Torcicolo muscular congênito: resultado do tratamento cirúrgico*
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- Lucinda Natal Brezinski
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1 Torcicolo muscular congênito: resultado do tratamento cirúrgico* INGO SCHNEIDER 1, CARLOS H. MAÇANEIRO 2, FLÁVIO R. PAGLIOSA 3 RESUMO Os autores apresentam os resultados obtidos com o tratamento cirúrgico do torcicolo muscular congênito em 34 pacientes livres de qualquer tratamento anterior que foram submetidos a liberação proximal e distal do músculo esternoclidomastóideo. Destes, 20 eram do sexo masculino e 14, do feminino. A idade mínima quando da realização do procedimento foi de dois anos e seis meses e a máxima, de quinze anos e nove meses, sendo que o seguimento variou de quatro meses a quatro anos e onze meses. Foram observados aspectos quanto à gestação, parto, tocotraumatismos e outras associações. A ausência de imobilização no pós-operatório e o início precoce da cinesioterapia, além de serem bem tolerados pelos pacientes, mostraram-se importantes para a boa evolução do tratamento. Os autores concluem que quanto mais jovem o paciente no momento da cirurgia, melhor será o resultado cosmético; observam, porém, que não há contra-indicação para pacientes com mais idade, pois a melhora funcional ocorreu em todos os casos. Unitermos Torcicolo; mobilização precoce SUMMARY Congenital torticollis: results of surgical management The authors present the results obtained through surgical management of the congenital torticollis in thirty four patients who, free of any previous treatment, were submitted to proximal and distal release of the sternomastoid muscle. Twenty of the patients were male and fourteen were female. The lowest age at the surgery was two years and six months * Trab. realiz. no IOT Joinville-SC e Hosp. Munic. São José 1. Médico Chefe do Serviço de Residência. 2. Médico Preceptor do Serviço de Residência. 3. Médico Residente do 3º ano. Rev Bras Ortop Vol. 30. Nº 1-2 Jan/Fev, 1995 and the highest was fifteen years and nine months. The follow-up varied between four months and four years and eleven months. Aspects such as pregnancy, delivery, trauma during birth and other associated conditions were observed. The non use of any kind of imobilization in the post-op period and at the very start of mobilization, was, apart from being well tolerated by the patients, very important in the general progress. The authors concluded that the younger the patient was at the time of surgery the better the cosmetic results; however there were no counterindications in older patients, hence, functional progress was evident regardless of age. Key words Torticollis; wryneck; early mobilization INTRODUÇÃO O torcicolo muscular congênito é conhecido desde a antiguidade, sendo o primeiro registro de correção cirúrgica feita por Isaac Minius, na Alemanha, em 1641 (11). O torcicolo pode ser adquirido ou congênito, sendo que este pode ser devido a fatores musculares, (ósseos, neurogênicos e traumáticos (11). Hubert relata ainda a existência do torcicolo postural, que está presente no nascimento e desaparece naturalmente sem necessidade de tratamento. Existem várias técnicas descritas para o tratamento cirúrgico do torcicolo muscular congênito, tais como: ressecção completa do músculo esternoclidomastóideo (5,14,15), alongamento em Z do músculo encurtado (12) e tenotomia das porções proximal e distal do músculo. No presente trabalho, incluímos somente os tipos musculares congênitos e apresentamos nossa conduta e nossos resultados. MATERIAL E MÉTODOS No período de 1988 a 1992, 34 pacientes com torcicolo muscular congênito, sem tratamento prévio, foram submetidos a liberação proximal e distal do músculo esternoclido- 11
2 I. SCHNEIDER, C.H. MAÇANEIRO & F.R. PAGLIOSA mastóideo, sendo então acompanhados por tempo mínimo de quatro meses e máximo de quatro anos e onze meses. A idade no momento da cirurgia variou de dois anos e seis meses a quinze anos e nove meses. Com relação ao sexo, 20 eram do sexo masculino e 14, do sexo feminino. Quanto ao lado afetado, a incidência foi a mesma. Como Lidge (16), encontramos maior incidência em filhos de mães primíparas (tabela 1). Porém, ao contrário de diversos autores (1,4,8,16,18) que relataram índices elevados de pacientes com apresentação pélvica, em nossa casuística notamos apenas seis casos. Ao mesmo tempo, 17,6% de nossos pacientes tiveram partos cesáreos, o que é um índice elevado, quando comparado com a literatura pesquisada. Tivemos ainda dois casos em pacientes prematuros (tabela 2). A tumoração no músculo, no período neonatal, esteve presente em 15% dos casos, assim como relatado por Armstrong (1) e Ling (17). Encontramos somente duas associações com outras doenças: um caso de Perthes e um caso de criptorquidia, ambos contralaterais. A ocorrência do tocotraumatismo associado também foi pequena, duas neuropraxias do plexo braquial e uma fratura de clavícula, todas contralaterais ao torcicolo. Foram realizadas radiografias da coluna vertebral, constatando-se presença de escoliose torácica em todos os pacientes, com média de oito graus. Em todos os pacientes, o exame oftalmológico pré-operatório foi normal. Fig. 1 Torcicolo à esquerda de lateralização da coluna cervical. Note-se que apenas o ombro do lado operado é seguro pela mão. Fig. 2 Torcicolo à esquerda, exercício de rotação da coluna cervical. Notese que as duas mãos estabilizam os ombros, TABELA 1 Ordem de nascimento Nascimento Nº de casos Percentagem 1ºfilho 19 casos 55,88 2ºfilho 12 casos 32,29 3ºfilho 3 casos 8,83 Total 34 casos 100,00 TABELA 2 Época de nascimento Gestação Nº de casos Percentagem A termo 32 casos 94,11 Prematuridade 2 casos 5,89 Total 34 casos 100,00 12 TRATAMENTO Com o paciente em decúbito dorsal, sob anestesia geral, com discreta inclinação lateral e extensão da coluna cervical, com o rosto voltado para o lado são, utilizamos duas inci - sões retilíneas de aproximadamente três centímetros, uma delas na região retroauricular. para liberação da origem do músculo, e outra supraclavicular, na região da inserção do esternoclidomastóideo, para liberação das inserções esternal e clavicular. Salientamos que não é feita ressecção muscular, apenas a liberação miotendinosa com auxílio de eletrocautério na função corte. A seguir, é feita cuidadosa hemostasia e o fechamento apenas da pele com sutura intradérmica com fio de poliglactina incolor de resistência três zeros. É feito curativo pós-cirúrgico com fita de celulose estéril, após correção da posição da cabeça e pescoço, o que dá Rev Bras Ortop Vol. 30, Nºs 1-2 Jan/Fev, 1995
3 TORCICOLO MUSCULAR CONGÊNITO: RESULTADO DO TRATAMENTO CIRÚRGICO ao paciente conforto no pós-operatório, sem sensação de pele repuxada, de modo que este inicie os exercícios prontamente. Logo que haja total recuperação anestésica, o paciente tem alta hospitalar, apenas com medicação analgésica via oral. Não utilizamos nenhum tipo de imobilização no período pós-cirúrgico e a cinesioterapia é iniciada no dia seguinte à cirurgia. Os exercícios constam de rotação e lateralização da coluna cervical, no mínimo por dez minutos, três vezes ao dia, por pelo menos trinta dias. Estes exercícios são realizados em frente ao espelho, de maneira que o paciente possa acompanhar sua execução. Como têm finalidade de alongamento, devem ser feitos de maneira lenta e gradual (figs. 1 e 2). Aconselhamos sempre que um familiar acompanhe os exercícios; dessa maneira, há orientação; por outro lado, quando o exercício é de lateralização, quem orienta pressiona o ombro contralateral para baixo, enquanto que, durante a execução dos movimentos de rotação, ambos os ombros são mantidos imobilizados. Ressaltamos que no curso do tratamento deve-se explicar aos familiares e paciente que após a cirurgia ele não mais verá o horizonte como estava habituado e que, apesar disso lhe parecer estranho, este passa a ser seu novo plano de visão. RESULTADOS Os resultados foram analisados seguindo o que foi proposto por Canale (3), que considera o resultado funcional e cosmético do tratamento. Assim, observamos aspectos quanto à posição da cabeça, arco de movimento da coluna cervical e simetria facial. Sendo a simetria facial um dado subjetivo, procuramos ter uma rotina de avaliação. observando: tamanho e posição das orelhas, profundidade dos olhos, aplanamento do malar e plagiocefalia, com vistas a tornar este dado objetivo. O resultado cosmético foi considerado satisfatório quando não havia assimetria facial, ou então ela só era percebida pelo examinador; também não podia haver lateralização da cabeça com ou sem bridas residuais. Já para um resultado cosmético insatisfatório, era observada assimetria facial pelos pais, ou pelo próprio paciente, e notavam-se bridas residuais com ou sem lateralização da cabeça. O resultado funcional, por sua vez, foi considerado satisfatório quando observamos que a rotação da coluna cervical estava normal, ou sua perda em menor do que trinta graus, Rev Bras Ortop Vol. 30, N s 1-2 Jan/Fev, 1995 TABELA 3 Grupos de pacientes Grupo Função Cosmese I satisfatória satisfatória II satisfatória insatisfatória Ill insatisfatória insatisfatória TABELA 4 Distribuição dos pacientes Grupo Casos Percentagem I 21 61,76 II 13 38,24 Ill nenhum zero Total enquanto que perda da rotação da coluna cervical em mais de trinta graus caracterizava resultado funcional insatisfatório. A combinação dos resultados funcionais e cosméticos apontou três grupos de pacientes (tabela 3). Seguindo o que foi proposto por Canale, nossos pacientes foram distribuídos no grupo I com 21 casos (figs. 3, 4 e 5), no grupo II com 13 casos (figs. 6, 7 e 8) e nenhum caso no grupo III (tabela 4). Nos pacientes avaliados, nenhum apresentou resultado funcional insatisfatório (perda maior do que 30 graus de rotação da coluna cervical); por isso, nenhum caso foi classificado no grupo III, apesar de 13 pacientes se apresentarem com assimetria facial no pós-operatório. DISCUSSÃO A idade mínima de dois anos e meio, proposta para a realização do procedimento, foi estabelecida pela necessidade de colaboração, no pós-operatório, por parte do paciente, para a realização dos exercícios e pelo fato de os autores considerarem a possibilidade de êxito com o tratamento conservador em pacientes até esta idade. Ao contrário do afirmado por Staheli (20) e Coventry (6), a influência da idade no momento da cirurgia ficou evidente, uma vez que todos os pacientes com nove anos ou mais não tiveram melhora da assimetria facial. Lembramos, no entanto, que quanto ao aspecto funcional a idade não foi empecilho para a melhora, já que nenhum dos nossos pacientes se 13
4 I. SCHNEIDER, C.H. MAÇANEIRO & F.R. PAGLIOSA Fig. 3 Torcicolo à esquerda. A) Aspecto pré-operatório. B) Pós-operatório com dois anos de dois meses. Resultado bom. Fig. 4 Aspecto pós-operatório (paciente da fig.3). A) Executando lateralização da cervical para a direita. B) Executando lateralização da coluna cervical para a esquerda. Fig. 5 Aspecto pós-operatório (paciente da fig. 3). A) Executando rotação da coluna cervical para a esquerda. B) Executando rotação da coluna cervical para a esquerda. 14 Rev Bras Ortop Vol. 30, Nºs 1-2 J0an/Fev, 1995
5 TORCICOLO MUSCULAR CONGÊNITO: RESULTADO DO TRATAMENTO CIRÚRGICO Fig. 6 Torcicolo à direita. A) Aspecto pré-operatório. B) Pós-operatório com dois anos e seis meses. Resultado regular; notar que há afundamento do malar, alteração das orelhas e olhos. Fig. 7 Aspecto pós-operatório (paciente da fig. 6). A) Executando rotação da coluna cervical para a direita. B) Executando rotação da coluna cervical para a esquerda. Fig. 8 Aspecto pós-operatório (paciente da fig. 6). A) Executando lateralização da coluna cervical para a esquerda. B) Executando lateralização da coluna cervical para a direita. Rev Bras Ortop Vol. 30, Nºs 1-2 Jan/Fev,
6 J. SCHNEIDER. C.H. MAÇANEIRO & F.R, PAGLIOS/\ apresentou com perda maior do que 30 graus de rotação da coluna cervical. Observamos também a preservação do V cervical em todos os pacientes, isso porque não realizamos a ressecção de nenhum segmento miotendinoso e com o tempo o músculo liberado acaba por restabelecer continuidade tanto com sua origem como com suas inserções, porém agora no conprimento correto. A ausência de imobilização no pós-operatório e a cinesioterapia precoce foram importantes para a recuperação funcional e prevenção de recidivas, ao contrário do defendido por diversos autores (2,9-11,14,21). Tentamos correlacionar o resultado do tratamento com tocotraumatismos, gestação, parto e sexo, mas não encontramos dados signiticativos. Talmbém não encontramos nenhum caso de displasia de quadril associado, apesar deste fato ser freqüentemente relatado (7,13). CONCLUSÃO Concluímos que o tratamento por nós usado mostrou-se de baixa morbidade, pois não tivemos complicações, e é de baixo custo hospitalar, uma vez que e realizado em regime ambulatorial. Pacientes com mais idade não são contra-indicações para o tratamento, pois a melhora funcional ocorreu em todos os casos. Porém, quanto mais jovem o paciente for no momento da cirurgia, melhor o resultado cosmético. Concluímos também que a liberação cirúrgica pura e simples não necessita de nenhum tipo de imobilização no pósoperatório, sendo este confortável para o paciente, e que a mobilização ativa precoce leva aos resultados desejados. REFERÊNCIAS 1. Armstrong, D., Pickrell. K., Fetter, B. & Pitts, W.: Torticollis: an analysis of 271 cases. PIast Reconstr Surg 35: 14-25, Brown. J. B., McDowell, F. & Wryneck: Facial distortion prevented by resection of fibrosed sternomastoid muscle and childhood. Ann Surg 131: , Canale, S. T., Griffin, D.W. & Hubard, C. N.: Congenital muscular torticollis. A long term follow-up. J Bone Joint Surg [Am] 64: , Chandler, F.A. & Altemberg, A.: Congenital muscular torticollis. JAMA 125: , Chandler, F. A.: Muscular torticollis. J. Bone Joint Surg [Am] 30: , Coventry, M.B. & Harris, L.E.: Congenilal muscular torticollis in infancy. Some observations regarding treatment. J Bone Joint Surg [Am] 41: , Dennis, S.W.: Congenital dislocation hip associated with congenital muscular torticollis. Clin Orthop 121: , Dunn, P.M.: Congenital sternocleidomastoid torticollis: an intrauterine postural deformity. Arch Dis Child 201: , Ferkel. R. D., Westin, G.W., Dawson, E.G. & Oppenheim, W. L.: Muscu - lar torticollis. A modified surgical approach. J Bone Joint Surg [Am] 65: , Goemine, L.: Congenital muscular torticollis. Acta Genet Med Gemellol (Roma) 17: , 1968 Hough, G.N.: Congenital torticollis. A review and result study. Surg Gy - necol Obstet 58: , Hulbert, K.F.: Congenital torricollis. J Bone Joint Surg [Br] 32: 50-59, Hummer, C.D. Jr. & McEven, G.D. : Coexistence of torticollis and congenital dysplasia of the hip. J Bone Joint Surg [Am] 54: , Kaplan, E. B.: Anatomical pitfalls in the surgical treatment of torticollis. Bull Hosp Joint Dis 15: , Lackum, H.L. Von: Removal in early life of the fibrous mass from sternomastoid muscle. Surg Gynecol Obstet 48: , Lidge, R. T., Bechtol, R.C. & Lampert, C. N.: Congenital muscular torlicollis.etiology and pathology. J Bone Joint Surg [Am] 39: , Ling, C.M. & Low, Y. S.: Sternomastoid tumor and torticollis. Clin Orthop 86: , Ling, C.M.: The incidence of age on the results of open tenotomy in muscular torticollis. Clin Orthop 116: , Moseley, T. M.: Treatment of facial distortion due to Wryneck in infants by complete resection of the sternomastoid muscle. Am Surgeon 28: , Staheli, L. T.: Muscular torticollis: late results of operative treatment, Surgery 69: , Tanabe, G. & Kunisada, H.: Operative treatment of congenital muscular torticollis: long term result of myotormy. Acta Med Okayama 31: 59-70, Rev Bras Ortop Vol. 30, N s 1-2 Jan/Fev, 1995
Professor Instrutor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo FCMSCSP São Paulo (SP), Brasil. 4
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