Da Piracema ao Timbó: A pesca feita pelos colonizadores portugueses na América portuguesa do século XVI.
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- Alessandra Graça Vilaverde
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1 Da Piracema ao Timbó: A pesca feita pelos colonizadores portugueses na América portuguesa do século XVI. Gisele Cristina da Conceição Universidade Estadual de Maringá Christian Fausto Moraes dos Santos Universidade Estadual de Maringá Introdução Julianna Morcelli Oliveros Universidade Estadual de Maringá Fabiano Bracht Universidade Estadual de Maringá No processo de fixação de grupamentos humanos, a escolha da faixa litorânea pode ter sido considerada estratégica pelos colonizadores, e a observação das técnicas indígenas de caça, pesca e coleta da fauna litorânea deve, sem dúvida, ter pesado nas ponderações dos colonizadores. As lições aprendidas com os nativos não se limitavam à elaborada taxonomia criada por estes. Afinal, juntamente com a nomeação, vinha à descrição de tudo que uma espécie poderia oferecer em termos de perigo, utilidade ou sabor. Denominado por Claude Lévi- Strauss de bricolage, estes saberes constituiriam uma espécie de ciência primeira (LÉVI- STRAUSS, 2008) que fora, ao longo da história evolutiva do homem, desenvolvida e adaptada a cada ambiente. O conhecimento do indígena estava relacionado a tudo que circundava seu cotidiano. Associado ao trabalho de reconhecimento da fauna, estava o de inventariar os saberes detidos pelos povos nativos no que se referia à biota da América portuguesa, bem como das tecnologias, técnicas de caça e beneficiamento referentes àquele meio. O conhecimento relativo ao ambiente detido pelos povos nativos da América e as técnicas desenvolvidas por estes para auxiliar em suas tarefas cotidianas, podem ser verificados no sistema de localização descrito por André Thevet. A descrição desta técnica possibilita, ainda, observarmos uma conjugação de saberes, quando o frei mescla pontos de referência indígenas e europeu para
2 rastrear o habitat de alguns jacarés que [...] os nativos dizem que há um pântano de 5 léguas de circuito, defronte a Pernomeri, a 10 graus da Equinocial, para o lado da Terra dos Canibais, onde vivem jacarés [...] (THEVET, 1978, p. 112). Referências como defronte o Pernomeri ou para o lado da Terra dos Canibais são, claramente de origem indígena. Já, coordenadas como 5 léguas de circuito ou 10 graus da Equinocial tem origem no sistema de localização europeu. Descrições de ciclos reprodutivos também tinham sua importância estratégica, pois, consequentemente, consistiam em períodos de abundância alimentar. No caso dos peixes, a nomeação era, claramente, de origem indígena, afinal, os índios nativos da América chamavam de [...] piracema a este tempo de desova [...] (STADEN, 1999, p. 125), afirmava o arcabuzeiro alemão Hans Staden. Para o jesuíta José de Anchieta, a multiplicação dos peixes, durante a piracema, deve ter sido um fenômeno de proporções bíblicas, pois, [...] assim, este tempo é esperado com avidez, como alívio da passada carestia: a isto chamam os Índios pircema, isto é a saída dos peixes [...] (ANCHIETA, 1988, p ). O conhecimento dos povos autóctones do Novo Mundo pode ter sido primordial para aqueles homens no início de seu estabelecimento na colônia. Afinal, era preciso apreender todos os meios disponíveis para se empreender o processo colonizatório. As descrições feitas por Anchieta e Staden do fenômeno denominado pelos indígenas como piracema, que significa saída de peixe, é conhecido, ainda hoje, como um período de extrema importância para o ciclo reprodutivo de algumas espécies e alimentar de outras. Afinal, este é um período em que milhares (às vezes milhões) de fêmeas ovadas adotam um comportamento gregário, o que facilita sua captura, principalmente por predadores como o homem (FREITAS; REIS; APEL, 2010). Não é difícil pensarmos a oportunidade em que tal fenômeno se traduzia para colonizadores ocupados em tarefas diárias exaustivas. Se deparar, um belo dia, com tantos peixes que varas de pesca se tornavam desnecessárias e rios pareciam não comportar tamanha abundancia remetia, por alguns meses, ao paraíso descrito por Caminha. O fenômeno da piracema, que é observado em algumas espécies de peixes nativas da América do Sul (FREITAS; REIS; APEL, 2010), certamente possibilitava, mesmo que por um curto período do ano (geralmente ocorre no início da estação das cheias), uma farta, e de certo modo, fácil obtenção de alimentos. Sabemos hoje que a fartura desmesurada proporcionada pela piracema aos primeiros colonizadores da América portuguesa no século XVI, não foi compartilhada pelos seus
3 descentes. Muitas espécies de peixes endêmicos do Brasil, que migravam no sentido das nascentes dos rios com fins de reprodução desapareceram. Podemos incluir, na lista das espécies que praticavam a piracema e que foram, ou estão quase extintas alguns peixes que podem ser encontradas na bacia do rio São Francisco: Conorhynchos conirostris (Pirá); Duopalatinus emarginatus (Mandi-açu); Harttia leiopleura (Cascudinho); Hysteronotus megalostomus (Piaba); Leporinus marcgravii (Tumburé); Leporinus obtusidens (Piauverdadeiro); Lophiosilurus alexandri (Pacamã); Neoplecostomus franciscoensis; Pareiorhaphis mutuca (Cascudinho); Pseudoplatystoma corruscans (Surubim); Rhinelepis aspera (Cascudo preto); Salminus franciscanus (Dourado) (ALVES; LEAL, 2010, p ). Geralmente, a extinção de uma espécie é causada por uma soma de fatores. Entretanto, no caso de vários peixes de comportamento de piracema, como as descritas por Hans Staden e José de Anchieta, o maior complicador foi o de a Evolução os compelir a terem um comportamento reprodutivo gregário. Quando pensamos em um cardume de milhares de fêmeas de tambaqui subindo freneticamente um afluente de rio, com seus órgãos reprodutivos cheios de ovas tendo, a sua frente, um grupo de jacarés-açus famintos, compreendemos como a piracema poderia ser vantajosa. Um jacaré poderia devorar algumas dezenas de tambaquis, não mais que isso. Entretanto, este gregarismo que ajudava tais espécies a se defenderem de predadores naturais, os tornou consideravelmente vulneráveis aos seres humanos (QUAMMEN, 2008, p. 338). O próprio ato de utilizar o termo indígena piracema para nomear o comportamento reprodutivo gregário de algumas espécies de peixes, nos ajuda a ter uma dimensão do quanto os primeiros exploradores puderam contar com o conhecimento indígena durante o processo de esquadrinhamento daquele ecossistema, assim como, esse conhecimento pode lhes favorecer na obtenção de fartas fontes de proteína e gordura, como no caso da piracema. Entre os animais identificados como comestíveis ou venenosos, havia aqueles que ficavam a meio caminho de ambos. O bizarro baiacu (ordem tetraodontiforme) era um deles. Sua carne poderia tanto saciar a fome quanto levar a morte. A sutil e dramática diferença estava em uma técnica de esfola dominada com destreza pelos indígenas: [...] Baiacu é um peixe que quer dizer "sapo", da mesma cor e feição, e muito peçonhento, mormente a pele, os fígados e o fel, ao qual os índios com fome esfolam, e tiram-lhe o peçonhento fora, e comem-nos; mas se lhes derrama o fel, ou lhes fica alguma pele, incha quem o come até rebentar; com os quais peixes assados os índios matam os ratos, os quais andam sempre no fundo da água[...] (SOUSA, 1971, p. 265, grifos nossos).
4 A eficiência da peçonha do Baiacu, associada ao domínio técnico dos indígenas permitia que a mesma fosse utilizada até mesmo como rodenticida na zona de pesca. Gabriel Soares de Sousa também se preocupa em relatar o quanto um comensal desavisado poderia ficar parecido com um baiacu, caso o mesmo não fosse devidamente preparado. O senhor de engenho fez um relato condescendente. Dificilmente a ingestão da tetrodotoxina, substancia secretada pelas glândulas do baiacu, não leva a morte (NETO et al, 2010). O peixe que inchava tanto quanto suas vítimas atraiu muita atenção no século XVI. Além de Gabriel Soares (SOUSA, 1971, p. 265), Pero de Magalhães Gandavo (GANDAVO, 1963, p. 50) e Fernão Cardim (CARDIM, 1980, p. 56) também se preocuparam em registrar a traiçoeira anatomia deste peixe. [...] Alguns índios da terra se aventuraram a comê-los depois que lhe tiram a pele e lhe lançam fora por baixo toda aquela parte onde dizem que tem a força da peçonha. Mas sem embargo disso, não deixam de morrer algumas vezes. Estes peixes tanto que saem fora da água incham de maneira, que parecem uma bexiga cheia de vento; e além de terem esta qualidade são tão mansos que os podem tomar as mãos sem nenhum trabalho; e muitas vezes andam a borda da água tão quietos, que não os verá pessoa que se não convide a tomá-los, e ainda a come-los se não tiver conhecimento deles [...] (GANDAVO, 1963, p. 50, grifos nossos). A exemplo dos reverenciados preparadores de sushi japoneses que praticam, por anos, a retirada das glândulas mortais do baiacu antes de servi-lo, os habilidosos indígenas também eram passíveis de erro. A meticulosidade é outro aspecto importante nas descrições do baiacu. Diante de obstáculos para obtenção de alimentos e, ao considerar como possibilidade alimentar, um peixe que pode causar a morte, o colonizador demonstrava considerável esforço expansionista. Esse empreendimento dependia da capacidade daqueles homens em aprender e ou desenvolver técnicas que garantissem uma fonte regular de proteínas e gordura. Mesmo que, para isso, se corresse o risco de morrer antes de terminar a refeição. Em grande medida, a aposta em tais técnicas, só foi possível graças às trocas culturais, em uma via de mão dupla, entre os povos nativos dos trópicos e o europeu (MOTA, 2007; BURKE, 2006). Algumas técnicas, literalmente manuais, desenvolvidas pelos Tupinambá, posto que estes, além de chamarem a atenção pelo fato de serem exímios nadadores na falta de outra ferramenta para pescar: [...] se deitam na água e como sentem o peixe consigo, o tomam às mãos de mergulho; e da mesma maneira tiram polvos e lagostins das concavidades do fundo do mar, ao longo da costa [...] (SOUSA, 1971, p. 292).
5 Esta técnica de pesca a mão livre, considerada uma das mais primitivas já registradas, também foi observada entre povos nativos da América do Norte e mesmo entre algumas etnias de ilhas do pacífico (KRONEN, 2002, p ). Com relação a estes indígenas da América portuguesa, a descrição de tal técnica nos permite observar algumas questões importantes, tanto no que se refere à destreza dos nativos em conseguir pescar, mesmo sem equipamentos ou iscas, quanto o acuro do colonizador em perceber nesta habilidade uma informação digna de registro. Assim, em mais de uma passagem, tem-se a impressão de que estas crônicas, relatos e tratados sobre o Novo Mundo, por vezes, parecem se constituir enquanto manuais de sobrevivência, ou de identificação, na busca pelo reconhecimento do novo ambiente. Os colonizadores não devem ter se impressionado muito quando viram os indígenas caçando e, até mesmo, pescando com o arco e flecha e com as mãos. Tal arma não era novidade para aqueles homens recém-chegados do além mar. Além do mais, arcos e flechas faziam parte da história da caça e das guerras no Velho Mundo. Tão pouco com a pesca à mão. O assombro ficaria por conta de uma técnica de pesca indígena que se valia, unicamente, do extrato de um cipó. O timbó era amplamente conhecido por várias etnias do norte e nordeste da América portuguesa. Planta da família das sapindáceas possuidora de propriedades ictiotóxicas impressionantes, o timbó era a prova de que aqueles gentios sabiam manejar bem mais do que arcos e flechas. A admiração de Gabriel Soares de Sousa com aquela espécie de pesca química foi tão grande, que ele deve ter acreditado que as técnicas de pesca convencionais eram usadas por outros motivos, como recreativos, por exemplo. Afinal, [...] Quando este gentio quer tomar muito peixe nos rios de água doce e nos estreitos de água salgada, os atravessam com uma tapagem de varas, e batem o peixe de cima para baixo; onde lhe lançam muita soma de umas certas ervas pisadas, a que chamam timbó, com o que se embebeda o peixe de maneira que se vem acima da água como morto; onde tomam às mãos muita soma dele. (SOUSA, 1971, p. 312) A espécie que Gabriel Soares observou sendo manipulada era, provavelmente, a Paullinia pinnata ou a Paullinia grandiflora, nas quais estão presentes como princípio ativo uma ou mais substâncias de poderosa ação ictiotóxica (JOLY, 1991, p. 430). Estas substâncias, ao serem dissolvidas em locais de pesca como rios e estreitos de água salgada, entram em contato com o sistema respiratório dos peixes causando um torpor que leva os mesmos não somente a ficarem imóveis como também a flutuarem, inertes, à linha d água. O mais interessante desta técnica é que o timbó, além de não ser letal para peixes, não os
6 contamina quimicamente, o que torna seu consumo, totalmente seguro para o ser humano. Segundo Robert F. Heizer, o uso de ictiotoxinas é um antigo e arraigado hábito cultural, sendo que seu emprego estende-se para algumas regiões da América Central até o norte do México e partes da América do Norte (Leste do Mississipi e Califórnia). Estima-se que, no mundo, cerca de 140 espécies vegetais sejam utilizadas enquanto toxinas para pesca possuindo, aproximadamente, 340 nomes, sendo que existem relatos da utilização deste método até o século XVIII (HEIZER, 1986, p ). Os indígenas que eram encontrados, no século XVI, ao longo da costa da colônia, compunham parte de sua dieta com frutos do mar (SOUZA, LIMA e SILVA, 2011), entretanto, dificilmente eles conseguiam fazer com que esta fosse sua única fonte de proteína e gordura. Estima-se que, para uma dieta baseada exclusivamente em ostras, um adulto, para manter-se saudável, teria de ingerir cerca de 250 destes moluscos por dia (SILVA; SILVA, 2007, p. 4, KURLANSKY, 2009, p. 33). Se fossem os pequenos sernambis, o número seria maior ainda. Imaginemos o tempo a ser empregado na coleta e preparo da refeição de um único adulto, onde centenas destes animais teriam de ser coletados e processados no mesmo dia em que seriam consumidos. Afinal, até hoje, a conservação destes frutos do mar é consideravelmente problemática (WALTER, 2010). Independentemente de terem ou não se estabelecido como base de uma dieta alimentar humana, moluscos como ostras, mariscos e berbigões foram regularmente consumidos na América portuguesa. A prova de tal apreciação podia ser encontrada, mesmo antes da chegada dos colonizadores, naqueles montes de conchas situados em vários pontos do litoral da colônia. Mais do que o testemunho da predileção humana por frutos do mar, os sambaquis tiveram grande importância na história das técnicas e tecnologias desenvolvidas tanto pelos indígenas, quanto pelos europeus. A importância dos moluscos americanos continuava, agora, no emprego de suas cascas. Os usos poderiam variar da manufatura de ferramentas ao processamento destas como matérias-primas nas construções coloniais. A partir da análise dos relatos de Gabriel Soares de Sousa, sobre os animais marinhos encontrados na costa da América portuguesa, o folclorista Luís da Camara Cascudo discute a utilização das cascas de ostras como ferramenta na culinária colonial (CASCUDO, 1968). Estas cascas serviam como uma espécie de lâmina no processo de preparo da mandioca descrito pelo colonizador, que ressalta o fato de que os indígenas:
7 [...] raspam-nas [as raízes de mandioca] muito bem até ficarem alvíssimas, o que fazem com cascas de ostras, e depois de lavadas, ralam-nas em uma pedra ou ralo que para isso têm (SOUSA, 1971, p. 174). Na colônia, nada era descartado. Sem ferramentas, o processamento do próprio alimento poderia ficar seriamente comprometido. E, na falta daquela faca, que caiu durante a travessia de um rio, ou que foi tomada pela ferrugem causada pela maresia, as cascas de ostras poderiam ser substitutos estratégicos. A dureza das cascas de ostras e mariscos, que tanto podia dificultar o consumo de sua carne, mas facilitar o processamento de outras, também se revelou de ótima qualidade para as construções coloniais. A fabricação de cal a partir de conchas, já era conhecida pelos colonizadores portugueses. Associada a gordura de baleias e areia, a cal conchífera transformava-se em uma eficiente argamassa empregada na edificação de casas, engenhos e igrejas (CAMPOS et al 2007; VITA, LUNA, TEIXEIRA, 2007; FIGUEIREDO, VARUM, COSTA, 2011). As impressões do senhor de engenho Gabriel Soares de Sousa, acerca da cal conchífera encontrada na colônia, deixam clara a intenção daqueles europeus em identificar e utilizar todos os recursos disponíveis no ambiente natural da colônia, para estabelecer os grupamentos humanos vindos do Velho Mundo. Assim, para ele: [...] A maior parte da cal que se faz na Bahia é das cascas das ostras, de que há tanta quantidade que se faz dela muita cal, a que é alvíssima, e lisa também, como a de Alcântara; e fazem-se dela guarnições de estuque mui alvas e primas; e a cal que se faz das ostras é mais fácil de fazer que a de pedras; porque gasta pouca lenha e com lhe fazerem fogo que dure dez, doze horas, fica muito bem cozida, e é tão forte que se quer caldeada, e ao caldear ferve em pulos como a cal de pedra de Lisboa [...] (SOUSA, 1971, p. 322, grifos nossos). A possibilidade de obter, na América portuguesa, matérias-primas de composição, levou os colonizadores a aventarem a possibilidade de processarem cascas de ostras. Gabriel Soares de Sousa ressalta, em seu Tratado, não apenas a minuciosidade empregada na apreensão de técnicas que pudessem auxiliar na logística do processo colonizatório, mas também o entendimento de materiais equivalentes. O senhor de engenho informa, não somente a matéria-prima encontrada nos sambaquis da colônia, mas também faz, comparativamente, menção a cal de origem mineral conhecida e utilizada na metrópole. A descrição da matéria prima que poderia ser obtida na colônia, a partir da manufatura de cascas de ostras e mariscos, remete a um Gabriel Soares de Sousa entusiasmado com a cal resultante de tal processo. A empolgação advinha das diversas vantagens que a cal colonial parecia
8 oferecer. Do branco mais branco, ao tempo de queima menor, a cal dos trópicos era, para Sousa, certamente melhor que a encontrada naquela freguesia de Lisboa chamada Alcântara. O colonizador português relata que as cascas de ostras, quando comparadas ao calcário de origem mineral, eram de melhor qualidade. Provavelmente, o julgamento de Sousa embasava-se no fato de que o processo de queima da cal mineral exigia mais tempo e temperaturas maiores para o cozimento, uma vez que os fornos eram no chão, e a queima da cal era feita através de lenha ou carvão, o que demandava também mais combustível (CAMPOS et al, 2007). Outro aspecto importante, da descrição deste processo, é de que a mesma corrobora a percepção de um colonizador minucioso, portador de acurado senso investigativo ao desenvolver e adaptar métodos que pudessem auxiliar na logística do processo colonizatório. Tal relato, rico em detalhes, nos permite analisar não somente o resultado do cozimento das cascas de ostras e mariscos, mas também todo um processo de manufatura que precedeu ao do próprio plantio de cana de açúcar e, por fim, a produção de açúcar. Afinal, como estabelecer engenhos de cana sem antes construí-los? Conclusões A compreensão de alguns aspectos relevantes do processo colonizatório tem de passar pela análise das fontes documentais que descreveram animais, principalmente, aqueles que tinham por habitat, o litoral da América portuguesa. Uma revisão historiográfica destes relatos e descrições pode corroborar ao estudo de questões relacionadas à obtenção e processamento dos alimentos pelos primeiros colonizadores, e a consequente dinâmica migratória no interior da colônia. A análise das técnicas de sobrevivência adotadas e desenvolvidas por aqueles europeus que aportaram na América portuguesa do século XVI, podem auxiliar à uma melhor compreensão das medidas que, impreterivelmente, deveriam ser tomadas antes da própria implementação de feitorias e engenhos. A observância deste processo também pode auxiliar na apreensão de um colonizador português metódico, minucioso e, não raras vezes, erudito na construção de novos saberes a partir do contato com culturas autóctones igualmente metódicas e minuciosas, bem como uma natureza tão diversa quanto desconhecida. Para além das questões de cunho prático, que possibilitaram a fixação e mantenimento destes colonizadores europeus, o contato destes povos com o Novo Mundo e toda a sua diversidade faunística, transformou a maneira como se observava, classificava e compreendia a natureza no ocidente. A Filosofia Natural europeia nunca mais foi a mesma.
9 A busca por uma compreensão do ambiente que rodeava os colonizadores era constante, e as dificuldades em classificar e descrever as espécies encontradas na América uma realidade que não se podia ignorar. Os bichos, algumas vezes, eram bem diferentes, em outras, muito parecidos, mas em nenhum momento eram iguais. Referências Bibliográficas ALVES, Carlos Bernardo Mascarenhas; LEAL, Cecília Gontijo. Aspectos da conservação da fauna de peixes da bacia do rio São Francisco em Minas Gerais. MG. BIOTA, Belo Horizonte, v.2, n.6, fev./mar Disponível em: cuments/mg_biota%202%c2%aa%20edi%c3%a7%c3%a3o.pdf BURKE, Peter. Hibridismo Cultural. São Leopoldo: Unisinos, CAMPOS, Maria Aparecida Nogueira; REIS, Alessandra Savazzini dos; TRISTÃO, Fernando Avancini; ROCHA-GOMES, Leila Verônica da. A Utilização da Cal Conchífera em Monumentos Históricos no Espírito Santo. IN: II Congresso Nacional de Argamassas de Construção, Lisboa: II APFAC, CASCUDO, Luis da Camara. História da alimentação no Brasil. São Paulo: Editora Global, FIGUEIREDO, Margareth Gomes; VARUM, Humberto; COSTA, Anibal. Caracterização das técnicas construtivas em terra edificadas no século XVIII e XIX no centro histórico de São Luís (MA, Brasil). In. Revista Arquitetura, Vol. 7, nº 1, p , jan./jun FREITAS, R. R.; REIS, V.L.; APEL, M.. Governança de Recursos Pesqueiros na Bacia do Rio Acre com Ênfase na Tríplice Fronteira (Brasil, Peru e Bolívia). In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade. Florianópoli, HEIZER, Robert F. Venenos de pesca in: Ribeiro Darcy (Ed.) Suma etnológica brasileira, Edição atualizada do Handbook of South American indians (3º v.) Vol. 1 Etnobiologia. Rio de Janeiro, Vozes, FINEP, 1986.
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11 requisito parcial ao título de Doutor em Ciências, no Curso de Pós Graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Seropédica, Fontes documentais ANCHIETA, José de Cartas: Informações, fragmentos históricos e sermões. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp. CARDIM, Fernão Tratados da terra e gente do Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Limitada. GANDAVO, Pero de Magalhães História da Província Santa Cruz. Rio de Janeiro: Obelisco. THÉVET, André. As Singularidades da França Antártica. Belo Horizonte/São Paulo. Ed. Itatiaia/Editora da Universidade de São Paulo SOUSA, Gabriel Soares de Tratado Descritivo do Brasil. São Paulo: Brasiliana. STADEN, Hans. A Verdadeira História Dos Selvagens, Nus E Ferozes Devoradores De Homens, Encontrados No Novo Mundo, A América, E Desconhecidos Antes E Depois Do Nascimento De Cristo Na Terra De Hessen, Até Os Últimos Dois Anos Passados, Quando O Próprio Hans Staden De Homberg, Em Hessen, Os Conheceu, E Agora Os Traz Ao Conhecimento Do Público Por Meio Da Impressão Deste Livro. Rio de Janeiro. Dantes
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