Percepção da imagem corporal e atitudes alimentares patológicas em adolescentes praticantes de ballet clássico

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1 Artigo Original Percepção da imagem corporal e atitudes alimentares patológicas em adolescentes praticantes de ballet clássico Body image perception and pathological eating attitudes in adolescent ballet dancers Leilane Lilian Araújo Leal 1 Severina Carla Vieira Cunha Lima 2 Bruna Leal Lima Maciel 3 Unitermos: Imagem corporal. Transtornos alimentares. Adolescente.Dança. Key words: Body image.eating disorders.adolescent.dancing. Endereço para correspondência: Bruna Leal Lima Maciel Rua Teatrólogo Meira Pires, 2357, apto 902 Natal, RN, Brasil CEP lima_bruna@yahoo.com.br Submissão 19 de setembro de 2012 Aceito para publicação 7 de dezembro de 2012 RESUMO Introdução: Na adolescência ocorrem transformações físicas e psicológicas que, aliadas à prática do ballet, podem ocasionar maior frequência de insatisfação corporal e comportamentos de risco para transtornos alimentares. O objetivo deste estudo foi verificar a percepção da imagem corporal (IC) e a presença de atitudes alimentares patológicas em adolescentes praticantes de ballet clássico em Natal, RN. Método: Foi realizado estudo transversal com adolescentes praticantes de ballet clássico em uma escola particular de ballet na cidade de Natal, RN. Para a avaliação da percepção da IC foi utilizado o Body Figure Silhouettes (BFS), e para avaliação de atitudes alimentares patológicas foi aplicado o questionário Eating Attitudes Test (EAT-26). Os dados foram comparados com o estado nutricional dos adolescentes e com a percepção da IC pelas pesquisadoras. Resultados: A amostra foi de 100% do sexo feminino, com média de idade de 12,95±2,52 anos. Com relação ao estado nutricional antropométrico, 91% das participantes estavam eutróficas e 9% com excesso de peso. O BFS demonstrou alto percentual de insatisfação com a IC (72,7%), em que 68,7% das adolescentes gostariam de se parecer mais magras. Houve distorção na percepção da IC em 68,2%, sendo que a maioria (60%) se viu maior do que era na realidade. O EAT-26 apontou que 95,5% das adolescentes não apresentavam atitudes de risco para transtornos alimentares. Conclusão: O alto percentual de insatisfação com a IC e distorção de sua percepção indicam que é importante trabalhar a autoestima das adolescentes avaliadas, visando à promoção da alimentação saudável e diminuição do risco para transtornos alimentares. ABSTRACT Introduction: Adolescence is associated with physical and psychological changes that, with ballet practice, can cause a higher incidence of body dissatisfaction and risk for eating disorders. This study evaluated body image perception and the presence of pathological eating attitudes in adolescent ballet dancers in Natal/RN. Methods: A cross-sectional study was conducted with adolescents practicing ballet in a private school of ballet in Natal/RN. Body Figure Silhouettes (BFS) was used to assess the perceptions of body imageand the Eating Attitudes Test (EAT-26) was applied for assessing pathological eating attitudes. The information was compared with nutritional status from the adolescents and the perception of body image by the researchers. Results: Sample was 100% female, with mean age of ± 2.52 years. Nutritional status for the adolescents was normal in 91% and overweight in 9% of the adolescents. The BFS showed high percentage of dissatisfaction with body image (72.7%), and that 68.7% of the teens would like to look smaller. There was distortion in body image perception in 68.2% of the adolescents, and the majority (60%) felt larger. The EAT-26 showed that 95.5% had no attitudes of risk for eating disorders. Conclusion: The high percentage of body image dissatisfaction and its distorting perception indicates that it is important working with self-esteem of evaluated adolescents, aiming at promoting the quality of life and reduction of risk for eating disorders. 1. Graduanda em Nutrição pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal, RN, Brasil. 2. Doutora em Ciências da Saúde pela UFRN, Professora Adjunto do Departamento de Nutrição/UFRN, Natal, RN, Brasil. 3. Mestre em Ciências da Saúde pela UFRN, Professora Assistente do Departamento de Nutrição/UFRN, Natal, RN, Brasil. 25

2 Leal LLA et al. INTRODUÇÃO A adolescência é uma fase da vida marcada por grandes mudanças corporais, psicológicas e sociais, incluindo, segundo a Organização Mundial de Saúde 1, os sujeitos que se encontram entre 10 e 19 anos de idade. Em meio às transformações hormonais, funcionais, afetivas e sociais, as alterações de seu universo físico adquirem importância fundamental 2,3. A imagem corporal (IC) pode ser definida como a percepção que uma pessoa tem do tamanho ou partes específicas do seu corpo. A adolescência é um dos períodos em que mais frequentemente se observa a insatisfação com a IC, principalmente em meninas 2,4. A importância dada à imagem e à aparência é notória nos dias atuais. A sociedade hoje é considerada como uma cultura lipófoba, que tem aversão à gordura e, cada vez mais, é influenciada pela mídia, que cria e recria o imaginário vínculo entre magreza, beleza e felicidade, impondo corpos magros como padrão de beleza e rejeitando as pessoas fora do padrão, sem, contudo, considerar aspectos relacionados com a saúde e as diferentes constituições físicas da população 2,4. A maioria dos adolescentes tem em sua mente um corpo idealizado, e quanto mais esse corpo se distanciar do real, maior será a possibilidade de conflito, comprometendo sua autoestima 5,6. Os adolescentes, principalmente do sexo feminino, em determinados ambientes, como atletas, modelos e bailarinas, tendem a ter maior incidência de transtornos de comportamento alimentar (TCA) e distorção da IC, já que essas atividades preconizam o baixo peso corporal e supervalorizam a estética, utilizando-a como requisito indispensável para o desempenho 4,7. Sabendo que a prática do ballet é um fator de risco para desenvolvimento de TCA 7,8, conhecer a relação das bailarinas com a sua IC é importante para a promoção de atividades educativas nesse grupo. Sendo assim, este estudo teve como objetivo verificar a percepção da IC e a presença de atitudes alimentares patológicas em adolescentes praticantes de ballet clássico, na cidade de Natal, RN. MÉTODO Foi realizado um estudo do tipo transversal de caráter descritivo, com todos os adolescentes praticantes de ballet clássico em uma escola particular de ballet, na cidade de Natal/RN. Por amostra de conveniência, a coleta foi realizada entre maio e junho de O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes, com CAAE O critério de exclusão adotado para a pesquisa foi o não consentimento em participar do estudo pelo próprio adolescente ou pelo responsável, sendo que uma adolescente se recusou a participar. Para avaliação da percepção da IC foi utilizado o Body Figure Silhouettes (BFS) 9, que é constituído de 8 imagens corporais, sendo a primeira um corpo extremamente magro e a última um corpo extremamente gordo, onde é solicitado ao avaliado que marque um X na silhueta que mais se pareça com seu corpo e um na que identifica o corpo que gostaria de ter. O BFS foi desenvolvido pelos pesquisadores do Children s Nutrition Research Center (CNRC) e é amplamente utilizado em estudos, pois permite constatar as diferenças entre o corpo atual e o corpo ideal, além da percepção da IC no momento do estudo. Neste estudo, o teste também foi utilizado para verificar a adequação da percepção da IC, por meio de agregação da percepção das pesquisadoras sobre a IC dos participantes, sendo essa percepção comparada à observada entre os adolescentes. A presença de atitudes alimentares patológicas foi avaliada a partir da versão em português do Eating Attitudes Test (EAT-26) 10, um questionário de fácil entendimento, autopreenchido, composto por 26 itens que avaliam comportamentos alimentares anormais, como, por exemplo, prática de dietas restritivas, purgação e controle excessivo da ingestão alimentar, e a frequência com que os comportamentos ocorrem. Para cada questão é atribuído um valor de 0 a 3 pontos e um resultado acima de 21 pontos no teste representa comportamento indicativo de anormalidade. Os dados do BSF e EAT foram comparados ao estado nutricional antropométrico (ENA) da população estudada. Para tal avaliação, foram utilizados os percentis de Índice de Massa Corporal/idade (IMC/idade), classificados a partir dos pontos de corte recomendados pela OMS 11. Para a coleta dos dados antropométricos, foi utilizada uma balança digital calibrada marca Plenna, com capacidade para 150 kg e sensibilidade de 100g e estadiômetro portátil marca Invicta Education, com capacidade para 2m e sensibilidade de 0,1cm. A altura foi aferida duas vezes, com erro padrão permitido de ± 0,5cm. As avaliações foram realizadas por um único avaliador, com os avaliados descalços e com o mínimo de roupa possível. Os dados foram analisados com auxílio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0, sendo realizada uma análise descritiva. Para as variáveis contínuas foram utilizadas medidas de tendência central e de dispersão (média e desvio padrão) e porcentagem para variáveis categóricas. RESULTADOS Foram avaliadas 22 adolescentes de 10 a 18 anos de idade, 100% do sexo feminino, com média de idade de 12,95 ± 2,52 anos. 26

3 Considerando o estado nutricional antropométrico, verificou-se que 91% (n=20) das adolescentes eram eutróficas. Identificou-se nas adolescentes um grande percentual de insatisfação com a IC (72,7%), com 45,4% relatando que gostaria de se parecer mais magra (Tabela 1). Avaliando as adolescentes por faixas etárias, observou-se que 62,5% que apresentaram insatisfação com a sua IC estavam entre 10 e 14 anos, e que a maioria destas (70%) gostaria de se parecer mais magra. Comparando os resultados da autopercepção da IC com a percepção das pesquisadoras, houve distorção da IC em 68,2% (n=15) (Tabela 1). A Figura 1 apresenta a distribuição de acordo com o estado nutricional antropométrico e a autopercepção da IC. A partir da aplicação do questionário EAT-26, observou-se que 95,5% (n=21) das adolescentes não apresentavam atitudes alimentares patogênicas, obtendo menos que 21 pontos no teste (EAT-), e 4,5% (n=1) obtiveram mais que 21 pontos (EAT+), apresentando atitudes de risco para TCA (Tabela 1). Tabela 1 Distribuição da população estudada conforme estado nutricional antropométrico, autopercepção da imagem corporal (IC) e atitudes alimentares patológicas. Natal/RN, Variáveis N % Estado Nutricional Antropométrico Eutrófico 20 91,0 Sobrepeso 1 4,5 Obesidade 1 4,5 Autopercepção da Imagem Corporal (IC) Satisfeita com a IC 6 27,3 Insatisfeita com a IC 16 72,7 Deseja aumentar a silhueta 6 27,3 Deseja reduzir a silhueta 10 45,4 Autopercepção da IC em relação à percepção das pesquisadoras Sem distorção da IC 7 31,8 Percebeu-se maior 12 54,6 Percebeu-se menor 3 13,6 Atitudes alimentares patológicas Ausentes 21 95,5 Presentes 1 4,5 Figura 1 Relação entre o estado nutricional antropométrico e a satisfação com imagem corporal (IC) nas adolescentes estudadas. Natal/RN, No EAT-26, as questões mais frequentemente pontuadas foram: sinto-me preocupada com os alimentos (36,4%), corto os meus alimentos em pequenos pedaços (45,4%), penso em queimar as calorias a mais quando me exercito (45,4%), as pessoas me acham muito magra (45,4%) e gosto de experimentar novos alimentos ricos em calorias (86,4%), sendo que esta última recebe pontuação quando marcada nunca, raramente ou algumas vezes e as outras quando referidas sempre, normalmente ou frequentemente. Registrou-se, apenas na faixa de 10 a 14 anos de idade, a presença de sobrepeso e obesidade e a avaliação de EAT+. A avaliada EAT+ também apresentou insatisfação com a sua IC, desejando possuir uma silhueta mais magra, apesar de não ter apresentado distorção da sua IC e estar eutrófica de acordo com o ENA. DISCUSSÃO O excesso de preocupação com a aparência e o aumento da insatisfação com o próprio corpo têm despertado a atenção de pesquisadores e estudos têm sido desenvolvidos devido à associação com o desenvolvimento de TCA em adolescentes, principalmente em meninas 2, Conforme os dados desta pesquisa, em outros estudos realizados com praticantes de ballet 8,12,13, os autores também obtiveram uma amostra 100% feminina, uma vez que maioria dos seus praticantes é do sexo feminino. Com relação ao ENA, a frequência de adolescentes com excesso de peso (9%) foi menor do que quando comparada a outros estudos com adolescentes. Alves et al. 15 observaram que 13,8% das avaliadas apresentavam excesso de peso. Paludo et al. 16 verificaram que 9% e 2,3% das avaliadas estavam com sobrepeso e obesidade, respectivamente. Os resultados desses estudos demonstram a transição nutricional do país, onde há redução na desnutrição e aumento na prevalência de sobrepeso e obesidade, sobretudo na infância e adolescência 17. No presente estudo, a prática da dança demonstrou um papel positivo no controle do peso corporal, já que 91% das avaliadas estavam com peso adequado. A Associação Brasileira de Nutrição Esportiva 18 considera o ballet clássico uma atividade física aeróbica de média intensidade, promovendo gasto energético de aproximadamente 312 kcal por hora de aula. O elevado percentual de insatisfação com a IC registrado no estudo está de acordo com outros estudos realizados com adolescentes. No estudo de Souza-Kaneshima et al. 19, as adolescentes apresentaram 65% de insatisfação com a IC, enquanto que no estudo de Corseuil et al. 20 esse índice foi de 85%. 27

4 Leal LLA et al. Apesar da insatisfação com a IC ter sido observada em todas as faixas etárias, o maior percentual de insatisfação e de EAT+ foi na faixa etária de 10 a 14 anos de idade, o que pode ser explicado pela proximidade da menarca, que se associa com aumento nos depósitos de gordura corporal, modificando naturalmente o corpo da menina 3. Essa maior insatisfação em faixa etária mais jovem é particularmente preocupante na população estudada, uma vez que o início da adolescência é uma das fases de maior risco para o desenvolvimento de anorexia nervosa 3,14. O sexo feminino é mais suscetível à insatisfação com a IC, por esse grupo ser mais vulnerável às pressões sociais relacionadas à aparência 14. Estudos 2-4 demonstram que as mulheres em geral, principalmente jovens e adolescentes, têm o desejo de apresentar um corpo mais magro, por superestimarem a sua IC 6, se vendo maiores do que são na realidade, o que foi identificado nesta população. No contexto da IC, a prática do ballet clássico assume papel importante, uma vez que bailarinas profissionais costumam apresentar corpos magros, e estas, muitas vezes, são fontes de inspiração para as praticantes iniciais. Ferreira et al. 8, em estudo feito com bailarinas adolescentes, verificaram que 81,3% apresentavam distorção na percepção da IC, e que a maioria se via maior do que era na realidade. Nogueira et al. 13 observaram que 48,4% das adolescentes analisadas, praticantes de balé em estágio inicial, estavam insatisfeitas com sua IC. No entanto, para poder confirmar que a prática do ballet é a principal causa da insatisfação com a IC percebida neste estudo, seria necessário realizar pesquisa com adolescentes não-praticantes de ballet e comparar os resultados, uma vez que o desejo de se parecer mais magra não está restrito a bailarinas, como já discutido anteriormente. Cabe ainda ressaltar que parcela significante das adolescentes neste estudo gostaria de ter uma silhueta menor, mesmo apresentando IMC/idade eutrófico (30%), comprovando o fato de que a prática do ballet por si não pode ser considerada a principal causa da maioria desejar reduzir a silhueta. De toda forma, ressalta-se que a população estudada merece especial atenção, devido não só à prática do ballet, mas também à faixa etária em que se encontra, por serem dois fatores de risco associados a maior incidência de TCA 7,14. O percentual de comportamento alimentar patológico encontrado foi menor do que em outros estudos brasileiros com adolescentes e jovens com atividades de risco 2,12,14, nos quais os percentuais variaram de 8,3% a 24,7%. O baixo percentual de EAT+ encontrado neste estudo pode ser explicado pela escolha do ballet como uma opção de prática desportiva, não se tratando de bailarinas profissionais. Contudo, apesar da porcentagem de EAT+ encontrada no estudo não ter sido alta, a relação entre a prática do ballet e TCA já é bem documentada na literatura 7,12. O EAT-26 também demonstrou o quanto as adolescentes se preocupam com a alimentação e com a opinião das pessoas em relação à sua aparência, evidenciando a influência da sociedade no comportamento alimentar na adolescência, além de indicar que as avaliadas utilizam o ballet como forma de controlar o peso, uma vez que parcela significativa (45,4%) referiu pensar em queimar calorias enquanto se exercitava. Salienta-se que, dentre as adolescentes que se achavam maiores do que são na realidade, todas estavam com peso adequado. Estudos têm demonstrado que a percepção da IC influencia mais no comportamento alimentar do que o excesso de peso, sabendo que o fato de estar insatisfeito com a forma física pode associar-se à adoção de práticas alimentares de risco 2,3. Assim, não se pode considerar o baixo percentual das adolescentes com comportamentos alimentares patológicos nem o ENA adequado de maioria das avaliadas para se afirmar que não há risco para o desenvolvimento de TCA no grupo estudado. CONCLUSÃO A insatisfação com a IC é um problema real entre as adolescentes estudadas, merecendo atenção, uma vez que se trata de grupo praticante de ballet clássico. Sendo assim, o desenvolvimento de estudos e as atividades de conscientização corporal e educação nutricional entre adolescentes, principalmente praticantes de ballet, são importantes, uma vez que é uma faixa etária de risco para o desenvolvimento de TCA. REFERÊNCIAS 1. World Health Organization. WHO. Nutrition in adolescence: issues and challenges for the health sector: issues in adolescent health and development p [Internet] [Citado 2012 jul. 4]. Disponível em 2. Castro IRR, Levy RB, Cardoso LO, Passos MD, Sardinha LMV, Tavares LF, et al. 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