HISTÓRIA INDÍGENA NA ESCOLA: TEORIAS E PRÁTICAS NA INICIAÇÃO À DOCÊNCIA
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- Vinícius Mota Bergmann
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1 275 HISTÓRIA INDÍGENA NA ESCOLA: TEORIAS E PRÁTICAS NA INICIAÇÃO À DOCÊNCIA Artur Alves da Silva artur.alves.silva@usp.br Antonia Terra de Calazans Fernandes antoniacalazans@gmail.com Universidade de São Paulo / Campus Butantã Resumo: A proposta deste artigo é relatar a experiência de participar do Projeto de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), em seu subprojeto História, coordenado pela professora Dra. Antonia Terra de Calazans Fernandes, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo, envolvendo dez estudantes do curso de licenciatura em História e duas professoras da rede pública estadual de São Paulo, entre Agosto de 2012 e Julho de A metodologia desenvolvida consistiu em aprofundamento teórico, através da leitura e análise coletiva de uma bibliografia sobre o tema da História e Cultura dos povos indígenas no Brasil, de intervenções realizadas nas escolas para o levantamento de representações de estudantes e professores sobre os povos indígenas, de planejamento de materiais e atividades didáticas realizadas com os estudantes do Ensino Fundamental II e Ensino Médio e de avaliações permanentes sobre o desenvolvimento do projeto. Os resultados das atividades práticas que problematizaram as representações sobre os povos indígenas demonstraram que a valorização da história, da cultura, da diversidade étnica, da agência social, da discussão sobre os conflitos e reivindicações dos povos indígenas pela demarcação de terras, tem se confundido com um discurso que reproduz a discriminação e marginalização dos povos indígenas. Estas conclusões reforçaram aos participantes do projeto a importância da seleção e análise crítica dos conteúdos e abordagens em sala de aula, da valorização dos profissionais da educação e do diálogo entre os saberes escolares e os saberes universitários. Palavras-chave: História. Ensino de história. História indígena. Introdução As populações indígenas que vivem no Brasil constituem culturas diversas, ricas em complexidade, repletas de tradições e costumes elaborados através de trajetórias singulares no tempo e espaço. Apesar desta relevância histórica e cultural, os povos indígenas ainda convivem com problemas sociais resultantes do desrespeito e do desconhecimento reproduzidos por parte das populações não indígenas brasileiras. Com o objetivo de reverter este quadro social as leis /2003 e /2008 tornaram obrigatório o ensino da História e da Cultura Afro-Brasileira e Indígena nas instituições de ensino fazendo com que os cursos de formação de professores passassem a reservar maior espaço para uma pedagogia voltada à reeducação das relações étnico-raciais. Embora a temática da história e cultura indígena esteja presente no espaço acadêmico, na escola este tema ainda está por ser consolidado, mesmo diante das pressões sociais e da presença de estudantes de origem indígena na sala de aula.
2 276 A alteração no currículo escolar colocou em evidência não apenas as generalizações, estereótipos e preconceitos frequentemente encontrados em representações sobre as populações indígenas, mas também a ausência de materiais, conteúdos e abordagens atualizados com os estudos mais recentes sobre os povos indígenas, o que demonstra o distanciamento entre os saberes produzidos no âmbito escolar e os saberes produzidos no espaço universitário. Sendo assim, o esforço de compreender como os professores e estudantes entendem estas questões é de fundamental importância para o planejamento do processo de ensinoaprendizagem e para o trabalho de pesquisa no interior de uma escola pública. Justificativa As atividades realizadas foram elaboradas com base na proposta do subprojeto História Indígena na Escola que se justifica pelo aperfeiçoamento de uma formação docente de qualidade, composta de estudos teóricos aprofundados e de práticas educacionais que ampliem a compreensão sobre o processo de ensinoaprendizagem. Além disso, buscou-se investigar as possibilidades de intervenção em sala de aula considerando a potencialidade do ensino-aprendizagem da temática indígena para a discussão de temas como alteridade, diversidade étnica, pluralidade cultural e coexistência social, estimulando reflexões e a produção de significados por estudantes e professores. O projeto buscou partir de questões como o que jovens estudantes de escolas públicas da cidade de São Paulo pensam a respeito das populações indígenas brasileiras? ; o que ouvem dizer nos meios de comunicação, como revistas, televisão, sites da internet? ; consideram importante a valorização da diversidade cultural brasileira? ; respeitam as diferenças étnicas, de costumes, de línguas e de religiões? ; como entendem os conflitos de terra na luta por território dos povos indígenas?. Tais questões ao serem contextualizadas e problematizadas em sala de aula têm o potencial de revelar as representações presentes no cotidiano escolar sobre os povos indígenas que vivem no Brasil. Estas representações são tema de fundamental relevância atualmente devido às generalizações, desconhecimentos e conflitos de interesses que envolvem, de um lado, os movimentos de resistência cultural e política, e de outro, os preconceitos reproduzidos por alguns meios de comunicação bastante acessados por estudantes e professores para se informar sobre as populações indígenas que vivem no Brasil. Objetivos Entre os objetivos do projeto podem-se destacar as pesquisas realizadas sobre a influência das representações acerca das populações indígenas nas aulas de História, no cotidiano e na formação do repertório cultural de estudantes e professores do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Para isto foi necessário identificar, planilhar e avaliar as representações mais comuns sobre os povos indígenas, construídas desde o século XVI e reproduzidas nos meios de comunicação, nos materiais didáticos e no ambiente escolar através de uma pesquisa bibliográfica e de um levantamento destas representações entre os estudantes e professores das escolas E. E. M.M.D.C e E. E. Joiti Hirata, localizadas
3 277 na cidade de São Paulo, por meio do preenchimento de um questionário. Com base no diagnóstico deste levantamento, foram planejadas atividades de intervenção nas escolas parceiras do projeto que envolvesse estudantes, professores (as) e coordenadores (as) através de sequências didáticas, oficinas, jogos e intervenções audiovisuais no espaço escolar. Deste modo, o projeto buscou concretizar seu objetivo de estimular o diálogo entre duas comunidades escolares e a comunidade universitária, através da troca de saberes e experiências acerca da formação docente, das realidades escolares e dos estudos mais recentes sobre a história e cultura dos povos indígenas no Brasil. Resultados Os resultados do projeto História Indígena na Escola apontaram as principais características, tendências e especificidades das comunidades escolares a serem atingidas pelas intervenções do projeto PIBID. No caso da E. E. Joiti Hirata, a partir do levantamento das representações de estudantes e professores com relação às populações indígenas foi possível obter uma visão geral para que diretrizes mais amplas de atuação fossem traçadas. Do mesmo modo, a análise das respostas de um grupo específico também foi considerada, porém, de maneira complementar a visão macroscópica do diagnóstico. No que se refere ao grupo de professores, por exemplo, foram identificados alguns estranhamentos em relação aos diferentes modos de vida das populações indígenas devido à ausência de conhecimentos sobre as histórias de lutas e de resistências destas populações, por desconsiderar as possibilidades de outras formas de organização social, cultural e política, pela desatenção ao fato de que somos diferentes em alguns aspectos e semelhantes em outros, pela utilização constante dos valores morais ou religiosos da sociedade ocidental contemporânea nas avaliações, enfim, pela dificuldade de conviver e aceitar a diferença. No quadro geral dos professores, quatro aspectos chamaram a atenção de forma preocupante em relação ao nível de conhecimento desta categoria, são eles: as trocas culturais entre indígenas e não indígenas; a condição étnica indígena; as principais fontes de informação dos professores; e, por fim, a imprecisão nas descrições sobre os povos indígenas. Com relação as representações coletadas dos estudantes, o conhecimento sobre as festividades, música e dança das diversas etnias indígenas frequentemente é generalizado e está desassociado de cerimônias religiosas e práticas sociais, demonstrando que se sabe da existência destes elementos culturais, mas que eles não são compreendidos numa rede mais complexa de significados. A quantidade de generalizações nas respostas foi identificada também no que se refere às citações de traços da cultura indígena presentes na cultura não indígena a partir de elementos tradicionais como ervas medicinais, comidas e costumes não especificados. Este último item demonstra a generalização dos costumes e a necessidade de se reforçar os saberes sobre as especificidades culturais de cada povo para que os estudantes reconheçam a matriz cultural indígena na composição da cultura brasileira como um todo. Entre as representações coletadas na E. E. Joiti Hirata, dois dos principais equívocos sobre os povos indígenas puderam ser identificados entre os estudantes e professores, são eles: as representações que tratam os povos indígenas como se fossem um único povo, ou como se fossem vários povos, mas todos iguais e com a
4 278 mesma cultura; e as representações sobre os povos indígenas como se estivessem em vias extinção. Conforme o levantamento realizado (indicado na tabela abaixo), 57% dos professores e estudantes afirmaram que os indígenas estão deixando de ser índios, sendo que os principais motivos apontados para esta extinção seriam a habitação em cidades, a proximidade com as tecnologias e com as culturas não indígenas e a não preservação da própria cultura indígena. QUESTÃO 5: A) Com base em suas referências, você acredita que o indígena está deixando de ser índio? CATEGORIA PROFESSORES ESTUDANTES TOTAL Sim 46,7 57,9 56,4 Não 46,7 26,2 27,6 Parcialmente 6,7 7,9 7,7 Não respondeu 0,0 7,9 8,3 TOTAL 100,0 100,0 100,0 Desta forma, o discurso que sustenta a ideia de que os povos indígenas estão aculturados por usarem roupas ou tecnologias ignora o processo histórico violento de assimilação dos costumes não indígenas pelo qual estes povos passaram. Além disso, justificam a não demarcação de territórios com o argumento de que já não são mais povos indígenas. A dificuldade de compreender processos históricos mais complexos, de extermínio, expulsão das terras, mudanças de costumes, crenças e linguagens em torno das pressões do contato entre indígenas e não indígenas chamou a atenção dos estudantes quando foram apresentadas imagens relacionadas à migração dos Pankararu para São Paulo e sua permanência na favela do Real Parque, próxima da escola e da realidade de muitos dos estudantes e professores que habitam a região, despertando comentários como: passamos muitas vezes pela Marginal Pinheiros, sabemos da existência da favela, mas não sabíamos que lá tinha índio. Com base neste contexto de contradições, na análise da pesquisa realizada na E. E. Joiti Hirata e nas leituras realizadas durante o projeto de pesquisa PIBID, as atividades de intervenção na escola buscou dialogar com os estudantes e professores sobre as representações dos povos indígenas através de oficinas que tiveram como eixos centrais os temas representações sobre os povos indígenas e identidades em movimento. Sendo assim, a intervenção foi dividida em duas partes: uma apresentação de abertura, realizada no CEU Feitiço da Vila, que abordou o tema das representações sobre os povos indígenas; e uma oficina na escola E. E. Joiti Hirata, que teve como objetivo fornecer subsídios que capacitasse os estudantes a interpretar e ampliar o conhecimento sobre a diversidade étnica dos povos indígenas e suas especificidades culturais a partir de fontes orais, literárias e audiovisuais. Vale destacar que enquanto a apresentação no CEU Feitiço da Vila foi preparada e realizada em conjunto por quatro bolsistas do projeto, a oficina realizada na escola foi produzida e realizada individualmente. No caso da intervenção realizada no CEU Feitiço da Vila, foi preparado uma apresentação com o tema representações oficiais e contra representações sobre os povos indígenas. Foram apresentados os resultados do levantamento de
5 279 representações realizado em 2012, e algumas representações construídas sobre os povos indígenas ao longo da história do Brasil com as quais os bolsistas propuseram um diálogo com os estudantes para identificar e interpretar tais representações. No caso da oficina realizada na E. E. Joiti Hirata, os estudantes demonstraram gostar de estudar a partir de vídeos e livros não didáticos, disseram que isto praticamente não acontece na escola e que gostariam de aprofundar seus conhecimentos sobre os modos de vida dos povos indígenas. Em suma, a oficina teve êxito em apresentar e discutir os temas que haviam sido selecionados, em manter um diálogo constante com os estudantes durante a aula e provocar reflexões sobre as identidades indígenas e suas próprias identidades. Além disso, a prática docente com base no planejamento teórico que havia sido preparado anteriormente foi muito positiva, bem como a interação com o espaço escolar e os próprios estudantes. Considerações Finais A realização do projeto História Indígena na Escola possibilitou a aplicação do conhecimento adquirido durante a graduação do curso de História e o aprofundamento dos campos de conhecimento da História relacionados aos estudos sobre a presença dos povos indígenas no Brasil e a temática da formação docente e das possibilidades de ensino-aprendizagem em instituições de ensino. Esta experiência propiciou estudos e reflexões a respeito da história dos povos indígenas presente na produção historiográfica e nos materiais didáticos utilizados cotidianamente nas escolas e colaboraram para que a formação docente dos bolsistas envolvidos no projeto se desse pelo exercício do espírito crítico na realização de avaliação, seleção e produção de materiais didáticos para a temática dos povos indígenas, proporcionando a articulação entre teoria e prática através dos campos do ensino e da pesquisa. Embora não seja possível descrever tudo o que foi vivenciado e aprendido com esta experiência, registra-se aqui a satisfação com o aproveitamento da oportunidade que permitiu bom aprofundamento em conteúdos e abordagens fundamentais aos profissionais da educação. Referências ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Ed. FGV, BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos. 2. ed. São Paulo: Cortez, BRITTO, Edson Machado de. A educação Karipuna no Amapá no contexto da educação escolar indígena diferenciada na aldeia do Espírito Santo. Tese de Doutorado. PUCSP, CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas. São Paulo: EDUSP, CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações. Miraflores, Portugal: Difel, DUBET, François. Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor: entrevista com François Dubet. São Paulo, Revista Brasileira de Educação, n. 5, mai/ago. 1997, p LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico Guarani-Mbya. Maringá, Paraná: Eduem; São Paulo: Edusp, PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. In: ANTONACCI, Maria
6 Antonieta (Org.). Projeto história: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História do Departamento de História da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). São Paulo: EDUC, SILVA, Adriane Costa da. Versões didáticas da história indígena ( ). Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação, USP,
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