ANÁLISE DAS ATIVIDADES DE LEITURA EM UM LIVRO DIDÁTICO DA ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
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1 ANÁLISE DAS ATIVIDADES DE LEITURA EM UM LIVRO DIDÁTICO DA ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ANA PAULA CAMPOS CAVALCANTI SOARES Faculdade de Letras /Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 Pampulha Belo Horizonte MG Brasil anapcsoares@ufmg.br Resumo. Este artigo é resultado da análise de um dos Livros Didáticos indicados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLA) 2010, no que se refere às atividades de leitura. Desta forma, nosso trabalho pretendeu analisar um livro didático indicado pelo PNLA e identificar como o ensino de leitura está sendo proposto. Concluímos que a obra analisada prioriza atividades que pouco exploram as diversas estratégias de leitura. Palavras-chave. Leitura. Livro Didático. Alfabetização de Jovens e Adultos. Abstract. This article is the result of an analysis of the textbooks listed by National Textbook Program (PNLA) IN 2010, when it comes to reading activities. Thus, our study intended to analyze a textbook indicated by the PNLA and identify how the teaching of reading is being proposed. We conclude that the work just analyzed prioritizes activities that explore the various reading strategies. Keyword. Reading. Textbook. Youth and Adult Literacy. 1. Conceitos, concepções e modelos de leitura Um conceito amplo de leitura, segundo Dell Isola (2005) pode ser tomado a partir da origem da palavra ler em latim que significa legere, isto é, colher, recolher, escolher, ajuntar, reunir. O ato de ler está relacionado ao fato do indivíduo, diante do impresso, vê o que está escrito, atribui significado às palavras ou frases e aciona um processo ativo de interação com o texto que lê (DELL ISOLA, 2005, p. 63). Então, durante a leitura, o indivíduo colhe, recolhe, escolhe, ajunta as ideias e os conhecimentos são reunidos à medida que a leitura vai fluindo. Soares (1998) define leitura como um conjunto de habilidades linguísticas e psicológicas, que se estendem desde a habilidade de decodificar palavras escritas até a capacidade de compreender textos escritos. Cagliari (1989, p. 155) conceitua a leitura como toda a manifestação linguística que uma pessoa realiza para recuperar um pensamento formulado por outra e colocado em forma escrita (Cagliari, 1999, p. 155). 1
2 Para Cagliari (1999), a leitura seria o aspecto mais importante da alfabetização, sendo a escrita apenas uma decorrência do processo da aquisição da língua materna. Concordamos com Cagliari que aprender a ler não é entender, uma vez que a compreensão do conteúdo de um texto depende fundamentalmente do conhecimento geral da língua, portanto, ler em uma primeira abordagem é decifrar e transformar o que está escrito em material da linguagem oral e, somente depois disso, a compreensão de um texto se processa. (CAGLIARI,1999, p.134). Ao ler o que está escrito, o alfabetizando descobre o significado não apenas dos sons. Os sons seriam o ponto de partida e as palavras, o ponto de chegada na decifração. A leitura do texto representa uma dificuldade maior, uma vez que retoma outros tipos de significados ligados à estrutura do discurso. (CAGLIARI,1999). A respeito destas duas facetas da leitura: a decodificação e a construção de sentido, Cafiero (2005) considera que essas seriam duas grandes etapas da dimensão cognitiva da leitura que o leitor vivencia. Nessas duas etapas, o leitor precisa realizar uma série de operações como perceber, memorizar, analisar, inferir, relacionar, avaliar, entre outras (CAFIERO, 2005, p. 30). A decodificação, a primeira grande etapa percorrida pelo leitor, refere-se ao momento inicial da leitura, no qual é executado, prioritariamente, o reconhecimento de palavras e o processamento sintático. Isto é, o leitor precisa juntar letras para formar sílabas, as sílabas em palavras e as palavras em frases. À medida que vai processando as informações, o leitor as armazena em sua memória (é uma memória temporária, ou memória de trabalho), para que possa ir organizando as informações em unidades cada vez maiores (CAFIERO, 2005, p. 31). Entender que a leitura é um processo cognitivo de construção de sentidos, para Cafiero (2005), significa dizer que: quando alguém lê um texto, não está apenas realizando uma tradução literal daquilo que o autor do texto quer significar, mas que está produzindo sentidos, em um contexto concreto de comunicação, a partir do material escrito que o autor fornece. Nesse processo, o leitor busca no texto um ponto de partida, um conjunto de instruções, relaciona essas instruções com as informações que já fazem parte de seu conhecimento, com o que já aprendeu em outras situações, produzindo sentidos ou construindo coerência para o texto (CAFIERO, 2005, p. 17). Há um consenso entre os especialistas, atualmente, de que o processamento do ato de ler acontece de forma interativa. Entretanto, segundo Oliveira (1992, apud Dell Isola, 2005), alguns pesquisadores interpretam o termo como sendo a relação entre informações fornecidas pelo texto (bottom-up ou ascendente) e o conhecimento prévio do leitor (top-down ou descendente); outros pesquisadores entendem por interativo o uso simultâneo de diversos tipos de conhecimento para, ao mesmo tempo, decodificar e interpretar textos. 2
3 2. Análise do Livro Didático Vida Nova: Alfabetização de Jovens e Adultos (Livro do Alfabetizando) Inicialmente, justificamos que nossa escolha pela análise do Livro Didático Vida Nova: Alfabetização de Jovens e Adultos se deu porque esta obra foi indicada pelo Guia do PNLA 1 (2010) e, consequentemente, foi amplamente adotada por diversas instituições, como a Prefeitura de Belo Horizonte e o Programa Cidadão Nota O livro analisado está divido em duas partes distintas: uma referente ao trabalho com Língua Portuguesa e outra com Matemática. Realizamos a análise das atividades de leitura na parte referente à Língua Portuguesa, constituída de 178 páginas. Em Língua Portuguesa, o livro traz diversos textos que estimulam reflexões sobre temas sociais importantes para a vida adulta, tais como: o povo brasileiro, o trabalho, a família, a amizade, a inclusão social, o meio ambiente, a moradia, os povos indígenas, a mulher na sociedade (BRASIL, 2010). O Livro do Alfabetizando, está organizado por lições que são introduzidas por pequenos textos que destacam uma palavra-chave apresentada para contextualizar o estudo do sistema de escrita. O objetivo dessa organização metodológica é apresentar os grupos silábicos, sistematizados em atividades que levam os alfabetizandos a ler e escrever novas palavras (BRASIL, 2010, p. 57). O livro conta, também com diversas seções: Tanto Textos, que apresentam as leituras dos gêneros textuais; Sua Opinião é Importante, com perguntas para discussão; Produção, com propostas de escrita de textos; e Fique por dentro, em que são apresentadas curiosidades e realizados alguns alertas sobre temas da atualidade e proposta a discussão de assuntos focalizados nas unidades. De um modo geral, o livro apresenta uma boa qualidade editorial-gráfica com espaços adequados para o registro das respostas das atividades pelo alfabetizando e letras em tamanho adequado. Ademais, as ilustrações são bem distribuídas nas páginas e enriquecem a leitura dos textos. Para a análise das atividades de leitura da obra, nos baseamos em alguns critérios utilizados pelo PNLA. No gráfico a seguir é possível verificar quantas vezes as estratégias de leitura apareceram: 1 Programa Nacional do Livro Didático: Alfabetização de Jovens e Adultos. O Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA) foi criado pela Resolução nº 18, de 24 de abril de 2007, para distribuição, a título de doação, de obras didáticas às entidades parceiras, com vistas à alfabetização e à escolarização de pessoas com idade de 15 anos ou mais. Fonte: 2 Programa vinculado ao Brasil Alfabetizado e Programa Fome Zero 3
4 Figura 1 Distribuição das atividades de leitura no Livro Didático Este livro apresenta um material textual que contempla assuntos diversos e uma variedade de gêneros presentes nas situações do dia a dia, incluindo-se: trecho de canção (p.59), quadrinhas (p.67), poema (p. 72), convite de casamento (p.79), classificados (p. 92), anúncios (P. 93), cheque (P.95), bilhete (P.102 e 103), tirinha (p. 111), resumo de filme (p. 113), carta (p. 115), trava-língua (pg. 120), texto didático (p.123), gráfico (p.130), trecho de lei (p.138), cartaz (p.153), trecho de reportagem (p.154), piada (p.161), trecho de poema (p.165), texto científico (p.171). As atividades de leitura são apresentadas em várias seções que se organizam da seguinte forma: Tantos Textos, que apresenta textos mais longos sobre a temática da unidade, seguidos de questões de compreensão; Leitura Ouvida, para o trabalho de leitura de pequenos textos, de assuntos variados, para serem lidos pelo alfabetizador; Fique por dentro, que apresenta textos complementares que enriquecem a discussão sobre os temas focalizados nas unidades; Para se divertir, que traz uma tirinha que focaliza temas bem humorados para ser lida pelo alfabetizando ou pelo alfabetizador. Em nossa análise, consideramos atividades de leitura aquelas em que as autoras orientam explicitamente o aprendiz a ler. As atividades em que o comando era Veja e nos textos presentes nas seções Dicas, Fique por Dentro e Para se divertir (p.101) nas quais não há o comando para o aluno ler, não contabilizamos como textos orientados para a leitura pelo alfabetizando, pressupondo que a leitura dessas seções podem ser lidas tanto pelo aluno, como pelo professor. O primeiro quesito analisado Favorecer situações de leitura em palavras estáveis foi o que representou maior recorrência no livro em análise. Destaca-se que a maioria das atividades que envolvia a leitura de palavras estáveis, solicitava a formação de palavras a partir de sílabas. Na página 106, localizamos um exemplo de atividade envolvendo o primeiro critério analisado em que os alunos deveriam ler um repertório de palavras. Destacamos como sendo um dos poucos exercícios em que a leitura de palavras é realizada sem o propósito de formação de outras palavras. Até a página 66, o segundo critério analisado Favorecer a leitura de sentenças e textos curtos o livro didático apenas oportunizava a leitura de sentenças. Finalmente, 4
5 a partir da página 67, o livro didático segue propondo leitura de textos curtos de diversos gêneros textuais. As atividades referentes à localização de informações explícitas recorrentemente partiam de um pequeno texto introdutório das lições, a partir do qual os alunos teriam que localizar uma determinada palavra-chave do texto. Nas páginas 80 e 95 as autoras apresentam atividades de localização de informações explícitas, explorando, de forma mais minuciosa, o texto. Neste caso, os alunos teriam que localizar diversas informações em um contrato de locação, como quem é o locador, o prazo de locação, quem é o fiador, entre outros. No tocante, as inferências, tal estratégia foi pouco trabalhada na obra, totalizando, quatro ocorrências. Para analisar esta estratégia de leitura no LD em questão, consideramos a definição dada por Coscarelli (2003): Inferências são operações cognitivas que o leitor realiza para construir proposições novas a partir de informações que ele encontrou no texto. Essas operações ocorrem quando o leitor relaciona as palavras, organizando redes conceituais no interior do texto, mas também quando busca informações em suas experiências para com elas recuperar os elementos faltosos no texto (COSCARELLI, 2003, P. 31). Sendo assim, destacamos a leitura de uma tirinha na primeira questão da página 111 como uma interessante atividade que explora a inferência. Neste caso, os alunos, para responderem corretamente a questão: O que deu humor a essa tirinha, teriam que não só ler a tirinha, bem como deveriam analisar atentamente os desenhos, identificando detalhes da vestimenta dos personagens para concluírem o que causa humor naquele texto. Além disso, eles teriam de mobilizar seus conhecimentos prévios a respeito dos diferentes significados da palavra salto. Na página 126, aparece a primeira atividade em que se exploram os diferentes significados das palavras no texto. Diferentemente das lições anteriores nas quais só se pedia a localização de uma determinada palavra-chave no texto na lição Tempo é apresentado um trava-língua em que os alunos deveriam identificar o significado da palavra tempo no texto em questão. Apesar da diversidade de gêneros textuais apresentados na obra, o trabalho com as diversas estratégias de leitura é insuficiente. A exemplo disso, observamos a primeira questão da página 152, na qual o aluno deveria ler uma tirinha da turma da Mônica simplesmente para copiar palavras que continham a letra G. A tirinha seria um ótimo exemplo para trabalhar inferências textuais e apreensão do sentido global do texto. No entanto, as autoras contentaram-se na exploração única e exclusiva da ortografia. O mesmo ocorre na página 161, em que os alunos deveriam ler uma piada e o livro utiliza o texto como pretexto para explorar pontuação. A pontuação poderia ser explorada utilizando-se deste texto, entretanto, o LD poderia trabalhar melhor algumas estratégias de leitura, sobretudo a inferência de informações e os conhecimentos prévios tão necessários para a compreensão do gênero piada. 5
6 Conclui-se que as situações de leitura na obra eram acompanhadas de questões para reflexão que contribuem para a formação do leitor, pois auxiliam no desenvolvimento de capacidades importantes, como: a localização de informações no texto; a compreensão de palavras e expressões desconhecidas; o estabelecimento de relações entre o assunto tratado no texto e o levantamento da vivência dos alfabetizandos. Entretanto, por priorizar, no processo de alfabetização, as atividades de aquisição do sistema de escrita (referente aos critérios Favorecer situações de leitura de palavras estáveis e Favorecer a leitura de sentenças e textos curtos), alguns temas e gêneros textuais são pouco explorados na obra. Não se observam, por exemplo, atividades que levem o alfabetizando a fazer relações entre os textos lidos; a deduzir informações implícitas nos textos; a compreender o texto de forma global, identificando seu assunto principal; a estabelecer relações entre a escrita e a ilustração. Além disso, não se observam situações que possibilitem ao alfabetizando observar outros aspectos importantes para a compreensão e para o uso que fazemos do texto nas situações cotidianas, tais como identificar: os objetivos do texto (para que ele serve?); o leitor a quem o texto se dirige (para quem ele foi escrito?); onde costumamos encontrar esses textos (nas lojas, nos ônibus, nos hospitais, nas revistas, nos jornais, nos livros? etc.); o tipo de linguagem em que ele foi escrito (se mais ou menos formal, se mais objetiva ou mais extensa e explicativa) etc. (PNLA, 2010). Referências BRASIL, Ministério da Educação. Guia do PNLA 2010: Língua Portuguesa e Matemática - Ministério da Educação. Brasília: Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, pnla-2010 CAFIEIRO, Delaine. Leitura como processo: caderno do formador. Belo Horizonte: Ceale/FaE/UFMG, CAGLIARI, Luiz. Carlos. Alfabetização e linguística. São Paulo: Scipione, CAGLIARI, Luiz. Carlos. O que é preciso para saber ler. In: MASSINI- CAGLIARI, Gladis & CAGLIARI, Luiz Carlos. Diante das letras: a escrita na alfabetização. São Paulo: Fapesp, COSCARELLI, Carla. Vianna. Inferência: Afinal o que é isso? Belo Horizonte: FALE/UFMG. Maio, DELL ISOLA, Regina Lúcia Péret. O sentido das palavras na interação texto leitor. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, KATO, Mary. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, MASSINI-CAGLIARI, Gladis e CAGLIARI, Luiz. Carlos. Diante das letras: a escrita na alfabetização. São Paulo: Fapesp,
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