DESENVOLVIMENTO DE MEMBRANAS BIOCOMPATÍVEIS PARA APLICAÇÃO EM HEMODIÁLISE
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- Theodoro Bastos Leão
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1 DESENVOLVIMENTO DE MEMBRANAS BIOCOMPATÍVEIS PARA APLICAÇÃO EM HEMODIÁLISE A. M. SANTOS, A. C. HABERT e H. C. FERRAZ Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE), Programa de Engenharia Química (PEQ) para contato: alana@peq.coppe.ufrj.br RESUMO Este trabalho objetiva o desenvolvimento de membranas de poli(éter imida) do tipo fibras ocas, que possuam elevada biocompatibilidade e sejam incorporadas em módulos para testar em hemodiálise. Foram estudadas diferentes condições de síntese para a obtenção de fibras com propriedades morfológicas e de transporte adequadas para uso no tratamento por hemodiálise. As membranas sintetizadas foram caracterizadas por microscopia eletrônica de varredura (MEV) e propriedades de transporte, determinando-se a permeabilidade hidráulica, rejeição de solutos de média e alta massa molar (lisozima e albumina) e razão de redução de ureia. Além disso, foram realizados testes de adsorção de proteínas, avaliando-se preliminarmente sua compatibilidade sanguínea. Foram obtidas membranas com boas propriedades de transporte em relação às toxinas urêmicas, comparáveis às membranas de uso clínico disponíveis, e com potencial de compatibilidade sanguínea. 1. INTRODUÇÃO A hemodiálise é o tratamento mais utilizado para pacientes com doenças renais crônicas, as quais consistem na lesão renal e perda progressiva e irreversível da função dos rins. É um tratamento consolidado e que permite que os pacientes renais crônicos tenham uma vida próxima do normal. Entretanto, ainda apresenta algumas limitações a serem superadas, como a baixa remoção de moléculas de tamanho médio, como a β2 microglobulina, cujo acúmulo no sangue está associado à ocorrência da amiloidose e à síndrome do túnel cárpico (Wechs et al., 2014). Além da ineficiente remoção de moléculas médias, a baixa biocompatibilidade das membranas utilizadas durante o procedimento apresenta como reações adversas os fenômenos de coagulação, devido à ocorrência de adsorção de proteína. Isto provoca a ativação da via alternativa do complemento, e a disfunção de neutrófilos e monócitos, o que potencialmente inibe o combate a infecções, resultando em maior incidência, pior evolução e maior mortalidade de pacientes hemodialisados (Neto e Santos, 1996). O uso de heparina é a alternativa atual para prevenir a ocorrência de coagulação sanguínea e, consequentemente, o entupimento dos dialisadores, porém o uso dessa substância pode ser contraindicado para pacientes que têm reações alérgicas e hemorragias,
2 ou fazem uso de certos medicamentos (Mullick et al., 2014). Neste cenário, o desenvolvimento de membranas de hemodiálise com melhores características de transporte e de biocompatibilidade tem sido alvo de muitas pesquisas, que envolvem estudos de síntese de membranas, de novos materiais e modificações das superfícies. Especificamente, o desenvolvimento e fabricação das membranas para hemodialisadores no Brasil poderia levar à redução dos custos do SUS com o tratamento, que foi R$ 2,4 bilhões de reais no ano de 2013 (Portal Brasil, 2013). Atualmente, todos os insumos para o procedimento de hemodiálise são importados pelo Ministério da Saúde de apenas quatro empresas da Europa e Ásia. Além da redução de custos para o governo, a autossuficiência de dialisadores no país pode tornar o tratamento mais acessível, possibilitando oferta de tratamento de melhor qualidade e evitando a reutilização do equipamento. A poli(éter imida) (PEI) é uma poliimida desenvolvida pela General Electric Company, com flexibilidade suficiente para permitir boa processabilidade devido às propriedades da ligação do éter introduzido na cadeia molecular da poliimida. Algumas características reportadas sobre a poli(éter imida) viabilizam sua utilização como biomaterial, como o fato dela ser não tóxica e esterilizável, devido à sua resistência mecânica e estabilidade térmica; ser processável em diferentes formas; e ser apta a uma ampla gama de modificações superficiais. Assim, este trabalho objetiva a síntese e caracterização de membranas de poli(éter imida) (PEI) do tipo fibras ocas de alta eficiência e elevada biocompatibilidade e que sejam incorporadas em módulos para testar em hemodiálise. 2. METODOLOGIA EXPERIMENTAL As fibras ocas foram sintetizadas através da extrusão simples da solução polimérica em uma extrusora composta por dois canais anulares concêntricos, conforme consagrado na metodologia conhecida como inversão de fases. A solução polimérica foi preparada contendo o polímero base PEI, o aditivo (PVP) e o solvente n-metil-2-pirrolidona (NMP), sendo avaliados os efeitos da mudança da concentração da solução em relação ao PEI (12% ou 15%) e ao PVP (5% ou 10%), bem como do líquido interno necessário para a formação do canal central da fibra (água ultrafiltrada ou mistura água ultrafiltrada e NMP 50%). Para a caracterização das fibras, foram realizadas análises da morfologia e das propriedades de transporte, medindo-se a permeabilidade hidráulica, rejeição de lisozima e albumina e razão de redução de ureia. Foram também caracterizadas duas membranas clinicamente utilizadas em módulos de hemodiálise, sendo uma de polisulfona (PSf), da Fresenius e outra de poli(éter sulfona) (PES), da Baxter, ambas descritas como fibras porosas pelo fabricante. As superfícies das fibras também foram caracterizadas através de testes de adsorção de proteína Análise Morfológica A análise morfológica foi realizada através de microscopia eletrônica de varredura (MEV), utilizando o microscópio de transmissão e varredura Jeol 200FX e o microscópio da FEI, modelo Quanta 200. Amostras das superfícies internas e externas e da seção transversal das fibras foram fixadas em um suporte metálico e metalizadas através do recobrimento com uma fina camada de ouro.
3 2.2. Permeabilidade Hidráulica A medição da permeabilidade hidráulica foi realizada em um sistema de permeação, conforme esquematizado na Figura 1, após a confecção de módulos contendo um feixe com 10 fibras. A alimentação (água desmineralizada) era realizada pelo interior das fibras, coletando-se o permeado pelas superfícies externas das fibras. A pressão de operação, de 0,4 a 1,0 bar, era ajustada através de uma válvula reguladora. Figura 1 Esquema do sistema para determinação da permeabilidade hidráulica. A determinação da permeabilidade hidráulica (L p ) se dava através da medida do fluxo de permeado (J p ) em diferentes pressões (ΔP = P P atm = P), segundo a Equação 1, após prévia compactação das membranas a uma pressão constante de 1 bar por 2 horas. J p = L p ΔP (1) 2.3. Rejeição de lisozima e albumina Os coeficientes de rejeição da lisozima e albumina foram determinados utilizando o sistema de permeação (Figura 1), com soluções binárias destes solutos a concentrações de 90 mg/l e 1000 mg/l, respectivamente. A pressão de operação foi fixada em 0,4 bar, coletando-se amostras da alimentação e permeado após o estado estacionário ser atingido. A lisozima foi utilizada como representante do soluto de massa molar média, especificamente a β2 microglobulina, pelos valores próximos de suas massas molares. Todas as medidas de permeação foram realizadas a temperatura de 25 C. A rejeição (R) foi calculada utilizando-se Equação 2, após determinação das concentrações de alimentação (C A ) e permeado (C p ) através das leituras das absorbâncias das mesmas, por
4 espectrofotometria. R(%) = (1-C p /C A ) x 100 (2) 2.4. Razão de rejeição de ureia Para determinar a razão de redução de ureia, foram realizados testes de diálise com duração de quatro horas (tempo médio de uma sessão de hemodiálise), alimentando-se uma solução aquosa de ureia a 1800 mg/l por dentro das fibras, e água desmineralizada entre a carcaça do módulo e as fibras, atuando como dialisato, conforme apresentado no esquema da Figura 2. Figura 2 Esquema do sistema utilizado nos testes de diálise. Foram coletadas amostras da alimentação inicial (C A ) e do dialisato ao final (C Df ) dos testes (tempo de quatro horas). As suas concentrações coletadas foram medidas utilizando um kit específico de determinação de ureia e a razão de redução de ureia (RRU) foi determinada utilizando a Equação 3. RRU (%) = (1-C Df /C A ) x 100 (3) 2.4. Adsorção de proteínas A avaliação da capacidade de adsorção de proteínas pelas membranas de hemodiálise é um importante parâmetro já que a perda de proteínas durante o tratamento pode causar a hipoalbuminemia e, consequentemente, levar à morte dos pacientes. Além disso, a adsorção de proteínas é considerada a primeira etapa dos fenômenos de coagulação do sangue e, por isso, deve ser minimizada. Para determinação da adsorção de albumina na superfície das fibras, foi utilizado o método estático, através do qual uma massa de membrana conhecida foi acondicionada em tubos contendo uma solução de albumina bovina a 40 mg/l, sendo levados à agitação à temperatura ambiente durante quatro horas. As concentrações das soluções de albumina foram determinadas no início e após o contato com as membranas, realizando-se a leitura de sua absorbância. A quantidade de albumina
5 adsorvida foi avaliada por diferença entre as condições inicial e final da solução de imobilização. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. Análise Morfológica As fibras sintetizadas apresentaram morfologias caracterizadas por uma superfície interna mais densificada, com poucos poros ou, em alguns casos, sem poros. Na superfície externa das fibras, foi possível a observação de poros em todas as membranas a partir de resoluções de imagens de 1000x. Observou-se, também, na seção reta das fibras, que o aumento da quantidade de PVP (de 5% para 10%) na solução polimérica resultou na supressão da formação de macrovazios, pois há uma resistência ao crescimento dos núcleos da fase diluída em polímero; o aumento da concentração do polímero base PEI (de 12% para 15%) não resultou em diferenças significativas da morfologia das fibras. A adição de NMP ao líquido (coagulante) interno foi realizada com o objetivo de diminuir a densificação da superfície interna das fibras, pois reduz-se a taxa de transferência de solvente da solução quando a fibra entra em contato com o líquido interno na saída da extrusora. Entretanto, na resolução do MEV, não foi possível observar a formação de poros na superfície interna das fibras. Na Figura 3, apresentam-se as fotomicrografias da seção transversal, da superfície interna e da superfície externa de uma das fibras sintetizadas. ST SI SE 200 µm 1 µm 5 µm Figura 3 Fotomicrografias das fibras ocas sintetizadas a partir da solução de concentração (15/05/80% - PEI/PVP/NMP). ST seção transversal; SI superfície interna; SE superfície externa Permeabilidade Hidráulica Na Tabela 1, são apresentados os valores de permeabilidade determinados para vários tipos de fibras. A nomenclatura adotada para identificação das fibras sintetizadas apresenta em seus dois primeiros números a concentração de PEI presente na solução; os dois últimos números referem-se à concentração de PVP e as letras indicam o líquido interno: A para água pura, microfiltrada e AN quando solução de NMP. Pelos dados da Tabela 1, observam-se como as condições de síntese influenciam a permeabilidade. Por exemplo, a mudança do líquido interno de água para a solução de NMP (50% v/v) resultou em um aumento da permeabilidade hidráulica, o que pode estar associado à redução
6 esperada da densificação da superfície interna, não observada na análise morfológica. Desta forma, é possível, então, obter membranas com características distintas, de alto ou baixo fluxo, manipulandose as condições de síntese das mesmas. Como comparação, também é apresentada a permeabilidade de membranas de uso clínico atual. Tabela 1 Permeabilidade hidráulica das fibras sintetizadas e das fibras de uso clínico Fibra L p (L/hm²bar) Fibra L p (L/hm²bar) F1205A 56,9 F1505AN 67,4 F1205AN 102,0 F1510A 18,8 F1210A 6,1 F1510AN 42,7 F1210AN 7,1 Clínica de PSf 7,3 F1505A 43,0 Clínica de PES 137, Rejeição de lisozima e albumina Os testes de rejeição foram realizados com o objetivo de verificar se as membranas produzidas apresentam a desejada combinação das propriedades de rejeitar as moléculas de lisozima, representante dos solutos urêmicos de média massa molecular, e ao mesmo tempo reter albumina, proteína de alta massa molecular. Os resultados obtidos de rejeição são apresentados na Figura 4. Figura 4 - Rejeição aos solutos de média e alta massa molar das fibras sintetizadas e comerciais. Conforme se observa da Figura 4, a maioria das fibras sintetizadas apresentou boa combinação entre a remoção de lisozima e a retenção de albumina. Observa-se também que a membrana clínica de
7 PSf apresenta como característica alta retenção de albumina, mas exibe baixa remoção de lisozima, o que é indesejável no tratamento das doenças renais. Já a membrana clínica de PES apresentou o resultado oposto, com alta remoção de lisozima, mas ao mesmo tempo, grande perda de albumina. As fibras sintetizadas neste trabalho apresentaram melhor desempenho em relação à exclusão de solutos urêmicos, o que pode indicar bom potencial para uso no tratamento por hemodiálise Razão de Redução de Ureia (RRU) Os testes de diálise realizados para determinação da razão de redução de ureia foram realizados para quatro fibras de alto fluxo e uma de baixo fluxo com permeabilidade hidráulica e rejeição de lisozima e albumina desejáveis para o tratamento por hemodiálise. Para comparação, foram testadas duas fibras de uso clínico e os resultados obtidos são apresentados na Figura 5. A duração dos testes foi de quatro horas com recirculação da solução de ureia e os módulos de permeação foram confeccionados com áreas de superfície de membranas da mesma ordem de grandeza, para uma comparação mais adequada. Conforme se pode observar, a passagem de ureia para a solução de diálise durante os testes revelou-se não muito diferenciada entre a maioria das fibras sintetizadas e, principalmente, com valores comparáveis aos das membranas clínicas. Figura 5- Resultados de razão de redução de ureia para fibras sintetizadas e de uso clínico Adsorção de Proteínas As análises realizadas mostraram uma baixa adsorção de albumina na superfície de todas as fibras, observando-se um máximo de 4% de adsorção (ou 0,3 g de albumina por g de membrana), sendo indícios de que elas possuem boa biocompatibilidade, já que a adsorção de proteínas é considerada a primeira etapa do fenômeno de coagulação do sangue. Este resultado está de acordo com trabalhos da literatura que afirmam que a PEI é um material que possui algum grau de hemocompatibilidade (Lützow et al., 2006; Trimpert et al., 2006; Tzoneva et al., 2008). 4. CONCLUSÕES Foi possível a obtenção de fibras ocas com propriedades comparáveis com as membranas de
8 uso clínico na hemodiálise, em relação à permeabilidade hidráulica e redução de ureia. Os resultados em relação à remoção de solutos de média massa molar e retenção de proteínas foram superiores aos das membranas clínicas testadas. Os resultados dos testes de adsorção de proteínas indicam que as membranas possuem tendência de boa compatibilidade sanguínea, como desejado para membranas a serem utilizadas em hemodiálise. Fica sugerida a modificação da superfície das fibras, a fim de elevar a biocompatibilidade das mesmas, etapa em andamento, e que será avaliada por meio de testes de ativação do sistema complemento, trombogenicidade, adesão plaquetária e hemólise. 5. NOMENCLATURA C A : concentração da alimentação (g/l) C Df : concentração da solução de diálise (g/l) C P : concentração do permeado (g/l) ΔP: diferença de pressão manométrica aplicada em cada lado das fibras (bar) J P : fluxo do permeado (L/hm²) L P : permeabilidade hidráulica (L/hm²bar) 6. REFERÊNCIAS LÜTZOW, K.; WEIGEL, Th.; LENDLEIN, A. Poly(ether imide) Scaffolds as Multifunctional Materials for Potencial Applications in Regenerative Medicine. Artif. Organs, v. 30, n. 10, p , MULLICK, S.; CHANG, W.; CHEN, H.; STEEDMAN, M.; ESFAND, R. Antithrombogenic Hollow Fiber Membranes and Filters. Patent Number US 8,877,062 B2, NETO, M. C.; SANTOS, B. F. C. Revisão/Atualização em Insuficiência Renal Aguda: Biocompatibilidade de Membranas na Insuficiência Renal Aguda. J. Bras. Nefrol., v. 18, n. 4, p , PORTAL BRASIL. Investimentos em Tecnologia têm Permitido Independência Científica na Saúde Disponível em: < Acesso em: 16 ago TRIMPERT, C.; BOESE, G.; ALBRECHT, W.; RICHAU, K.; WEIGEL, TH.; LENDLEIN, A.; GROTH, T. Poly(ether imide) Membranes Modified with Poly(ethylene imine) as Potential Carriers for Epidermal Substitutes. Macromol. Biosci., v. 6, p , TZONEVA, R.; SEIFERT, B.; ALBRECHT, W.; RICHAU, K.; GROTH, T.; LENDLEIN, A. Hemocompatibility of Poly(ether imide) Membranes Functionalized with Carboxylic Groups. J. Mater. Sci. Mater. M., v. 19, p , WECHS, F.; GEHLEN, A.; HARTEN, B. von; KRUGER, R.; SCHUSTER, O. Dialysis Membrane with Improved Removal of Middle Molecules. Patent Number US 8,651,284 B2, 2014.
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