Insignes Contos. luca mac doiss. Ela é um sonho de mulher, ou não é? Contos. Conto n.o 6: Ela

Transcrição

1 Insignes Contos 1 Contos luca mac doiss Conto n.o 6: Ela Ela é um sonho de mulher, ou não é?

2 Ela 2 As primeiras palavras usarei para um mergulho na atmosfera em que o caso se passa. Atmosfera de fazer inveja aos poetas de beira de praia, é ela menina, que vem e que passa, o seu balançado é Ipanema. Nada de sol, noite alta; Nada de quarenta graus, cobertor escondendo os pés; Nada de cerveja, dentes tingidos ao copo; Nada de amigo, duas garrafas; Solidão mergulhada nas palavras. Feito, vamos ao caso. Ela, ela nasce num despertar de meus neurônios vaporizados pelo distinto tinto. Ela, a menina, a mulher, nasce em família de presente jogado no futuro da filha, a quem o estudo vai cumprir o prometido papel. Confirmo. Ela é diplomada em medicina, e, doutorada em matéria de coração, o físico; o metafórico a faz em pedaços. Ela apaixonou-se em primeira, e única vez por um professor da faculdade, de voz de locutor e gestos suaves; platônico amor; descobriu em oportunidade boa, em rara presença em uma das muitas festas da turma, que pendia para o terceiro gênero o atlético professa. Oh! Desilusão.

3 3 Amor dissipado ao fim da matéria, a escolar; a física a cada dia se aperfeiçoa, desmentindo as leis naturais, concordando com as ideias machadianas. Pauso. Paro para um respiro, comecei sem ter um nome para ela. Preciso de um nome... um bom nome... Samantha. Podia ser um outro, um pensado em folhas de uma lista, mas foi este, simplesmente uma escolha de estalo: Samantha. Continuo. Samantha, a cada dia mais linda, a cada dia mais esplendorosa, ainda não encontrou, até este instante, o amor verdadeiro, ainda não encontrou a cara metade. Concluo que ela nunca teve tempo ou prioridade dedicada ao coração, o simbólico; o físico a fazia dormir sobre livros. Ajudemos a imaginação, para não ficarmos só dizendo que ela é linda; ela é linda. Rosto, maravilhoso, perfeito na perfeição, como se configurado por um futurístico sistema operacional, um daqueles que controlarão nossas vidas; rosto como se inspirado em todos os ícones presentes e passados, em melhor forma, olhos de Nicole, nariz de Bardot, lábios de Angelina, testa e sobrancelhas de Scarlett, formato de Hayworth, e, cabelos... despenteados. Corpo, de Marta, perdida a polegada. Seios... difícil a modelo, de naturais formas... sei, de mão cheia; naturais, repito, é importante, questão de conforto, poder a- pertar sem trauma de festa de aniversário em criança.

4 4 E, bunda de madrinha de escola de samba, de substituir pandeiro de couro esticado. Basta? Está de bom tamanho? Cérebro! Importante, mesmo sabendo que em algum momento posso me arrepender; vou me arrepender, mas projeto um amor para toda a vida. Então... Cérebro, de precisar perder vinte pontos no QI para ser ela considerada inteligente. Genial, genial. Ela e a tirada. E, atributo fundamental, calor humano. Ela, calorosa, cumprimenta amigos não com um simples aperto de mão ou beijos aos lados do rosto, sim com um abraço de sentir os bicos dos seios, bicos sustentados por massa sólida. Ponho firmes aí... bicos apontados ao Norte. Concluo, tenho de concordar comigo mesmo, com todos esses atributos, impossível não ser feliz no amor. Não há como não achar um, entre centena de candidatos, coadjuvante. Não há possibilidade de não achar um que não vá se apaixonar por ela. Ricardo, o Rico, pronto, apareceu, médico, ginecologista... ô raça, não há, aposto, homem que não se perturbe ao ouvir a mulher dizer, preciso ir ao ginecologista. Devia de ser proibido ginecologista homem. Mulher, por natureza, é mais competente no assunto! Bem, sou separado, há anos, então foi... Taí uma característica importante à Samantha, um canal perfeito, mas foge do propósito a descrição. Opa, Opa! Desculpe-me por ter escorregado e perdido o foco. Foco.

5 5 Ricardo, um cara presença, família de médicos, sempre teve tudo à mão, bom carro, bom apartamento. E, devo admitir, um gente boa; de boa cultura, também. O encontro dos dois, se é que importa, foi casual, em corredor de hospital. Melhor, paciente comum. Melhor, sei lá, não importa, é preciso, para encerrar este conto, um final feliz, um casamento para a Samantha, um casamento com um príncipe. Pronto, temos o príncipe, o casamento será amanhã. Depois, uma semana em Angra dos Reis, em uma intimista pousada à beira-mar... não, em um resort de inveja alta; não vamos economizar, para que os fazer médicos, se é para ter o luar em mel aproveitando uma promoção de uma simples pousada, não é? O noivo está empolgado, encontrou a mulher da vida dele. Ela, bem, ela está feliz, ela... espere, a campainha de meu apartamento está tocando, vou ver quem é. Como a portaria não avisou, deve ser um vizinho. São duas da madrugada, problema à porta, não há como não ser. Olho mágico serve para precaução, olho nele. A luz do hall não ajuda, eu ajudo. Quem é? Eu. Fecho o esquerdo, firmo o olho direito. Não consigo acreditar. O olho mágico não é mágico, eu tinha certeza, é, eu tinha certeza. Entre, por favor. Obrigada.

6 6 Como você chegou aqui? Quero dizer, o porteiro não lhe anunciou. Novidade aí? Verdade, novidade seria o porteiro acordado a esta hora. Não consegui dormir. Precisa, você se casa amanhã. Já não tenho certeza. Pensei que você tivesse encontrado o amor, que estivesse feliz com o casamento. Um casamento preparado com carinho. Por você. Sim, com sofrer, mas com sincero voto de felicidade. Esquece meu casamento. Acho que estou apaixonada por você. Não acredito. Não? Modéstia. Suas palavras revelam uma pessoa sensível, sensata e inteligente, difícil não se apaixonar. Suspeita. Fiz enaltecer sua beleza, suas qualidades pessoais, o que deve ter embalado, e embaralhado seus sentimentos. Pior seria a ingratidão. Meus sentimentos são reais, não posso ignorá-los. Eu precisava conhecê-lo. Pessoalmente, quero dizer. E? Você até que é bonitinho. Essa sua característica, eu não conhecia. Esse ferino sarcasmo não combina com você. O conjunto agrada, e, bastante. Melhorou?

7 7 Sim. Você além de bela, bem mais do que pensei, é inteligente, e, sincera; até demais, um tom acima do necessário. Você me conhece bem, devia saber. Eu esperava, sim, que, com o tempo, eu não a mais conhecesse, que outros a percebesse com diferentes atributos, físicos e sociais. Eu sou sua. Só você me interessa. Nunca imaginaria tal situação. Com dor, ia apresentá-la aos amigos. Agora, eu aqui envolto em nuvens; se é que me entende. Luca, nós estamos conectados. Você sabe, você está em minha mente, e eu na sua. Nossa, não possa acreditar no que está acontecendo. Quer um belisco? Samantha... santa luz, como é bom dizer o seu nome e têla à vista. Desculpe-me, o que eu queria dizer é que: você parece ter saído do banho. Sim, mas os cabelos despenteados é estilo; não é desleixo, não. Sei. Luca, estou pronta! Não entendi. Para irmos a Angra dos Reis. Uma semana só para nós, em um resort, tudo incluso, como você estava pensando. Estava. Estava? Se não, está.

8 8 Uma grande semana. Praia, sol; nada de pontos turísticos, resort é bom para casal; só tempo útil, nada de velhas igrejas, de mercados derrubados, de restaurantes de cardápio mentiroso; bem, sobrou um tempinho para um passeio de escuna pelas ilhas, nada que fizesse sombra à beleza de Samantha. Uma única compra a ela, mais uma qualidade, eu tive de insistir, uma canga, daquelas coloridas, de dezenas maneiras de se usar; ideal para esconder o meu patrimônio. Uma fantástica semana. Nada de chuva. Nada de chuva. Sol, natureza, sombra... quase me fiz poeta, musa já tinha; uma musa só minha, com juras e juras. Infelizmente, acabou-se, terminou, como tudo. Voltamos ao meu apartamento. Sinto ter de escrever o último parágrafo, mas preciso terminar o caso, afinal este é um conto, não um romance. Assim... É assim, foi bom, tchau? Seja clara, minha cara. Meu deus, com d minúsculo, essa combinação do som de palavras, neste momento, não agrada em nada. Desculpe-me, minha Samantha, com S maiúsculo, é vício de linguagem. Você me ama? Muito. Então diz.

9 9 Eu amo você. Ama, mas acaba com minha vida. Não, você fica aqui, em meu coração. É pouco. É de minha vida que estamos tratando. Por favor, devolva-me ao conto. Você quer se casar com o Ricardo!? Não! Eu quero me apaixonar por uns e outros, quero ir a- lém, Búzios, Porto, Natal... quem há de saber, não é? Algum Leitor vai tentar me ver em alguém. E, até, sonhar comigo. Alguém vai tirar-me das linhas, vai dar-me vida. Não preciso nem dizer qual das partes do casal decide; não é mesmo? Então, deixo-a partir, assim como chegou, de elevador, mas, mesmo partindo, ela fica em meu coração. Vou sentir ciúmes de Samantha, é verdade, mas quem ama não prende; quem ama deixa a amada livre para escolher o caminho, livre para buscar a felicidade. Santa sombra, agora baixou o poeta. Samantha, espere. Não deu tempo. Já foi. Ela deixou a colorida canga aqui, em cima do sofá. Talvez de propósito, nada a amarrar a mim.