PROC. Nº 2212/08 PLL Nº 070/08 EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
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- Aurélio Cipriano Henriques
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1 EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS O presente projeto de lei pretende instituir como Área Especial de Interesse Cultural AEIC, nos termos do art. 92 da Lei 434/99, o Areal da Baronesa, na gleba localizada na Avenida Luiz Guaragna, no bairro Menino Deus, com vistas ao reconhecimento de área remanescente de quilombo. Esse Projeto é importante, pois, passado mais de um século da abolição da escravatura, os negros continuam sofrendo as seqüelas da perversidade do sistema, sendo constantemente expulsos para regiões mais distantes dos parcos serviços públicos colocados à disposição das comunidades mais carentes. Importante salientar que dados recentes dão conta que 45% da população brasileira é formada por negros e, desses, mais de 70 milhões vivem numa situação de pobreza e miséria absoluta. Na tentativa de evitar que a população negra seja constantemente expulsa para a periferia, o Movimento Negro, setores da comunidade e partidos políticos iniciaram o processo de reconhecimento dos territórios remanescentes de quilombos no Brasil como forma de evitar a expulsão dos negros dessas áreas e, principalmente, para garantir a preservação cultural dessas comunidades. Nesse sentido, e decorrente também da regulamentação da matéria, mediante os Decretos n os 4.887/2003, 4.886/2003, 5051/2004, da Portaria nº 06/2004, da Fundação Palmares, das Instruções Normativas n os 16/2004 e 17/2004, da Fundação Palmares, muito têm-se avançado no sentido de garantir a proteção destes espaços quilombolas e suas respectivas populações. Essa luta de reconhecimento das áreas quilombolas é nacional e, em conjunto com comunidades de todo o País, conquistamos a regularização fundiária das áreas de quilombos. O reconhecimento das áreas onde vivem comunidades formadas por descendentes de escravos, como terras remanescentes de quilombos, é uma das principais lutas dos Movimentos e faz parte das tantas reparações que a sociedade brasileira, e principalmente o Estado brasileiro, nas suas três esferas, devem à comunidade negra. Na esfera das políticas governamentais, várias iniciativas já existem, tais como o mapeamento das comunidades de quilombolas no Estado do RS, e, em Porto Alegre, se destaca o reconhecimento da comunidade da Família Silva como área de interesse cultural. Somente para informar, quilombo é uma palavra africana e significa aldeamento. No Brasil, os quilombos foram formados por trabalhadores fugitivos da escravidão ou escravos libertos que não tinham para onde ir. As terras
2 foram ocupadas por posse, compradas ou herdadas por doação ou permissão de uso. Seus habitantes são quilombolas.... [...] O Estado [Rio Grande do Sul] tem ainda hoje 123 comunidades remanescentes de quilombos, espalhadas em 75 municípios. Descendentes de escravos, os quilombolas contemporâneos resistem há décadas contra a cobiça e a violência de invasores.... A manutenção desses aldeamentos explica por que o território é mais que moradia. Faz parte do universo cultural, com nichos sagrados, onde são extraídas plantas para a culinária, artesanato e ritos. O movimento negro contemporâneo provocou mudanças profundas no conceito de quilombo. Mas, a concepção que está na maioria dos livros ainda o limita a espaços geográficos ocupados por fugitivos da escravidão. 1 Em Porto Alegre, dentre outras, temos a comunidade do Arraial da Baronesa de Porto Alegre, que é considerada um dos berços do samba de raiz, como uma área remanescente de quilombola. Extrapolando os limites do isolamento geográfico a que o conceito de quilombo alude no imaginário popular brasileiro existe, em Porto Alegre (RS), uma das primeiras comunidades urbanas que reivindica o direito à permanência nas terras que ocupam através da afirmação de sua identidade étnica. O Quilombo do Areal, situado na Avenida Luís Guaranha - fronteira entre os bairros Menino Deus e Cidade Baixa (próximos ao centro da cidade), desafia a idéia de que as relações sociais na cidade deveriam ser cada vez mais impessoais, homogêneas e individualizadas. Estamos diante de um grupo que demonstra, em sua prática social, que as formações étnicas e identidades territorializadas podem permanecer e ser fortalecidas no meio urbano. Na Luís Guaranha, persiste uma formação identitária territorializada, alicerçada no território histórico, imaginário e mítico do Areal da Baronesa. A comunidade se identifica como uma reminiscência viva do que foi um antigo local de moradia de camadas pobres, ex-escravos e escravos libertos, paulatinamente descaracterizado durante o século XX. Alguns anos atrás, a população se auto-reconheceu como Comunidade Remanescente de Quilombos junto à Fundação Cultural Palmares, alegando que aquele território foi, em sua origem, Terra de Escravos. Segundo os moradores, a comunidade da Luís Guaranha teve origem nas senzalas da Chácara da Baronesa do Gravataí. Após o loteamento da chácara, no final do século XIX, surgiu o Areal da Baronesa. 1 ÁVILA, Cristina. Os negros da terra e as terras dos negros. Porto Alegre, Disponível em: < Acesso em: 16 mai
3 Luís Guaranha é uma avenida, mas o termo aqui assume uma conotação diferente: em vez de fazer referência a grandes vias, designa uma forma de habitação característica das populações pobres da cidade de Porto Alegre no passado: ruas sem saída contendo pequenas casas de aluguel, semelhante a cortiços. Segundo os moradores da Luís Guaranha, o território antes conhecido como Areal da Baronesa era repleto de avenidas, porém hoje restam poucos exemplos desta forma de habitação. Nesse contexto, por um lado, observa-se o processo de enobrecimento urbano desse território com o passar do tempo e, por outro, o processo de implementação de reformas urbanas por parte dos poderes públicos durante todo o século XX. O desaparecimento das avenidas deflagra um processo contínuo de saída e retirada de populações pobres e afrodescendentes das regiões centrais.... Trata-se de uma situação na qual a mobilização da memória coletiva do grupo conduz ao tema da territorialidade negra inserida no processo político de reconhecimento como remanescente de quilombo, em virtude da luta pelo direito de permanência da comunidade na área onde está enraizada. Uma realidade que necessariamente nos leva a questionar sobre as fronteiras simbólicas, a fragmentação, a segregação e a complexidade das formas de vida social em nosso meio urbano. Contrariando a suposta miscigenação da nação brasileira, o conceito de quilombo vem sendo empregado como forma de explicitar o quadro de exclusão social das populações negras no Brasil. Através desse debate em torno do Quilombo do Areal, as trajetórias da população negra em Porto Alegre são repensadas, assim como o lugar histórico do escravo nas cidades. No fundo, o que se busca nesse reconhecimento não é apenas o direito de permanência dessa população em uma região central da cidade, mas preservação da memória do Areal da Baronesa - uma luta contra o esquecimento dessa faceta do passado da cidade. Pela ênfase no fator resistência, busca-se a manutenção dessa forma de vida social na cidade, ameaçada de desaparecimento face às transformações urbanas que evidenciam o cenário de exclusão das populações negras em Porto Alegre. 2 A Av. Luiz Guaragna é reconhecida por pesquisadores e pela comunidade como área de remanescente de quilombolas. A Luís Guaranha possui uma área de 5.210,75 m2 em que habitam cerca de 400 pessoas, majoritariamente pobres e afro-descendentes. Uma forma de habitação peculiar, que remonta a uma Porto Alegre de becos e vielas em plena região central; uma região obscura em meio aos mapas mentais (LYNCH, 1974) de grande parte da população da cidade. Muitas 2 MARQUES, Olavo Ramalho. Quilombo do Areal: identidade, territorialidade e memória. Disponível em: < Acesso em 02 abr
4 pessoas com quem converso sobre meu trabalho de campo (amigos e pares da academia, da área das humanas ou não, vários deles portoalegrenses) afirmam não conseguir se orientar quanto à localização da avenida. A Luís Guaranha é uma avenida, porém o termo aqui assume uma conotação diferente; um sentido que, como afirmei há pouco, diz respeito a uma antiga forma de habitação popular na cidade de Porto Alegre, desvendada com o desenrolar de minhas incursões etnográficas, que abordarei mais adiante. No que diz respeito à questão das identidades desses habitantes, tem lugar o fato que vêm atraindo a atenção de entidades governamentais e não-governamentais, jornalistas e documentaristas à Luís Guaranha: por se identificarem como reminiscência viva do Areal da Baronesa, antigo local de moradia de camadas pobres, ex-escravos e escravos libertos, parte da população, reunida ao redor de lideranças locais, há alguns anos se auto-reconheceu como Comunidade Remanescente de Quilombos junto à Fundação Cultural Palmares do Ministério da Cultura, alegando que aquele território foi, nas origens de sua ocupação, Terra de Escravos. 3 O Areal da Baronesa sempre foi um território rico em personalidades das áreas da arte; na música, por exemplo, conviveram na comunidade ícones como Giba Giba, João Sete Cordas, Telmo Flores, Daniel do Bossa, Leleco Teles e Bedeu, sendo que esses dois últimos já não se encontram entre nós. Nasceu na comunidade a sempre lembrada Escola de Samba Unidos do Areal da Baronesa fundada em 1995 numa dissidência da ala Jorge Luiz, da Imperadores do Samba. A Escola teve como presidente e patrono o inesquecível Celso do Areal. A Escola, na sua estréia, marcou o carnaval de Porto Alegre homenageando sua Escola de origem, a Imperadores do Samba, e a tradicional Bambas da Orgia. A Escola teve vida curta, durou apenas cinco anos. Com a morte do Nego Celso (era assim que ele gostava de ser chamado), a comunidade se desmobilizou, deixando saudades do samba impetuoso da Areal da Baronesa nos desfiles oficiais do carnaval de Porto Alegre. O morador do Areal sempre se caracterizou pela sua consciência cultural, lembrando e comparando-se com o morador do Pelourinho, em Salvador, onde basta se reunir quatro companheiros para surgir um ritmo afro e descontraído das raízes brasileiras. O processo administrativo nº , da Prefeitura Municipal, contém cópia da certidão de auto-reconhecimento das terras ocupadas e por 3 Idem. Etnografia da Avenida Luís Guaranha: Memória, Territorialidade e Identidade Étnica na cidade de Porto Alegre no Rio Grande do Sul. Disponível em: < em: 31mar2008.
5 remanescentes dos quilombos. Assim, a Comunidade do Areal Vila Luiz Guaranha é reconhecida como remanescente das comunidades dos quilombos. Assim, este Projeto de Lei, que propõe gravar como área especial de interesse cultural o Areal da Baronesa, reconhece a luta das comunidades negras descendentes de escravos, seu patrimônio tangível e intangível e, nesse sentido, solicito o apoio dos nobres Pares para sua aprovação. Sala das Sessões, 2 de abril de VEREADOR CARLOS COMASSETTO
6 PROJETO DE LEI Institui como Área Especial de Interesse Cultural (AEIC), nos termos do art. 92 da Lei Complementar nº 434, de 1º de dezembro de 1999 Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA), e alterações posteriores, área situada no Bairro Menino Deus, na Subunidade 1 da Unidade de Estruturação Urbana (UEU) 52 da Macrozona (MZ) 1, constituída pela Avenida Luiz Guaragna e pelos imóveis nessa localizados, com vista ao reconhecimento de área remanescente de quilombo, ocupada pela Comunidade do Areal Vila Luiz Guaranha. Art. 1º Fica instituída como Área Especial de Interesse Cultural (AEIC), nos termos do art. 92 da Lei Complementar nº 434, de 1º de dezembro de 1999 Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA), e alterações posteriores, área situada no Bairro Menino Deus, na Subunidade 1 da Unidade de Estruturação Urbana (UEU) 52 da Macrozona (MZ) 1, constituída pela Avenida Luiz Guaragna e pelos imóveis nessa localizados, com vista ao reconhecimento de área remanescente de quilombo, ocupada pela Comunidade do Areal Vila Luiz Guaranha, conforme planta anexa a esta Lei. Art. 2º Esta Lei entra vigor na data de sua publicação.
7 /UM ANEXO
8
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