DESPORTO Agosto 2013 TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO: O IMPORTANTE NÃO ERA JUSTIFICAR O ERRO, MAS IMPEDIR QUE QUE ELE SE REPETISSE
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- Bianca Carrilho Campos
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1 DESPORTO Agosto 2013 TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO: O IMPORTANTE NÃO ERA JUSTIFICAR O ERRO, MAS IMPEDIR QUE QUE ELE SE REPETISSE O Presidente da República promulgou em o diploma que cria o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) e aprova a respectiva lei - Decreto nº 170/XII. Contudo, entendeu solicitar ao Tribunal Constitucional (TC) a "fiscalização abstracta sucessiva" de algumas normas deste novo diploma aprovado pela Assembleia da República. Recorde-se que a matéria versada no Decreto que cria o TAD já havia sido objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, na sequência de um pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade, tendo, então, sido decidido que algumas das normas constantes da primeira versão do diploma aprovado na Assembleia da República o Decreto n.º128/xii - eram inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1, e por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no A matéria versada no Decreto que cria o TAD já havia sido objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, na sequência de um pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade.
2 artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Com efeito, considerando que a norma que previa uma regra geral da irrecorribilidade das decisões arbitrais para os tribunais estaduais se aplicava, sem mais, às decisões do TAD, sempre que este funcionasse como tribunal arbitral necessário e resultando a arbitragem necessária de uma imposição legal que, à margem da vontade das partes, subtraia determinado tipo de litígios nomeadamente, os litígios emergentes das decisões finais das federações, ligas e outras entidades desportivas - à competência imediata dos tribunais estaduais para a atribuir, obrigatoriamente, à competência de um tribunal arbitral, a referida regra da irrecorribilidade das decisões do TAD para os tribunais estaduais, sempre que este funcionasse como jurisdição arbitral necessária, violava o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, consagrados, respectivamente, no nº 1 do artigo 20 e no artigo 268.º, n.º 4 da CRP. Por outro lado, aceitando que no que respeita à arbitragem voluntária, a submissão de um litígio à via arbitral resulta, exclusivamente, de uma manifestação da autonomia da vontade das partes, foi entendimento do TC que não haveria dúvidas de constitucionalidade: a) Que se estipulasse legalmente a irrecorribilidade da decisão arbitral para os Tribunais estaduais, salvo se as partes tiverem convencionado o contrário, tal como resulta do n 4 do artigo 39 da LAV; b) Que se fizesse equivaler a submissão de um litígio a uma instância arbitral voluntária, a qual resulta da autonomia da vontade das partes, a uma manifestação tácita de renúncia ao mesmo recurso, tal como previa o nº 1 do artigo 8º do Decreto nº 128/XII. Ora, a decisão da Presidência da República de solicitar ao TC a "fiscalização abstracta sucessiva" de algumas normas deste novo diploma aprovado pela Assembleia da República - Decreto nº 170/XII - teve como fundamento o facto de se entender que subsistiam dúvidas de constitucionalidade sobre as normas constantes do nº 1 e do n.º 2 do artigo 8º do diploma que cria o TAD, em face do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva e, bem assim, da decisão já anteriormente tomada pelo Tribunal Constitucional. Subsistem dúvidas sobre a constitucionalidade de algumas normas
3 Com as alterações introduzidas pela nova versão do art.º 8.º do diploma que cria o TAD passou-se a prever que das decisões proferidas pela câmara de recurso, poderá haver recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando uma melhor aplicação do direito, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto ao recurso de revista. Não está em causa apenas a limitação a um duplo recurso ou a um triplo grau de jurisdição, mas a possibilidade da irrecorribilidade da decisão arbitral para os Tribunais estaduais A questão em causa será pertinente, pois, se é certo que a jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de direito ao recurso jurisdicional em todos os ramos do Direito Processual é abundante e já logrou a indispensável sedimentação na jurisprudência dos demais tribunais portugueses e na prática judiciária, tendo, nomeadamente, sido reiterada a afirmação que não existe qualquer imposição constitucional no sentido de garantir várias instâncias de recurso ou, dito de outro modo, de um direito a um terceiro grau de recurso, mesmo em sede de processo penal, na opção tomada pelo legislador na nova versão do TAD não está em causa apenas a limitação a um duplo recurso ou a um triplo grau de jurisdição, mas a possibilidade da irrecorribilidade da decisão arbitral para os Tribunais estaduais. Com efeito, na nova versão do TAD passou a prever-se a possibilidade da recorribilidade da decisão arbitral para os Tribunais estaduais, mas apenas nos casos em que uma melhor aplicação do direito. Ou, dito de outra forma, apenas se permite um segundo grau de jurisdição, a possibilidade de recorribilidade da decisão arbitral para os Tribunais estaduais, em situações específicas. Dir-se-á que a Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para
4 um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a revisão constitucional constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, passou a incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa. Para além disso, algumas vozes têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal ( 1 ). Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer. Na verdade, o TC tem entendido, e continua a entender, que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional artigo 210.º), terá de admitir-se que «o legislador ordinário não poderá 1 Poder-se-á ver, quanto à matéria em questão, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respectivamente no Acórdão n.º 65/88, Acórdãos do TC, vol. 11.º, p. 653, e no Acórdão n.º 202/90, id., vol. 16.º, p suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos» ( 2 ). Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões ( 3 ). O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afectar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer. 2 cf. a este propósito, A. Ribeiro Mendes, in Direito Processual Civil, III Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126 e Acórdãos n.º 31/87, Acórdãos do TC, vol. 9.º, p. 463, e n.º 340/90, id., vol. 17.º, p cf. os citados Acórdãos n.ºs 31/87 e 65/88, e ainda n.º 178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.. 12.º, p. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional ver ainda os Acórdãos n.º 359/86 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8.º, p. 605), n.º 24/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11.º, p. 525) e n.º 450/89 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13.º, p. 1307
5 A verdade é que, limitando a possibilidade de recorribilidade da decisão arbitral para os Tribunais estaduais apenas nos casos em que uma melhor aplicação do direito, está-se, não a limitar um duplo recurso ou um triplo grau de jurisdição, mas, efectivamente, a limitar a possibilidade de recorribilidade da decisão arbitral para os Tribunais estaduais às situações em que se verifiquem os referidos pressupostos. Na prática continua-se a afectar a garantia contenciosa dos administrados na medida em que se reduz o nível de protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos, o que foi um dos fundamentos basilares para a decisão de inconstitucionalidade tomada pelo Tribunal Constitucional. Cremos que não será muito fácil fugir a um novo juízo de inconstitucionalidade por violação do direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1 e por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva. Poderia e deveria o legislador ter procurado outras opções, que as haveria, em vez de reincidir na mesma solução. O pior não é errar, o pior é insistir no erro. Deviam ter aprendido algo com a ideia transmitida por Che Guevara: o importante não é justificar o erro, mas impedir que ele se repita. Braga, 28 de Agosto de 2013 Nuno Albuquerque nunoalbuquerque@nadv.pt Não será muito fácil fugir a um novo juízo de inconstitucionalidade
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