TEORIA LACANIANA DA ARTE, APORTAÇÕES EM TORNO DA PINTURA E DO TEATRO.
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1 TEORIA LACANIANA DA ARTE, APORTAÇÕES EM TORNO DA PINTURA E DO TEATRO. Marcio Pizarro Noronha marcpiza@terra.com.br; marcio.pizarro@hotmail.com CAJ UFG / EMAC - PPG MÚSICA / FCHF - PPG HISTÓRIA RESUMO: É um estudo particularizado de um corpus teórico - lacaniano - no que diz respeito ao conceito de Arte. Neste sentido, garante-se e aponta-se para uma articulação entre a imagem, as formações inconscientes, as questões do corpo e determinados conjuntos de poéticas artísticas. Identificamos ainda as repetidas e variadas imagens do corpo num determinado suporte visual (pintura), enunciando uma teoria do modo como o corpo foi tratado e o que ele se tornou visualmente para nós. PALAVRAS-CHAVE: espelho-quadro-pintura, teatro, Jacques Lacan. Neste texto, a perspectiva adotada é a do estudo particularizado de um corpus teórico - lacaniano - no que diz respeito ao conceito de Arte. Para tanto, nos serviremos dos estudos de Lacan e de seus leitores e intérpretes, bem como no reconhecimento de que suas reflexões no campo mais geral das artes caem diretamente sobre os modos de funcionamento da pintura (bem como nos modos de funcionamento do teatro). Neste sentido, garante-se e aponta-se para uma articulação entre a imagem, as formações inconscientes, as questões do corpo e determinados conjuntos de poéticas artísticas. Para o campo específico desta teoria não-sistêmica da imagem os focos recaem sobre os principais conjuntos de conceitos desenvolvidos na obra de Jacques Lacan e de seus desdobramentos para as teorias contemporâneas da arte. Segundo François Regnault (2001), a abordagem lacaniana da arte consiste em: - uma aproximação construtiva e barroca do objeto artístico [obra de arte]; - uma distância dos métodos interpretativos (hermenêutica textual, textualismo, comentário);
2 - uma distância dos tratamentos vinculados à História das Idéias. A arte é uma questão de singularidade. Para uma compreensão desta afirmação lacaniana faço-me valer das leituras de Regnault, num cruzamento entre os textos de Freud-Lacan. Sendo este tema, uma introdução geral à concepção singularizada e nãosistêmica da arte, farei uma espécie de dois quadros esquemáticos, para o entendimento da fórmula (regra do jogo). (Regnault, 2001) Quadro 1. De Freud a Lacan. Freud Lacan Lacan TOTEM E TABU (1913) As neuroses fazem analogia com as produções sociais da arte, da religião, da filosofia. A histeria é uma obra de arte deformada. A neurose obsessiva é uma religião deformada. A mania paranóica é um sistema deformado. filosófico (num parentesco com a ciência, devido ao espírito de sistema). A paranóia está afinada ao SEMINÁRIO 7. A ÉTICA DA PSICANÁLISE. Aproximação dos três mecanismos da histeria, da neurose obsessiva e da paranóia dos três termos da sublimação: arte, religião, ciência. Estrutura clínica: histeria. Estrutura clínica: neurose obsessiva. Estrutura clínica: paranóia. A função da sublimação na referência à Coisa. A Coisa diz respeito ao modo de dar uma representação do vazio. A Coisa é o objeto que jamais será reencontrado, pois sua natureza é a de estar perdido (para o sujeito) é o Outro absoluto do sujeito. Em toda forma de sublimação, o vazio será determinante. A Arte: um modo de organização em torno do vazio. A Religião: um modo de evitar ou de respeitar o vazio. A Ciência: um modo de descrença no vazio. A arte, que se organiza em torno do vazio A religião, que evita esse vazio ou o respeita. A ciência, que não acredita nesse vazio
3 discurso científico. Quadro 2. Arte, Religião e Ciência. Figura Operação 1 (1960) Operação 2 (1965) Arte histeria Recalque O Recalque passa a pertencer ao mundo da Magia Religião neurose obsessiva Deslocamento Transforma-se em Denegação Ciência paranóia Foraclusão (d A Coisa) Foraclusão (d A Verdade) Diante destes quadros esquemáticos temos as seguintes questões: 1. a arte é algo que se organiza em torno de um furo (o furo d A Coisa), ou seja, ela é algo que rememora perceptivamente e imaginariamente um objeto perdido que nunca foi perdido e que jamais será reencontrado, embora se trate sempre de ir atrás dele, de uma busca, de uma procura do objeto 2. o objeto não é algo da ordem do dizível, ele é um deslizamento entre o mundo das palavras (a cadeia dos significantes) e o mundo das coisas (o Real), criando sempre uma determinada ordem ilusória a ordem imaginária que se sustenta no mal-entendido da crença de que a ordem imaginária permite um acesso ao Real colado à palavra dita, sem qualquer descontinuidade; 3. desse modo, a arte se põe, estruturalmente, no lugar de um engodo um engano, o artista um enganador (forever joker) pois ela deve fazer-crer que o mal-entendido é a própria Coisa e, mais tarde, a Verdade da Coisa; 4. então, se temos uma circulação pura em torno do vazio estamos quase que dentro da lógica do Real, num acesso à Coisa; 5. e, quando pomos algo no lugar um outro objeto qualquer estamos admitindo que uma representação instaura a Arte, um vaso que se molda em torno de um vazio (Lacan), então podemos afirma que estado de arte existe quando são modeladas figuras em torno do vazio.
4 É nesta perspectiva lacaniana que entendemos que a arte faz avançar a teorização, ela antecede e antecipa a teoria, fazendo-nos reconhecer algo que a teorização anteriormente não reconhecia (ou desconhecia). Assim, o quadro Os embaixadores, com a anamorfose do crânio, ensina o que são o falo e o olhar mais que a fantasia de Holbein. A Antígona, de Sófocles, revela o que é o entre-duas-mortes; Hamlet, a construção em torno de nosso desejo, o que acontece com o falo; a trilogia de Claudel, o que ocorre com o desejo no mundo moderno. Diria até que Os embaixadores e As meninas ensinam o que é um quadro; Sófocles e Claudel, o que são o trágico antigo e o trágico moderno. Ora, a teoria dos conceitos fundamentais da psicanálise, notadamente a pulsão, não pode prescindir de saber o que é um quadro; a ética da psicanálise não pode ignorar o trágico etc. A arte, então, não se contenta com adornar, ilustrar; ela realmente organiza. (REGNAULT, 2001: 22) Podemos dizer que existem, portanto, duas artes as quais Lacan se refere. A primeira delas é a pintura. Ele escreve sobre a pintura para poder pensar, a partir dela e seu espaço topológico, as formações do inconsciente. (LACAN, 1988; QUINET, 2002) Ele identifica o que a pintura fez com uma Teoria Geral do Olhar combina uma teoria geral do olhar [...], portanto do ponto cego, com o sujeito da ciência, sua evitação, sua projeção ao infinito, e a referência ao espaço projetivo, que comanda a topologia do inconsciente (REGNAULT, 2001: 31) A segunda referência é a da literatura, mas tomada aqui não a partir do texto literário enquanto novela e / ou romance. Ele se interessa efetivamente pelo teatro. O teatro personifica o discurso do Outro, seja sob a forma do personagem, seja porque o ator enuncia o discurso de um outro, o autor. A representação, diz ele, acrescenta ao teatro algo além de tornar real o fato de que a verdade nele se apresenta sob a forma de uma ficção, o que, em Hamlet, o teatro dentro do teatro torna ainda mais evidente, ao tematizar a verdade como ficção. As grandes obras de teatro a partir de então serão ao mesmo tempo presentificação do discurso do Outro, organização em torno do desejo (Hamlet), encontro dos limites entre Eros e a loucura (Édipo, Antígona), demarcação do lugar do falo (O balcão, de Genet), análise do sacrifício, do desejo, do trágico (a trilogia de Claudel), a definição do ponto de basta (Atalia, Racine), jogo do outro e do Ideal do eu (Anfitrião, de Molière) etc., mas não se deve acreditar que cada uma dessas peças se especializaria no tratamento de um tema dos seminários. [...] Além disso, como o ator, diz Lacan, empresta não somente seu corpo, ou seja, seu imaginário, mas também seu inconsciente claramente real ao discurso do Outro, o significante se encontra articulado em torno de um real específico que fixa o valor do teatro e que servirá sempre de verificação para o analista. (REGNAULT, 2001: 32-33)
5 O teatro, enquanto outro sistema das artes, fala acerca de uma determinada condicionante fundacional da experiência humana, designada desde o pensamento aristotélico de Catarse. Para Lacan, a catarse é o centro do que ocorre na experiência do teatro. É desse modo que ele enxerga sempre deslocamento e não uma transformação naquilo que é o teatro. Muda a encenação, mas não muda o teatro. O teatro é uma repetição, deslocado pelas transformações da encenação e das estéticas teatrais. A ação do teatro é e sempre será catártica. O teatro também deverá lidar com as formas do Vazio e da Anamorfose, numa certa medida, com o Clássico e com o Barroco (no plano formal). O teatro enquanto um mecanismo do inconsciente é um lugar que instaura uma falação em torno do Buraco do Vazio. 1 O teatro estabelece-se, enquanto acontecimento catártico, entre os gregos e isto o faz funcionar eternamente. Esta posição valoriza àqueles que sentem algo diante do que acontece a outrem na representação. O teatro é uma arte do público, pois é este que sofre, em última instância, a catarse iniciada pelo ator. Há um giro aqui e isto não significa que se está diante de um espetáculo propriamente dito. Pode haver teatro sempre mesmo quando o espetáculo muda a sua ordenação cênica. O espectador deve ser levado a uma posição de escuta. A técnica cênica visa dar sustentação a esta escuta. A história do teatro não é a história da modificação dos estilos de representar. A história do teatro seria, dentro desta perspectiva, a história de um dispositivo catártico que se desloca continuadamente. 2 Então, entendemos os interesses em torno da pintura e do teatro. Para Lacan, a arte acontece em torno do vazio, é uma organização que se faz à volta do vazio. 1 Eis uma importante diferenciação entre o teatro e as artes do corpo em geral. O teatro não pertence apenas ao corpo. O teatro é um jogo de falação. O teatro, portanto, não é a performance ou a dança, artes onde a escuta não se passa. O espectador não é o ouvinte de uma determinada retórica. O espectador estará posto diante dos mecanismos cênicos e da constituição de um espetáculo que se constrange à corporeidade. 2 Uma vez que o teatro começa, um dispositivo é convenientemente instaurado por toda a eternidade, e se pode balizar apenas os deslocamentos em seu percurso. À evolução, segundo Freud, que pressagia uma espécie de decadência, Lacan prefere o deslocamento, um dos processos primários descobertos por Freud no sonho. Há um espaço teatral, lugares nesse espaço, mudanças de lugar, e isso é tudo. (REGNAULT, 2001: 22)
6 Na pintura, o vazio aparece seguido da anamorfose. No teatro, o espaço mesmo do teatro é o do vazio o teatro faz aparecer o vazio dentro do seu espaço de funcionamento. N Os Embaixadores e em As meninas, a representação da Coisa realiza uma transformação topológica e desloca a própria representação. No teatro, a cena produz um lugar para que o vazio se exiba. Eis os motes: veja isto! e me veja!. (LACAN, 1988; QUINET, 2002; REGNAULT, 2001) Ao final, estaremos tratando da eternidade do que temos como sendo a arte. Diferentemente das abordagens culturalistas e interpretativas (das hermenêuticas), esta história é a história de deslocamentos que impedem que a repetição se afaste. De Lacan até chegar a seus posteriores, a problemática é a da repetição e a da qualidade da diferença em torno da repetição. Eis do que falamos quando estamos pensando em nossas questões acerca da Arte. Referências bibliográficas: LACAN, Jacques. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, QUINET, Antonio. Um olhar a mais: ver e ser visto na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, REGNAULT, François. Em torno do vazio: a arte à luz da psicanálise. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2001.
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