TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO Nº / CLASSE CNJ COMARCA DE RONDONÓPOLIS RELATOR: DES

Transcrição

1 AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚBLICO REU(S): MILTONGOMES DA COSTA MARCELO MECENA LEITE BRITO DOS SANTOS JOSÉ CARLOS JUNQUEIRA DE ARAÚJO GERSON ARAUJO DE OLIVEIRA Número do Protocolo: /2015 Data de Julgamento: 1º E M E N T A DENÚNCIA CRIMES CONTRA O PROCEDIMENTO LICITATÓRIO PREFEITO MUNICIPAL E SECRETÁRIOS MUNICIPAIS PRORROGAÇÃO CONTRATUAL SEM AUTORIZAÇÃO DE LEI OU EM CONTRATO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP PRESENÇA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS ACERCA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA NATUREZA CONTÍNUA DOS SERVIÇOS PRESTADOS NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA LIÇÃO DOUTRINÁRIA AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO QUE DEVE SER AFERIDA NO DECORRER DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL DECISÃO DO TJPR HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 395 DO CPP NÃO VERIFICADAS RECEBIMENTO QUE SE IMPÕE ARESTO DO STF DENÚNCIA RECEBIDA. A materialidade está consubstanciada nos termos de Contrato e respectivos aditivos, dos quais, em leitura inicial, extrai-se que as sucessivas prorrogações ultrapassaram um exercício financeiro e tiveram aporte de Fl. 1 de 11

2 mais de 25% (vinte e cinco) por cento do valor original, sobretudo no terceiro e quinto termos aditivos, a justificar instrução probatória. A aferição da natureza contínua dos serviços contratados, bem como dos eventuais prejuízos que sua interrupção acarretaria à Administração, demandam a respectiva instrução processual para apurar a exata prestação dos serviços durante os 15 (quinze) meses de vigência do contrato. A ausência de elemento subjetivo na conduta deve ser aferida no decorrer da instrução processual, quando da análise pormenorizada do conjunto probatório. Se formalmente perfeita a denúncia que imputa ao acusado fato que, em tese, constitui crime, impõe-se o recebimento da peça acusatória, sobretudo quando alegações contidas na defesa preliminar não são suficientes para afastar a acusação. Fl. 2 de 11

3 AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚBLICO REU(S): MILTONGOMES DA COSTA MARCELO MECENA LEITE BRITO DOS SANTOS JOSÉ CARLOS JUNQUEIRA DE ARAÚJO GERSON ARAUJO DE OLIVEIRA PREGÃO O Sr. Desembargador Paulo da Cunha (Presidente). Determina à Sra. Oficiala de Justiça que proceda à execução do pregão. EXECUÇÃO DO PREGÃO A Sra. Samia Akil Ghattas. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO Egrégia Turma: Ação penal movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL em face de JOSÉ CARLOS JUNQUEIRA ARAUJO, Prefeito Municipal, MILTON GOMES DA COSTA e GERSON ARAÚJO DE OLIVEIRA por, em tese, admitirem prorrogação contratual, em favor de adjudicatário, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, em concurso de agentes art. 92, caput, da Lei nº 8.666/93 c/c art. 29 do CP - e MARCELO MECENA LEITE BRITO DOS SANTOS, por, hipótese, ter obtido vantagem indevida ou se beneficiado, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais - art. 92, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93 -, com rol de testemunhas (fls. 2/10) e documentos em processo apenso (SIMP nº /2013). MILTON GOMES DA COSTA, MARCELO MECENA LEITE BRITO DOS SANTOS e GERSON ARAÚJO DE OLIVEIRA, nas respectivas respostas a acusação, sustentam ausência de justa causa por inexistência de dolo específico e Fl. 3 de 11

4 comprovação de dano ao erário. Requerem a rejeição a peça inicial (fls. 27/34-TJ, 52/61-TJ e 245/251-TJ). JOSÉ CARLOS JUNQUEIRA ARAUJO suscita excludente de ilicitude por exercício regular de direito sob o argumento de que observou a legislação vigente, as prorrogações foram submetidas à analise da Procuradoria do Município e motivadas por fatos supervenientes [...] para atender as demandas e necessidades dos cidadãos rondonopolitanos. Requer a rejeição da denúncia (fls. 64/90-TJ). É o relatório. P A R E C E R (ORAL) O SR. DR. DOMINGOS SÁVIO DE BARROS ARRUDA Ratifico o parecer escrito. V O T O EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO (RELATOR) Egrégia Turma: Consta da denúncia que: JOSÉ CARLOS JUNQUEIRA DE ARAÚJO (Deputado Estadual), valendo-se do cargo de Prefeito do município de Rondonópolis, cometeu o ilícito insculpido no artigo 92, "caput", da Lei n 8.666/93, por ter admitido, possibilitado e dado causa a vantagem e prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução de contrato celebrado com o Poder Público do referido ente federativo, sem autorização em lei, por SETE vezes. Extrai-se dos autos que o denunciado MILTON GOMES DA COSTA, por TRÊS vezes, quando ocupou o cargo de Secretário Municipal de Fl. 4 de 11

5 Governo, e o denunciado GERSON ARAÚJO DE OLIVEIRA, por QUATRO vezes quando ocupou o cargo de Secretário Municipal de Governo, aderiram à conduta criminosa do referido Parlamentar de forma voluntária e consciente, motivo pelo qual incorreram na mesma conduta típica. Por sua vez, o sócio proprietário da empresa BRITO DOS SANTOS & KOBERSTEIN LTDA, MARCELO MECENA LEITE BRITO DOS SANTOS, por ter comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade e r se beneficiado, injustamente, das prorrogações contratuais, por SETE vezes, incorreu no único do artigo 92, da Lei n 8.666/93. Segundo consta, JOSÉ CARLOS JUNQUEIRA DE ARAÚJO, na condição de Prefeito do município de Rondonópolis, promoveu a licitação na modalidade Tomada de Preços n 09/2009, para contratação de empresa para "a prestação de serviços de Jornalismos e Estudo, Planejamento, Criação, Produção, Distribuição, Veiculação e Controle dos serviços de Divulgação e Publicidade dos Programas e Campanhas Institucionais e de Utilidade Pública". Sagrou-se vencedora do certame a pessoa jurídica BRITO DOS SANTOS & KOBERSTEIN LTDA. Sendo assim, em 27/11/2009, houve a assinatura do Contrato n 8332/2009 por JOSÉ CARLOS JUNQUEIRA DE ARAÚJO, na condição de Prefeito, por MILTON GOMES DA COSTA, como Secretário Municipal de Governo, e MARCELO MECENA LEITE BRITO DOS SANTOS, como representante da empresa BRITO DOS SANTOS & KOBERSTEIN LTDA, pelo período de 27/11/2009 a 27/04/2010 (5 meses), ao custo estimado de R$ ,00 (seiscentos mil reais) (fls. 40/51). [...] A estimativa inicial da contratação foi de R$ ,00 (seiscentos mil reais), todavia, após os sucessivos aditivos, o valor total pago em proveito da empresa BRITO DOS SANTOS & KOBERSTEIN LTDA, administrada por MARCELO MECENA LEITE BRITO DOS Fl. 5 de 11

6 SANTOS, somou o importe de R$ ,27 (quatro milhões, quatrocentos e noventa e seite mil, seiscentos e sessenta e três reais e vinte e sete centavos). Salienta-se, também, que o vínculo contratual entre a pessoa jurídica de direito público interno e a mencionada empresa manteve-se por mais de dois anos, afrontando a norma insculpida no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal. Destaca-se que, para a dilação do contrato não houve qualquer justificativa subsistente, razão pela qual, os denunciados violaram a regra estatuída no artigo 57, 1º, da Lei n 8.666/933. [...] Na mesma linha, anota-se que, o contrato originário teve um acréscimo de mais de 600% (seiscentos por cento), sem ao menos caracterizar serviço de natureza contínua, porquanto gastos com publicidade, não se encaixam na hipótese do artigo 57, inciso II, da Lei n 8.666/93. [...] Por fim, examinando as informações de fls. 484/504, comprova-se que os serviços de publicidade prestados pela pessoa jurídica BRITO DOS SANTOS & KOBERSTEIN LTDA, não se encaixam no quadro duração continuada. [...] Em face do exposto, comprovadas a autoria e a materialidade, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, oferece denúncia em face de JOSÉ CARLOS JUNQUEIRA DE ARAÚJO, como incursos nas penas do artigo 92 "caput" da Lei n 8.666/93 c/c art. 29 do Código Penal, por sete vezes, MILTON GOMES DA COSTA, como incursos nas penas do artigo 92 "caput" da Lei n 8.666/93 c/c art. 29 do Código Penal, por três vezes, GERSON ARAÚJO DE OLIVEIRA, como incursos nas penas do artigo 92 "caput" da Lei n 8.666/93 c/c art. 29 do Código Penal, por quatro vezes, e MARCELO MECENA LEITE BRITO DOS SANTOS, como incurso nas penas do artigo 92, único, da Lei n Fl. 6 de 11

7 8.666/93, por sete vezes. (Antônio Sergio Cordeiro Piedade, promotor de Justiça coordenador do NACO, fls. 2/10) A inicial acusatória contém a exposição do fato criminoso [admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem em favor do adjudicatário, inclusive prorrogação contratual, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais], com todas suas circunstâncias e preenche os demais requisitos do art. 41 do CPP, ao qualificar os agentes públicos e individualizar suas condutas, as quais encontram-se previstas no art. 92, caput e parágrafo único, da Lei nº 8.666/903, in verbis: Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei: Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais. A materialidade está consubstanciada nos seguintes documentos: a) Termo de Contrato nº 8332/2009, cujo objeto consiste na prestação de serviços de jornalismo e estudo, planejamento, criação, produção, distribuição, veiculação e controle dos serviços de divulgação e publicidade dos programas e campanhas institucionais e de utilidade pública, dentro da linha de ação e atividades da Administração Pública, incluindo serviços para organização de eventos, tanto internos quanto externos, para atender a prefeitura municipal de Rondonópolis, de acordo com as diretrizes administrativas e gerenciais, sempre sob a orientação e Fl. 7 de 11

8 aprovação da secretaria de governo, através da assessoria de comunicação social e imprensa (fls. 35/46, autos apenso); b) Primeiro Termo Aditivo que prorrogou o prazo para o período de 28/04/2010 a 28/09/2010 (fls. 47/48, autos apenso); c) Segundo Termo Aditivo que acrescentou o valor de R$ ,00 (cento e cinquenta mil reais) ao contrato prorrogado (fls. 49/50, autos apenso); d) Terceiro Termo Aditivo que prorrogou o prazo para o período de 29/09/2010 a 29/11/2010 e aumentou o valor para ,00 (setecentos e cinquenta mil reais), de acordo com parecer jurídico nº 674/2010 (fls. 51/52, autos apenso); e) Quarto Termo Aditivo que prorrogou o prazo para o período de 30/11/2010 a 30/04/2011 (fls. 53/54, autos apenso); f) Quinto Termo Aditivo que acrescentou o valor de R$ ,00 (seiscentos mil reais) ao contrato prorrogado (fls. 55/56, autos apenso); g) Sexto Termo Aditivo que prorrogou o prazo para o período de 01/05/2011 a 31/07/2011 (fls. 57/58, autos apensos). A duração dos contratos regidos pela Lei nº 8.666/93 devem coincidir com a vigência dos créditos orçamentários (Lei nº 8.666/963, art. 57, caput). Da leitura inicial dos termos aditivos extrai-se que as sucessivas prorrogações ultrapassaram um exercício financeiro e tiveram aporte de mais de 25% (vinte e cinco) por cento do valor original, sobretudo no terceiro e quinto termos aditivos, a justificar instrução probatória. Os contratos de prestação de serviço a serem executados de forma contínua podem ser prorrogados por até 60 (sessenta) meses (Lei nº 8.666/93, art. 57, II). Todavia, a aferição da natureza contínua dos serviços contratados, bem como dos eventuais prejuízos que sua interrupção acarretaria à Administração, demandam a respectiva instrução processual para apurar a exata prestação dos serviços durante os 15 (quinze) meses de vigência do contrato. Fl. 8 de 11

9 Segundo ensinamento de Marçal Justen Filho: a continuidade do serviço retrata, na verdade, a permanência da necessidade pública a ser satisfeita. Ou seja, o dispositivo abrange os serviços destinados a atender necessidades públicas permanentes, cujo atendimento não exaure prestação semelhante no futuro. (Comentários à Lei de Licitações e contratos administrativos, 11 ed. São Paulo: dialética, p. 504) Quanto à ausência de elemento subjetivo na conduta, argumento da defesa, deve ser aferida no decorrer da instrução processual, quando da análise pormenorizada do conjunto probatório. Isso porque, nesta fase de prelibação, não cabe análise do mérito da causa [...] questões que demandem instrução probatória devem necessariamente ser apreciadas e decididas após regular instrução, durante o processo penal, sob o crivo do devido processo legal, compreendendo o contraditório e a ampla defesa (TJPR Denúncia Crime nº Relator Des. João Kopytowski ). Nesse quadro, não se verifica quaisquer das hipóteses de rejeição da denúncia, previstas no art. 395, I, II e III do CPP. Se formalmente perfeita a denúncia que imputa ao acusado fato que, em tese, constitui crime, impõe-se o recebimento da peça acusatória, sobretudo quando alegações contidas na defesa preliminar não são suficientes para afastar a acusação. Adota-se aresto do c. STF: DENÚNCIA - RECEBIMENTO - PREMISSAS. Para o recebimento da denúncia, basta que da narração dos fatos decorra conclusão sobre a existência do crime e indícios, simples indícios, da autoria, presentes as condições da ação, não incidindo a prescrição. (Inquérito nº 2052/AM - Relator Min. Marco Aurélio ) Com essas considerações, RECEBE-SE a denúncia ofertada em Fl. 9 de 11

10 face de JOSÉ CARLOS JUNQUEIRA DE ARAÚJO, MILTON GOMES DA COSTA e GERSON ARAUJO DE OLIVEIRA por admitirem, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, em concurso de agentes - art. 92, caput, da Lei nº 8.666/93 c/c art. 29 do CP -; e MARCELO MECENA LEITE BRITO DOS SANTOS por concorrer para a consumação da ilegalidade, obter vantagem indevida ou se beneficiar, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais art. 92, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93. Citem-se os denunciados para apresentarem defesa prévia, querendo, no prazo de 5 (cinco) dias, indicando as provas que pretendem produzir e eventuais testemunhas a serem inquiridas. Registre-se que, não obstante o disposto no art. 7º da Lei 8.038/90, o interrogatório deve ser realizado ao final da instrução processual, nos termos do art. 400 do CPP, alterado pela Lei /2008, por ser mais benéfico à Defesa (STF, Ap. 528/DF Relator: Min. Ricardo Lewandowski ). É como voto. Fl. 10 de 11

11 A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. PAULO DA CUNHA, por meio da Turma Julgadora, composta pelo DES. MARCOS MACHADO (Relator), DES. PEDRO SAKAMOTO (1º Vogal), DES. RONDON BASSIL DOWER FILHO (2º Vogal), DES. GILBERTO GIRALDELLI (3º Vogal), DES. PAULO DA CUNHA (4º Vogal), DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA (5º Vogal) e DES. LUIZ FERREIRA DA SILVA (6º Vogal) proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, RECEBEU A DENÚNCIA, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. Cuiabá, 1º de junho de DESEMBARGADOR MARCOS MACHADO - RELATOR Fl. 11 de 11