poty está entre nós. Tem corpo, tem voz, quer falar, quer agir.... Carapiru, esse também se aproxima, mas fora da minha cabeça e, só mais à frente, é que terei consciência de sua presença. Já, o mar de olhos que me olham, também a ele olham. EU Como você ficou? ELA Naquele instante, eu fiquei nhemyrõ. Vocês mataram meu pai? Agora vão ter que ressuscitar!, eu gritava pelos corredores da UTI. Alguns enfermeiros tentaram me segurar. Mesmo assim, eu cheguei a socar um dos médicos. (...) Sedada e amarrada, eu escapei e fui pra rua. Era uma manhã de segunda-feira, me lembro bem. Eu despejei toda a minha raiva sobre a cidade dos jurua kuery. (ela levanta bruscamente. Vem em direção ao oceano de olhos) Vocês é que deviam morrer, seus desgraçados! Vocês acabaram comigo! (depois, respira fundo. Olha em minha direção) E antes de desabar em pleno asfalto por causa dos calmantes, eu balbuciei ao procurador da República Você! Você me enganou! A morte de xeru ojapo ndakyjevei aguã ramiri. 39 Ah, xeru rãgue i! Ah, xeru rãgue i! Ndakyjevei aguã ramiri meu pai fez com que eu não tivesse mais medo (Ver aguã rami conj. (de tal maneira que), pág Xeru rãgue i meu falecido pai (Ver ãgue (s.), pág. 18

27 27 Eu apago a luz sobre Valdelice Verón. Acendo outra sobre Para Poty. Eu vou até ela. Carapiru aproveita para se aproximar mais desse instante cênico. Eu pressinto algo, mas ainda não tenho consciência de que se trata dele. EU (que, ainda, vejo em Para Poty vestígios da tradutora, a ela pergunto) O que é nheyrõ? PARA POTY Nhemyrõ. EU Nhemyrõ? PARA POTY (ela sorri) Com o tempo você aprende. Nhemyrõ é um estado entre desespero, braveza. A gente sente muita tristeza quando está nhemyrõ. A gente em nhemyrõ é céu de tempestade. No instante em que um guarani se mata, ele está nhemyrõ. Não, Para Poty não é só tradutora. Para Poty é mais. Quem é essa menina, que é moça, que é mulher? Quem é? Para Poty... um vir-a-ser? Para Poty, será? Pode ser... não custa experimentar, eu penso. Mas, é preciso sair desse campo das elucubrações. É preciso agir. Ser mais rápida que ela. Assim, entrego-lhe um texto. Ela senta-se em uma cadeira igual a de Valdelice; eu também, bem à sua frente. Ela sabe, não preciso dizer palavra. Para Poty sabe que, agora, é o devir de Valdelice Verón. Que é pela sua boca que Valdelice falará e, é claro, isso é melhor para mim.... Afinal, Para Poty quer ser atriz? Então... aí está! O que é o ator, senão camadas e camadas de identidades que ele é capaz de possuir sem ser possuído? Não, não preciso sentir nenhuma culpa de lhe dar a voz de Valdelice Verón. Não preciso, desta vez, pedir perdão à Valdelice por lhe emprestar uma sombra, lhe dar um duplo. EU Como foi sua educação? DUPLO dela (ainda tímida, não se solta do texto, fica ali, bem pressa ao papel) - Fui criada em meio aos homens, na guerra. Junto de meu pai, eu participei... olha, acho que mais de dez ações de guerrilha. Sempre na reconquista do centro do mundo. (...) Eu era a única mulher entre centenas de homens. (ela para e me olha. Sorri e me diz) Nessa fala dela, você acha que ela sente orgulho? EU O que você acha?

28 28 PARA POTY - Eu acho que sim. EU Então, tenta. DUPLO dela (Agora, ela já lê com mais soltura) - Fui criada em meio aos homens, na guerra. Junto de meu pai, eu participei... olha, acho que mais de dez ações de guerrilha. Sempre na reconquista do centro do mundo. (Aqui, bem aqui, ela dá mais ênfase) (...) Eu era a única mulher entre centenas de homens. (Para Poty sorri. Está feliz com essa possibilidade de ser outra, ser quem não é sem perder o seu centro) Todas as outras kunha 41 só chegavam no dia seguinte da ocupação. Eu ia primeiro, por causa da habilidade de lidar com kuatiá. EU Kuatiá? PARA POTY (agora, sem ler o texto) Documentos produzidos por brancos. Já, já vai acontecer um jogo entre Valdelice e seu duplo. Não sei se esse jogo fui eu quem criou. Se sim, diria que se trata de um jogo cênico. Mas pode ser que não. Pode ser que esse jogo não venha de mim, mas por mim. Digo, pelo processo que diz, muitas das vezes, na maioria das vezes, bem mais alto, do que a nossa pobre vontade cênica. Penso, fico pensando que, talvez venha de uma luta de forças, de ter o poder, de não perder sua voz nem seu canto. De não precisar de nenhuma representatividade, de não precisar do meu teatro. Assim, ELA apaga a luz sobre Para Poty e retorna ao seu lugar, à sua cadeira. ELA Eu sou Valdelice Verón; filha do cacique Marcos Verón, o cacique morto a pauladas... Para Poty acende a sua luz. DUPLO dela (lendo, mas também, encarando Valdelice Verón)... por jagunços dos fazendeiros, coronéis dos latifúndios, que eles insistem em chamar de agronegócio. Capitães de Naus que querem a terra dos Guarani-Kaiowá, (ELA tapa a boca de Para Poty) ELA -... Mesmo que manchada de sangue. 41 Kunha (s) mulher, pág. 63

29 29 EU (só agora percebo a presença de Carapiru nesse lugar que, já nem sei se é o lugar de criação dramatúrgica) Não, Carapiru, não! Agora não! CARAPIRU Agora sim. EU Deixa eu terminar essa cena. CARAPIRU Axê! Não vim pra pedir nenhum favor, não! Sou intruso, eu? Não, não. Eu sou mba'e ypy ymaguare, 42 não sou? VALDELICE VERÓN Sim. Aqui é mais seu que nosso. PARA POTY É... Você fica. ELA oferece um copo de água para ELE. ELE bebe. Estou desconcertada com todos eles. PARA POTY Carapiru pode ser o mboruvixa 43 que você procura, não vê? ELA Sim, acha logo o lugar dele nessa história. EU Eu? E, vocês precisam de mim pra alguma coisa? Sem saber muito bem como proceder, pego o copo da mão de Carapiru e bebo em um só gole a água que resta. Os três me olham. ELE Pensou? EU É besteira, mas vá lá! O que acha de fazer uma viagem no tempo... ir pra 1500, antes da chegada dos jurua kuery? ELE Pindorama! E pra quê? EU Mostrar as profecias do polvo, cobra e pássaro grandes. Tentar convencer os nativos de não fazer barganha de espécie alguma. Ouro por espelho, cocar por carapuça, essas coisas... ELE Não rezar a primeira missa. EU Isso. ELE Quando eu parto? EU (jurava que essa ideia espatafúrdia só renderia risadas, Mas não!... É sempre assim. Sempre, me surpreendendo... Dão risada do que considero sério e levam a sério 42 Mba e ypy ymaguare Ver ymaguare (s) - história antiga, pág Mboruvixa (s) grande líder, pág. 71

30 30 o que eu considero bobagem. E, tem mais... o que é pra dar risada e o que não tem o mesmo peso, a mesma medida. Eu não sei nada mesmo... Então, me recupero da surpresa ou pelo menos tento) - Só o tempo de escrever essa cena. Toma, são as profecias. PARA POTY - Ake'e, any! 44 ELA (se colocando entre eu e ele, não permite que ele pegue as profecias e, lhe entregando arco e flecha, coloca uma de suas mãos na goela dele) - Aa ma ikuai ereraa va'erã. 45 Xerexa pyxo. 46 PARA POTY Kova e ára gui 47, joguereko! 48 Juntos, ficamos mais forte. VALDELICE VERÓN (Ela pega as profecias de minha mão. Usa de um isqueiro para queimar as profecias) Japy mba emo yty! 49 EU (reajo... tento tirar as profecias de suas mãos) Não! VALDELICE VERÓN Japy mba emo yty! Agora é a vez dele. Ele, Carapiru se colocando ente Eu e Ela. Ele, Carapiru me defende! Eu? Ganho dia, a noite, ganho essa dramaturgia. CARAPIRU Não. Não, vai queimar não! Dei minha palavra. Essa parte sobrevive. PARA POTY Se deu palavra, está ha'eve va'e! 50 ELA devolve-me as profecias, mas sei que está insatisfeita.... Depois, sorrindo, encara Carapiru Awá-Guajá. VALDELICE VERÓN Carapiru é ava poapē! 51 PARA POTY Carapiru é ava poxy. 52 Eles riem, parecem felizes. 44 Ake e, any nessa, não. Ver Ake e interjeição, que indica susto, espanto por ver coisa perigosa, errada ou desagrável, pág Aa ma ikuai ereraa va erã Ver eraa jepe (-v.t.direto) aqui estão as coisas que você vai levar, pág Xerexa pyxo ver exa pyxo (s.) os meus olhos estão bem abertos, pág Kova e ára gui Ver gui - de hoje em diante, pág Joguereko Ver -ereko (v.t.d) 1. Conviver com uma pessoa, assumindo responsabilidade pela vida dela; 2. Joguereko (v.i) andarem juntos, ajudando um ao outro, pág Japy mba emo yty Ver apy (v.t.d) vamos queimar lixo, pág Há eve va e expressão nominalizada; coisa ou ato correto, certo, pág Ava poapē índio mítico, homem de unha, pág Ava poxy índio mítico bravo, pág.27

31 31 CARAPIRU Opa marãgua oiko teī xee ha'eve vai! 53 Canto zero Do enterramento de Carapiru Awa-Guaja ou Da epígrafe de sua urna funerária Há o Desenterramento da luz que fala E Da luz que não fala Só me restou estas folhas - recortes de uma dramaturgia que virou pó. Estas folhas, um arquivo word e uma urna funerária com um punhado de cinzas. EU Carapiru, sai dessa urna, vai. Vem conversar comigo. (ele não sai; ele não me ouve; não está nem aí pra mim). Então, tá. Você não sai nem eu vou embora. Vou ficar aqui, bem no meio desse caminho. (Eu fico. Ele não aparece. A sombra da noite cai) Carapiru... estamos bem no meio da noite escura. Iauraête vem comer a lua, não vê? (Ele come, come, rumina). São muitos os ruídos de sua ruminação. Não ouve? Daqui a pouco vou sentir frio e fome. O medo vai virar paúra. Eu sou jurua, lembra? (Eu sinto frio. O som de um avião longínguo é como um sinal para mim) Tá ouvindo? Eles não param de vir. Nem o breu da noite que Iauraête devora, eles respeitam. (desenrolo as folhas). É sempre bom relembrar. Ouça... Passagem do Canto Zero para o Canto Um da luz que não fala ao avião que diz pra que veio Tenho uma das profecias em mãos. Quero ler. Tenho esperanças que minha voz possa ecoar até ele no mais profundo dessa urna. Ajudá-lo na difícil tarefa de ressignificar o passado. Canto UM Da profecia Ave Ão EU (lendo) - Há cinco séculos atrás - SEGUNDA PROFECIA - Do Avião Ave Ão Quase cinco séculos atrás é Carapiru-Pajé errante; Carapiru-Pajé visionário; Carapirú-Pajé profeta. Ele, de olhos fechados, enxerga o tempo da Ave gigante. Ela brota da vontade de Júpiter e sobrevoa o céu da floresta. Ela não pia nem canta como os pássaros que Carapiru-Pajé enxerga 53 Opa marãgua oiko teī xee há eve vai Ver há eve vai (v. i. modificado) - mesmo que todo tipo de coisa aconteça, eu fico tranquilo há eve vai estar tranquilo, não perturbado, pág. 43

32 32 de olhos abertos. Ela ronca e sua enorme sombra passeia pelas aldeias. Sua enorme sombra toca os corpos dos nativos. Corpos estremecidos. Suas asas não movimentam o ar? Carapirú-Pajé perplexo. Ave que caga e mija fezes e urina que não aduba nem fertiliza a terra? Ave que poliniza epidemia? Empesteia o clã de fraqueza, ferida e febre? Gérmen da doença. Ah, Ave de Encantamento! Ave Gigante fala. Ela diz: Eu inoculo Orthopoxvírus Variolae, vulgo bexiga. A Varíola responde: Eu sou O Vírus. Carapiru-Pajé de olhos fechados enxerga o interior da Ave. Ela sobrevoa; ele dentro dela. Onça quando come tatu, tatu sangra. Onça tritura corpo de tatu. Ave Encantada engole Carapiru e Carapiru não sangra. Nem morre dentro da barriga dela. Carapiru continua vivo. Olha pelo olho dela e vê a floresta lá embaixo. Vê o clã lá embaixo. Vê o clã olhando Ave Encantada no céu da floresta. Ela caga. Mixa sobre a aldeia. Empesteia a mata de fezes fumaça. Onça quando caga tatu, tatu não vira fumaça. Ave Encantada engole Carapiru e caga Carapiru fumaça? Como pode Ave cagar Carapiru fumaça e Carapiru continuar vivo dentro dela? É Ave de Encantamento, sim! Carapiru olha pelo olho dela e não tem mais aldeia lá embaixo. Não tem mais clã lá embaixo. Ave de Encantamento espalhou a morte lá. Ave Gigante, agora, diz Eu inoculo a morte. A Varíola retruca: Eu sou a Morte! O dia amanhece e aproxima o som do avião. A sombra do avião ronda a minha cabeça. Ouço vozes que tramam o sinistro. São o piloto e o co-piloto. A profecia já é realidade; já é século XXI. Das asas da Ave Encantada é que se deslocam o Piloto e o Co-piloto; eu posso ver... Posso ouvir. PILOTO Você tem medo de homem-bomba? CO-PILOTO Não. Não tenho medo de terrorista burro. (...) Você tem? PILOTO Não. (...) Tenho medo de Papai Noel. (Riem) E você tem medo de quê? De quem? CO-PILOTO De arco e flecha. Sempre estão atrás de um cara pálida. (riem) Medo de fantasma, você tem? PILOTO Só tenho medo do que vejo. CO-PILOTO Não tem medo de homem-varíola, então. (riem). Imagine, o homem inocula o vírus. Toma banho, se perfuma, veste o seu melhor terno, pra não causar nenhuma suspeita. Pega a bagagem, o passaporte e segue para o aeroporto. Ele passa pelo detector de metais, tranquilamente. Atrás dele vem o homem-bomba. O detector denuncia. O homem-bomba é descoberto, detido. Sai nos jornais, na TV. Milhões de pessoas salvas pelo detector. O detector ganha status de deus e a sociedade respira aliviada. (...) Enquanto isso, o homem-varíola espalha a epidemia. Quatorze dias depois, quando o homem-bomba já foi esquecido pela mídia... ele vai ao teatro. A casa está cheia, vê? Ele está na plateia. Bem ali, ó. Naquela fileira ali, tá vendo?

33 33 PILOTO Ali? CO-PILOTO Na outra, tem que ser um cara bem-apessoado. Ninguém desconfia de homens bem-apessoados. PILOTO Aquele lá? CO-PILOTO Bingo!... Imagina, ele ali pesteado e pesteando com o vírus da varíola neste lugar fechado, ar condicionado, por duas horas. PILOTO Duas horas! CO-PILOTO -... Olha lá, olha! O igarapé! A aldeia tá logo atrás... PILOTO Se prepara então! O som ensurdecedor de avião é seguido de dinamites. Há fumaça cinza. A sombra do avião cresce. Escurece. Canto Quatro - Do corpo e do sangue de cristo ou Do desenterramento do novo enredo E Do encontro marcado entre as mulheres EU estou repousando na rede. A avó chega. Está agitada. As outras duas estão com ela e mantém certa distância. AVÓ Epu'ã katu! 54 Vamos, acorda, minha neta! Você precisa trabalhar na minha lavoura. EU Avó não me dê enxada, que meu instrumento é caneta. AVÓ Devia saber que é a mulher quem veste os espaços. EU Então por que me deu olhos de padre pra comer? Eram de padres, não eram? AVÓ Hum! (...) Cada um come é pra si mesmo. EU Mas eu não queria. A avó insistiu. AVÓ Remexe a terra, e não quer se deparar com a cobra? EU Quer que seja envenenada por uma? AVÓ Quero que me diga aonde está Carapiru? EU Então não sabe? A avó sabe muito bem! AVÓ O da sua cabeça sei bem. Mas falo do outro, o de carne e osso, cria de Nhanderu. Esse desapareceu quando o outro foi a Pindorama. 54 Epu ã katu Ver Katu (adj. Partícula átona, indicando inyensidade ou até brusquidão: Levante-se!, pág. 57

34 34 Paira silêncio pertubador entre nós. A avó, parece, espera de mim uma resposta, que eu não tenho pra lhe dar. EU Está pensando que o primeiro foi com o segundo? AVÓ Diga que isso não é possível. Eu nada digo. Eu não sei. EU Diga a senhora que isso não é possível. O silêncio desconcertante está lá, reinando entre ela e eu. Aos poucos, dá lugar ao sentimento comum de angústia, contagia nós quatro. As outras se aproximam mais. AVÓ Os Carapirus correm risco de vida, eu pressinto. Você precisa fazer alguma coisa! EU Mas o quê? VALDELICE VERÓN Manda reforço pra lá. Nessa guerra, os guerreiros têm arco e flecha, enquanto os saqueadores tem arma de fogo. Tem que ter igualdade tape yke jovai re! 55 EU Você está sugerindo... AVÓ Mboka. 56 Todos os dedos dos pés e das mãos: kuã mbyte rupigua, 57 kuã ra'y'i, 58 kuã guaxu. 59 VALDELICE VERÓN Mboka, mboka! Arranja logo é... os AR-15! Assim, a gente acaba com o problema da invasão é na raiz. PARA POTY - Não. Melissinha, não! EU Melissinha! AR-15! Minha arma é a palavra... A pa-la-vra. Depois, quem as levaria? PARA POTY Eu. AVÓ Minha neta, minha neta, parece que vai precisar repetir a lição. EU Que lição? AVÓ Pega a caneta. Escreve logo essa cena. Para Poty... ela leva as armas. PARA POTY Levo. Melissinha, não. Manda logo os M-16. Tem mais calibre, mais mira. 55 Tape yke jovai re Ver Yke (s) lado; tape yke jovai re - nos dois lados do caminho, pág Mboka (s) espingarda, pág Kuã mbyte rupigua (s) dedo médio, pág Kuã ra y i (s) dedo mínimo, pág Kuã guaxu (s) - dedo polegar, pág. 61

35 35 Para Poty sempre surpreendendo. Sempre. Eu não sei se sei o que seja Melissinha. Pergunto a ela? Devo perguntar? Já sei... AVÓ O que é essa tal de Melissinha, minha neta? PARA POTY É um jeito torto, avó, de chamar os AR-15. Então, minha dedução estava certa... A avó interrompe o meu pensamento. AVÓ Fiquei na mesma. PARA POTY Melissinha, sabe? Aquelas sandálias de plástico, coloridas?... Então, é o nome que o PCC deu pros AR-15. AVÓ E... AR-15, o que é? VALDELICE VERÓN São fuzis. AVÓ Hum!!! Fuzis é muito melhor que mboka. Por que não quer levar as melissinhas? PARA POTY AR-15 é, como branco fala, é... meia boca. Bom mesmo são os M-16. EU E, onde Para Poty aprendeu essas coisas? PARA POTY Na escola de jurua. Trabalho de História. AVÓ (agora ela olha bem pra mim) Ah, então, pega a caneta e escreve... Para Poty leva os M-16. EU Avó? Não é assim que se faz uma revolução! AVÓ E quem te falou que eu quero fazer revolução? Canto seis - Das imagens que revelam o não revelado Ou O desafio dos olhos AVÓ E quem te falou que eu quero fazer revolução? Sou salva pelo fotógrafo, que chega apreensivo, agitado. Ele me chama de lado, mas as três estão antenadas a tudo. EU Diga... FOTÓGRAFO Você precisa vir comigo... É sobre a exposição. (resolvo colocar aqui, o som do avião, do trem e do navio se intergalando, sempre de modo crescente. Assim, garanto certo sigilo em nossa conversa. Mas, algumas palavras como CRATERA, AVÓ,

36 36 ORIENTADORA podem ser percebidas por elas e, também, pelo mar de olhos que nos olham. Acho interessante que isso aconteça sempre no tempo do hiato entre um ruído e outro. Por falar em tempo, o nosso é bem curto, que continuamos ali, tomando decisões importantes ao projeto). EU (para as três nativas, incluindo o público) Gente, desculpa. Este é o fotógrafo do projeto. (ele meio que se apresenta, mas muito timidamente, enquanto eu continuo) Ele atravessou assim a cena porque tem questões pra decidir comigo, a respeito desse enredo, das fotos que tirou... AVÓ O que tem as fotos? FOTÓGRAFO Elas revelaram imagens... EU É melhor que a gente veja com os próprios olhos, avó. Vamos até a sala da exposição. Convido a todos. Venham, vamos. O fotógrafo já foi à frente. Eu, minhas figuras femininas, o público saímos em seguida. Evolução do Canto seis - Das imagens que revelam o não revelado Ou O desafio dos olhos Para Enxergar o Invisível A exposição. Passar pelas imagens. São elas que me capturam ou eu quem captura as imagens? Estão todos lá e, agora, o que era público de teatro não é mais. Ou ainda é teatro? E, agora, o que era não revelado se revela. Estou bem à frente de uma imagem e depois de outra, mais outra. Eu passo por elas e todos passam comigo. As três nativas circulam pelo ambiente. A avó bebe proseco. Eu tento impedir. EU Avó, quer que eu peça um chimarrão? AVÓ - Xee ndaka'y'uxei. 60 Quero beber desse aí. (A avó, ela estala os beiços. Eu acho engraçado o jeito dela. Valdelice Verón se aproxima e não permite minha intromissão com a avó. De certo modo, até acho bom, assim, ela cuida da avó, durante a exposição). Para Poty é agora o peixe fora d água tal qual eu no encontro de jovens. O fotógrafo está nervoso. FOTÓGRAFO Reparou naquela foto com a avó? 60 Xee ndaka y uxei Ver ka y u (v.i) eu não quero tomar chimarrão, pág. 59

37 37 EU Por que fala baixo assim? FOTÓGRAFO Aquela foto lá... tem camadas... É ela, mas é outra. Reparou? Deixo o fotógrafo ali mesmo e sigo em direção a imagem que ele me indicou. Eu sei bem que a avó tem disso de vir a-ser... Caixinha de suspresas! Esbarro em uma mulher elegante. Minha orientadora. Conversamos. ORIENTADORA Ficou bem bonito tudo! EU Que bom que você gosta. ORIENTADORA Gosto mesmo é dela (aponta a imagem da avó, a mesma imagem que o fotógrafo investiga... depois, ela quase sussurra) sendo atriz, gosto de fazer ela. Ela é... sustanciosa. EU A avó? É... dá trabalho viu? ORIENTADORA Eu sei... eu sei. Dito isso, ela desaparece. Aliás, todos aparecem - desaparecem e, depois, aparecem novamente. As imagens são dúbias, têm verso. Qual é o verso que se revela na imagem que me capta, me captura, me rapta? Quem viu, viu? E quem não viu, o que verá? Se o meu teatro fosse aquele, agora seria a hora de ouvir o sinal. Três vezes. Mas o meu sinal é só o grito profundo interrompendo essa vernissage de araque. Percebo que nem a avó, nem Valdelice, nem Para Poty estão ali. Desapareceram outra vez? O grito eu reconheço. Sim, é da avó. Ele vem de lá, do lugar da cena. Passagem do Canto Quatro para o Canto dois Do encontro marcado entre as mulheres Enegrecendo o EU Eu e o público voltamos ao lugar da cena interrompida. As três nativas estão lá. A avó parece embriagada. Sim, ela está visivelmente alterada. Tem uma garrafa de proseco na mão. AVÓ Minha neta, minha neta corre aqui. EU Que passa, avó? AVÓ Os Carapiru correm risco de vida. Toda Pindorama corre risco de vida. Eu vejo... eu vejo. PARA POTY O que vê?

38 38 AVÓ Uma cratera enorme, com 3,6 km de diâmetro eu vejo. Vem do céu minha neta. Do céu! EU Avó não fala coisa com coisa. Os Carapiru estão em Pindorama. O que vem de lá não vem do céu, vem do mar. AVÓ Eu vejo mais longe. Muito mais longe. Bilhões de anos antes. Você precisa dar um jeito nisso! EU Parar um meteoro? AVÓ Um monstro, eu vejo um polvo gigante, com muitas mil pernas, mil e oitocentas bocas e seus bigodes rindo, falando! Eles vão atacar os meus; e você não faz nada! Nada! EU São as naus... ELA - Os nativos vão reagir, vão atacar? AVÓ Ah, eu vejo muita morte, muito sangue. De que vale atacar com arco e flecha os que têm arma de fogo? Nem com três vezes mais arcos mais flechas, nem! ELA Você precisa fazer alguma coisa. Envia os M-16, logo! EU Não vai dar certo, isso. Duplo dela (aponta em minha direção um arco e flecha) Escreva essa cena. AVÓ Sim, escreve. Escreve que o duplo de Valdelice Verón levará os fuzis, não vê? PARA POTY Eu. EU Tá, eu escrevo a cena. Para Poty leva, quer dizer o duplo dela, de Valdelice leva, mas não vai adiantar nada, nada! A gente não muda o passado. AVÓ Mas ressignifica. EU É nos livros de História que a gente começa a mudança. ELA Livro! Livro! A gente não é da letra! Olho para Para Poty que me parece, agora, mais Valdelice Verón do que a própria. PARA POTY (cada vez mais Valdelice) - História escrita com o sangue do índio, do negro, do pobre, que a borracha do branco sempre apaga; sempre? EU - Você não vai aguentar o peso. Um coisa é carregar arco e flecha. Outra coisa é carregar fuzis. (olho para Valdelice, que agora, me parece mais e mais com PARA POTY)

39 39 VALDELICE VERÓN Isso é verdade. Escreve que meu duplo rasga o tempo e o espaço, chegando em Pindorama de avião. E, ainda pode, de lá do alto dinamitar as naus. Não é uma boa, avó? EU Não existia avião em Nem dinamite nem AR-15, M Eles vão morrer. Todos eles vão morrer nessa luta. Pensa que é fácil usar um fuzil? DUPLO dela A gente sabe que não é fácil manejar arco e flecha. Tem que ter mira, firmeza, precisão. AVÓ Avião não. Urubu-rei sim. EU Quê? AVÓ Escreve a cena. Escreve: O duplo de Valdelice leva os fuzis e urubu-rei leva o duplo de Valdelice. EU Eu? AVÓ Tem outro urubu-rei por aqui? EU Mas avó... AVÓ Urubu-rei é forte, aguenta rasgar esse tempo, rasgar esse espaço, levando o duplo de Valdelice e com ela os M-16. EU Mas avó não existia M AVÓ Então inventa! (Para Poty se aproxima mais de mim. Sinto a flecha roçar a minha nunca. De repente, tudo se escurece, tudo. Eu me enegreço. Só é possível, agora, ouvir os sons das asas negras que batem forte ecoando Dukü Txïrïrï, Dukü Txïrïrï, Dukü Txïrïrï. 61 Aos poucos o som do bater dá lugar ao ruído do avião). Evolução do Canto dois Enegrecendo o EU Para Abrir a Consciência doeu Som de Avião. Menos som de avião mais som de asas de urubu-rei. Dukü Txïrï ela faz. Dukü Txïrïrï ela faz. Dukü Txïrï ela continua fazendo. Entardecer que chega, chega, chega de bater asas não quero quero agora descanso. Descanso das asas. Urubu-rei quer topo mais alto de árvore. Hora de dormir urubu-rei. É. Zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz Noite escura. Urubu-rei fecha o olho nada mais pode ver. Não pode ver que a avó chega aos pés da árvore grande. Árvore maior do mundo urubu-rei dorme não pode 61 Dukü Txïrïrï som das asas do urubu (música de Marlui Miranda)

40 40 ver. Não pode ver nem ouvir a avó conversando com Para Poty e Carapiru. Este canto pra urubu-rei é sonho. Avó joga luz no alto da árvore, joga. PARA POTY Avó, avó, sou eu. Nhande Ka aruju. AVÓ Nhande Ka aruju Para Poty. PARA POTY Sim, avó. Eu estou aqui. Carapiru está aqui. Urubu-rei está aqui. AVÓ EU sei. Sinto ikaxī vaikue 62 dele, daqui eu sinto!... PARA POTY -...É a carniça dele tá insuportável. AVÓ - Urubu-rei dorme? PARA POTY Sim, avó. Mas é muito alto aqui e está muito escuro pra gente descer. AVÓ O jeito é esperar o dia amanhecer. Urubu-rei acorda quando sol acorda. Uruburei não vai mudar o seu jeito; não vai. Japytu'uju. 63 PARA POTY Japytu uju, avó. Canto sete A História em que todo mundo morreu e quase ninguém sobrou pra contar O dia amanhece. Aos poucos, os corpos dos nativos ganham novos contornos. PARA POTY Foi uma carnificina dos dois lados, avó. Só a gente sobrou. Uma tristeza... AVÓ Tentaram rezar a missa? Erguer a cruz? CARAPIRU (se acende na boca de sua urna e sua voz se expande) Não deixamos. Carapiru de carne e osso escondeu a cruz. Eles procuraram, procuraram. Depois desistiram. ELA E cadê ele, o de carne e osso? PARA POTY - Ele se feriu, mas urubu-rei o salvou. CARAPIRU (de sua urna) - Urubu-rei trouxe o de carne e osso pra sua aldeia, yvyra'i ja oipoano 64. Depois, voltou pra Pindorama. ELA E os M-16? PARA POTY Um desastre. Estavam com defeito de fabricação. Acabamos desistindo deles e usando os arcos e flechas. CARAPIRU (sempre da urna) Mas aí já era tarde demais. AVÓ Trouxe o coração do padre pra avó, trouxe? 62 Ikaxī va ekue Ver va ekue - o que tinha cheiro forte, catinga, pág. 112 (?) 63 Japytu uju ao despedir-se (informação obtida por Jera Giselda do Tekoa Tenondé Porã) 64 Yvyra i ja oipoano o pajé o tratou

41 41 PARA POTY Que jeito! Urubu-rei comeu índio, comeu branco, comeu padre. Uruburei fez a festa! O bicho ikaxæ vaikue! CARAPIRU É. Ele tem muito apetite! AVÓ E, cadê ele? CARAPIRU Do jeito que ele se banquetou, a essa hora deve estar passando mal. AVÓ Não, não. Urubu-rei não passa mal por comer carniça. Isso nunca! ELA E como foi que vocês se salvaram? CARAPIRU Graças ao tatu! Tinha um tatu... PARA POTY É. Um tatu que apareceu por lá, de repente. CARAPIRU Pra onde a gente ia, ele ia com a gente. PARA POTY É. Dava até nervoso! Mas, daí... CARAPIRU -... Bem na hora que a bala vinha voando em nossa direção... PARA POTY Foi bem nessa hora. ELA Foi o quê? CARAPIRU Ele se colocou na nossa frente. A bala veio e bateu no casco duro do tatu. PARA POTY Foi. A bala bateu primeiro nele, ricocheteiou e depois voltou em direção ao branco. CARAPIRU Jurua caiu ali mesmo. Morto. AVÓ (ri, ri tanto dessa situação, que se mija toda) Jurua ojeapi mboka py 65. ELA - E o tatu? AVÓ - Ah, o poju, o poju! O poju 66 fugiu pra mata! PARA POTY E CARAPIRU Como sabe? (A avó nada diz, nada. Só dá uma risadinha marota e vai, toda mijada, saindo de manso). ELA Avó... Pra onde vai? AVÓ Cadê o urubu-rei? Urubu-rei, minha neta! Volta, volta, que a vó vai cuidar dessa sua urucubaca. 65 Jurua ojeapi mboka py Ver -api (v.t.d com ob.direto sempre prefixo) - boca com barba atirou-se a si mesmo com a espingarda, pág Poju (s) tatu, pág. 92

42 42 Ainda Canto dois - Eu sou o que não sei ou Da matéria fina dos sonhos e Da matéria onírica do enredo Enegrecendo o EU Para abrir a Consciência doeu Exalando a Morte do EU Em busca do Nós EU Não, não chore meu amor. Não vê? Eu sou a sua avó. Mas ele chora. Chora mais e mais. Mais forte. Mais assustado. EU Teodoro, veja. É pele, é carne. Não tem pena, nem asas. São braços, mãos. Eu sou como você. Você e eu somos feitos da mesma farinha, viu? Mais que ele chora... então, eu resolvo brincar de pássaro. Imito um... Ele para de chorar, ri, gargalha. Eu me descontraio. Tem coisas que não precisam ser ditas aos pequenos. Não passa pela palavra, mas pelo corpo... A imagem do Teo desaparece. Eu estou mais tranquila, estou aprendendo a lidar com as minhas transformações. Estou pensando essas coisas, quando ela, a avó, vem ao meu encontro. Ela vem pitando o seu petỹgua, impregnando todo o ambiente com a sua fumaça. Carrega um maço de ervas que ela o embebe em uma bacia. Depois, chocoalha o maço embebido em mim. Faz isso por várias vezes. E em todas as direções; Ela fala baixinho, canta baixinho. Acho que é Guarani. Ela parece em transe até que vai se acalmando... AVÓ Minha neta, minha neta... Vem, deixa eu catar seus piolhos. EU Não tenho piolho, avó. AVÓ Todo urubu tem. Mas vai acabar, vai sim. Vem, deita aqui. Eu deito minha cabeça em seu colo. Estou cansada. EU Eu tô cansada avó. Enjoada. (Ela cata meus piolhos. Ou seriam dele?) Avó, eu preciso de sua ajuda. Depois dessa viagem a Pindorama, eu nunca mais serei a mesma? Tenho medo. AVÓ *(...) Bobagem isso, minha neta! Você já era antes o urubu-rei que se tornou lá em Pindorama... EU *(...) É isso, então, avó? Eu já era antes o que viria a ser depois? AVÓ - Assim sendo, não é. *(...) Ver rodapé pág. 43

43 43 EU Eu via o que ele via! O bico... o bico não era bico! Era outra coisa. *(...) Eu, uruburei me sentia todo enfeitado. Aquele bico era um enfeite lindo, sabe? Tipo, o próprio cocar da avó? AVÓ E, comer como urubu-rei come? Sinto nojo, ânsia, vontade de vomitar. Ela solta fumaça em mim. Passa. EU Mas eu gostava! E o pior é que quanto eu mais comia, eu gostava! Não parecia que eram vermes, avó! AVÓ Não eram! O verme que você urubu-rei comia era a batata frita que neta come... Sinto nojo, ânsia, vontade de vomitar. Ela solta fumaça em mim. Passa. EU - Acho que nunca mais vou comer batata frita! Batata frita; nojento! Parece verme! Rimos. Mas, esse é um riso sério. É perigoso descobrir as potências que animam nosso ser... AVÓ - Os olhos do urubu-rei agora te pertencem. Ou será que os seus olhos pertencem a ele? EU (assusto-me com essa possibilidade) Será? Faz alguma coisa, avó! Eu não quero! AVÓ O Pajé fará... Ela continua a catança. Cata, cata em silêncio. Eu quase durmo. AVÓ *(...) Ainda cheira sangue? Sente o cheiro e o gosto do sangue? Eu nada digo, apenas, concordo com a cabeça. AVÓ *(...) Eu bem que te avisei... Não dá palavra pra urubu-rei, não dá. Se dá, ele dirá minha presa! Ela solta muita fumaça de seu petỹgua sobre a minha cabeça. Esfumaça todo o ambiente. Tusso. Tusso muito) (...) Precisa ter paciência, viu? Tudo isso vai passar... vai passar. *(...) O diálogo acima, entre a Avó e EU, baseia-se na ideia do Perspectivismo, de Eduardo Viveiros de Castro, em Metafísicas Canibais Cosac Naify ** (...) Sobre dar a palavra ao animal ver Tânia Stolze Lima, em O dois e seu múltiplo: Reflexões sobre o Perspectivismo em uma Cosmologia Tupi MANA 2 (2): 21-47, 1996

44 44 Evolução do canto dois para o canto cinco Para Poty quer ser atriz E o mundo virtual invade a nossa cena Quando a língua Guarani se espalha feito fumaça de petỹngua E impregna a língua oficial de nhen nhen nhen Em busca do Nós Arrumo minha mala, pois é hora de partir. Entre meus pertences antigos trago outros, novos - mmaraká mirim, a urna funerária e uma pena de urubu-rei. Para Poty se aproxima. Ela fuma um petỹngua e segura um envelope. EU Você me surpreendeu lá em Pindorama. É jovem e corajosa. Mulher guerreira! PARA POTY Não era eu, mas o duplo dela, de Valdelice. (...) Você sim é que fez tudo direitinho. Até salvar Carapiru, você salvou! EU Não era eu, mas o urubu-rei. PARA POTY Xejukaa gui aa jepe! Agora sei o que é escapar da morte. Adquiri força, mais coragem....apareça lá na aldeia, quando der. EU Você, também, apareça em meu blog. Para Poty entrega-me o petỹgua, um presente dela pra mim. Eu pito e tusso. Ela ri de mim. Depois, me dá o envelope. PARA POTY É de Carapiru. O da sua akã 68. EU (abro o envelope) Carapiru fez isso? PARA POTY Era um acerto de contas, lembra? EU Por que ele não me falou? PARA POTY Por que falaria? Pedir consentimento? EU Eu não quero ficar com isso. Não me pertence. PARA POTY Ah, pertence sim! Mas, pode queimar, se quiser; Carapiru falou. EU Carapiru não percebe que este roubo não muda a História? Mesmo que a carta do escrivão desapareça, outra e outra e mais outra serão forjadas. PARA POTY Roubo? Então, você acha mesmo que foi um roubo? EU Se não foi roubo, foi o quê? 67 Xejukaa gui aa jepe escapei daqueles que estavam para me matar 68 Akã 1. Cabeça 2. Mente, pág. 20

45 45 PARA POTY Você também não é diferente.... Branco sempre inverte a lógica. Palavra escrita não vale nada. (...) Enterra a carta de Caminha como fez com o enredo anterior, japy mba'emo yty. Carapiru falou. EU (falo com a urna funerária) Lixo? Carapiru, Carapiru... aparece! PARA POTY Não adianta, ele não vai parecer. Virou cinzas. E você... Erovia eme apu. 69 Carapiru é mboruvixa 70, não é ladrão. Mesmo que vire cinzas, é mboruvixa. EU Mboruvixa não rouba. Mboruvixa enfrenta. PARA POTY Então, entregue a carta pra FUNAI. EU Nharymba! 71 Penhevaãmba xea gui 72 Nhenhandu vaikue 73! PARA POTY - Nhenhandu porã. 74 Para Poty me olha surpresa. Eu também me surpreendo. PARA POTY Você falou! Está falando... EU Nhandeavyu. 75 ÚLTIMO CANTO Ou o que se chama epílogo Não estou só... Tenho um mar de olhos que me olham e eu a eles. São cúmplices? Testemunhas? Que olhos são esses que me olham? Tenho uma urna funerária cuja luz de sua boca não se acenderá mais. Tenho uma mala, um mmaraká mirim, uma pena preta de urubu-rei, um petỹgua. Novos pertences que se misturam com outros antigos: fotos do Teo, dos filhos, meu net book, livros. Tenho também algumas palavras novas em meu vocabulário. Volto pra casa com uma bagagem diferenciada, não fosse esse maldito pergaminho datado de Ah, que vontade me dá de esquecê-lo na primeira esquina. Mas, não posso. Afinal, ele me pertence ou sou eu que pertenço a ele? 69 Erovia eme apu Ver apu ( v. i.) não acredite na mentira, pág Mboruvixa (s) grande líder, pág Nharymba interjeição. Que pena!, pág Penhevaãmba xea gui Ver -nhevaẽ (v.t.indireto) Afastar-se (de algo ou alguém) todos vocês se afastam de mim, pág Nhenhandu vaikue (v. i.) ficar ressentido (ao ponto de sentir tensão no corpo), pág Nhenhandu porã 74 - (v.i.) sentir-se bem (de saúde), pág Nhandeavyu Ver Nhande (pref.pron. 1ª pessoa do plural) - nossa língua (o guarani), pág. 79

46 46 EU - Agora não tem avó que me diga o que fazer. Não tem. Tenho eu aqui. Tem vocês aí. Eu fico bastante tentada em dividir com vocês essa batata quente. Essa carta que não é só minha... Qual é a parte que me cabe? Qual é a parte que lhes cabem? Com quantas letras se escreve carapuça? Agora, não tem avó, não tem. Não tem Carapiru. Não tem Valdelice. Não tem Para Poty. Só Eu. Eu. Ler, tesourar, recortar, picotar... *(...) bricolage! Será? Não sei... talvez possa salvar alguma coisa dela, como fiz com a dramaturgia anterior. Mas eu quero? Quero salvar essa memória documental que só tem um ponto de vista? O que quero com ela? Eu recorto, doidamente, recorto. Os cabelos seus são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta, mais que de sobrepente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento de u Então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir, sem buscarem maneira de cobrirem suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as cabeleiras delas Um deles pôs olho estavam no colar bem do rapadas Capitão, e feitas. e começou O Capitão de lhes mandou pôr por baixo das cabeças seus acenar com a mão coxins; para a terra e o da e cabeleira depois para esforçava-se o colar, como por não a quebrar. que nos dizendo que E lançaram-lhes ali havia ouro. um Também manto olhou por cima; para e um eles consentiram, quedaram-se e dormiram. castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal como se lá também houvesse prata Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e nrolouas no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como dizendo que dariam ouro por aquilo. Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos. FILHO Mãe! Não o ouço, não o vejo, continuo cortando a carta em nanos pedaços. FILHO - Ô mãe! *(...)...aquele que trabalha com as suas mãos, utilizando meios indiretos se comparado ao artista Claude Levi-Strauss em O Pensamento Selvagem

47 47 EU Precisava me chamar de mãe? FILHO Você não é? EU Sou. Só que aqui, até aqui você só era o fotógrafo. Agora... vou precisar criar mais uma figura. Na quadragésima sétima página? FILHO Desculpa... Achei que ia gostar disso... Oh! DESAPARECE MISTERIOSAMENTE A CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA GUARDADA NO ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO (Considerada a certidão de nascimento do Brasil, o importante documento conservado à sete chaves...) (...) Que carta é essa, mãe? EU Foi Carapiru... quando estava lá em Pindorama. FILHO Que merda é essa? Eu bem que falei pra não ir pro passado. Passado, a gente não muda.... Posso ver? *(...) Você cortou ela toda... que doida! (...) Você pode ir presa, sabia? EU Não amola. FILHO Você e esse Carapiru. EU Ele é ficção. FILHO Mas você é de carne e osso. E, isso aí, é um documento oficial. EU E eu sou sua mãe e você é meu filho. Agora, dá licença? Que isto aqui é, ou pelo menos, deveria ser o epílogo, que você está atravessando? FILHO Ah, não. Não vou deixar, não. Você é minha mãe. EU Puta que pariu! Desculpa, que fui eu que te pari, mas caraleo, já sei que eu sou sua mãe. Há 28 anos, eu sei. E, gosto!...agora, me deixa. Eu tô nas últimas palavras dessa dramaturgia... tá vendo isso aqui oh! FILHO Não mãe! EU Cagão! Ao invés de me ajudar a botar fogo nessa merda que só fodeu com o seu país, fica aí dando uma de babaca. FILHO - Eu só tô preocupado com você. EU Cadê o fotógrafo? Eu quero o fo-tó-gra-fo! Vai buscar ele pra mim. Não me aparece sem ele. Aliás, não precisa vir. Só manda ele.

48 48 FILHO Então promete que não bota fogo, que vai esperar... EU O fotógrafo... Ele sai, eu respiro fundo. Não sei se espero, se não espero. Espero? Enquanto espero, leio a matéria sobre o desaparecimento... tenho comichões. Que notícia maravilhosa... EU - Carapiru, você é foda! FOTÓGRAFO Você me chamou? EU Faz umas fotos pra mim. Eu recolho os recortes, acendo o isqueiro, convido o público para esse ato de libertação de um passado mal contado, quase cozido e mal assado. Quem quiser que venha comigo botar na fogueira o atestado de óbito deste país. FOTÓGRAFO Espera. EU Você também? Não! São mais de 500 anos de espera. FOTÓGRAFO Aqui não é o melhor lugar para isso. Aqui é teatro. A tela mental do fotógrafo se abre para mim, para todos os olhos que nos olham. Vejo, eu vejo uma pira acesa. É a Pira da Liberdade. 76 FOTÓGRAFO Olha. Não reconhece o lugar?... a pira que fica acesa 24 horas por dia (ele encara o mar de olhos) pra que a gente, eu, você, você e, também você, pra que a gente nunca se esqueça do nosso eterno amor à pátria, da forja que nos fez ser quem n somos... Mas nós somos? A imagem cresce como fermento... toma conta do espaço todo. No chão, no teto, nas parades, nos corpos, a chama acesa da pira se espalha rapidamente, se projeta em meu corpo. Meu corpo aceso. Meu corpo pira... queima. É na chama de meu corpo pira que eu queimo a carta de Caminha, a certidão de nascimento do Brasil, cujo verso está averbado o seu atestado de óbito. Quero que tudo vire cinzas, que o passado se exploda! 76 Pira da Liberdade: Situa-se no Parque da Independência, intregada ao Monumento da Independência - Museu do Ipiranga. A pira e a manutenção constante de sua chama despertam a curiosidade das pessoas. Afinal, como e quando se acende e se apaga a pira? Como a chama simboliza o amor eterno pela Pátria, nunca deve se extinguir. Para tanto, o sistema de alimentação da chama é feito por gás encanado, mantido sob o acompanhamento da COMGÁS (Companhia de Gás de São Paulo), cujos técnicos devotam grande atenção e carinho à tarefa. O sistema utilizado é tão seguro que, nos últimos dez anos, a chama se apagou uma única vez, resistindo às mais adversas condições climáticas.

49 49

50 50

51 51 Há um apito de navio. Há o som de avião sobrevoando nossas cabeças. O som do trem rasgando o espaço. Há o bater de asas de urubu-rei. Uma sirene de polícia que se aproxima. A sombra do avião cresce, cresce tanto que, agora, tudo é breu... ou quase. Há, embora fraca, uma chama acesa na boca de uma urna funerária e uma fumaça crescendo, crescendo, crescendo, subindo até o céu da cidade de São Paulo. No mais, naembyrei! Naembyrei nada sobrou OBS: Todos os verbetes em Guarani foram retirados do livro Léxico Guarani, Dialeto Mbyá: versão para fins acadêmicos. Porto Velho, RO: Sociedade Internacional de Linguística, p., de Robert A. Dooley.

52 52 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA Livros CAMARGO, Eliane; VILLAR, Diego (Org.) Huni Kuin Hiwepaunibuki: a história dos Caxinauás por eles mesmos. São Paulo: Edições SESC São Paulo, CASTRO, Eduardo Viveiros de. Metafísicas Canibais. 1ª ed. São Paulo: COSACNAIFY, CHAMORRO, Graciela. Terra Madura, yvy arauguyje: fundamento da palavra guarani. Dourado, Ms: Editora EFGD, FERNANDES, Ricardo Muniz; FLÓRIA, Cristina (Org.) Tradição e Resistência: encontro entre povos indígenas. São Paulo: Edições SESC SP, JECUPÉ, Kaka Werá. Tupã Tenondé: A criação da Terra e do Homem segundo a tradição oral Guarani. 2ª ed. São Paulo: Peirópolis, MOREIRA, Leonardo. O Jardim. São Paulo: SESI SP Editora, NIETSZCHE, Friedrich. Genealogia da Moral. São Paulo: Companhia das Letras, SANTOS, Milton. O Espaço do Cidadão. 7ª ed. São paulo: EDUSP, Por uma outra globalização - do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, STRAUSS, Claude Levi- Mitológicas 3: origem dos modos à mesa. São Paulo: Cosac & Naify, pdf. YAMÃ, Yaguarê. Sehaypóri: o livro sagrado do povo Saterê-Mawé. São Paulo: Peirópolis, Dissertação e Tese LADEIRA, Maria Ines. O caminhar sob a luz: o território mbya à beira do oceano. São Paulo: PUC, p. Dissertação (Mestrado) Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, PIERRI, Daniel Calazans. O perecível e o imperecível: lógica do sensível e da corporalidade no pensamento guarani-mbya. São Paulo: USP, p. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós- Graduação em Antropologia Social do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SILVA, Jorge Augusto de Jesus. Ano 374 da Deglutação do Bispo Sardinha: a escrita da história nos poemas Pau-Brasil. Salvador: UNEB, p. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens da Universidade Estadual da Bahia, Bahia, Artigos ANDRADE, Oswald de. Manifesto antropófago e Manifesto da poesia pau-brasil. Revista de Antropofagia, ano 1, nº 1, 1928.

53 53 CICCARONE, Celeste. Drama e Sensibilidade: migração, xamanismo e mulheres mbya. Revista de Indias, volume LXIV, n. 230, p 81-96, LITAIFF, Aldo. Os filhos do sol: práticas dos índios Mbya-Guarani do litoral brasileiro. Tellus, ano 4, nº 6, p , LIMA, Tania S. O dois e seu múltiplo: reflexões sobre o perspectivismo em uma cosmologia Tupi. Mana, v. 6, n. 2l, Dicionário e Enciclopédia DOOLEY, Robert A. Léxico Guarani, Dialeto Mbyá: versão para fins acadêmicos. Porto Velho, RO: Sociedade Internacional de Linguística, p. RICE, Frederik John Duval. O idioma Tembé (Tupi-Guarani). Société de Américanistes, p. Programa de TV e Rádio LITERATURA BRASILEIRA. Palco Sonoro: Meu Tio, o Iauraête. São Paulo: Rádio Cultura FM, 14 de junho de Programa de Rádio. Documento Eletrônico AIKAX, Museu Nacional DKK. Hiper Mulheres. Filme produzido por Vídeo nas Aldeias, Disponível em: COLETIVO DE VÍDEO: Tekoa Tenondé Porã Pygua. Ojepota ra va e regua: Sobre aquele que quase se transformou. Disponível em: Sobre a Cratera de Colônia - Disponível em: pt.wikipedia.org/wiki/cratera_de_colônia te_obra/index.php?p=4539 ORTEGA, Ariel Duarte; FERREIRA, Patrícia (Keretxu). Bicicletas de Nhanderu. Filme produzido por Vídeo nas Aldeias, Disponível em: RAMOS, Fábio Pestana. A História dos excluídos a bordo das caravelas e naus dos descobrimentos: grumetes, órfãos e degredados. Artigo disponível em:

54 54 TONACCI, Andrea. Serra das Desordens. Documentário. Disponível em: Relatórios e estatísticas: CIMI. Violência contra os Povos Indíginas no Brasil Brasília, p. -apy v. t. direto (classe xer-). Queimar: japy mba'emo yty vamos queimar lixo. 24

55 A N E X O S 55

56 Envelope da carta que Pero Vaz de Caminha enviou ao Dom João VI 56

57 Página 16 da carta escrita por Pero Vaz de Caminha sobre o achamento do Brasil 57

como diz a frase: nois é grossa mas no fundo é um amor sempre é assim em cima da hora a pessoa muda numa hora ela fica com raiva, triste, feliz etc.

como diz a frase: nois é grossa mas no fundo é um amor sempre é assim em cima da hora a pessoa muda numa hora ela fica com raiva, triste, feliz etc. SEGUIR EM FRENTE seguir sempre em frente, nunca desistir dos seus sonhos todos nós temos seu nivel ou seja todos nós temos seu ponto fraco e siga nunca desistir e tentar até voce conseguir seu sonho se

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