HERÓIS DO AR ESQUADRA 751. Cais da Figueirinha. Pistola de senhora. Medicina de ponta 04. ANTES&DEPOIS 08. REPORTAGEM 22. MUSEU ABERTO 565 # 16.FEV.

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1 565 # 16.FEV.14 ESQUADRA » 15 HERÓIS DO AR DIRETOR JOSÉ LOURENÇO JORNAL DIÁRIO ANO LX V Nº ,60 FUNDADO EM 1946 TERCEIRA AÇORES 04. ANTES&DEPOIS Cais da Figueirinha 08. REPORTAGEM Medicina de ponta 22. MUSEU ABERTO Pistola de senhora

2 12 DIDOMINGO A ESQUADRA 751 PUMAS ALCAN- ÇOU, RECENTEMENTE, A MARCA DOS 3000 SALVAMENTOS. PARA ESSE NÚ- MERO CONTRIBUÍRAM LARGAMENTE AS MISSÕES QUE DECORRERAM NOS AÇORES COM O APOIO DO DESTACA- MENTO DA BASE AÉREA DAS LAJES. FOI COM UMA DESSAS TRIPULAÇÕES QUE DI ESTEVE À CONVERSA, PARA SABER DE QUE SÃO FEITOS OS SEUS DIAS E AS GLÓRIAS. Aos quilómetros quadrados de área dos Açores faltam, por vezes, auto-estradas que liguem todas as ilhas; a insularidade é coisa boa e bonita, mas nem sempre. No arquipélago faltam caminhos que juntem as ilhas mais pequenas, sem hospital, às ilhas maiores, onde se trata da saúde a quem precisa, onde se cuidam os casos mais complicados de cuidar. Na impossibilidade de fazer essa ligação pelo mar, nem sempre calmo, nem sempre penetrável e rápido, há que utilizar o que nos resta. Às vezes, para quem mora na Região, viajar pelo ar é a melhor e a única solução. Ir ao médico a outra ilha, de urgência, é comum por estes lados. Aqui toda a gente conhece ou já ouviu falar de alguém que saiu de helicóptero para ir ao hospital, como se de uma verdadeira ambulância se tratasse. E se acaso se ouvem os motores das aeronaves da Força Aérea Portuguesa, logo se adivinham as histórias e os destinos que lá vão dentro. Quem conhece essas peripécias de perto, claro, são os militares que diariamente acompanham os doentes açorianos que precisam de ser transportados. Todos os dias, durante 24 horas, estão em alerta. A qualquer momento pode esperar- -se uma missão nova, um caso diferente a que é

3 16.FEVEREIRO REPORTAGEM ORIANA BARCELOS // FOTOGRAFIA ANTÓNIO ARAÚJO. FORÇA AÉREA PORTUGUESA PUMAS HÁ 35 ANOS A SALVAR VIDAS

4 14 DIDOMINGO preciso acudir quase sem pestanejar. É a Esquadra 751 que se encarrega desse trabalho meritório, mas nem sempre fácil. Os Pumas, como também são conhecidos, pertencem à unidade da Base Aérea número seis, no Montijo, mas têm duas tripulações estacionadas na Base das Lajes. Quando é preciso andam em correria a salvar gente, a acorrer aos pedidos de ajuda que lhes chegam. E são muitos, de facto, à proporção da confiança que lhes é depositada e que decorre de 35 anos de experiência. Apesar de a Esquadra 751 ter nascido em 1978 e de contar, desde a década de 90, com um destacamento na Madeira, só desde 30 de novembro de 2005 passaram a estar ativas sob a responsabilidade da esquadra as tripulações na Base Aérea das Lajes, tão essenciais às evacuações sanitárias, mas também à execução de outras tarefas. Na verdade, para além do transporte de doentes, cabe também aos Pumas realizar missões de mobilidade e assalto, reconhecimento e apoio, operações de vigilância e fiscalização marítima e buscas e salvamentos à distância de 400 milhas náuticas ainda que já tenham sido requisitados para auxiliar outros países. Os Pumas, homens e mulheres, não têm mãos a medir, mas é por estes dois últimos elementos de missão que se destacam. Afinal, a região de salvamento atribuída a Portugal é a segunda maior do mundo, precedida apenas pelo Canadá. Notícias e reportagens sobre os feitos destes militares são, por isso, recorrentes. Quem não se lembra, por exemplo, de em 2011 ver os telejornais preenchidos com as peripécias do salvamento dos seis pescadores de Vila do Conde que se julgavam desaparecidos três dias depois de afundada a embarcação Virgem do Sameiro? Entretanto, recentemente, a esquadra alcançou a marca das 3000 vidas salvas e a verdade é que os números conseguidos nos Açores contribuíram largamente para essa meta. O salvamento 3001, recorde-se, foi feito aqui, ao largo do arquipélago, e por este destacamento: um passageiro inglês do navio de cruzeiro Boudicca sentiu-se mal e foi acudido pelos militares. Foi esse recorde que nos levou ao hangar da Base Aérea número quatro, onde está o EH-101 Merlin, ao encontro das tripulações. O piloto comandante, o tenente-coronel Ferreira, o mecânico, o cabo Gouveia, o co-piloto, Gonçalo Duarte, o recuperador salvador, Vítor Casimiro, e o operador de sistemas, Nelson Oliveira, tinham chegado há um dia quando conversámos. Acedem em contar-nos de que são feitos os seus dias e as suas glórias. As honras estão, aliás, bem visíveis numa pequena sala colada ao hangar. Ali ao lado está uma pequena parte daquilo que os Pumas chamam de troféus: coletes, t-shirts, luvas e bonés escrevinhados à mão e que são, na verdade, recordações dos salvamentos que realizaram em alto mar. Numa leitura rápida descodificam-se nomes e coordenadas, agradecimentos de quem viu a sua vida por fio, datas, desejos e cumprimentos. Na verdade, os militares não têm dúvidas em afirmar que a maioria - cerca de 60% - dos salvamentos feitos pela Esquadra 751 ocorreu nos Açores, o que está relacionado, acreditam, com o tipo de missões que aqui se fazem. Só nos últimos dois anos, os Pumas puderam acompanhar 329 evacuações sanitárias; os doentes transportados foram 355 e as horas de voo 657. Nós fazemos todos o mesmo. A diferença em termos de número de missões é que no continente existe o INEM e aqui não; nós desempenhamos a função deles. De resto, em termos de salvamentos, é exatamente a mesma coisa. Cumprimos aqui o que cumprimos lá, explica o tenente-coronel Ferreira. Aqui e lá fora, os salvamentos que se fazem, na maioria das vezes, em alto mar são quase sempre missões arriscadas, que dão histórias para contar. Nesses casos, no avião, segue toda a tripulação dois pilotos, um recuperador salvador, um operador de sistemas e um enfermeiro mas talvez sejam os homens que se penduram nos cabos, aqueles que se encarregam de pôr as vítimas em segurança nas aeronaves, os que mais aventuras têm para guardar na memória. Como Vítor Casimiro que, conta, até partiu um pé num salvamento ao largo das Flores. Todos os salvamentos que são feitos a 300 e tal milhas, principalmente para o lado das Flores, são marcantes. Nessa zona já parti um pé durante um salvamento. Fui e consegui trazer um indivíduo. Treinamos para isso e sabemos que isso pode acontecer. Não valia a pena eu voltar sozinho e não o trazer, porque ele tinha de sair de lá, recordou. Não são loucos, garantem. O lema que os guia, Para que outros vivam, não os faz esquecer a sua condição humana: têm noção do risco que correm, mas conhecem bem os seus limites. Se por acaso são tentados a ultrapassá-los, há sempre quem lhes refreie os ímpetos. São as vantagens de saber trabalhar em equipa, com gente que se conhece bem, com quem se treina muito. Temos consciência do risco. Se não tivéssemos seríamos malucos; os malucos é que não têm consciência do que estão a fazer. Às vezes temos que tomar decisões na hora, bem ou mal temos é que decidir. O pior que podemos fazer aqui atrás [no helicóptero] é não decidir nada. Apesar da maior parte das missões correr bem, há sempre coisas sobre as quais falamos, sobre o que devíamos ou não ter feito, aquilo que temos de corrigir. A famosa frase fomos todos, viemos todos, a missão foi um sucesso não é bem assim. Há sempre coisas que têm de ser melhoradas, avançou o operador de sistemas. Apesar da dificuldade do trabalho que cumprem, os Pumas assumem o desígnio de salvar vidas de peito aberto, seja qual for o desfecho da missão que executam. Afinal, nem sempre podem salvar-se todas as vidas e é importante aprender a lidar com isso. O tempo ajuda a pôr tudo no lugar, explicam-nos os militares. Com o tempo aprendemos a lidar com isso, a pôr essas situações para trás das costas e seguir em frente, porque a seguir vamos salvar outra vida. Foi para isso que fui treinado, foi isso que aprendi a fazer aqui no helicóptero. A minha função é essa. Sabemos que quando somos chamados para uma missão vai ser complicado. Não pomos isso de parte, mas também não olhamos isso com olhos de quem não vai conseguir. Por vezes até nos assustamos com as imagens que captamos, com aquilo que fazemos, porque no local não temos noção disso. Fazemos aquilo com tanta dedicação, sem pensar. Queremos é salvar a pessoa. É o normal, referiu Vítor Casimiro. Até parece fácil. Não são os Pumas quem dá por terminada uma missão, nomeadamente de busca, a não ser que a falta de combustível ou as mas condições atmosféricas impossibilitem a tarefa isso, aliás, nunca foi motivo para não concluir um trabalho, até porque os helicópteros, frisam, têm poucas limitações. A mudança dos velhinhos SA-330 Puma para os EH-101 Merlin trouxe ganhos de operação significativos. As máquinas, modernas e atualizadas, permitem voar até com maior autonomia e segurança. Sim, que os militares também sentem incerteza e risco, ainda que controlados. É sempre decisão da tripulação. Tudo depende de onde estamos e de como estão as condições no momento. Às vezes vamos para um aeroporto, o Ponta Delgada por exemplo, que acontece muitas vezes, porque não dá para entrar no heliporto. No aeroporto, regra geral, temos ajudas de rádio, o que não acontece no heliporto. Mas recusarmos uma missão por mau tempo não acontece, avançou o piloto, suportado pelo recuperador salvador: muitas vezes saímos nós porque outros meios não o conseguem fazer. Já a decisão de deixar a missão por outros motivos que não sejam as condições climatéricas ou a falta de combustível não lhes cabe. Regra geral a decisão de abortar alguma missão nunca é da tripulação, é sempre de um órgão superior a

5 16.FEVEREIRO nós. Nós, tripulação, somos meros operadores. Acima de nós há a chefia que toma as decisões que considera corretas e nós acarretamos, sublinhou o tenente-coronel Ferreira. Essas emoções que decorrem da obrigatoriedade de largar uma missão, de não ver concluída uma tarefa, com um desfecho feliz ou não, também têm de ser controladas. Não é, no entanto, a essas lembranças que os militares se apegam. Aqui salvam-se vidas, conforme se pode, e vai-se mais longe. De facto, mais do que salvar vidas nas ilhas, os elementos da Esquadra 751 veem-se muitas vezes a braços com a imperatividade de trazê-las ao mundo. Quantas vezes não aconteceu já os bebés nascerem em pleno voo ou mesmo gémeos nasceram em ilhas diferentes? Nesses casos, nos documentos relativos aos nascimentos, em vez do nome do hospital aparecem as coordenadas do lugar onde os bebés vieram ao mundo. Às vezes, no BI, estão também os nomes das aeronaves que os viram nascer. Há, enfim, uma relação próxima, nos Açores, com os Pumas e eles reconhecem isso. Nas ilhas as pessoas estão ligadas à nossa operação, mesmo que indiretamente; ou conhecem alguém que foi auxiliado ou ajudaram a auxiliar alguém, considera Gonçalo Duarte. Aqui, dizem, o trabalho é mais visível e, se calhar por isso, as pessoas são mais gratas. Os militares permanecem na base, agora, por duas semanas. Após os 15 dias chegam novos homens e mulheres que ocupam as suas funções, mantêm-se atentos aos sinais de alarme que podem vir da Unidade de Evacuações Aéreas, do Centro Coordenador de Busca e Salvamento Aéreo das Lajes ou do Centro Coordenador de Busca e Salvamento Marítimo de Ponta Delgada. Depois têm 45 minutos para estar no ar. Quando não há missões a cumprir, os elementos do destacamento aproveitam para estudar, tratar de papelada e treinar. Na teoria, dizem-nos, não podem estar mais de um mês no chão. Na nossa terminologia dizemos que passámos a preto. Não podemos estar mais de 30 dias sem voar. Ao fim desse período temos que voar, mas com instrutor. Em teoria, basta fazer um voo de treino de 30 em 30 dias, mas isso não é bom. Noto que se ficar uma semana sem voar os gestos já me custam; uma pessoa fica presa. Quase toda a gente com quem falo sofre do mesmo problema. O ideal seria voar pelo menos uma, duas vezes por semana para manter sempre o ritmo. Temos de estar sempre a praticar, sublinha Nelson Oliveira. O trabalho e as missões nunca acabam e é esse empenho que tem trazido reconhecimento à Esquadra 751. Nos Açores a missão é e vai continuar a ser indispensável. Aqui, os militares assumem os comandos das ambulâncias que voam entre as ilhas e lançam-se ao mar para acudir quem precisa. Para que outros vivam vale quase tudo.