PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP LUCIANE SANTOS ROSENBAUM

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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP LUCIANE SANTOS ROSENBAUM Estudo comparativo sobre a Educação Matemática presente em currículos: Brasil e Uruguai DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA São Paulo 2014

2 2 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP LUCIANE SANTOS ROSENBAUM Estudo comparativo sobre a Educação Matemática presente em currículos: Brasil e Uruguai Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Educação Matemática, sob a orientação da Professora Doutora Célia Maria Carolino Pires. São Paulo 2014

3 3 BANCA EXAMINADORA Aprovado em de de Dra. Célia Maria Carolino Pires (orientadora) Dra. Sonia Barbosa Camargo Igliori (PUC-SP) Dra. Barbara Lutaif Bianchini (PUC-SP) Dr. Vinicio de Macedo Santos (USP-SP) Dr. Harryson Júnio Lessa Gonçalves (UNESP)

4 4 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos meus filhos, Felipe e Isabela, ao meu marido Mário, à minha mãe Magdalena, à minha irmã Rosana e aos meus filhos Alessandro e Vinicius, pelo apoio incomensurável sempre.

5 5 AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar agradeço a Deus pela dádiva da vida. Meu muito obrigado a todas as pessoas que tornaram possível a realização deste trabalho: À minha família querida, especialmente minha Mãezinha, meus filhos com sua compreensão infinita, meu marido com seu apoio incondicional, irmã e sobrinhos, por compreenderem minha ausência por tantos anos. Aos saudosos pai Carlos, irmão Carlinhos e vó Herminia... por fazerem parte do meu alicerce. À minha querida orientadora Célia Carolino Pires, que me apoiou, incentivou, inspirou e orientou para que este trabalho se concretizasse. Seu conhecimento, engajamento e humildade são lições que carregarei sempre no meu ser. Aos membros da banca examinadora que contribuíram para a concretização deste trabalho: Sonia Igliori, Barbara Bianchini, Vinicio Santos,. Harryson Gonçalves. À Capes por me conceder a bolsa, essencial para a permanência e a conclusão do Doutorado na PUC-SP. Agradeço aos queridos amigos da turma de Doutorado, espalhada por várias partes deste mundo, em especial, aos amigos Miguel e Agnaldo. A todos os colegas do grupo de pesquisa Desenvolvimento Curricular em Matemática e Formação de Professores do Programa de Estudos Pós- Graduados em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Aos meus professores da PUC-SP e à minha banca de qualificação de tese pelos preciosos ensinamentos e orientações. Aos professores e especialistas do Brasil e do Uruguai pela colaboração com as entrevistas concedidas. Aos queridos amigos do Colégio Santa Clara, em especial à Irmã Marta, às orientadoras Tereza, Rita e Márcia e à amiga Shirley, pelo apoio e compreensão nos momentos de tensão. Aos amigos e familiares que entenderam minhas ausências durante o Doutorado.

6 6 EPÍGRAFE Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu. Darcy Ribeiro

7 7 ROSENBAUM, L.S. Estudo comparativo sobre a Educação Matemática presente em currículos: Brasil e Uruguai p. Tese (Doutorado em Educação Matemática) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. RESUMO A presente investigação tem como objetivo desenvolver análises comparativas sobre organização e desenvolvimento curricular, na área de Educação Matemática, entre Brasil e Uruguai, tendo em vista a importância de se buscarem soluções para problemas desafiadores relativos à elaboração curricular. Trata-se de pesquisa de natureza qualitativa, e, utilizando pesquisa bibliográfica, analisaremos nos currículos prescritos e nos apresentados evidências da apropriação ou não de resultados de pesquisa em Educação Matemática nos documentos oficiais desses países. A partir de entrevistas realizadas com atores do currículo dos dois países, identificamos aspectos comuns e especificidades dos currículos de Matemática e suas formas de organização e levantamos dados que evidenciam a adesão, ou a rejeição, dos professores de Matemática às orientações curriculares prescritas nos documentos oficiais, procurando indícios sobre a efetivação de tais currículos na sala de aula. As análises efetuadas revelam muitas similaridades no tocante aos conteúdos apresentados nas prescrições curriculares e indícios da influência de resultados da pesquisa em Educação Matemática no desenvolvimento dos currículos dos países pesquisados. No entanto, encontramos diferenças na implementação, na organização dos currículos e na postura dos professores diante das recomendações curriculares. Palavras-chave: Estudo comparativo, Brasil e Uruguai, Currículo de Matemática.

8 8 ROSENBAUM, L.S. Comparative Study on Mathematics Education in curricula: Brazil and Uruguay. Dissertation (PhD in Mathematics Education) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, p ABSTRACT This research aims to develop comparative analyses about organization and curriculum development in the area of mathematics education, between Brazil and Uruguay, considering the importance of seeking solutions to challenging problems related to curriculum design. This is a qualitative research. Using literature in the area, we are going to analyze in the prescribed and presented curricula, the evidence or not of the knowledge of research results in Mathematics Education in the official documents of these countries. From interviews with actors of the curriculum from the two countries, we identified common aspects and specific items of mathematics curricula and forms of organization. We raised data that show acceptance or rejection of teachers of mathematics to the curriculum guidelines in the official documents, looking for evidences about the effectiveness of such curricula in the classroom. The analyzes reveal many similarities concerning contents in the curricular requirements and evidence of the influence of research results in Mathematics Education in curriculum development of the countries surveyed. However, we found differences in implementation, organization of the curriculum and in the attitude of teachers concerning recommendations. Keywords: Comparative study, Brazil and Uruguay, Math Curriculum

9 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Processo de desenvolvimento do currículo Figura 2: Linha de tempo do Ensino Obrigatório brasileiro Figura 3: Organização da Educação Básica no Brasil Figura 4: Organização da Educação Básica no Uruguai Figura 5: Quadro comparativo dos sistemas educacionais do Brasil e Uruguai Figura 6: Documentos curriculares brasileiros para EF Figura 7: Documentos curriculares uruguaios para EF Figura 8: Rede conceitual para Aritmética Figura 9: Atividade extraída do currículo Figura 10: Blocos de conteúdos para EF no Brasil e Uruguai Figura 11: Áreas do Currículo do Ensino Médio no Brasil Figura 12: Documentos curriculares brasileiros para EM Figura 13: Site do Conselho de Educação Secundária do Uruguai

10 10 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Blocos de conteúdos indicados pelos documentos oficiais Quadro 2: Organização da Tese Quadro 3: Critérios para a organização do currículo de Matemática Quadro 4: Dimensões que caracterizam as finalidades da Educação Matemática Quadro 5: Classificação Internacional Normalizada da Educação (ISCED) Quadro 6: Número de matrículas por nível de ensino 2009 (ISCED) Quadro 7: Matriz curricular Ensino Médio diurno das escolas estaduais do Estado de São Paulo Quadro 8: Matriz curricular Primeiro ano do Bachillerato Quadro 9: Matriz curricular Segundo ano do Bachillerato Quadro 10: Matriz curricular Terceiro ano do Bachillerato (continua) Quadro 10: Matriz curricular Terceiro ano do Bachillerato (conclusão) Quadro 11: Temas estruturadores para o Ensino Médio, por série, Brasil Quadro 12: Quadro comparativo dos temas estruturadores para o EM do Brasil e Uruguai Quadro 14: Disciplinas que não apresentaram similaridades do terceiro ano do Bachillerato Quadro 15: Distribuição dos temas Matemáticos entre as opções do terceiro Bachillerato Quadro 16: Profissionais entrevistados

11 11 LISTA DE TABELAS Tabela 1: IDH de Brasil e Uruguai - território e população de cada país Tabela 2: Taxa de alfabetização de adultos no Brasil e Uruguai Tabela 3: Investimento de PIB em educação no Brasil e Uruguai e população em idade educacional Tabela 4: Documentos analisados para EI e EF do Brasil e Uruguai Tabela 5: Documentos analisados para o EM do Brasil e Uruguai

12 12 LISTA DE SIGLAS 1. CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 2. EF Ensino Fundamental 3. EI Educação Infantil 4. EM Ensino Médio 5. IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 6. IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Brasil) 7. IDH Índice de Desenvolvimento Humano 8. IDHM Índice de Desenvolvimento Humano por Município 9. ICME International Congress on Mathematical Education 10. IME Instituto de Matemática e Estatística 11. ISCED Classificação Internacional Normalizada da Educação 12. FISEM Federação Iberoamericana de Sociedades de Educação Matemática 13. FUNDEF Fundo de desenvolvimento para o Ensino Fundamental 14. FUNDEB Fundo de desenvolvimento para a Educação Básica 15. LDB Leis de Diretrizes e Bases da Educação (Brasil) 16. LGE Lei Geral de Educação (Uruguai) 17. MEC Ministério da Educação e Cultura (Brasil) 18. MMM Movimento da Matemática Moderna 19. MERCOSUL Mercado Comum da América do Sul 20. NTCM National Teachers Council of Mathematics 21. OECD Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico 22. ONU Organização das Nações Unidas 23. PCN Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil) 24. PCNEF Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (Brasil) 25. PCNEM Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Brasil) 26. PIB Produto Interno Bruto 27. PISA Programme for International Student Assessment 28. PNLD Plano Nacional do Livro Didático 29. PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

13 PROLAM Programa de Pós-Graduação Interunidades em Integração da América Latina 31. RCNEF Referencial curricular nacional para a Educação Infantil 32. SARESP Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo 33. SBEM Sociedade Brasileira de Educação Matemática 34. SEF Secretaria de Ensino Fundamental (Brasil) 35. UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura 36. USP Universidade de São Paulo

14 14 SUMÁRIO CAPÍTULO APRESENTAÇÃO DA PESQUISA Introdução Revisão de literatura Delimitação da problemática e declaração de objetivos e questões de pesquisa A inserção no projeto e a escolha do Uruguai Primeiras aproximações com estudos comparativos Os estudos comparados: contribuições de Ferrer Estruturando nossa pesquisa CAPÍTULO ESTUDOS SOBRE CURRÍCULOS DE MATEMÁTICA: APORTES TEÓRICOS Introdução Um início da discussão curricular Critérios para a organização do currículo de Matemática: contribuições de Doll Jr. e Silva O processo de desenvolvimento curricular: contribuições de Sacristán Contribuições de Rico Romero no campo de pesquisas em currículos de Matemática Contribuições de Alan Bishop para a discussão dos currículos de Matemática Outros temas presentes nos currículos de Matemática A metodologia de resolução de problemas A contextualização no currículo de Matemática CAPÍTULO BRASIL E URUGUAI: CONTEXTOS POLÍTICO, SOCIAL, ECONÔMICO E EDUCACIONAL E REFORMAS CURRICULARES Introdução Os contextos: econômico, social, político e educacional do Brasil nas décadas de 1980 e Os contextos: econômico, social e político do Uruguai nas décadas de 1980 e O contexto educacional das reformas curriculares na América Latina O contexto do Ensino de Matemática o Movimento da Matemática Moderna, uma reforma? Contexto educacional nos países pesquisados Brasil... 98

15 O sistema educacional regular brasileiro Avaliação do sistema educacional do Brasil Uruguai O Sistema de Ensino Nacional do Uruguai A avaliação do sistema educacional do Uruguai Brasil e Uruguai, alguns índices de comparação CAPÍTULO CURRÍCULOS DE MATEMÁTICA PRESCRITOS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO FUNDAMENTAL DO BRASIL E URUGUAI Introdução Brasil Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental Uruguai Programa de Educación Inicial y Primaria Finalidades da Matemática nos Currículos para o Ensino Fundamental do Brasil e do Uruguai Seleção de conteúdos Organização de conteúdos Educação Infantil Ensino Fundamental Números e operações x Numeración e operaciones Espaço e forma e Geometria Grandezas e medidas x magnitudes e medidas Tratamento da informação e Estatística e Probabilidade Recursos didáticos e metodológicos Avaliação da aprendizagem Influências observáveis de pesquisas das áreas da Educação e Psicologia Influências observáveis das pesquisas em Educação Matemática CAPÍTULO CURRÍCULOS DE MATEMÁTICA PRESCRITOS PARA O ENSINO MÉDIO NO BRASIL E URUGUAI Introdução Brasil: Organização do Ensino Médio e prescrições curriculares Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, PCN+EM e Orientações curriculares para o Ensino Médio Uruguai: Organização do Ensino Médio e prescrições curriculares Finalidades da Matemática nos currículos do Ensino Médio do Brasil e do Uruguai

16 Seleção de conteúdos Organização de conteúdos Tema: Álgebra: números e funções Tema: Geometria Tema Análise de dados e Probabilidade Recursos didáticos e metodológicos Avaliação da aprendizagem Influências observáveis de pesquisas das áreas da Educação, Psicologia e Educação Matemática Especificidade do currículo do Uruguai Análise das ementas de Matemática Segundo ano do Bachillerato Diversificação científica Terceiro ano do Bachillerato Terceiro ano do Bachillerato Similaridades da disciplina Matemática I para as opções Social-econômica e Social-humanística Disciplina Matemática II da opção Social-econômica Terceiro ano do Bachillerato Similaridades da disciplina Matemática para as opções Ciências Biológicas e Ciências Agrárias Terceiro ano do Bachillerato Similaridades da disciplina Matemática I para as opções Físico-matemática e Matemática e Desenho Singularidades da disciplina Matemática I da opção Físico-matemática Singularidades da disciplina Matemática I da opção Matemática e Desenho Singularidades da disciplina Matemática II da opção Físico-matemática Singularidades da disciplina Matemática IV da opção Matemática e Desenho CAPÍTULO DIFERENTES PERCEPÇÕES DOS ATORES SOBRE OS CURRÍCULOS DE MATEMÁTICA NO BRASIL E URUGUAI Introdução Algumas informações sobre o perfil dos entrevistados Elaboradores do Currículo de Matemática Gestores das escolas Docentes polivalentes que atuam no Ensino Fundamental Anos iniciais Docentes licenciados em Matemática que atuam nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio Docentes licenciados em Matemática que atuam na Educação Superior Visões sobre o currículo

17 Visões acerca da obrigatoriedade do currículo prescrito e da autonomia na realização do currículo Processo de elaboração do currículo de Matemática prescrito Recomendações metodológicas apresentadas nos currículos prescritos Indícios de influências das pesquisas na elaboração dos currículos prescritos Processo de implementação curricular A relação dos professores com os currículos prescritos Influência das avaliações externas na elaboração dos currículos prescritos Influência dos currículos prescritos nos livros didáticos CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS ANEXO I Comparação do currículo do Brasil e Uruguai ANEXO 2 Ementas das disciplinas de Matemática para o Terceiro ano do Bachillerato Uruguai 383 ANEXO III Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ANEXO IV Caracterização dos entrevistados ANEXO V Instrumento de coleta de dados

18 18 APRESENTAÇÃO DA PESQUISA CAPÍTULO 1 Introdução Sou professora de Matemática em escolas públicas e em escola particular da Educação Básica no Estado de São Paulo. Desde os primeiros anos de prática docente, algumas questões estiveram presentes em minhas reflexões sobre meu trabalho: como o ensino de Matemática poderia ser orientado no sentido de que os alunos se interessassem mais por essa área do conhecimento? Por que não conseguimos ensinar Matemática à grande parte de nossos alunos? Os conteúdos matemáticos que selecionamos são os mais adequados? O que falta em nossa formação docente? Em meus primeiros anos de magistério cursava o Bacharelado em Comunicação Social, mas atuava como professora temporária para subsidiar meus estudos. Depois de dois anos como temporária, decidi me tornar professora e para tal cursei a Licenciatura em Matemática. No entanto, minha formação inicial não foi suficiente nem em termos de conhecimentos sobre conteúdos matemáticos e, menos ainda, no tocante aos conhecimentos pedagógicos. Sentindo essas deficiências, participei de cursos de extensão e cursei algumas disciplinas no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. No segundo semestre de 2007, ingressei no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para cursar o Mestrado Profissional em Ensino de Matemática. Durante o curso, na busca de desenvolver um projeto de pesquisa que pudesse responder a algumas de minhas inquietações na prática docente, passei a integrar o Grupo de Pesquisa Desenvolvimento Curricular em Matemática e Formação de Professores, liderado pela Profa. Dra. Célia Maria Carolino Pires, e que na época também contava com a participação do Prof. Dr. Armando Traldi Júnior, que foi o orientador de minha dissertação. Meu trabalho fez parte de um projeto de

19 19 Pesquisa denominado Construção de Trajetórias Hipotéticas de Aprendizagem e implementação de inovações curriculares em Matemática no Ensino Médio, cujo tema era Funções Trigonométricas. Os resultados obtidos nos levaram a concluir que o uso dos resultados das pesquisas em Educação Matemática contribui para potencializar o aprendizado de Funções Trigonométricas. No entanto, a atuação do professor tem papel decisivo na mediação da construção do conhecimento dos seus alunos. O desenvolvimento dessa pesquisa foi um incentivo para que eu continuasse os estudos e me ajudou a compreender a complexidade da ação educativa, buscando respostas para as questões que formulava em minha prática, mas agora consciente de que estas não se resolvem por mágicas. Em 2011, ingressei no Doutorado em Educação Matemática também no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e permaneci no mesmo grupo de pesquisa do Mestrado, em função de meu interesse pelas temáticas investigadas nos projetos que esse grupo desenvolve. Participando das reuniões semanais do grupo, tive interesse em me inserir em um projeto denominado Pesquisas comparativas sobre organização e desenvolvimento curricular na área de Educação Matemática, em países da América Latina: currículos prescritos e currículos praticados, que vem sendo conduzido pela Profa. Dra. Célia Maria Carolino Pires, desde A justificativa à proposição do projeto se fundamenta na carência de pesquisas comparativas acerca dos currículos de Matemática no Brasil e outros países, especialmente entre os países latino-americanos, no Banco de Teses da Capes e outras bases de dados. Em artigo publicado na revista Educação Matemática Pesquisa, a pesquisadora relata: Propusemos então como objetivos do Projeto de Pesquisa (1) identificar aspectos comuns e especificidades dos currículos de Matemática em cada um desses países e as formas de organização; (2) identificar os principais impactos da Educação Matemática na formulação de currículos prescritos; (3) buscar dados que evidenciem a adesão ou a rejeição dos professores de Matemática às orientações curriculares prescritas nos documentos oficiais; (4) buscar indícios referentes aos currículos que realmente se efetivem nas salas de aula. Tais objetivos levaram à formulação das seguintes questões norteadoras: que Matemática está sendo proposta a ser ensinada a crianças e jovens de países latino-americanos neste início de milênio? Que pressupostos norteiam os documentos curriculares em países latino-americanos? Como se dá o processo de implementação curricular nesses países? (PIRES, 2013, p. 516).

20 20 Em uma primeira etapa, os estudos foram realizados pelos pesquisadores Emílio Celso de Oliveira, Brasil e Argentina (OLIVEIRA, 2013); Dermeval Santos Cerqueira, Brasil e Chile (CERQUEIRA, 2012); e Marcelo de Oliveira Dias, Brasil e Paraguai (DIAS, 2012). Em uma segunda etapa, foram propostas as comparações entre Brasil e Uruguai, Brasil e Peru, Brasil e Venezuela. Coube a mim o estudo comparativo entre Brasil e Uruguai, e os doutorandos Miguel Fortunato Athias e Marcelo Navarro da Silva estão efetuando os estudos que envolvem Brasil e Peru, e Brasil e Venezuela, respectivamente. Ressaltamos que nossa opção pela realização deste estudo, por um lado, atrela-se ao interesse construído em meu percurso profissional e acadêmico, no sentido de compreender como se organizam, se desenvolvem, se implementam e se avaliam as propostas curriculares de Matemática e como influenciam o ensino e a aprendizagem dessa disciplina na Educação Básica. Por outro lado, relaciona-se à necessidade que identificamos, na Educação Matemática, de aprofundar as investigações sobre o tema do Currículo, que aparece em vários estudos como uma das variáveis intervenientes, mas que é pouco explorada como objeto de investigação. Para nos certificarmos dessa necessidade, realizamos uma revisão da literatura buscando levantar a produção de conhecimentos existentes sobre currículos de Matemática prescritos e praticados para o nível de Educação Básica, especialmente com foco no Brasil e/ou no Uruguai Revisão de literatura A revisão bibliográfica realizada durante a fase inicial de nosso trabalho, necessária para identificar dissertações e teses que nos auxiliassem na aproximação do tema, foi feita por meio eletrônico em sites da internet repositórios de pesquisas acadêmicas. No levantamento de pesquisas disponíveis no Banco de Teses da Capes 1 (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior), nos sites do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Integração da América Latina (Prolam/USP) 2 e no Centro de Pesquisa e 1 Disponível em: < Acesso em: 15 fev Disponível em: < Acesso em: 15 fev

21 21 Pós-Graduação sobre as Américas 3 (Ceppac), vinculado à Universidade de Brasília (UnB), não encontramos nenhuma pesquisa comparativa entre a educação do Brasil e Uruguai. No site da Sociedade Brasileira de Educação Comparada (SBEC), 4 localizamos referência à tese de Aguiar (2008) e à dissertação de Gregório (2009). A tese de doutorado de Costa (2011) intitulada O currículo de Matemática no Ensino Médio do Brasil e a diversidade de percursos formativos teve por objetivo investigar e analisar criticamente a produção curricular oficial para o Ensino Médio no Brasil, procurando identificar e discutir significados, limites e possibilidades de um currículo de Matemática que tenha como pressuposto responder às necessidades objetivas, socioeconômicas e culturais do estudante. O pesquisador fez uma análise documental qualitativa referente à formulação, implementação e comparação de currículos, com o intuito de verificar o modo de equacionamento do Ensino Médio nos países estudados Brasil, Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Estados Unidos da América. Encontramos Sacristán e Bishop entre os referenciais utilizados na investigação. Entre os resultados obtidos por Costa (2011), há similaridade na cobertura dos conteúdos de funções e sucessões, Geometria (no plano e no espaço) com vetores, Probabilidades (com Análise combinatória) e Estatística e Cálculo Diferencial (exceto no Brasil). O pesquisador obteve resultado semelhante quando verificou que todos os países distribuem os temas em seus currículos para o Ensino Médio: Aplicações e Modelagem Matemática, Comunicação e Matemática, História da Matemática, Lógica e Raciocínio Matemático, Resolução de problemas e atividades investigativas e Tecnologia e Matemática. O autor afirma que todos os demais países analisados, exceto o Brasil, apresentam ao menos três percursos formativos diferentes, de modo a aumentar o interesse dos jovens nos estudos secundários superiores, a elevar o número de concluintes e a evitar a evasão escolar. Em sua tese Estudo comparativo entre Brasil e Portugal sobre diferenças nas ênfases curriculares de Matemática a partir da análise do Funcionamento Diferencial do Item (DIF) do Pisa 2003", Aguiar (2008) identifica que os resultados dos países em avaliações internacionais constituem estratégias para analisar o currículo efetivamente 3 Disponível em: < Acesso em 15 fev Disponível em: < Acesso em: 15 fev

22 22 aprendido pelos estudantes e as ênfases pedagógicas e socioculturais utilizadas pelos professores de Matemática de cada país. Segundo Aguiar (2008), as características próprias de cada país exercem influência na organização do seu sistema educacional, na forma como os currículos são organizados e na ênfase com que se explora determinado conteúdo em sala de aula, entre outras (AGUIAR, 2010, p. 187), o que reflete no desempenho dos alunos que participam de testes internacionais como o Pisa. Os resultados obtidos indicam que alguns itens de Matemática apresentam funcionamento diferencial entre alunos brasileiros e portugueses. Os aspectos que explicam este funcionamento diferencial estão relacionados a ênfases diferenciadas não apenas em determinados conteúdos da Matemática, mas também de processos cognitivos e do formato do item. A dissertação de Gregório (2009), intitulada Os estudos de Educação Comparada internacional no banco de teses e dissertações da Capes no período de 1987 a 2006, traz importantes contribuições para área de Educação Comparada, porém o estudo não trata de temas atinentes à Educação Matemática. A partir de pesquisa realizada no portal da Sociedade Brasileira de Educação Comparada, Gregório (2009) apresenta o estado da arte dos estudos de Educação Comparada no período de 1987 a Ele analisa a produção acadêmica do Brasil, na forma de dissertações de mestrado e teses de doutorado, nas duas últimas décadas, na área de Educação Comparada Internacional. Entre as 53 dissertações e teses que compreendem estudos comparativos internacionais na área da Educação no período pesquisado, 11 trabalhos foram categorizados por apresentarem análises de sistemas e políticas educacionais. Os resultados obtidos por Gregório mostraram que, embora alguns desses trabalhos contenham concepções das agências multilaterais financiadoras, a maioria deles é crítica e denuncia os modelos hegemônicos estabelecidos pelos países desenvolvidos e que são impostos aos países em desenvolvimento, a partir de diagnósticos uniformizadores realizados pelas agências multilaterais. Essa revisão bibliográfica indica que estudos comparativos não estão sendo realizados acerca do currículo de Matemática para a escola básica do Brasil e Uruguai. Nosso estudo tem a intenção de contribuir com a discussão sobre a organização e desenvolvimento curricular de Matemática nos níveis correspondentes à educação de alunos da faixa etária de 6 a 17 anos, em destaque a comunidade latino-americana; ressalta-se que são comuns estudos que analisam contextos de países norte-americanos e europeus.

23 23 Ao longo do período de realização da nossa investigação, tivemos oportunidade de discutir nas reuniões do grupo de pesquisa os resultados de três investigações desenvolvidas no âmbito de projeto Pesquisas comparativas sobre organização e desenvolvimento curricular na área de Educação Matemática, em países da América Latina: currículos prescritos e currículos praticados. Referimo-nos aos estudos feitos pelos pesquisadores Oliveira (Brasil-Argentina), 5 Cerqueira (Brasil-Chile) 6 e Dias (Brasil- Paraguai). 7 Conforme consta nas teses dos autores (CERQUEIRA, 2012; DIAS, 2012; OLIVEIRA, 2013), a primeira fase da investigação consistiu em levantamento de dissertações e teses no site do Banco de Teses da Capes e no site do Programa de Pós- Graduação Interunidades em Integração da América Latina (Prolam/USP). A segunda fase dos estudos compreendeu a realização da pesquisa documental para buscar informações sobre os currículos de Matemática prescritos nos países pesquisados, para os níveis correspondentes à Educação Básica brasileira e levantamento de dados sobre a legislação, organização dos sistemas educativos e ações empreendidas pelos Ministérios de Educação ao longo do período iniciado na década de 90 até o momento atual. Concomitantemente, os doutorandos se dedicaram aos assuntos teóricos referentes aos estudos comparados, concepções de currículos e tendências da Educação Matemática. A terceira fase foi iniciada com a preparação de instrumentos para a coleta de dados tanto no Brasil como nos outros países pesquisados, e foi concluída com a realização de entrevistas com diferentes atores do processo de organização e desenvolvimento curricular: elaboradores do currículo prescrito, membros da equipe gestora das escolas e professores dos diferentes países, a fim de compreender percepções de variados atores do processo acerca da elaboração, da organização e do desenvolvimento do currículo de Matemática para o período correspondente à educação de alunos na faixa de 6 a 17 anos, nesses países. De modo geral, observa-se uma similaridade na seleção de conteúdos dos países pesquisados. O trabalho com noções preliminares de Estatística, Combinatória e Probabilidade está presente no período correspondente ao Ensino Fundamental no Brasil, e 5 OLIVEIRA, CERQUEIRA, DIAS, 2012.

24 24 se configura como um elemento novo nos currículos prescritos. No quadro 1 sintetizamos os blocos de conteúdos indicados em alguns dos países pesquisados: Quadro 1: Blocos de conteúdos indicados pelos documentos oficiais Blocos de conteúdos (ENSINO FUNDAMENTAL) Blocos de conteúdos (ENSINO MÉDIO) ARG Números Operações Linguagem gráfica e algébrica Noções geométricas Medições Compreensão de estatística e probabilidade Números e funções Álgebra e geometria Estatística e probabilidade Conteúdos procedimentais das tarefas matemáticas Conteúdos atitudinais Procedimentos relacionados com a tarefa matemática Atitudes gerais relacionadas com a tarefa matemática BRA Números e operações Espaço e Forma Grandezas e medidas Álgebra: números e funções Geometria Análise de dados e probabilidade Tratamento da informação CHI Números e Operações Álgebra Padrões e relações Geometria As medições e os dados Números Álgebra e funções Geometria Dados e Jogos Álgebra PAR Números e operações Geometria e medida Operações e expressões algébricas Geometria e medidas Os dados e a estatística Álgebra Trigonometria Geometria analítica Cálculo Infinitesimal Estatística e probabilidade URU Álgebra Geometria Magnitudes e medidas Estatística e probabilidade Aritmética: números e operações Álgebra Geometria Estatística e probabilidade Números Fonte: Cerqueira (2012); Dias (2012); Oliveira (2013) e documentos oficiais dos países pesquisados. Os documentos analisados pelos pesquisadores refletem a influência das tendências e teorizações relativas à área de Educação Matemática nas concepções adotadas e sobre as recomendações metodológicas. Dentre essas tendências destacam-se: Resolução de problemas como eixo metodológico Uso de situações contextualizadas e desafiadoras para os alunos Ênfase no papel do erro no processo de aprendizagem Uso de tecnologias (calculadoras, softwares computacionais etc.) Abordagens interdisciplinares, Modelagem e Etnomatemática

25 25 Uso de jogos e caráter lúdico das atividades matemáticas Recurso à história da Matemática As pesquisas desenvolvidas até o momento apontam que, no que tange aos currículos prescritos, há grandes similaridades na proposição de finalidades do ensino de Matemática para a Educação Básica, como também na seleção de conteúdos a serem trabalhados. Outra característica comum detectada pelos pesquisadores é a ênfase na metodologia de Resolução de Problemas. Os estudos de Oliveira (2013) e Cerqueira (2012) revelam que os países pesquisados têm a preocupação com a proposição de um currículo de Matemática que promova a formação cidadã: Em vista da ênfase na dimensão política, analisamos as indicações sobre o papel da Matemática na formação dos cidadãos, na perspectiva de Skovsmose (2008). Verificamos que os currículos apresentam similaridades, preconizando o desenvolvimento de competência crítica e o engajamento crítico dos alunos, para tratarem as questões surgidas nas práticas sociais com diálogo e atuação democrática (OLIVEIRA, 2013, p. 261). Os elementos necessários que Skovsmose (2001) defende para a elaboração e consecução do currículo como a competência crítica, a distância crítica e o engajamento crítico, manifestaram-se na organização desses currículos com vistas à formação cidadã dos alunos (CERQUEIRA, 2012, p ). Outro resultado do estudo de Cerqueira (2012) indica que a seleção dos conteúdos de Matemática é bastante similar e só apresenta diferenças na organização do currículo: No Ensino Fundamental e Médio do Brasil e Educação Básica e Média do Chile, observamos que a estrutura curricular difere em números de blocos de conteúdos, no entanto essa diferença é apenas escolha de cada país na forma de organização e distribuição dos conteúdos a serem desenvolvidos no decorrer dessas etapas educacionais. Verificamos conteúdos elencados em um país, que pareiam com a do outro, isto é, não identificamos diferenças nas listas de conteúdos matemáticos (CERQUEIRA, 2012, p. 206). No entanto, os resultados das investigações revelam a complexidade do processo de implementação de inovações curriculares e as mudanças necessárias nos materiais didáticos e nas práticas dos professores. Outra similaridade detectada pelos pesquisadores é o entendimento superficial da metodologia de Resolução de Problemas por parte dos docentes pesquisados. A falta de compreensão de como utilizar as contribuições deste recurso nas salas de aula torna seu uso equivocado e não permite que os alunos se beneficiem dos avanços que tal estratégia possibilita à aprendizagem dos estudantes.

26 26 Segundo Dias (2012), as crenças e as concepções dos professores dificultam a incorporação das inovações propostas pelos documentos: Não obstante, as orientações sobre resolução de problemas, concepções de aprendizagem, História da Matemática e uso de tecnologias, embora presentes nos currículos prescritos, indicam dificuldades de sua incorporação na prática. Tal afirmação é justificada pelo fato, de que essas recomendações pressuporem uma mudança de paradigma referente à maneira de conceber a Matemática e seu ensino, as concepções e crenças de professores sobre o ensinar Matemática e, por fim, as percepções dos estudantes sobre aprender Matemática (DIAS, 2012, p ). A análise dos resultados das pesquisas desenvolvidas até o momento indica a influência das pesquisas em Educação Matemática na organização e elaboração dos currículos prescritos de Matemática dos países pesquisados. No entanto, a efetiva incorporação das recomendações e inovações curriculares nas práticas docentes ainda se encontra distante Delimitação da problemática e declaração de objetivos e questões de pesquisa As discussões curriculares já estavam no rol das preocupações dos pesquisadores mesmo antes da Educação Matemática se estruturar como área. As primeiras pesquisas desenvolvidas na área já priorizavam como os conteúdos de Matemática devem ser ensinados. No IV Congresso Internacional de Matemáticos, realizado em 1908, em Roma, criou-se uma comissão internacional sobre o ensino de Matemática com o objetivo de investigar as diferentes formas de organização do currículo de Matemática em todos os níveis de escolaridade. Os países participantes deveriam formar subcomissões nacionais para a apresentação de relatórios à comissão internacional. Entre as 20 subcomissões, os seguintes países: Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Hungria, Suécia, Reino Unido e os Estados Unidos não apenas entregaram relatórios, como também realizaram reformas significativas até o ano de Entretanto, mesmo reconhecendo que as comparações internacionais de currículos foram mais descritivas do que analíticas, Kilpatrick (1992) declara que os estudos desenvolvidos na segunda década do século passado marcaram o início do processo de descobrir que Matemática estava sendo ensinada nas escolas e como ela deveria estar sendo ensinada (KILPATRICK, 1992, p. 7). Uma importante discussão curricular foi empreendida com o Movimento da Matemática Moderna na metade do século XX. No prefácio do livro O fracasso da

27 27 Matemática Moderna, Kline (1976) apresenta o baixo desempenho dos alunos em Matemática como uma das razões que poderia ter provocado a necessidade de reformas no currículo e no ensino da disciplina. Grupos foram formados em diversos países para se discutir o currículo que deveria ser ensinado aos alunos. Essa efervescência motivada pelo Movimento é um dos principais frutos que devemos reconhecer desse período. O interesse internacional pela temática pode ser verificado em eventos como o ICME 11 (11th International Congress on Mathematical Education 11º Congresso Internacional de Educação Matemática), realizado no México em 2008, o qual apresentou três grupos que discutiram a temática curricular: o 1: Reforma curricular: movimentos, processos e políticas; o 4: Reconceituar o currículo de Matemática; e o 14: As comparações internacionais em Educação Matemática. Em publicações como o Third International Handbook of Mathematics Education, de Clements (2013), os 31 capítulos do Manual escrito por 84 autores diferentes de 26 países (o handbook) se propõem a discutir as perspectivas internacionais do passado, do presente e as futuras questões da Educação Matemática, entre elas a influência curricular da tecnologia no ensino de Matemática. Nesta investigação apresentamos um estudo com enfoque analítico com o objetivo de identificar quais fatores têm papel fundamental na definição dos currículos, em sua implementação curricular e prática nas escolas. Aqui adotamos o termo analítico para compreender as singularidades (similaridades, diferenças e ênfases que cada nação escolhe) em cada cenário dos países pesquisados. A intenção de fazer um estudo comparativo não se restringe a simples reprodução automática de estratégias utilizadas em outros contextos, mas a promover um intercâmbio de soluções aos problemas educacionais considerando a peculiaridade de cada cultura e contexto analisados. Tomando por base os objetivos gerais do projeto Pesquisas comparativas sobre organização e desenvolvimento curricular na área de Educação Matemática, em países da América Latina: currículos prescritos e currículos praticados, e com mais elementos sobre a importância desse tipo de investigação diante da carência de pesquisas reveladas na revisão de literatura, formulamos nossos objetivos e delineamos as questões de pesquisas que norteiam nossa investigação. Estudando os currículos de Matemática para a Educação Básica, elaborados e divulgados a partir da década de 90, no Brasil e no Uruguai, e buscando indícios sobre sua

28 28 implementação e uso em sala de aula, o objetivo central deste trabalho é identificar similaridades e diferenças nas proposições apresentadas e possíveis incorporações das pesquisas na área de Educação Matemática pelos elaboradores dessas propostas. Esse objetivo se desdobra em fins específicos, a saber: Identificar formulações sobre as finalidades do ensino de Matemática, nos níveis de ensino correspondentes à educação de alunos na faixa etária de 4 a 17 anos, nesses dois países. Caracterizar as formas de organização curricular adotadas e os critérios para formulação de objetivos de aprendizagem e seleção de conteúdos. Identificar a presença de concepções e teorizações que sustentam orientações didáticas, nos documentos prescritos. Apresentar indícios sobre o processo de implementação das prescrições curriculares e sobre a adesão ou a rejeição de professores de Matemática às orientações curriculares prescritas nos documentos oficiais. Tais objetivos foram delineados a partir das seguintes questões de pesquisa formuladas com a finalidade de contextualizar a educação proposta e praticada no Brasil e no Uruguai: Que Matemática está sendo proposta a ser ensinada a crianças e jovens do Brasil e do Uruguai neste início de milênio? Que pressupostos norteiam os documentos curriculares nesses países? Como se deu o processo de implementação curricular nesses países? Que indícios há sobre currículos que estão de fato sendo realizados em sala de aula? Em que pontos os currículos prescritos do Brasil e do Uruguai revelam as maiores concordâncias e discordâncias?

29 29 Existem indícios de como os professores de Matemática de cada país pesquisado estão incorporando as recomendações e indicações de metodologias dos currículos prescritos de Matemática? A partir de tais questões norteadoras, delineia-se o seguinte problema de pesquisa: Quais diferenças e similaridades são observadas em propostas curriculares do Brasil e Uruguai referentes ao ensino de Matemática na Educação Básica, bem como possíveis incorporações de pesquisas na área de Educação Matemática no processo de construção/elaboração de tais propostas? 1.3. A inserção no projeto e a escolha do Uruguai O projeto Pesquisas comparativas sobre organização e desenvolvimento curricular na área de Educação Matemática, em países da América Latina: currículos prescritos e currículos praticados, sob a coordenação da Prof a. Dra. Célia Maria Carolino Pires, pretende identificar, na área de Educação Matemática, o que há de comum entre esses países tanto em termos de desafios a serem enfrentados como em relação a possíveis soluções encontradas que possam ser compartilhadas. A opção por estudar países da América Latina justifica-se pelo destaque feito na própria Constituição Federal brasileira de 1988 (parágrafo único do artigo 4.º) sobre a importância de uma integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. Nesse contexto, estudos mostram que, embora o acesso à educação em todos os níveis venha crescendo consideravelmente nos anos recentes, e se observe um aumento nos índices de alfabetização, a meta da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) de Educação para Todos é ainda um sonho remoto em

30 30 razão das desigualdades sociais e econômicas. O Brasil compõe ao lado México e de mais sete outras nações pobres e populosas, o grupo Education For All 8 (UNESCO, 1990). O intercâmbio de experiências e informações entre os pesquisadores foi sistematizado a partir da criação da Federação Ibero-Americana de Educação Matemática (FISEM) em 2003, que congrega diversas sociedades 9 de Educação Matemática. A FISEM tem sob sua responsabilidade a publicação da Unión, revista de divulgação científica, bem como a organização dos Congressos Iberoamericanos de Educação Matemática (CIBEM) e das Conferências Interamericana de Educação Matemática (CIAEM), entre outros intercâmbios. O projeto de pesquisa que esta investigação integra, tem como metas estabelecer e manter um espaço de crítica, debate e comunicação sobre o estado atual e o desenvolvimento recente da investigação na área de Educação Matemática em termos da organização e desenvolvimento curricular de Matemática e de formação de professores entre os países latino-americanos, analisando seus avanços teóricos e metodológicos. A concepção do projeto partiu da orientadora do presente estudo, no período que ocupou o cargo de presidente da Fisem nos anos de 2003 e Ao ser apresentada ao projeto, tive interesse especial em pesquisar outro país do Mercado Comum do Sul (Mercosul) 10, uma vez que estudos comparativos já haviam sido 8 Em 1990, foi elaborada a Declaração mundial sobre educação para todos em Jomtien, Tailândia. Segundo Menezes (2002), a Declaração fornece definições e novas abordagens sobre as necessidades básicas de aprendizagem, tendo em vista estabelecer compromissos mundiais para garantir a todas as pessoas os conhecimentos básicos necessários a uma vida digna, visando uma sociedade mais humana e mais justa. Países como o Brasil foram incentivados a elaborar Planos Decenais que apresentavam propostas para atingir as diretrizes e metas do Plano de Ação da Conferência. O Plano Decenal de Educação Para Todos, com vigência de 1993 a 2003, foi divulgado pelo Ministério da Educação para apresentar as ações brasileiras em busca do cumprimento às resoluções da Conferência. 9 Sociedad Argentina de Educación Matemática (SOAREM), Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), Sociedad Chilena de Educación Matemática (SOCHIEM), Federación Española de Sociedades de Profesores de Matemáticas (FESPM), Asociación Nacional de Profesores de Matemáticas (ANPM, do México), Asociación Mexicana de Investigadores del Uso de Tecnología en Educación Matemática (AMIUTEM), Sociedad Peruana de Educación Matemática (SOPEMAT), Associação de Professores de Matemática (APM, de Portugal), Sociedad de Educación Matemática de Uruguay (SEMUR), Sociedad Boliviana de Educación Matemática (SOBEDM), Asociación Venezolana de Educación Matemática (ASOVEMAT), Comité de Educación Matemática de Paraguay (CEMPA), Sociedad Ecuatoriana de Matemáticas (SEDEM), Asociación Colombiana de Educación Matemática (ASOCOLME), Comité Latinoamericano de Matemática Educativa para la República Dominicana (CLAMED) e a Sociedad Cubana de Matemática y Computación. 10 O Mercosul, conhecido como o Mercado Comum do Sul, formado pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, foi instituído por meio do Tratado de Assunção em Ampliou-se a sua área de abrangência,

31 31 iniciados por integrantes do grupo cujos países compreendiam Brasil, Argentina, Chile e Paraguai. O Uruguai participou da criação do Mercosul com o Brasil, Argentina e Paraguai ao assinar, em 26 de março de 1991, o Tratado de Assunção. A integração foi resultado de um longo processo de aproximação entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A escolha do Uruguai se justifica, também, em dois programas de cooperação internacional firmados pelo Brasil: o acordo bilateral firmado pela Capes e a Universidad de la República (Udelar) entre grupos de pesquisadores brasileiros e uruguaios denominado Programa de Cooperação Internacional Capes/Udelar 11 e o Programa de Apoio ao Setor Educativo do Mercosul (Pasem), 12 promovido com recursos da União Europeia, que constitui um convênio firmado entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai com a União Europeia para o desenvolvimento de ações, como a implantação de redes de instituições de formação docente com a finalidade de realizar investigações conjuntas para propor e estabelecer ações comuns para enfrentar problemas na Educação Básica Primeiras aproximações com estudos comparativos Para entender melhor o cenário dos estudos comparativos na pesquisa educacional, buscamos na literatura a contribuição de diferentes autores e elaboramos uma síntese apresentada na sequência. Ao longo do século XIX, diversos países da Europa, os Estados Unidos e, inclusive, o Brasil encarregaram educadores de empreender viagens para realizar estudos a respeito da educação em outros países. As primeiras pesquisas destinavam-se a comparar os sistemas nacionais de ensino, especialmente europeus e norte-americanos, fornecendo informações aos governos e administrações nacionais para que os diferentes países pudessem seguir exemplos de sistemas educativos que demonstrassem maior eficiência na com a entrada de vários membros associados, como o Chile (1996), Bolívia (1997), Perú (2003) e Venezuela (2004). 11 O Programa Capes-Udelar, com base no Protocolo assinado entre Brasil e Uruguai, em 19 de agosto de 1998, tem como objetivo estimular, por meio de projetos conjuntos de pesquisa, o intercâmbio de docentes e pesquisadores brasileiros, vinculados a Programas de Pós-Graduação de Instituições de Educação Superior (IES), e uruguaios, visando à formação de recursos humanos de alto nível no Brasil e na Uruguai, nas diversas áreas do conhecimento. 12 Disponível em: < Acesso em: 15 fev

32 32 solução de problemas de ordem educativa. Os estudos buscavam estratégias exitosas, evitando erros e custos dos países estudados (CARVALHO, 2009; MADEIRA, 2009; FERREIRA, 2008; KILPATRICK, 1992). O uso dos estudos comparados para compreender como o outro comparado interpreta o mundo à sua volta é justificado no discurso de Nóvoa (2009): O outro é a razão de ser da Educação Comparada: o outro que serve de modelo ou de referência, que legitima as ações ou que impõe silêncios, que se imita ou que se coloniza (p. 24). Os estudos comparados sofreram críticas durante as décadas de 80 e 90 sobre os métodos utilizados, a validade científica das investigações e a acusação de uso dos resultados de tais estudos de modo abusivo para legitimar as ações reformadoras em nível nacional, em geral, vinculadas às orientações ou diretrizes dos organismos internacionais (CARVALHO, 2009, p. 3). A partir da década de 90, houve uma revitalização dos estudos comparados. A internacionalização da economia provocou um crescente interesse pela realidade educacional de outros países. Não há consenso sobre o quanto e como os processos da globalização exercem influência sobre a Educação, no entanto é indiscutível que estes processos devem ser estudados. Os efeitos das influências exteriores na Educação variam em cada contexto, mesmo naqueles modelos que são utilizados para padronizar os sistemas educativos é possível reconhecer que, em vez de provocarem conversões, ressaltam diferenças (CARVALHO, 2009; FERREIRA, 2008). Os novos estudos de Educação Comparada visam à criação de novas categorias de análise dos sistemas educativos e da importância da Educação Comparada na solução dos problemas atuais. Os comparatistas lançam mão de generalizações para o estudo de fenômenos educativos, mas também fazem inferências a respeito de fenômenos sociais, processos históricos e contextos específicos que exercem influências locais em cada sistema (CARVALHO, 2009; SOUZA; MARTÍNEZ, 2009). Os estudos comparados atuais não se reservam à apresentação de índices, à quantificação de resultados ou a reconhecer que existem diferenças e similaridades entre os fenômenos. Os dados são interpretados e analisados pelos investigadores para que sirvam de explicação a partir da particularidade de cada contexto. Os comparatistas buscam

33 33 soluções para os problemas e orientam a tomada de decisões educativas (CARVALHO, 2009). Segundo Carvalho (2009), a Educação Comparada oferece possibilidades de: 1) analisar os impactos da globalização sobre a reformulação dos sistemas educativos dos diferentes países, alargando nosso campo de visão; 2) identificar o que é comum ou idêntico e o que é específico e, ao mesmo tempo, mostrar alternativas, para além da uniformização ou padronização internacional das políticas públicas para a educação; 3) verificar se alternativas existem e quais são elas; 4) captar a relação entre os processos de globalização e regionalização como algo contraditório e mutuamente constituído e não como resultado de uma reação linear (CARVALHO, 2009, p. 17). A visão de que a Educação é responsável pelo sucesso do País ainda hoje é responsável pelo financiamento de muitos estudos comparativos. O investimento empregado pelos países ricos nestes estudos lhes outorga um poder de decisão na criação dos instrumentos de comparação com a intenção de verificar sua posição relativa comparada com a dos sistemas dos que ficaram à frente. É comum encontrar críticas aos estudos não apenas acerca do valor político que os países fazem de tais comparações, mas aos resultados inquestionáveis. A maior crítica, no entanto, refere-se aos resultados por eles obtidos, em especial, aos países pobres classificados entre os últimos da lista, que apenas servem para elevar os patamares dos primeiros colocados (KILPATRICK, KEITEL, 1999). Em Kilpatrick e Keitel (1999) encontramos uma crítica ao uso dos resultados dos estudos comparativos internacionais como evidências científicas indiscutíveis sobre o conhecimento dos alunos dos países comparados, o grau de qualidade dos currículos e da forma como os professores ensinam. Segundo os autores, a forma mais comum de investigação procura examinar o sucesso dos alunos em todos os sistemas educativos estudados em conhecimentos matemáticos. Quando damos a todos, num grupo de alunos oriundo de vários sistemas, um conjunto comum de itens de desempenho, fica assim definido um currículo idealizado que serve de modelo, em contraponto com os desempenhos que os alunos têm dentro de cada sistema. As medidas relativas às oportunidades de aprendizagem ou ao currículo implementado tornam-se medidas do como o currículo idealizado foi aprendido ou implementado. [...] é impossível construir instrumentos internacionalmente equivalentes (KILPATRICK; KEITEL, 1999, p. 3). O ato de comparar faz parte do comportamento humano. Os fins iniciais da Educação Comparada continuam os mesmos até o presente: compreender a dinâmica dos

34 34 sistemas educacionais e fornecer subsídios à tomada de decisões dos políticos e decisores em geral. Assim, ao olharmos o outro, preparamo-nos melhor para estudar e compreender a nós mesmos (FERREIRA, 2008). O grande desafio da Educação Comparada é afirmar seu valor como produção de dados científicos a partir da abordagem quantitativa sob um olhar qualitativo. A importância da coleta de dados quantitativos nos permite uma comparação organizada sob categorias definidas. No entanto, de nada vale se não se compreender todo o contexto histórico e cultural de onde os dados emergiram. A combinação das abordagens quantitativa e qualitativa deve ser empregada para obter explicações mais consistentes. Os métodos qualitativos permitem elucidar a lógica interna dos sistemas educativos, estabelecer as articulações destes com os sistemas sociais em que se integram, considerálos como produtos dependentes da história (FERREIRA, 2008, p. 136). Para Nóvoa (2009), a Educação Comparada deve enfrentar três desafios na atualidade: o primeiro consiste na identificação de novos problemas das instituições educativas como o currículo, a administração, os professores e os sistemas de avaliação; o segundo consiste na definição de novos modelos de análise que vão além da comparação de dados estruturais e se que preocupem com os discursos dos atores do sistema educativo; e o terceiro desafio pretende ampliar os métodos de comparação desde níveis macroeconômicos a perspectivas locais. Os estudos comparados devem ser úteis para que cada sistema educativo deixe de olhar para si próprio a fim de avaliar o seu desempenho em comparação com outros sistemas. Os resultados devem proporcionar uma reflexão sobre o desempenho nacional, que será utilizada para fins de diagnóstico com objetivo formativo, para auxiliar na tomada de decisões e na definição de políticas educativas Os estudos comparados: contribuições de Ferrer Um dos referenciais teóricos utilizados para realizar o presente estudo foi o de Ferrer (2002). Na sua obra encontramos uma ampla discussão sobre este campo de conhecimento que elucidou vários aspectos.

35 35 Ferrer (2002), recorrendo aos estudos do pesquisador Robert Cowen, 13 especialista em Educação Comparada, identifica três categorias da Educação Comparada: a acadêmica: cujo objetivo é o desenvolvimento do corpo de teorias que fundamentam a Educação Comparada sob uma perspectiva transnacional; a profissional: tem como meta o avançar no ensino da disciplina nos cursos universitários, em especial, na formação de pedagogos; a intervencionista: a finalidade é fornecer informações para influenciar a tomada de decisões no âmbito da política educativa nacional ou internacional. Ainda citando os trabalhos de Robert Cowen da década de 80, Ferrer (2002) identifica duas finalidades para a Educação Comparada: no âmbito pessoal que ocorre em relação à formação de professores das universidades, estudantes de Pedagogia e professores dos diferentes níveis educativos que estejam ligados à Educação Comparada aos níveis acadêmicos e profissionais; no âmbito nacional e internacional que tem a intenção de exercer influência em uma comunidade mais ampla de sujeitos nos aspectos educativos e atender às finalidades da Educação Comparada Intervencionista. Em relação às finalidades da Educação Comparada em âmbito pessoal, Ferrer (2002) argumenta que, para melhor compreender nosso próprio sistema educativo, precisamos conhecer outros sistemas educativos a partir de suas similaridades e diferenças e como os fatores contextuais são influenciados e exercem influência nos sistemas educativos. 13 Robert Cowen e Andreas Kazamias publicaram em 2009, pela editora Springer, o International Handbook of Comparative Education. Na resenha elaborada por Mark Bray, disponível em < acesso em 15 jan Nela encontramos algumas informações sobre o handbook, um manual em dois volumes com 80 artigos e páginas. Segundo Bray, os estudos organizados por Robert Cowen e Andreas Kazamias são importantes no sentido conceitual e contribuem significativamente para a área da Educação Comparada. Entre os temas, o livro apresenta tradições contrastantes do campo em diferentes partes do mundo. Destacamos os três capítulos vinculados diretamente ao Brasil: Industrialisation, Knowledge Economies and Educational Change: A Note on Argentina and Brasil, de Márcia Cristina Passos Ferreira; Reinventing Educational Spaces, Building Active Citizenship: Two Brazilian Experiences, de Tristan McCowan e Luis Armanso Gandin; e The Church and State in Argentina and Brazil: Knowledge, Religion and Pedagogy, de Maria C. M. De Figueiredo-Cowen e Silvina Gvirtiz.

36 36 Quanto às finalidades da Educação Comparada no âmbito nacional, Ferrer (2002) defende que tais estudos devem possibilitar analisar os sucessos e os fracassos das reformas efetuadas no nosso próprio sistema educativo em comparação com outros países, para que sejam fixadas metas a serem conquistadas por nosso sistema educativo em comparação com países mais avançados, e que seja possível estabelecer a posição do nosso sistema educativo em um contexto internacional. O pesquisador alerta que as análises devem ser relativizadas e não têm como objetivo a imitação de estratégias de outros países. Como estamos tratando de um estudo comparado que também visa contribuir com a comunidade internacional, em especial, as duas nações em questão, Brasil e Uruguai, destacamos as finalidades da Educação Comparada no âmbito internacional: Conseguir estruturas mundiais respeitando peculiaridades próprias; Solucionar problemas de caráter internacional com a colaboração de todos os países; Iniciar programas de ajuda aos países subdesenvolvidos; Conseguir uma maior compreensão internacional e, como consequência, diminuir a tensão do orgulho nacional. (FERRER, 2002, p. 25). Ferrer (2002) codifica uma metodologia para os estudos comparados a partir de outros métodos comparativos anteriores. A proposta consiste em cinco fases que constituem a estrutura de uma pesquisa comparativa: A fase pré-descritiva consiste na fase inicial do estudo e tem o objetivo de estabelecer o marco teórico que será utilizado para desenvolver a investigação, mediante o estudo comparado. A fase descritiva tem o objetivo de apresentar os dados coletados por meio de uma exposição exaustiva e acumulativa. Deve ser dada especial atenção às fontes utilizadas e à homogeneidade dos dados apresentados para que cada sistema educacional seja caracterizado adequadamente. A fase interpretativa consiste na interpretação dos dados coletados a partir dos contextos estudados. Deve ser finalizada com sínteses de cada unidade de análise. A fase de justaposição deve ser empregada para o confronto dos dados apresentados na fase descritiva e as análises da fase interpretativa. Deve conter uma síntese, uma conclusão do pensamento do investigador.

37 37 A fase comparativa demonstra a aceitação ou a rejeição das hipóteses de investigação. A fase prospectiva (optativa) tem a intenção de apresentar as tendências em Educação que possivelmente são objeto de estudo nos países investigados Estruturando nossa pesquisa Baseamo-nos nas propostas de Ferrer (2002) para estruturar nossos estudos. As fases propostas por esse autor, embora não se desenvolvam de forma linear, foram importantes para nos orientar em uma investigação em que a cada momento tivemos contato com muitos dados e informações e em que o risco de perder o foco era bastante considerável. Iniciamos nosso trabalho com a revisão da literatura identificando o que já vem sendo produzido em pesquisas sobre o tema e confirmando ou refutando nossa suposição de que há uma carência de estudos comparativos sobre currículos de Matemática, em particular focalizando países da América Latina. Nessa fase pré-descritiva, também procuramos delimitar nossa problemática, definir os objetivos do estudo e construir questões de pesquisa que pudessem nos orientar à consecução dos objetivos pretendidos. Fizemos também as primeiras aproximações com o campo de estudos comparativos. Os resultados desse processo estão consolidados nesta Apresentação. Ainda nessa fase, iniciamos nossas leituras sobre aportes teóricos que pudessem auxiliar na análise dos dados referentes a concepções de currículo e teorizações que discutem currículo de Matemática (Fase Pré-descritiva). Esses estudos estão apresentados no Capítulo Dois. Na sequência, já situando-nos na fase descritiva, buscamos informações que nos aproximassem dos contextos social, econômico e educativo de cada nação, procedendo buscas em portais dos governos dos respectivos países e de organismos internacionais. Os documentos curriculares analisados do Brasil e do Uruguai encontram-se nos portais dos Ministérios da Educação dos respectivos países. Esses estudos estão apresentados nos Capítulos 3, 4 e 5.

38 38 Para o tratamento dos textos e das entrevistas com os uruguaios fizemos a tradução da língua espanhola para a língua portuguesa, com o cuidado de preservar a ideia dos autores ou dos entrevistados. Evidentemente, algumas traduções podem ter outros significados, assim como as análises podem sofrer outras inferências. Portanto, parte da nossa pesquisa constitui-se como uma análise documental dos documentos oficiais dos dois países pesquisados sob a perspectiva do aporte teórico de que faremos uso. Uma vez que nossa intenção é fazer um estudo comparativo analítico, tal qual proposto por Helder, a técnica documental vale-se de documentos originais, que ainda não receberam tratamento analítico por nenhum autor. [...] é uma das técnicas decisivas para a pesquisa em ciências sociais e humanas (HELDER, 2006, p. 1-2). Ainda nessa fase, realizamos entrevistas com 20 profissionais da Educação dos dois países para buscar indícios das ações empreendidas pelos respectivos Ministérios de Educação, no sentido de concretizar os currículos prescritos e a assimilação das recomendações curriculares pelos professores. As entrevistas com profissionais brasileiros e uruguaios foram realizadas presencialmente e também por videoconferência, via skype. 14 Visitamos Montevidéu em setembro de 2012, ocasião em que participamos do 4º Congreso Uruguayo de Educación Matemática (Curem) e estabelecemos diversos contatos com pesquisadores e professores daquele país, realizando nossas primeiras entrevistas. Nessa visita também coletamos documentos e materiais didáticos para complementar o que já havíamos obtido no portal do governo uruguaio. As entrevistas seguiram um roteiro com questões sobre: o desenvolvimento do currículo de Matemática, as recomendações metodológicas apontadas nos documentos oficiais, o processo de implementação do currículo e os possíveis resultados alcançados após o currículo implementado. Essas entrevistas compõem o Capítulo 6 do nosso trabalho. A fase interpretativa de nossa investigação foi realizada a partir das unidades que avaliamos em cada país. Analisamos os artigos que se referiam à educação na Constituição de cada país, as leis gerais de educação, os currículos prescritos de Matemática para os 14 O Skype é um software que permite comunicação via Internet por meio de conexões de voz e vídeo grátis entre os usuários do software.

39 39 níveis de ensino correspondentes à educação de alunos na faixa etária de 4 a 17 anos, nesses dois países, e a fala dos atores envolvidos no desenvolvimento curricular. A fase de justaposição no nosso estudo ocorreu a partir das conclusões e reflexões realizadas por meio do confronto entre os dados e as análises de cada país, que propiciaram a construção de um arcabouço com os diversificados contextos e também a identificação de similaridades e diferenças entre os respectivos sistemas educacionais. A fase comparativa dessa etapa pode ser entendida como fórum privilegiado da pesquisa, pois caracteriza-se como a retomada das questões de pesquisa a partir da perspectiva comparativa dos dados obtidos na investigação. A tese estrutura-se em seis capítulos, conforme apresentado no quadro 2: Quadro 2: Organização da Tese Capítulo 1 Apresentação da pesquisa Capítulo 2 Estudos sobre currículos de Matemática: aportes teóricos Capítulo 3 Brasil e Uruguai: contexto político, social, econômico e educacional e reformas curriculares. Capítulo 4 Currículos de Matemática prescritos para a Educação Infantil e Ensino Fundamental do Brasil e do Uruguai. Capítulo 5 Currículos de Matemática prescritos para o Ensino Médio no Brasil e Uruguai. Capítulo 6 Diferentes percepções dos atores sobre os currículos de matemática no Brasil e Uruguai. Conclusão e considerações finais No primeiro capítulo justificamos o estudo, explicitando os objetivos e questões de pesquisa e a metodologia adotada. No segundo capítulo, apresentamos os aportes teóricos sobre currículos de Matemática relevantes a este trabalho. No terceiro capítulo, expomos um panorama dos contextos sociais, econômicos e educativos e as reformas curriculares do Brasil e do Uruguai. No quarto capítulo, desenvolvemos um estudo comparativo dos currículos de Matemática prescritos do Brasil e do Uruguai para o nível equivalente ao Ensino Fundamental (Brasil). No quinto capítulo, apresentamos o estudo comparado dos Currículos de Matemática prescritos do Brasil e do Uruguai para o segmento equivalente ao Ensino Médio (Brasil). No sexto capítulo, são discutidos indícios da implementação

40 40 curricular a partir dos resultados coletados nas entrevistas realizadas com os profissionais de Educação dos dois países. Finalizamos nossa tese apresentando as conclusões e nossas considerações finais, destacando os principais resultados da investigação e outros apontamentos que podem ser de relevância às discussões da área de Educação Matemática.

41 41 CAPÍTULO 2 ESTUDOS SOBRE CURRÍCULOS DE MATEMÁTICA: APORTES TEÓRICOS Introdução Neste capítulo, apresentamos uma síntese do estudo que realizamos a partir da contribuição de diferentes autores que tratam da temática currículo, de modo geral e, em particular, de currículos de Matemática. Embora não pretendamos enveredar por discussões mais amplas, como as teorias de currículo, consideramos que elas constituem um pano de fundo de inúmeros debates sobre o tema Um início da discussão curricular As teorias tradicionais começaram a se delinear a partir do século XVIII e se constituíram como tentativa de responder aos problemas socioeconômicos advindos dos processos de urbanização e industrialização ocorridos nos Estados Unidos. A escola, nesse contexto, era vista como a instituição responsável pela compensação dos problemas da sociedade mais ampla. O foco do currículo foi deslocado do conteúdo para a forma, ou seja, a preocupação foi centrada na organização das atividades, com base nas experiências, nas diferenças individuais e nos interesses da criança. Com The Curriculum, de Franklin Bobbitt, obra publicada nos Estados Unidos em 1918, o currículo firmou-se como campo de reflexão e de estudos. A emergência dessa concepção está associada à racionalidade instrumental e técnica. No Brasil, esse enfoque deu origem ao que conhecemos como tecnicismo, em que a ênfase estava na construção científica de um currículo que desenvolvesse os aspectos da personalidade adulta, então considerados desejáveis, preconizando a especificação de objetivos e seus correspondentes conteúdos, com especial atenção ao como fazer e controlar o processo educativo.

42 42 Doll Jr. (1997) faz uma crítica às teorias tradicionais sobre currículo, que apregoavam a concepção dominante de que o profissionalismo e o conhecimento especializado eram características do mundo moderno, que visavam à salvação social por meio da aprendizagem programada e de um currículo à prova do professor. O papel do professor nessa concepção era conduzir o aluno em objetivos anteriormente definidos. Para os modernistas, o controle era a chave do sucesso por meio da predizibilidade causativa e do ordenamento linear, o desempenho era preestabelecido. Essa visão de ordem uniforme, segundo o autor, exerceu um importante papel no pensamento moderno que defendia o currículo como uma série de tarefas ou materiais a serem dominados por meio de uma sequência determinada, relações de causa e efeito. A primazia da ordem ainda hoje é encontrada nos livros didáticos nas sequências ordenadas e graduadas que iniciam nos primeiros anos de escolaridade até a universidade. Desde o final da década de 1960 e na década de 1970, as teorias críticas desenvolveram-se nos Estados Unidos e na Inglaterra. A principal preocupação dos teóricos críticos era denunciar o papel da escola e do currículo na reprodução da estrutura social marcada pelas injustiças e desigualdades sociais. Os pesquisadores que participaram do movimento buscavam caminhos para a construção de uma escola e um currículo afinados com os interesses dos grupos oprimidos. Assim surgiu a Sociologia do Currículo, 15 cujo papel é estabelecer relações entre o currículo e os interesses sociais mais amplos, opondo-se radicalmente ao tratamento tecnicista predominante até então. Seu campo de estudo analisa como a seleção, a organização e a distribuição do conhecimento não são ações neutras e desinteressadas, pois atendem aos grupos que detêm o poder econômico, os quais, por sua vez, viabilizam, por meio da imposição cultural, formas de opressão e dominação dos grupos economicamente desfavorecidos. No Brasil, o desenvolvimento da teoria curricular crítica possibilitou uma melhor compreensão das conexões entre o currículo e as relações de poder na sociedade durante a década de 1980 (PIRES, 2012). 15 A Sociologia do Currículo tem como representantes mais conhecidos Michael Apple e Henry Giroux. Este último, no início da década de 80, concebe o currículo como política cultural, sustentando que ele não apenas transmite fatos e conhecimentos objetivos, mas também constrói significados e valores sociais e culturais. Vê o currículo por meio dos conceitos de emancipação e libertação. A Nova Sociologia da Educação (NSE), com origem na Inglaterra, tem em Michael Young seu principal representante, e nasce do esforço dos sociólogos britânicos em redefinir os rumos da Sociologia da Educação, a partir dos anos 60 do século passado (SILVA, 2010).

43 43 As teorias pós-críticas, que emergiram a partir da década de 1990, decorreram da produção influenciada pelo pensamento pós-moderno, com ênfase na análise da relação entre currículo e construção de identidades e subjetividades. As teorias elaboradas a partir de estudos sobre a cultura escolar, a cultura de que a escola privilegia as diferenças culturais dos grupos sociais, defendem que o currículo constrói identidades e subjetividades, uma vez que, com os conteúdos das disciplinas escolares, se adquirem na escola valores, pensamentos e perspectivas de uma determinada época ou sociedade. Nessa linha de trabalho encontramos autores como Cleo Cherryholmes, Henry Giroux, Thomas Popkewitz, Jurjo Torres Santomé, José Gimeno Sacristán, entre outros, cujos estudos multiculturais enfatizam a necessidade de o currículo dar voz às culturas excluídas, negadas ou silenciadas (PIRES, 2012). Segundo Pires (2012), em uma primeira análise dessas três correntes, pode-se considerar que as perspectivas de cada uma delas, embora bastante diferentes, coabitam nas discussões e nas práticas curriculares no Brasil. Estudiosos do assunto, como Moreira (1997), consideram que uma das principais marcas do pensamento curricular brasileiro atual é a mescla entre o discurso pós-moderno e o foco político na teorização crítica. Nesse sentido, a principal tendência do campo é a valorização da discussão da cultura, à medida que vêm sendo intensificadas com referências teóricas diversas discussões sobre multiculturalismo e estudos culturais. Para realizar nossas análises comparativas de currículos de Matemática do Brasil e do Uruguai elegemos alguns pontos em relação aos quais buscaremos aportes teóricos. Procuraremos entender a concepção de currículo segundo diferentes autores, analisaremos os diferentes níveis de concretização do currículo, identificaremos componentes e princípios de organização curricular e também possíveis critérios de análise de currículos. Discutiremos outros tópicos de análise específicos de um currículo de Matemática, como a seleção e a organização de conteúdos, as abordagens metodológicas e as indicações sobre avaliação. A busca por uma definição de currículo não é uma tarefa fácil. Segundo Sacristán (2000), esse é um conceito relativamente recente e a teorização sobre o currículo ainda não está adequadamente sistematizada. A busca por definir o que é currículo corresponde a descrever as funções da própria escola.

44 44 Para Sacristán (2000), o currículo é uma práxis, e não um objeto estático. Representa a função socializadora e cultural de determinada instituição em que a prática pedagógica é uma das práticas relacionadas com o currículo. Portanto, a análise curricular deve compreender o processo que se inicia com um plano construído e ordenado de princípios que se pretende alcançar e se estende até em como estes são concretizados no âmbito prático. Não apenas a definição dos conteúdos, mas como o currículo é organizado e avaliado, são decisões políticas. No final dos anos 90, Doll Jr. preconizava mudanças que afetariam a educação e o currículo, tal qual influenciaram diversas áreas do saber: [...] acredito que vai surgir um novo senso de ordem educacional, assim como novas relações entre professores e alunos, culminando em um novo conceito de currículo. O sistema de ordenamento linear, sequencial, facilmente quantificável que domina a Educação atualmente que se centra em inícios claros e fins definidos pode dar lugar a um sistema ou rede mais complexo, pluralista e impredizível. Tal rede complexa, como a própria vida, estará sempre em transição, em processo (DOLL JR., 1997, p. 19). A organização curricular defendida por Doll Jr. (1997) propõe uma matriz curricular sem início e sem fim, com uma conexão de focos que criam uma rede de significados em contraposição aos currículos ordenados linearmente. Sob essa perspectiva, o autor concebe o currículo a partir da forma infinitiva, currere, que compreende a experiência vivenciada pelo aprendiz ao transformar e ser transformado. Assim, o currículo envolve tanto o conteúdo como o processo. Há uma interessante discussão acerca da universalização do currículo. A necessidade da individualização e o respeito às diferenças exigem uma discussão mais complexa sobre quais os conhecimentos necessários para passar às novas gerações. A escola tem a função de transmitir e perpetuar a experiência humana considerada como cultura. No entanto, para tornar os conteúdos culturais transmissíveis, a educação escolar faz seleções e reelaborações. Assim, apenas uma pequena parcela da experiência coletiva é reconhecida como legítima e é trabalhada em detrimento da cultura de diversos grupos sociais que ficam marginalizados no processo de escolarização. Aí encontramos um tema de debate sobre o que vem a ser a cultura culta e a cultura marginal, desprezada pelos currículos (BATISTA; MARTINS, 2008). Sacristán (2000) discute que não é fácil pensar na possibilidade de um núcleo de conteúdos curriculares obrigatórios para todos, diante dos quais os indivíduos tenham

45 45 iguais oportunidades de êxito escolar. Para o autor, a cultura comum estabelecida no currículo obrigatório é mais um objetivo de chegada, porque, perante qualquer proposta, as probabilidades dos alunos procedentes de meios sociais diversos para aprender e obter êxito acadêmico são diferentes. Por outro lado, ainda segundo Sacristán, a importância do debate sobre a composição de currículos referentes aos níveis obrigatórios reside, basicamente, em que aí se está decidindo a base da formação cultural comum para todos os cidadãos, seja qual for sua origem social, independentemente de suas probabilidades de permanência no sistema educativo em níveis de educação não obrigatórios. Países com grandes desigualdades sociais como o Brasil têm que enfrentar o currículo escolar como um dos elementos que demonstra a relação entre sucesso escolar e situações sociais privilegiadas, tal como entre fracasso escolar e situações sociais desfavorecidas. Tal argumento é corroborado por Sousa (2004) quando discute o papel desempenhado pela escola na manutenção do status quo, centrando igualmente a atenção sobre a cultura que ela veicula; para a autora, a escola confirma e reforça a cultura das classes privilegiadas, dissimulando a seleção social sob as aparências duma pretensa objetividade técnica, legitimando, dessa forma, a reprodução das hierarquias sociais pelas hierarquias escolares (SOUSA, 2004, p. 5). A importância da discussão curricular não deve ser apenas dos especialistas na área de Educação; claro que é responsabilidade destes, mas deve ser preocupação também das diversas instâncias que compõem a sociedade. Uma vez que a escola é responsável por perpetuar e divulgar a cultura geral, o papel das instituições educativas tem sua importância ampliada nas camadas mais desfavorecidas que recebem a cultura geral por meio dos currículos escolares (SACRISTÁN, 2000). Portanto, é mister e urgente a discussão curricular para a análise de qual cultura perpetuar para as próximas gerações. Considerações como a falta de neutralidade do currículo e o uso do currículo como um instrumento de diferenciação e de possível exclusão para os alunos são comuns aos autores que se debruçam no estudo da área curricular. A clareza da opção curricular que se adota é essencial para evitar o uso de currículos que costumam pedir a todos os alunos o que só uns poucos podem cumprir.

46 Critérios para a organização do currículo de Matemática: contribuições de Doll Jr. e Silva Considerar o currículo em termos de construção foi intenção de Doll Jr. (1997) para romper a linearidade e o determinismo vigente na visão modernista. Assim, o autor defende que o currículo deve apresentar termos amplos e gerais e emergir a partir da interação e ação dos seus participantes. O currículo deve ser construído a partir de uma matriz com diversos pontos que se interseccionam em uma rede de significados. As condições para que um currículo se desenvolva podem propiciar um ambiente de exploração, imaginação, reflexão e descoberta. [...] os professores e alunos precisam ser livres, encorajados e obrigados a desenvolver seu próprio currículo numa interação conjunta uns com os outros. A orientação geral de onde eles partem livros didáticos, guias de currículo, departamentos de educação estadual, organizações profissionais ou tradição passada precisa ser exatamente assim: geral, ampla, indeterminada (DOLL JR., 1997, p. 179). Para Doll Jr. (1997), um currículo elaborado sob a perspectiva pós-moderna deve garantir quatro critérios: recursão, riqueza, relações e rigor. O critério recursão ou iteração é utilizado por Doll Jr. (1997) para interpretar o processo de voltar o olhar para si mesmo. Segundo o autor, essa instância do currículo dá ênfase maior ao processo de transformação gerada pela experiência do que a preocupação em dominar um determinado produto. A recursão não significa refazer, mas é uma reflexão a partir da qual emergem novas possibilidades. Para o autor, a recursão inverte a ordem da abordagem tradicional. Ao ser recursivo, o currículo elaborado prevê que o aluno aprende fazendo conexões com algo já conhecido anteriormente. Tal como o funcionamento do cérebro humano por meio de sinapses, um currículo bem planejado deve permitir ao aluno estabelecer relações entre os temas. Assim cada conteúdo é visto como uma continuidade de outro. A recursão ocorrerá apenas se for realizada uma reflexão sobre experiências anteriores, não uma mera repetição mecânica, mas um momento de análise que deve ser feito coletivamente com outros colegas e professores para que seja desenvolvida sua função transformativa.

47 47 Derivada de recorrer, ocorrer novamente, a recursão é normalmente associada à operação Matemática da iteração. Na iteração uma fórmula é aplicada repetidamente, com o resultado de uma equação sendo o input para a próxima. [...] Nessas iterações, existe tanto estabilidade quanto mudança; a fórmula permanece a mesma, as variáveis mudam (de maneira ordenada, mas muitas vezes impredizível) (DOLL JR., 1997, p. 194). Entender que o processo criativo faz parte da natureza do ser humano é fundamental para compreender sua influência no processo de ensino e aprendizagem. A partir dessa reflexão, Doll Jr. (1997) recomenda que o ensino deve ser subordinado à aprendizagem dominante, pois o próprio aluno possui capacidades organizacionais no seu sistema cognitivo. Aqui fazemos um destaque à importância da recursão: à volta para si próprio que propicia a consciência de quem somos. Entretanto, retirar a superioridade do ensino implica uma visão que abandona a relação de causa-efeito: O ato de ensinar pode, e nós na verdade agora podemos dizer deveria, semear este processo. Mas o processo não depende do ensino como a única semente, e depois de iniciado o processo se vale dos próprios parâmetros. O papel do ensino, aqui é auxiliar, não causativo. Isso não tem por objetivo diminuir o papel do professor, e sim modificá-lo (DOLL JR., 1997, p. 118). Para conseguir atingir o papel transformador do currículo ao romper com a organização linear e sequencial e buscar a reflexão do aprendiz, Doll Jr. (1997) recomenda que seja utilizado o conceito de currículo em espiral de Jerome Bruner. 16 A proposta é utilizar a recursão para colocar em prática o currículo proposto por Bruner: assim os alunos são colocados à frente dos assuntos diversas vezes, de tal modo que, a cada visita ao conteúdo, estabeleça níveis crescentes de complexidade. A organização dos conteúdos do currículo em espiral permite ao aluno se familiarizar com o assunto, construindo pouco a pouco, aprofundando-o conforme o estágio avança. Para Doll Jr., o currículo como um pacote total com conteúdos e instrução entrelaçados torna-se empolgante e envolvente, conforme suas espirais avançam para o desconhecido (1997, p. 119). Para Doll Jr. (1997), o homem possui um poder de organização e reorganização. Assim, a função do currículo seria a de ajudar os alunos a desenvolver seus poderes 16 Em 1960, Bruner publica no livro Process of education o conceito de currículo em espiral. A interpretação do autor é que um currículo, à medida que se desenvolve, deve voltar repetidas vezes a essas ideias básicas, elaborando e reelaborando-as, até que o aluno tenha captado inteiramente a sua completa formulação sistemática (1973, p. 12).

48 48 criativos e organizadores. No entanto, o próprio autor faz um alerta no sentido que, para o bom funcionamento, é preciso que esse auxílio não seja superdirecionado ou subdirecionado. O papel do professor é organizar essa tensão. Assim, o professor deve levar o aluno ao conteúdo e prestar auxílio adequado. Para o autor, estas mudanças requerem que os professores sejam bons ouvintes e interadores, não meramente bons expositores, embora a boa exposição certamente seja uma qualidade desejável uma de muitas qualidades desejáveis. (DOLL JR., 1997, p. 143). Doll Jr. (1997) comenta que para o paradigma modernista o professor deveria apresentar o que existe aos alunos e orientá-los a olhar atentamente. O discurso pósmodernista pressupõe que o professor promova uma relação dialógica com os alunos. Para que ocorra a aprendizagem, o currículo deve ser desenvolvido em um ambiente de diálogo e de reflexão que ocorre por meio de negociações. O critério riqueza de um currículo, para Doll Jr. (1997), deve assegurar a profundidade e, ao mesmo tempo, a abertura que uma proposta curricular deve ter às negociações feitas entre professores e alunos. Portanto, o professor deve contemplar a riqueza do conhecimento matemático com a consciência de que não é possível ensinar todos os conteúdos matemáticos com a mesma profundidade, porém os conteúdos devem ser desenvolvidos em sala de aula de tal maneira que não fiquem empobrecidos com o excesso de aplicabilidade e pseudoconcretização. Este termo [riqueza] se refere à profundidade do currículo, a suas camadas de significado, a suas múltiplas possibilidades ou interpretações. Para que os alunos e professores transformem e sejam transformados, um currículo precisa ter a quantidade certa de indeterminância, anomalia, ineficiência, caos, desequilíbrio, dissipação, experiência vivida (DOLL JR., 1997, p. 192). Ao apresentar um determinado tema aos alunos, o professor faz apenas um recorte. Há inúmeros conteúdos matemáticos e, ao escolher os temas que serão desenvolvidos pelo currículo proposto, é preciso que tais escolhas consigam representar a riqueza da Matemática. Há casos em que o currículo é rico, porém, ao fazer as escolhas didáticas, o professor empobrece o conteúdo apresentando o conteúdo pronto. No desenvolvimento do conceito Teorema de Pitágoras, pode-se optar por uma abordagem pobre com a simples apresentação do teorema o quadrado da hipotenusa é a soma do quadrado dos catetos, ou fazer uma abordagem que explore a riqueza da Matemática: com a abordagem histórica, a resolução de algum problema que exija a investigação, argumentação e identificação de hipóteses de resolução.

49 49 Ao definir o critério relações, Doll Jr. (1997) afirma que um currículo deve criar relações entre o que é ensinado com outras áreas de conhecimento e outros contextos. O critério relações é subdividido por Doll Jr. (1997) em dois tipos: relações pedagógicas e culturais. As primeiras se referem às conexões dentro do próprio currículo que permitem alcançar a profundidade por meio da recursão. Aqui o autor discute o papel do tempo em um currículo que assume o papel de transformador, de processo. Nesse universo, o tempo também tem um aspecto transformador. Logo no início de um curso a qualidade das relações será diferente das relações depois de passado um tempo, por exemplo, os trabalhos apresentados nas últimas aulas do curso terão qualidade superior, uma vez que se relacionam com discussões feitas anteriormente. As relações culturais são utilizadas por Doll Jr. (1997) para apresentar o papel do diálogo e da narração como veículos da interpretação. Neste tópico mais uma vez o autor discute o papel do professor na construção do currículo. O papel do livro didático é assessorar o professor na organização do currículo, e não determiná-lo. Como professores, não podemos, não devemos transmitir diretamente a informação, em vez disso, desempenhamos o ato de ensinar quando ajudamos os outros a negociar passagens entre seus construtos e os nossos, entre os nossos e os dos outros (DOLL JR., 1997, p. 197). O livro didático, durante tudo isso, é visto como algo a servir de revisão, não como algo a ser seguido. Ele é a base a partir da qual ocorre a transformação. Numa estrutura pós-moderna, o currículo precisa ser criado (auto-organizado) pela comunidade da sala de aula, não pelos autores de livros didáticos (DOLL JR., 1997, p. 196). O critério rigor é o mais importante dos quatro para Doll Jr. (1997). Deve ser empregado para evitar que o currículo transformador tenha seu papel deturpado ao ser interpretado como o produto apenas de experiências interiores, e não estabelecendo relações com conhecimentos objetivos. Esse critério compreende aspectos metodológicos relacionados à avaliação e conexos com a prática e condições de trabalho dos docentes. Aqui é crucial não entender o rigor apenas no sentido objetivo e observável, que pode ser mensurado. O rigor deve ser uma combinação de indeterminância e interpretação. Para o autor, a indeterminância influencia e provoca um desequilíbrio no currículo, seguido de um replanejamento, e um novo equilíbrio. A indeterminância é um critério essencial para que os professores sejam atraídos pela proposta ao permitir que estes façam adaptações e reformulações no currículo. Tal

50 50 característica é fundamental para a atração ou rejeição dos professores às recomendações curriculares. Ao se reconhecer como coelaborador do currículo em sala de aula, o professor rompe com a visão de que o currículo é produto apenas de instâncias superiores, externas à escola, e faz adaptações ao contexto que se encontra. A indeterminância de um currículo prevê situações que possam ser resolvidas por uma gama de possibilidades. A realização a ser escolhida depende do próprio desenvolvimento do processo de interação. Aqui o rigor deve tentar tornar explícitas as suposições para que durante as passagens entre os níveis de desenvolvimento do currículo, desde a prescrição dos documentos ao currículo desenvolvidos na sala de aula, ocorra o almejado diálogo transformativo e significativo. O critério rigor também se estende aos processos de avaliação. O currículo deve prever a imprevisibilidade e variabilidade de estratégias avaliativas e ter uma postura crítica adiante da postura modernista de avaliação com sua precisão na segunda casa decimal. A visão pós-moderna prevê que a avaliação deve ser utilizada como um momento de reflexão, de replanejamento, de tomada de decisões e definição de novos objetivos. Ao discutir o papel da avaliação, Doll Jr. (1997) apresenta inicialmente o propósito da avaliação na visão modernista: separar os ganhadores dos perdedores por meio das provas estaduais, nacionais. A crítica feita pelo autor é no sentido de que as organizações que elaboram os testes relutam em devolvê-los, servindo apenas como pontos de demarcação, e não como elementos que auxiliariam na busca por uma futura aprendizagem. Já no paradigma pós-modernista o papel da avaliação é fornecer um feedback que tem caráter recursivo de refletir sobre o que não foi aprendido. A busca por critérios necessários à escolha e à organização de conteúdos matemáticos para o Ensino Médio levou Silva (2009) a ampliar os quatro critérios de Doll Jr.( 1997) Segundo o autor, a perspectiva pós-moderna de Doll Jr. e o conceito de Educação Matemática crítica de Skovsmose auxiliaram na compreensão de que um currículo de Matemática deve levar em conta as características culturais e os objetivos próprios de cada comunidade, assim como valorizar os conhecimentos científicos construídos por várias civilizações. Silva acrescenta aos quatro critérios de Doll Jr. outros quatro denominados como: reflexão, realidade, responsabilidade e ressignificação.

51 51 O critério reflexão tem como objetivo provocar a reflexão acerca do papel social que a Matemática exerce como transformadora da sociedade em que está inserida. O próprio Silva (2009) comenta que é óbvio que a inserção de um conteúdo é refletida previamente, porém alerta que nem sempre isso ocorre. [...] reflexão : favorece a seleção de assuntos que sirvam ao interesse de determinada comunidade e, sob este aspecto, os conteúdos seriam escolhidos apenas após a escolha ou eleição das problemáticas locais e, por outro aspecto, a reflexão significa que o processo de escolha deva ser uma decisão fundamentada em pareceres de diversos especialistas de vários campos científicos, como a Matemática, a Educação Matemática, a Psicologia Cognitiva, a Neurociência, entre outros (p. 223). Ao tecer comentário sobre o critério realidade, Silva (2009) traz a necessidade de considerar que a Matemática está inserida em um determinado grupo social, com seus contextos culturais, locais, sociais e econômicos que demandam soluções para problemas reais utilizando conteúdos matemáticos. O autor critica o uso artificial de questões reais que usam aplicações como cálculo de preços, porcentagens e outras por meio da manipulação de dados que facilitem os cálculos dos alunos para diminuir o tempo empregado e o esforço. O critério realidade deve atender aos problemas de uma realidade complexa e, mais do que à própria Matemática e aos conteúdos em si, aos projetos interdisciplinares e a temas geradores como os temas transversais propostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997): ética, orientação sexual, meio ambiente, saúde, pluralidade cultural, trabalho e consumo. [...] realidade : intrinsecamente ligada ao critério anterior, beneficia a opção por temas que possam ser modelados através de uma situação real. No entanto, essas situações reais não podem representar aplicabilidades simplórias, mas problematizações que constituam verdadeiros anseios sociais, podendo estes ser locais, como questões relativas à construção de um açude, em uma comunidade localizada no interior do Nordeste, ou globais, como as consequências do efeito estufa na temperatura global (p. 224). Silva (2009) atribui ao critério responsabilidade a preocupação com o uso dos conteúdos matemáticos para tratar de assuntos da atualidade. A definição de um determinado conceito deve se importar em promover a igualdade social e o uso da Matemática para fins pacíficos. Temas como Matemática Financeira, Cálculo de Juros e Estatística são recomendados pelo autor para promover a discussão, até interdisciplinar, sobre as variáveis econômicas e taxa de juros e o desenvolvimento do olhar crítico para o mundo e a promoção da cidadania.

52 52 [...] responsabilidade : privilegia a prioridade de pontos de conteúdo matemático que possam ser utilizados para analisar, comparar, estimar e resolver problemas sociais e, não somente para aplicações tecnológicas, como parece ser a intenção do Estado em reformas curriculares. Além disso, esse critério busca estimular a opção por tópicos matemáticos da atualidade, mostrando o caráter dinâmico de construção dessa ciência (p. 223). Ao definir o critério ressignificação Silva (2009) busca não apenas posicionar os conteúdos dentro de um contexto histórico próprio em que foi criado, mas contextualizálos atualmente. A preocupação em atender ao critério busca recontextualizar um tema em outros conteúdos, com o objetivo de produzir novos significados e relações entre os temas matemáticos. [...] ressignificação : dá à História da Matemática sua devida importância em uma proposta curricular que deve ser organizada levando-se em conta a elaboração histórica da própria ciência, não como acessório das aulas de Matemática, mas como articuladora e esclarecedora do processo pelo qual o conhecimento foi construído. Além disso, esse critério privilegia a organização de conteúdos que possam ser abordados novamente em outros temas, destacando a variedade de representações e contextualizações da Matemática dentro da própria Matemática (p ).

53 53 Quadro 3: Critérios para a organização do currículo de Matemática CRITÉRIO DESCRIÇÃO RECURSÃO OU ITERAÇÃO O currículo deve prever que o aluno estabeleça relações entre os temas, por meio de reflexões com experiências anteriores. RIQUEZA O currículo deve prever sua indeterminância, que permite ao professor escolher os conteúdos garantindo a riqueza da área. RELAÇÕES O currículo deve criar relações entre o conteúdo que é ensinado com outras áreas de conhecimento e outros contextos. RIGOR A indeterminância e a interpretação devem prever que, após a avaliar os alunos, o professor passa por um desequilíbrio quanto ao currículo que é seguido de um replanejamento das suas ações. REFLEXÃO O currículo deve ser organizado de modo a reconhecer o papel social da Matemática como agente de transformação da sociedade. REALIDADE O currículo deve prever o uso da Matemática na solução de problemas de uma realidade com seus contextos culturais, locais, sociais e econômicos. RESPONSABILIDADE O currículo deve promover ações que visem o uso da Matemática para promover a igualdade social. RESSIGNIFICAÇÃO O currículo deve recontextualizar os conteúdos não apenas no contexto histórico, mas em novos contextos dentro e fora da própria Matemática. Os critérios de Doll Jr. (1997) e de Silva (2009) são propostas de como um currículo de Matemática deve ser organizado e de que modo os conteúdos devem ser selecionados.

54 O processo de desenvolvimento curricular: contribuições de Sacristán Para empreender a análise curricular é importante compreender o que Sacristán (2000) denomina como contextos. Segundo o autor, um currículo se desenvolve em quatros tipos de contextos: o contexto de aula formado pelos livros, professores, conteúdos e alunos; o contexto pessoal e social que é modelado pelas experiências pessoais que são trazidas à escola por meio de aptidões, interesses, habilidades e o clima de sala de aula; o contexto histórico representado pelas formas como as ações educativas se desenvolveram e das próprias experiências educativas, que compreendem o conjunto de crenças e reflexos institucionais; e o contexto político, que reflete os padrões de autoridade e poder expressos na sociedade que são influenciados pelas forças políticas e econômicas e acarretam mudanças curriculares. Embora Sacristán (2000) identifique oito subsistemas que compõem o sistema educativo, cujos funcionamentos expressam práticas que modelam o currículo, neste trabalho optamos apenas por categorizar os cinco subsistemas 17 que compõem o sistema curricular: político-administrativo: sua responsabilidade é a elaboração e a regulação da concretização do currículo. Possui poderes para propor mudanças curriculares a partir de análise de resultados. Realizado por órgãos do governo, equipe de apoio escolar, cuja responsabilidade é o acompanhamento de professores, escolas e outras instâncias. Aqui são evidentes os determinantes exteriores ao currículo que, muitas vezes, o regula propiciando maior ou menor autonomia por meio da obrigatoriedade de execução; ordenação do sistema educativo: compreende a estrutura de níveis, ciclos, modalidades ou especialidades que ordenam o sistema educativo. Suas funções envolvem a entrada, o trânsito e a saída de alunos do sistema para cada período de escolaridade; 17 Optamos por não utilizar os sistemas de participação e de controle, os âmbitos de criação culturais, científicos e o de inovação, pois compreendemos que suas funções estão contempladas por outros subsistemas mais abrangentes.

55 55 sistema de produção de meios: expresso, quase em totalidade, pelos livros textos adotados pelos professores, que Sacristán (2000) identifica como verdadeiros agentes de elaboração e concretização do currículo (p. 24). Os meios são os materiais instrumentais utilizados, porém as condições de trabalhos dos professores e a formação deles têm influência direta em quais e como são utilizados na prática educativa; subsistema técnico-pedagógico: é composto por formadores, especialistas e pesquisadores em educação. O âmbito desse sistema inicia-se com a formação dos professores, especialistas da área até as investigações desenvolvidas pelos pesquisadores. Sugere modelos de prática que influenciam não apenas a seleção de conteúdos, mas as estratégias pedagógicas adotadas; subsistema prático-pedagógico: configurado por Sacristán (2000) pelos professores e alunos nas instituições escolares. O autor denomina de ensino o processo no qual se comunicam e realizam as propostas curriculares, porém abarca também o processo de aprendizagem. Aqui se encontram os enfoques metodológicos adotados identificados nas práticas escolares no trabalho do professor e dos alunos. Com a identificação da atuação dos subsistemas definidos por Sacristán (2000), conseguimos compreender por que, muitas vezes, apenas a renovação curricular não provoca mudanças substanciais na realidade escolar e a almejada melhoria da qualidade da educação não é alcançada. Uma análise curricular deve compreender todas estas práticas que coexistem nos subsistemas escolares. Cada um dos subsistemas propostos por Sacristán (2000) exerce uma influência no sistema curricular e atua de maneira diferenciada nos elementos do currículo. A autonomia que cada subsistema possui sobre o currículo diverge na forma e na força. É imprescindível reconhecer a ação dos subsistemas para compreender uma determinada política curricular: Desentranhar as relações, conexões e espaços de autonomia que se estabelecem no sistema curricular é condição sine qua non para entender a realidade e para poder estabelecer um campo de política curricular diferente para uma escola e para uma época diferente [...] Se não entendemos este caráter processual, condicionado desde múltiplos ângulos, podemos cair na confusão ou numa visão estática e a-histórica do currículo (SACRISTÁN, 2000, p. 102).

56 56 Uma das funções da política curricular é o controle de qualidade do sistema educativo. Sacristán (2000) apresenta dois tipos de controle: o que incide nas condições de ensino, denominado controle de processo feito a partir de ações de supervisão da prática do processo educativo, e o que incide nos produtos da aprendizagem, designado de controle centrado nos produtos ou avaliação, e compreende os rendimentos que os alunos apresentam em testes realizados por instituições exteriores à escola. A ausência de políticas públicas que tenham a função de acompanhar e avaliar o processo de implementação curricular por parte dos sistemas de ensino é um problema grave nas escolas brasileiras. As reformas curriculares são executadas sem a avaliação dos resultados e a falta de análise dos erros e acertos alcançados provoca o binômio entre os currículos prescritos e os currículos praticados. Uma das consequências dessa tensão é a falta de envolvimento dos professores nas mudanças curriculares (PIRES, 2008). Segundo Sacristán (2000), o docente, no planejamento das atividades de ensino, atribui valor equivalente aos documentos curriculares, aos livros didáticos e à própria experiência docente. O papel decisório do professor na implantação curricular é destaque no seguinte trecho de Sacristán: Um político ou administrador que acredita poder mudar a prática modificando o currículo que ele prescreve desde as disposições legislativas ou regulações administrativas esquece, por exemplo, que não são suas disposições as que incidem diretamente na prática. [...] As orientações ou prescrições administrativas costumam ter escasso valor para articular a prática dos docentes, para planejar atividades de ensino [...] (SACRISTÁN, 2000, p. 103). Compreendendo a ação dos diversos subsistemas propostos por Sacristán conseguimos entender o processo de desenvolvimento do currículo. O autor faz um alerta no sentido de que o currículo criado nas instâncias administrativas não coincide com o currículo praticado nas escolas. É como se houvesse ruídos na comunicação, tal qual a brincadeira infantil do telefone sem fio, em que cada um passa a mensagem original como a compreende, e, se em nenhum momento houver um agente que confira a integridade da mensagem (órgãos reguladores, por exemplo), a informação que chega ao receptor pode ser diferente da expedida pelo emissor original. Sacristán (2000) propõe um modelo para decifrar o processo de concretização curricular composto de seis momentos, níveis ou fases. Segundo o autor, é essencial compreender como cada momento influencia (com maior ou menor intensidade) o

57 Condicionamentos escolares Campo econômico, político, social, cultual e administrativo. 57 desenvolvimento do currículo para poder detectar os pontos críticos que necessitam de melhor acompanhamento e as conexões entre os níveis. O reconhecimento dos níveis também é necessário para que cada nível seja averiguado com o uso de metodologia de pesquisa adequada. A figura 1 apresenta os níveis ou fases que Sacristán (2000) identifica no processo de desenvolvimento do currículo. Para o autor, este modelo é recomendado para interpretar o currículo como algo construído a partir do cruzamento de influências e campos de atividade que, embora distintos, estão inter-relacionados. Currículo prescrito Currículo apresentado aos professores Currículo modelado pelos professores Ensino interativo: Currículo em ação Currículo realizado Currículo avaliado Figura 1: Processo de desenvolvimento do currículo Fonte: (SACRISTÁN, 2000, p. 105) O currículo prescrito tem o objetivo de cumprir o papel socializante do currículo, representado pelas orientações do que deve ser seguido em relação aos conteúdos, em

58 58 especial para a escolaridade obrigatória. Esse nível serve como referência e ponto de partida na ordenação no sistema curricular. O objetivo do currículo apresentado aos professores é fazer uma interpretação das prescrições oficiais quanto ao significado e conteúdos do currículo prescrito. Nesse nível são detalhadas as prescrições para orientar a prática dos professores. Segundo Sacristán (2000), os livros didáticos são um exemplo desse nível, que é essencial para suprir as deficiências na formação e as condições de trabalho dos professores. A atuação do professor na sala de aula demanda certo grau de autonomia, porém é preciso que este seja orientado por um currículo prescrito. Para defender tal posição, Sacristán (2000) apresenta algumas razões como a necessidade de que a instituição escolar apresente uma orientação quanto aos objetivos escolares pretendidos; a diversidade de conhecimentos sobre os conteúdos, os materiais pedagógicos e sobre os alunos exige que o professor utilize pré-elaborações que orientem sua atuação. Sacristán faz uma crítica à existência de livros didáticos como única fonte de informação, que se tornam sustentadores da prática pedagógica no lugar de recursos. Segundo o autor, como cabe aos livros trabalhar todo o currículo, estes se apresentam de uma maneira pobre e sistemática aos alunos. Os poucos livros que ousassem tentar abordar os diferentes pontos de vista de cada assunto seriam extremamente extensos e não seriam adequados financeiramente. O modo como o currículo chega aos professores por meio de orientações curriculares, guias, livros didáticos ou outros materiais é determinante para a atuação profissional do professor. Para Sacristán (2000) uma meta a ser alcançada é o próprio professor, criar todos os meios didáticos necessários para sua prática. Na visão de Sacristán, há um perigo de anular a capacidade de iniciativa dos professores na apresentação de materiais curriculares, porém, se bem aproveitada, pode ser uma estratégia de inovação da prática. No currículo modelado pelos professores, o professor planeja a prática que desenvolverá na sala de aula. O docente, ao se instrumentalizar com sua própria experiência profissional, busca referências nas prescrições, nos livros didáticos e atua como tradutor do currículo. Nesse nível o currículo é identificado na atuação do

59 59 professor como mediador entre o currículo estabelecido e os alunos. O papel do professor de mediador se estende até o tipo de relação dos alunos com os conteúdos escolares. A discussão desse tema pode levar o leitor a uma interpretação agigantada da autonomia docente. É fato que o professor não tem controle sobre as condições de trabalho, os alunos que recebem e suas necessidades educativas, os sistemas de avaliação e promoção adotados pela estrutura escolar a que pertence e os materiais didáticos disponíveis. As condições de trabalho são mais determinantes do que a própria autonomia docente (SACRISTÁN, 2000). A prática escolar adotada pelo professor para desenvolver as atividades que compõem o currículo é realizada em diversos contextos já apresentados, os quais são construídos a partir de tradições, valores e crenças que muitas vezes resistem às mudanças propostas com inovações curriculares (SACRISTÁN, 2000). A formação docente é também um dos fatores que facilitam a influência de fatores externos na atuação do professor. As pressões externas como guias curriculares, provas externas de avaliação de ciclos de ensino, materiais didáticos previamente selecionados pelas estruturas administrativas e o próprio funcionamento da escola provocam diversas reações dos professores como submissão, resistência, busca de brechas etc. Sacristán faz o seguinte comentário: Uma formação pouco sólida, tanto no terreno cultural ou científico como no estritamente profissional ou pedagógico, facilita essa acomodação às instâncias políticas, burocráticas e aos meios didáticos elaborados fora da escola. Intervencionismo desde fora, debilidade organizativa do professorado, baixo nível de formação no mesmo são realidades concomitantes (SACRISTÁN, 2000, p. 171). O currículo em ação é o nível cujo objetivo é acompanhar a prática do currículo que havia sido previamente planejada pelo professor. É nesse nível que se concretiza o plano do professor para o desenvolvimento do currículo. Nessa fase o currículo sofre influências diversas. O currículo realizado é o nível seguinte à prática do currículo. Aqui podem ser observados os resultados da prática em diversos aspectos, além do mais explícito, o cognitivo, afetivo, social e moral. A extensão do currículo em vários domínios torna sua apreciação complexa, e, segundo Sacristán, muitos dos efeitos ficam ocultos no ensino, mas afetam os professores e a aprendizagem dos alunos.

60 60 O último nível descrito por Sacristán é o currículo avaliado, e nesse nível é possível verificar se a função social da educação está sendo bem empreendida, em especial na educação obrigatória. A partir de resultados desse nível são orientadas mudanças no ensino caso seja detectado que alguns conteúdos têm maior ênfase em detrimento de outros. O currículo redigido nos documentos curriculares oficiais é elaborado sob uma ordenação e organização denominada por Sacristán (2000) de política curricular, que integra a política educativa. A política curricular adotada é responsável por criar e controlar uma série de funções de ordenação jurídica e administrativa, que muitas vezes condiciona a realidade prática da educação com influência direta sobre a margem da atuação de professores e alunos. A regulação do currículo por meio de intervenção administrativa é inexorável, assim defendida por Sacristán: Os currículos recaem em validações que, dentro de uma sociedade na qual o conhecimento é componente essencial a qualquer setor produtivo e profissional, têm uma forte incidência no mercado de trabalho. A ordenação do currículo faz parte da intervenção do Estado na organização da vida social (SACRISTÁN, 2000, p. 108). A recomendação de Sacristán (2000) é que a sistematização da política curricular deve propiciar que seja atendida sua função reguladora. Como tal política tem consequências na qualidade de ensino, é preciso que o modelo político adotado seja explícito para evitar que fique disperso em uma série de regulações desconectadas entre si. Portanto, Sacristán reconhece a necessidade de ter clareza acerca da existência de uma política curricular que administra o currículo, cuja responsabilidade é a tomada de decisões administrativas que ordenam a realidade escolar e sua função de estabelecer a forma de selecionar, ordenar e mudar o currículo dentro de cada sistema educativo. Uma das funções da política curricular é definir o currículo mínimo a ser adotado pelas escolas. A busca pela cultura comum compreende os conteúdos e aprendizagens básicas para um determinado nível de escolaridade. No entanto, a existência do currículo mínimo gera muitas críticas quanto à pretensão de criar uma escola comum e homogênea e cercear a singularidade de cada contexto educacional. Há argumentos, porém, que reconhecem que a existência de um currículo comum pode ser interpretada como um avanço ou retrocesso, no texto de Sacristán: A ideia de currículo comum na educação obrigatória é inerente a um projeto unificado de educação nacional. Numa sociedade autoritária expressa o modelo

61 61 de cultura que o poder impõe. Numa sociedade democrática tem que aglutinar os elementos de cultura comum que forma o consenso democrático sobre as necessidades culturais comuns e essenciais dessa comunidade (SACRISTÁN, 2000, p. 111). A definição de conteúdos mínimos prevê garantia de acesso a uma cultura comum que apresente um padrão de qualidade de ensino para alunos de diferentes regiões geográficas e condições financeiras diversas. A existência de um currículo mínimo não é garantia de que este seja seguido fielmente na prática. Por mais intervencionista que tente ser, não há como chegar diretamente na prática. A existência de um currículo detalhado e pormenorizado gera um excesso de intervencionismo burocrático no sistema escolar que enrijece a prática educativa: uma especificação detalhada do currículo é incompatível com a adaptação para o indivíduo, com as variadas e mutantes condições fora das aulas e com a autonomia dos professores (SACRISTÁN, 2000, p. 116). Uma política curricular bem estruturada deve considerar a influência das concepções e crenças na prática docente que intervêm nas escolhas didáticas de maneira muitas vezes oculta, mas que são preponderantes em uma análise curricular. Essas escolhas se refletem, por exemplo, em dar maior ênfase a um determinado conteúdo que melhor lhe agrada. Mesmo que esteja submetido a um controle externo, cabe ao professor a decisão do tempo e de detalhamento de dedicado conteúdo. Concepções dos professores sobre educação, o valor dos conteúdos e processo ou habilidades propostos pelo currículo, percepção de necessidades dos alunos, de suas condições de trabalho etc. sem dúvida os levarão a interpretar pessoalmente o currículo. (SACRISTÁN, 2000, p. 172). Sacristán comenta a relação teoria-prática e sua problematização na discussão dos problemas curriculares. Não há como analisar uma prática sem a análise curricular e o caráter teórico que a configura. O próprio discurso sobre a relação teoria-prática se nutre da teoria e das práticas curriculares. [...] Na configuração e desenvolvimento do currículo, podemos ver se entrelaçarem práticas políticas, administrativas, econômicas, organizativas e institucionais, junto a práticas estritamente didáticas: dentro de todas elas agem pressupostos muito diferentes, teorias, perspectivas e interesses muito diversos (SACRISTÁN, 2000, p. 29). Reconhecer que o professor faz interpretações do currículo e o adapta às demandas dos alunos é essencial para compreender que uma política curricular não é algo fechado e acabado. Os contextos em que o currículo se desenvolve são diversos e cabe ao docente o papel de mediador entre o currículo apresentado nas orientações curriculares e os alunos. A

62 62 melhoria da qualidade de educação também é influenciada pelo papel do professor nas decisões curriculares. A cautela em não cair na visão ingênua de que o professor é o único a ser responsabilizado pelo fracasso de um currículo é recomendada por Ball (2011). O autor critica o binário entre as pesquisas orientadas para políticas e as pesquisas orientadas para a prática e argumenta que muitas pesquisas não se referem à política educacional de modo que esta é uma ausência significante, isto é, mesmo que não seja considerada, é impossível negar a influência nas relações e no currículo. Em certo sentido, esse tipo de pesquisa desliza claramente de volta as táticas de formuladores de políticas não reflexivas, baseadas na culpabilização, nas quais as políticas são sempre soluções e nunca parte do problema. O problema está na escola ou no professor, mas nunca nas políticas (BALL, 2011, p. 36). Ao tecer comentários acerca dos Parâmetros e Diretrizes Curriculares elaborados no Brasil após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996), Pires (2008) argumenta que, apesar de as inovações curriculares incorporarem contribuições das investigações em Educação Matemática, exigem professores com formação mais ampla para desenvolver tais inovações: Evidentemente, tais propostas, embora muito fecundas, pressupõem conhecimentos do professor muito mais amplos e profundos dos que ele constituiu em sua formação. Conhecimentos não apenas de uma diversidade significativa de conteúdos, temas, mas também de métodos de investigação, de aplicações, de relações com outras áreas etc., mostrando a Matemática como fenômeno cultural e como rica fonte de explicações. Sem tais conhecimentos, ideias como as de interdisciplinaridade ou propostas de se trabalhar os conteúdos de forma contextualizada, acabam sendo distorcidas em sua implementação (PIRES, 2008, p. 28). A autora defende que é necessária a criação de uma cultura de discussão curricular no Brasil para que questões como definir quais níveis obrigatórios de currículo a fim de garantir a formação cultural comum de cidadãos possam ser amplamente debatidas: Consideramos que criar uma cultura de discussão curricular é uma necessidade urgente para a educação brasileira, no sentido de que propostas sejam debatidas pelas comunidades de educadores, pela sociedade e que os processos de implementação não sejam frequentemente interrompidos a toda mudança de governo, de Ministro, de Secretário de Educação. (PIRES, 2005, p. 26) Concordamos com Pires (2008) no sentido de que, de uma maneira mais contundente, faz crítica à formação dos professores para as questões curriculares ao

63 63 argumentar sobre a falta de articulação do desenvolvimento curricular e a formação inicial dos professores: Finalmente, há outro problema a ser enfrentado que é o da falta de articulação entre os processos de organização e desenvolvimento curricular e a formação de professores. De modo geral, os cursos de formação inicial de professores de Matemática parecem desconsiderar a necessidade de integrar os futuros professores na discussão sobre currículos. [...] o professor tem enormes dificuldades em refletir sobre os processos que, historicamente, imprimiram à efetivação das propostas curriculares, o caráter de seleção de conteúdos e montagem de tarefas, a serem desenvolvidas cronologicamente, numa sequência linear, sem considerar as finalidades da educação, a reconstrução de conhecimentos pelos alunos e sem as necessárias elaborações na transmissão de conhecimentos, considerando-se a amplitude do capital cultural disponível e as diferenças naturais entre gerações (PIRES, 2008, p. 40). A crítica de Pires sobre a necessidade de existirem momentos de discussão curricular na formação inicial dos professores é agravada se considerarmos que os professores levam suas concepções e crenças que atuam como filtros cognitivos, sociais e afetivos influenciando em como recebem as informações. Acrescidas às crenças que possui antes mesmo de concluir a formação, o professor adquire novas crenças com outros profissionais experientes inseridos em grupos de trabalho nas escolas (TARDIF, 2000) Contribuições de Rico Romero no campo de pesquisas em currículos de Matemática Para tratar especialmente de currículos de Matemática, elegemos dois autores que compõem nosso quadro teórico: Luis Rico Romero e Alan Bishop. Antes de iniciar as análises dos currículos de Matemática do Brasil e Uruguai, é preciso refletir acerca das finalidades da Educação Matemática. Segundo Rico Romero (1997), o processo de elaboração de qualquer currículo de Matemática, seja na esfera macro (âmbito de secretarias nacionais, estaduais ou municipais) ou micro (compreendido em cada escola até o nível de sala de aula elaborado pelo professor), deve levar em conta alguns questionamentos: Para que ensinar a Matemática? Que Matemática ensinar em uma sociedade influenciada pelas tecnologias? Que formação necessitam os professores para

64 64 ensinar a Matemática na atualidade? Como obter um currículo mais flexível, com variedade de opções e que atenda as diversas necessidades dos alunos? Como contemplar a diversidade cultural no currículo de Matemática? (RICO ROMERO, 1997, p. 5). Na elaboração de um currículo de Matemática é necessária clareza na definição dos fins da Educação Matemática e da organização curricular para atingir tais fins. A preocupação em atender todos os elementos da sociedade, por meio de estratégias sistematizadas que promovam o desenvolvimento das capacidades individuais e preparem os alunos para serem cidadãos produtivos que façam uso da Matemática na sua vida profissional e social, é uma obrigação com a sociedade que o currículo deve cumprir (RICO ROMERO, 1997). Uma questão apresentada por Rico Romero (1997) que nos leva a refletir é a seguinte: quanto de Matemática será suficiente para todos? O próprio autor apresenta o ponto de vista de alguns educadores, que acreditam que a maior parte dos alunos não necessita de estudar muita Matemática. Mas o que é muita Matemática? O que é suficiente? A partir de uma questão como essa é possível discutir a seleção dos conteúdos do currículo e a organização adotada para o desenvolvimento do currículo. Antes se ensinava muito de pouco e o professor dedicava-se a minúcias de um determinado tema e exauria o tempo não podendo sequer iniciar outros conteúdos. Agora, a recomendação é apresentar uma parte de vários temas de forma substanciada e significativa para que o aprendiz tenha um rol maior de conhecimentos matemáticos e que, dependendo das suas necessidades, tenha ferramentas para continuar a especializar-se em boa parte dos conhecimentos matemáticos. Nessa mesma questão, Rico Romero (1997) amplia a discussão ao incluir a crença sobre considerar as diferenças individuais e determinar um currículo diferenciado para atender a capacidade, os interesses e necessidades sociais. Identificamos um importante argumento para o discurso da obrigatoriedade de currículo único: alguns argumentam que, se definido um currículo único, as individualidades e as peculiaridades de cada contexto seriam desprezadas ao se tentar a busca por uma uniformidade. No entanto, a não obrigatoriedade nos traz o risco declarado por Rico Romero: não atender democraticamente o direito de todos de ter a mesma educação. Além da discussão sobre os fins atribuídos à Educação Matemática, Rico Romero (1997) se debruça sobre a discussão a respeito de como o currículo de Matemática deve ser

65 65 elaborado para a conquista das finalidades pretendidas. A preocupação de Rico Romero está em buscar meios de diminuir a distância entre as metas esperadas e a realidade conquistada na prática. Tal preocupação é similar ao currículo prescrito e ao currículo praticado de Sacristán (2000). A inquietação de Rico Romero visa o desenvolvimento de um currículo de Matemática que atenda às finalidades da Educação Matemática que se pretende na busca por uma melhor otimização entre a teoria e a prática. Na visão do autor, se não há meios que permitam reduzir as diferenças entre o currículo praticado e o prescrito, devemos garantir que tais diferenças não corram o risco de ser exaltadas, a ponto de tornar contraditórios os dois níveis de currículos. Ao reconhecer que não há um consenso sobre Por que ensinamos Matemática?, Rico Romero propõe quatro dimensões que permitem caracterizar as finalidades da Educação Matemática: a cultural, a social, a formativa ou educativa e a política. Na dimensão cultural, Rico Romero (1997) categoriza as finalidades que têm o objetivo de transmitir a herança cultural de cada sociedade. O autor apresenta o problema enfrentado pelos países em desenvolvimento: fazer uso de currículos de países europeus que muitas vezes entravam em conflito com os valores da cultura materna. A dimensão cultural exerce influência sobre o ensino de Matemática de maneira explícita ou tácita. Rico Romero (1997, p. 12) faz referência aos estudos de Burton para argumentar que o tipo de Matemática apresentada nos livros didáticos (axiomatizada, objetiva, rigorosa) são opções culturais que cada sociedade deve fazer. A dimensão social da Matemática possibilita fazer uso da Matemática para comunicar, interpretar, prever e elaborar conjecturas para dar objetividade à informação dos conhecimentos fundamentados. Entre as finalidades da dimensão social da Matemática, se destaca a capacidade de qualificar com ferramentas matemáticas básicas o cidadão comum para seu convívio na sociedade e atender às necessidades do mercado de trabalho (RICO ROMERO, 1997). Na dimensão social, Rico Romero (1997) caracteriza o conhecimento matemático como uma construção social, que acontece a partir das relações pessoais. O autor amplia a visão da Matemática para além de uma questão prática e utilitária ao considerar os três âmbitos em que a dimensão social se configura: a prática profissional exercida pelos matemáticos que produzem o conhecimento organizado (estatísticas oficiais; pesquisas de

66 66 opinião, informações econômicas e outras); os contextos matemáticos que lançam mão de conhecimentos matemáticos mais genéricos, porém necessários para o mundo social e do trabalho; e o terceiro âmbito corresponde às práticas sociais usuais onde a Matemática é utilizada para comunicar, receber e tomar decisões a partir da interpretação das informações. A dimensão formativa ou educativa reconhece o processo educativo, no sentido de como cada geração transmite para as gerações posteriores padrões culturais básicos. Nesta dimensão, o professor é o responsável por iniciar as crianças e adolescentes na cultura da comunidade a que pertencem, e, como o conhecimento matemático faz parte da cultura, deve ser transmitido integralmente para cada geração (RICO ROMERO, 1997). Não cabe à escola decidir quais conhecimentos devem ser transmitidos e colocados à disposição dos alunos. Esta tarefa é de um grupo de estudiosos de disciplinas, que trabalham em universidades, responsáveis por ampliar os conhecimentos de suas áreas por meio de pesquisas e decidir e organizar os conhecimentos científicos necessários para compreender o mundo. Uma vez que é impossível a transmissão de toda cultura, o papel do professor é selecionar quais conhecimentos organizados por tais grupos de referências devem ser transmitidos (RICO ROMERO, 1997). A dimensão formativa já está presente em muitos currículos que apresentam a preocupação com o desenvolvimento e a aquisição de capacidades, em especial cognitivas, como a capacidade de desenvolver o pensamento para a tomada de atitudes, de estabelecer relações e deduzir consequências e desenvolver o raciocínio abstrato, o reconhecimento de regularidades e padrões (muitas vezes utilizado em outros contextos como o artístico), a elaboração de esquemas e representações gráficas, o desenvolvimento do espírito crítico, da discussão e a elaboração de argumentos para a tomada de decisões, e, finalmente, destacamos o desenvolvimento do trabalho científico por meio da busca, identificação e resolução de problemas. A dimensão política da Matemática é identificada nas finalidades que visam atender aos objetivos de um sistema educativo geral. A preocupação dos sistemas com a difusão dos princípios democráticos, a integração social, o exercício da crítica e o desenvolvimento da capacidade de resolver problemas de modo sistemático, são contribuições que a Matemática presta e que lhe outorgam a dimensão política de Rico Romero (1997).

67 67 A abordagem crítica propõe que o conhecimento matemático está relacionado com a vida social dos homens, que é usado para tomar certas decisões que afetam a coletividade e serve como argumento para justificativas; portanto, deve ser analisado e avaliado não apenas em seus fundamentos, mas, também, nas suas aplicações (RICO ROMERO, 1997, p. 16). Outro aspecto da dimensão política é a avaliação ética a respeito de como os conhecimentos produzidos pela Matemática devem ser vistos sob uma perspectiva crítica e moral. Uma vez que as aplicações matemáticas produzem conhecimentos utilizados na tomada de decisões que afetam a vida das pessoas, a associação entre ética e democracia é o sentido mais nobre da dimensão política. Rico Romero enumera alguns fatores que exercem influência na reforma curricular: metas sociais e tradições: a cultura de uma sociedade exerce influência no desenvolvimento da Matemática e à importância atribuída ao seu estudo; fatores sociais e geográficos: os pesquisadores reconhecem que as diferenças em relação ao desenvolvimento econômico, nível cultural, geográficas, linguísticas, éticas e religiosas afetam o currículo; status profissional e formação dos professores: a qualificação do professor tem o papel-chave para qualquer inovação curricular; o sistema educativo: a forma como as escolas são administradas sob a regência de um órgão centralizador ou não exerce influência na reforma curricular, porém, por maior que seja o controle, o professor sempre assume um grau de autonomia; a inspeção: o tipo de função exercida pela inspeção exerce influência até o nível de verificação de cumprimento do currículo e os textos e publicações: este é um dos fatores que exercem a maior influência nas aulas, seja em países onde há uma única publicação distribuída pelo Estado ou em países, como no caso do Brasil, onde os professores escolhem os livros. A função intermediária entre o currículo e os alunos qualifica o professor como o principal motor nas reformas curriculares. Portanto, qualquer tentativa de mudar o currículo deve considerar o papel do professor (RICO ROMERO, 1997). O professor pode exercer dois tipos de papéis na mudança curricular: o de participante do processo ou de usuário do produto.

68 68 As autoridades educativas, por meio dos elaboradores, muitas vezes produzem materiais curriculares que fornecem aos professores poucas opções e que, às vezes, precisam de professores altamente competentes. Há elaboradores que acreditam que os professores são incapazes de contribuir para o processo de desenvolvimento curricular, muitas vezes produzem materiais que cerceiam ou evitam o professor, reduzindo seu papel ao de um monitor. Os inovadores acreditam que seus professores são a chave para o desenvolvimento de currículos e tendem a colocar o processo acima do produto, os materiais que são produzidos desta forma são, muitas vezes, com exemplos ou materiais introdutórios que exigem que o professor faça seu desenvolvimento (RICO ROMERO, 1997a, p. 223). A compreensão da Matemática como um produto cultural de uma sociedade em um determinado período coloca a Matemática para atender às necessidades que a sociedade exige e, como consequência, admite que esta possa sofrer mudanças como qualquer outro aspecto da cultura. Assim, se considerarmos a Matemática como um produto cultural, fica inviável a simples adoção de currículos de outras culturas sem uma ampla reflexão que permita a adaptação de tais conteúdos às necessidades locais. Rico Romero (2013) estabelece cinco categorias ou áreas para classificar as pesquisas sobre currículos de Matemática que abordam as quatro dimensões curriculares. O autor alerta que cada categoria tem o objetivo de responder a um questionamento principal e compreende métodos e interesses diferenciados. No entanto, todas as categorias apresentam ameaças que devem ser controladas durante a aplicação da pesquisa. As categorias elaboradas por Rico Romero são: métodos centrados na disciplina; métodos centrados nos processos de inovação e desenvolvimento curricular; 18 métodos centrados na aprendizagem do aluno; métodos centrados nas relações entre os processos de ensino e aprendizagem; e métodos centrados no conhecimento profissional e formação dos professores. 18 Localizamos nosso estudo nas duas primeiras categorias. Segundo Rico Romero (2013), por meio da análise de textos, programas e conteúdos, pretende-se verificar acerca da articulação entre os conteúdos e caracterizar o currículo estudado e como este se organiza. O autor indica que as principais ameaças são: a subjetividade, o reducionismo, a dispersão, a desconexão e a ausência de um referencial teórico.

69 69 Quadro 4: Dimensões que caracterizam as finalidades da Educação Matemática CULTURAL Transmitir a herança cultural de cada sociedade. De maneira tácita ou explícita exerce influência sobre o ensino de Matemática. SOCIAL Qualificar com ferramentas matemáticas básicas o cidadão, com o objetivo de atender às necessidades sociais. Caracterizar o conhecimento matemático como uma construção social. FORMATIVA OU EDUCATIVA Transmitir integralmente, para as gerações posteriores, a Matemática. POLÍTICA Atender aos objetivos de um sistema educativo geral. Garantir que os conhecimentos matemáticos atendam aos princípios éticos e democráticos, a integração social, o exercício da crítica e o desenvolvimento da capacidade de resolver problemas de modo sistemático. Na discussão sobre a dimensão cultural, Rico Romero (1997a) faz referência ao processo que Bishop (1991) nomeia como enculturação matemática que ocorre a partir de interações entre o aprendiz, o conteúdo matemático e o professor. No entanto, algumas concepções e crenças implícitas fundamentam a forma de entender os conteúdos matemáticos, a aprendizagem e o ensino da Matemática. Tal análise é compartilhada por Bishop (1991): obviamente, a noção de uma abordagem seletiva da cultura é importante na educação. A educação é uma forma de transmissão cultural intencional e deliberada e, como tal, deve ser seletiva (BISHOP, 1991, p. 22) Contribuições de Alan Bishop para a discussão dos currículos de Matemática Segundo Bishop (1991), há duas maneiras de introduzir o aluno na cultura matemática: pela enculturação formal, que ocorre de forma explícita, intencionada e

70 70 sistematizada; e pela enculturação informal, que de modo tácito é transmitida às crianças pelos adultos que compartilham valores e ideias sobre a cultura matemática. É necessária cautela ao fazer uso do termo enculturação. O próprio Bishop (1991) analisa o termo sob três aspectos: primeiro, que a enculturação matemática, ao ser entendida com a função de transmissão da cultura matemática, deve considerar que o aluno receptor não é um ser vazio e passivo, mas um ser ativo, dotado de características individuais; o segundo aspecto, discutido por Bishop, é compreender que a cultura é uma entidade abstrata, e quem a transmite são pessoas; o terceiro aspecto é reconhecer as características pessoais de cada aluno que, por ser um receptor ativo, cada geração recria a cultura matemática para a geração seguinte. Bishop (1991) propõe cinco princípios que um currículo de Matemática deve seguir para atender ao enfoque cultural. O princípio da representatividade supõe que o aluno deve ser inserido em uma cultura matemática ampla, que o ensino não se atenha as técnicas, mas priorize as ideias matemáticas elementares. O princípio formalista do currículo de Matemática tem a intenção de atingir o nível formal da cultura matemática e criar conexões com a Matemática informal. A preocupação em articular a Matemática com a sociedade tem a função de evitar o excesso de formalismo e preparação para o nível técnico, tal como ocorreu no Movimento da Matemática Moderna (MMM). O princípio formalista compreende também o papel estruturalista da Matemática como disciplina que desenvolve a tecnologia simbólica. A preocupação em criar oportunidades e maneiras para que todos os alunos aprendam é a que norteia o princípio da acessibilidade de Bishop. Assim, as atividades devem ser preparadas de acordo com a capacidade intelectual dos alunos. Isto não quer dizer que alguns alunos não consigam alcançar níveis maiores de conhecimento matemático de acordo com seus interesses e condições, porém esse enfoque supera a crença de que Matemática é para poucos. Já o princípio explicativo tem como função apresentar o poder explicativo da Matemática, que vai além da concepção de que os currículos desta apenas dão enfoque ao fazer. O poder explicativo, segundo Bishop, tem a função de transmitir os fenômenos para

71 71 todos os alunos. Para tal, o currículo de Matemática deve ser integrado aos alunos e às necessidades da sociedade. O princípio explicativo para Bishop não é possível ser avaliado de forma objetiva, porém sugere que alguns conteúdos recebam prioridade em razão da melhor compreensão dos alunos: a combinatória, por exemplo, é uma ideia mais importante para as crianças do que as funções trigonométricas, porque a primeira pode explicar muito mais situações compreensíveis e acessíveis às crianças do que a segunda (BISHOP, 1991, p. 132). Atribuir à Matemática o papel de produto cultural de uma sociedade inviabiliza a preocupação em obter um consenso acerca de qual é a Matemática universal, uma vez que cada sociedade possui distintas necessidades a serem atendidas por diferentes visões da Matemática. O princípio de concepção ampla e elementar é derivado do princípio explicativo para Bishop. Nesse sentido, Bishop defende que o currículo de Matemática deve permitir explicar fenômenos que tenham amplitude maior. Para o autor é preciso evitar a compreensão de que o ensino deve ser limitado à aritmética simples, e aqueles alunos que tenham o desejo de se tornarem futuros matemáticos devem receber bases que permitam a continuidade dos estudos. Um currículo de Matemática enculturador não se restringe a educar, mas a conservar a herança cultural da Matemática. O entendimento de currículo sob a perspectiva da dimensão cultural de Rico Romero (1997) como um meio de socializar o aluno atribui ao professor um papel que vai além de um mero usuário do currículo para o de responsável por colocá-lo em ação, desenvolvê-lo, implementá-lo e avaliá-lo. Bishop (1991) tece uma crítica aos currículos de Matemática de vários países que são conduzidos para o desenvolvimento de técnicas a partir de procedimentos, métodos, regras e algoritmos que gradualmente vão atingindo níveis mais difíceis nos temas Números, Álgebra, Geometria e Análise Matemática. Contudo, tal concepção não permite que o aluno aprenda a refletir e a compreender o mundo fora da Matemática. Bishop (1991) propõe uma estrutura para um currículo enculturador. A estrutura é formada por três componentes que devem ser organizados de modo a satisfazer os cinco princípios. Os componentes não são mutuamente exclusivos, e é desejável que se sobreponham e interajam.

72 72 O componente simbólico do currículo é organizado em torno das seis atividades universais que Bishop identifica nos currículos de Matemática nas diferentes culturas, que, segundo o autor, devem fazer parte da educação formal das crianças. As seis atividades universais para Bishop têm uma função mais ampla do que temas que constituem os currículos. Sua função é organizar os conceitos do currículo como marcos do conhecimento ou centros de interesse, utilizados para promover a articulação de atividades em contextos ricos que permitam explorar os significados, a lógica e as conexões da Matemática com outros contextos para exemplificar e validar o poder explicativo. Para a definição de alguns princípios que devem nortear o currículo de Matemática, Bishop propõe algumas atividades compartilhadas por diferentes culturas como: contar, localizar, medir, projetar (forma), jogar (regras e procedimentos) e explicar. Essas seis atividades constituem o fundamento para o desenvolvimento da Matemática na cultura. A atividade de contar, segundo Bishop (1991), é uma das ideias universais que sofre variações quanto à representação e à linguagem. Essa atividade está diretamente relacionada às necessidades sociais. Nessa atividade, Bishop categoriza: quantificar, correspondência, valor posicional, operações com números, estimativa, aproximação com erros, frações, decimais, positivos e negativos, infinito e infinitésimo, limites, potências, retas numéricas, diagramas, representações algébricas, probabilidades e frequências. Bishop destaca ser inquestionável a universalidade da atividade de localizar. Mesmo apresentando diferenças na descrição e na representação de localidades, essa atividade é identificada em culturas formalizadas ou não. A atividade de localizar corresponde a temas como: posição, descrição de rotas, localização em contextos, orientação com bússola, acima/abaixo, direita/esquerda, em frente/atrás, distância em viagem, linhas retas e curvas, ângulo de giro, rotações, sistemas de localização (coordenadas polares e cartesianas), mapas (escalas), latitude e longitude, lugar geométrico (círculo, elipse, vetor, espiral). A atividade de medir é descrita por Bishop (1991) como necessária para o desenvolvimento de ideias como comparar, ordenar e quantificar. No entanto, o autor destaca haver uma diferença entre aquilo a que cada cultura atribui ou não valor. Suas aplicações se estendem em contextos econômicos, comerciais e sociais. O valor que a precisão das medidas recebe, por exemplo, depende do objetivo da medição. Assim, por exemplo, as sociedades mais orientadas matematicamente exigem rigor nas precisões. Os temas desta atividade são: quantificadores comparativos (mais rápido, mais fino),

73 73 ordenação, desenvolvimento de unidades, precisão e estimativa das unidades de medida; longitude, área, volume, tempo, temperatura e peso; unidades convencionais, sistemas métrico, sistema monetário e unidades compostas. Bishop faz uso da atividade de projetar além de simples desenho. Utilizada para que as formas e figuras que existem na natureza se destaquem e se tornem centros de atenção para que possam ser abstraídas do mundo natural. Segundo o autor, todas as culturas projetam ou concebem formas para atender suas necessidades como de adorno, utilitárias etc. Aqui se encontram temas como: desenho, abstração, figura, forma e estética; comparação de objetos a partir de propriedades da forma; grande/pequeno, semelhança e congruência; propriedades da forma, formas, figuras e sólidos geométricos; superfícies, redes e mosaicos; simetria, proporção, razão, modelos, escala, ampliações; rigidez das formas. A atividade jogar é importante no desenvolvimento cultural. Segundo Bishop, no desenvolvimento de um jogo, regras, procedimentos, tarefas e critérios são formalizados a fim de comporem o jogo. Entre os conteúdos, destaca: jogos, diversão, acertos e paradoxos; modelagem, realidade imaginada; atividade regida por regras, raciocínio hipotético; procedimentos, planos e estratégias; jogo de cooperação, jogos de competição e jogos solitários; acaso e predição. A atividade de explicar para Bishop assume o papel de centro das atenções das formalizações e das abstrações necessárias para o desenvolvimento da Matemática. Entre suas aplicações, essa atividade se detém a expor as relações entre os fenômenos. Aqui o autor destaca a capacidade de classificar, representar e relatar. A produção de relatos é mais utilizada que a produção de explicações, pois, como um fenômeno cultural, contribui para a perpetuação e propagação da cultura e, sob esse ponto de vista, das ideias matemáticas, ao ter a capacidade de conectar o discurso de modo rico e variado. Entre os temas dessa atividade encontram-se: semelhanças, classificações e convenções; classificação hierárquica dos objetos; explicações linguísticas (argumentos lógicos e demonstrações); explicações simbólicas (equações, desigualdades, algoritmos e funções); explicações figurativas (diagramas, gráficos, tabelas e matrizes); modelagem matemática; critérios (validade interna e generalização externa). O componente social do currículo tem a função de exemplificar, contextualizar as atividades para desenvolver uma consciência crítica do desenvolvimento dos valores da Matemática na sociedade. Esse componente tem o objetivo de refletir, a partir de uma

74 74 dimensão histórica, sobre a função da Matemática nas diversas épocas: passado, presente e prever as aplicações no futuro. Bishop não defende um curso de História da Matemática, mas a apresentação de algumas situações que comprovem o uso da Matemática na sociedade. O autor recomenda o uso de projetos por meio de investigações desenvolvidas pelos alunos sozinhos ou em pequenos grupos. Há três aspectos que justificam o uso de projetos para o desenvolvimento do componente social para Bishop: a possibilidade de individualizar o ensino, ao promover a participação pessoal de cada estudante; o uso de diversos materiais, que permite a Matemática ser utilizada para interpretar e explicar contextos reais; e o desenvolvimento da reflexão e análise a partir da postura investigativa, pois o trabalho com projetos inicia o desenvolvimento do espírito crítico necessário na vida em sociedade. O terceiro componente de um currículo enculturador de Bishop (1991) é o componente cultural, caracterizado pelo autor como um metaconceito 19 da Matemática que exemplifica sua existência em todas as culturas e introduz a ideia de técnica da cultura matemática com valores de abertura e mistérios: 20 a importância no currículo de Matemática justificada por sua natureza de busca pela gênese das ideias Matemáticas, a natureza da Matemática como cultura, os tipos de relações com as abstrações matemáticas. Assim como no componente social, Bishop recomenda o uso de investigações para o desenvolvimento do componente cultural. Entretanto, aqui o objetivo é imitar as atividades desenvolvidas pelos matemáticos em duas fases: a primeira, que corresponde à fase de experiência, de criação e invenção, a partir da exploração, da análise e desenvolvimento das ideias matemáticas; e a segunda fase denominada de fase de documentação, de reflexão, comunicação e explicação por escrito do experimento. O uso de investigação, resolução de problemas e trabalho com projetos leva a uma revisão do espaço educativo que coloca desafios ao professor. A mudança do papel do professor não se limita às aulas de Matemática. Questões que vão além dos muros escolares têm influência direta, e a multiplicidade de variáveis não cabe em um trabalho 19 Não encontramos o verbete metaconceito. O verbete meta significa caminho para chegar a um objetivo. Logo, por extensão, compreendemos o metaconceito como meio de alcançar os conceitos matemáticos. 20 A abertura atribui às ideias matemáticas a possibilidade de serem examinadas e compreensíveis por todos. O mistério contraria e complementa a abertura, abrange os aspectos em que as ideias matemáticas vêm sendo geradas. O caráter misterioso da Matemática, que ainda é temida por muitas pessoas, contraria o fato de que é o assunto mais ensinado no mundo todo.

75 75 como o nosso. No entanto, não apenas a autoridade catedrática do professor, mas a autoridade familiar, tem sido questionada. A geração de hoje não depende apenas do professor para o acesso aos conteúdos escolares. Com um simples clique do mouse em um buscador é possível ter acesso a milhares de páginas espalhadas pelo mundo sobre determinados conteúdos. Contudo, a transposição da informação em conhecimento que pode ser utilizado em contextos diversos torna o trabalho professor tão ou mais necessário do que aquele realizado no período anterior ao mundo digital. Bishop propõe alguns indicadores para a análise de um currículo de Matemática. A acessibilidade é recomendada por Bishop para se evitarem os dois extremos que ocorrem na discussão curricular: o caráter maravilhoso, que muitas vezes apresenta conteúdos inacessíveis aos alunos, muito aquém do nível intelectual, com a preocupação apenas de apresentar o currículo, não importando o quão é difícil para os alunos. Os conteúdos curriculares não podem estar fora das capacidades intelectuais dos alunos. O outro extremo que Bishop recomenda evitar é o caráter de facilitador, ou seja, apresentar conteúdos que não desafiem ao aluno apenas para facilitar o aprendizado. O segundo aspecto defendido por Bishop (1991) é a representatividade. Segundo ele, não podemos apenas apresentar a Álgebra, a Geometria, mas inserir o aluno na cultura matemática. A apresentação deve ser mais ampla possível para que o aluno tenha o conhecimento dos múltiplos usos da Matemática. Temas como provas e demonstrações não podem ser banidos, pois também compreendem uma parte importante da Matemática. Assim, o currículo deve apresentar a cultura matemática tanto da perspectiva de seus valores como de sua tecnologia simbólica. A representatividade proposta por Bishop (1991) tem uma similaridade com a riqueza de Doll Jr. (1997), ao propor que a Matemática apresentada aos alunos deve representar bem a área de conhecimento, não como um recorte, mas como uma solução de problemas. Nesse aspecto o currículo também deve ter o poder explicativo, ou seja, um currículo deve enfatizar a Matemática como explicação. A Matemática como fenômeno cultural pode ser uma rica fonte de explicações, e essa característica deve ser incorporada nos currículos. O aluno deve não apenas resolver equações ou funções, mas também fazer uso da Álgebra para prova e demonstração.

76 76 Salienta ainda que o currículo deve conter o aspecto de formalismo : um currículo deve objetivar o nível formal da cultura matemática mostrando as conexões com o nível informal e oferecendo introdução ao nível técnico. Segundo Bishop, um currículo enculturador deve aproximar a Matemática do nível informal (como a Etnomatemática) do formal. Não pode haver domínio da Matemática formal. A importância do papel enculturador vem da visão antropológica que estuda o processo dinâmico entre grupos culturais em que ocorre a transmissão de valores e conhecimentos. Conforme Bishop, para a Matemática cumprir sua função enculturadora, deve atender aos três componentes: o social, o cultural e o simbólico. Reconhecemos, porém, que as marcas culturais e sociais são muito mais difíceis de identificar Outros temas presentes nos currículos de Matemática A metodologia de resolução de problemas A metodologia de resolução de problemas no processo de ensino e aprendizagem de Matemática é utilizada sob a perspectiva de que um problema é o ponto de partida, de orientação, para a aprendizagem. O método visa à construção do conhecimento por meio da resolução do problema. Para tal, professor e alunos, juntos, devem agir colaborativamente durante o processo de resolução do problema (ALLEVATO; ONUCHIC, 2008): problema refere-se a tudo aquilo que não sabemos fazer, mas que estamos interessados em fazer (ONUCHIC, 2007, p. 9). Na década de 40, surge o trabalho de George Polya, que se constituiu como uma referência na resolução de problemas. Entretanto, com o MMM, tal metodologia teve um retrocesso. Com as investigações sobre o fracasso do MMM, a resolução de problemas é resgatada, e com a publicação An agenda for action: Recommendations for school

77 77 mathematics of the 1980s (NCTM 21, em 1980, nos Estados Unidos) o tema vem novamente à tona, torna-se foco da Matemática escolar nos anos 80 e traz consigo implicações curriculares que norteiam os documentos até hoje. No entanto, meio século após a publicação de Polya e três décadas da Agenda para Ação, vemos que a metodologia ainda não está enraizada nas salas de aula. Um problema para ser compreendido sob o foco da resolução de problemas deve ser o ponto de partida para o conhecimento novo, isto é, o conteúdo necessário, ou mais indicado, para sua resolução que ainda não foi trabalhado em sala de aula. Assim, o problema não deve ter solução evidente, é preciso demandar esforços para estabelecer relações, combinar conhecimentos anteriores ou gerar novos conhecimentos. Durante o processo de resolução do problema, ou problema gerador, o aluno será conduzido pelo professor para construir estratégias de resolução e, assim, obter o conhecimento pretendido. A proposta da metodologia de resolução de problemas é simular o fazer do matemático. O professor deve conduzir o aluno a enfrentar as situações propostas pelo problema, mas não se esgota na solução obtida. O aluno deve ser orientado a questionar as respostas, os processos de solução e a própria situação. Esse movimento investigativo tem como objetivo que o aluno aprenda a checar as hipóteses, buscar regularidades, desenvolver a análise e a crítica. O papel do professor no processo de resolução de problemas é auxiliar o aluno. Entretanto, Polya alerta que tal função exige tempo, dedicação, prática e princípios firmes: O estudante deve adquirir tanta experiência pelo trabalho independente quanto lhe for possível. Mas se ele for deixado sozinho, sem ajuda ou com auxílio insuficiente, é possível que não experimente qualquer progresso. Se o professor ajudar demais, nada restará para o aluno fazer. O professor deve auxiliar, nem demais nem de menos, mas de tal modo que ao estudante caiba uma parcela razoável do trabalho (POLYA, 1995, p. 1). 21 National Council of Teachers of Mathematics (NCTM), Conselho Nacional de Professores de Matemática (NCTM). Fundado em 1920, conta com mais de membros nos EUA, Canadá e outros países. As discussões e normas publicadas pelos NCTM exercem influência na Educação Matemática internacionalmente.

78 78 A metodologia de ensino de Matemática por meio da resolução de problemas ganhou espaço nos currículos oficiais de Matemática. No entanto, o uso normalmente segue o seguinte roteiro explicação do conceito que se pretende alcançar, apresentação de procedimentos e finaliza com problemas de aplicação dos conceitos com o uso dos procedimentos ensinados. Tal roteiro tem seu valor, mas não caracterizamos como resolução de problemas, mas de exercícios. O solucionador de problemas inteligente procura, antes de tudo, compreender o problema tanto quanto possível completa e claramente. Isto não é, no entanto, suficiente: é preciso que ele almeje sinceramente chegar à solução. Se não tiver um real anseio de resolver o problema, será melhor deixá-lo de lado. O verdadeiro segredo do sucesso consiste em consagrar toda a sua personalidade ao problema (POLYA, 1995, p. 103). Na obra de Skovsmose (2008) encontramos o paradigma do exercício. Normalmente, durante a aula de Matemática, o professor apresenta ideias e técnicas matemáticas para serem utilizadas em exercícios selecionados. De acordo com essas e muitas outras observações, a educação matemática tradicional se enquadra no paradigma do exercício. Geralmente, o livro didático representa condições tradicionais de sala de aula. Os exercícios são formulados por uma autoridade externa à sala de aula. Isso significa que a justificativa da relevância dos exercícios não é parte da aula de matemática em si mesma. Além disso, a premissa central do paradigma do exercício é que existe uma, e somente uma, resposta correta (SKOVSMOSE, 2008, p. 15). Um problema, ou situação-problema, é algo que não possui uma solução evidente nem a simples aplicação mecânica de uma técnica que acabou de aprender. Pode ser resolvido por vários caminhos, cujas soluções muitas vezes não são únicas ou até mesmo não existem. Comellas e Serra (2000) fazem a seguinte crítica ao currículo de Matemática no bachillerato da Espanha (corresponde ao Ensino Médio brasileiro) a respeito do uso de resolução de problemas, como problemas de empresas e centros de trabalho da vida cotidiana que não têm a estrutura usual escolar: [...] raramente estão relacionados a apenas um tipo especial de habilidades, muitas vezes requerem a combinação de diferentes conhecimentos e habilidades, muitas vezes exigem trabalho em equipe, e em muitas ocasiões uma equipe multidisciplinar. Esta é uma situação semelhante aos problemas que desenvolvemos com nossos alunos? Se a resposta for sim, estamos no caminho certo, estamos preparando nossa juventude para as dificuldades que as esperam quando terminar o instituto. Se a resposta é que na maioria das vezes não, então devemos nos perguntar para o que estamos preparando-os (COMELLAS; SERRA, 2000, p. 87). O uso da metodologia de resolução de problemas tem a intenção não apenas de ensinar conteúdos da Matemática, mas o desenvolvimento da persistência para transpor

79 79 desafios, a não se desanimar, a buscar outros caminhos, a colaboração em grupo, a abordar a situação sob ângulos diferentes inclusive fora da Matemática escolar, o que implica contextualizar os conceitos aprendidos em outras áreas (COMELLAS; SERRA, 2000). Nesse sentido, Polya defende que devemos educar a vontade: Ensinar a resolver problemas é educar a vontade. Na resolução de problemas que, para ele, não são muito fáceis, o estudante aprende a perseverar a despeito de insucesso, a apreciar pequenos progressos, a esperar pela ideia essencial e a concentrar todo o seu potencial quando ele aparecer. Se o estudante não tiver, na escola, a oportunidade de se familiarizar com as diversas emoções que surgem na luta pela solução, a sua educação matemática terá falhado no ponto mais vital (POLYA, 1995, p. 114). A resolução de problemas ensina procedimentos e valores que dificilmente seriam adquiridos de outra forma. O uso de técnicas de cálculo na resolução de problemas não se atém apenas a praticar tais técnicas, mas, também, a questionar e a refletir sobre seu uso e empreender esforços em buscar técnicas alternativas. Quando um estudante comete erros realmente tolos ou é irritantemente vagaroso, a causa é sempre a mesma: ele não tem qualquer desejo de resolver o problema, nem mesmo deseja entendê-lo adequadamente e, por isso, não chegou sequer a compreendê-lo. Portanto, o professor que realmente deseja ajudar o aluno deve, antes de tudo, estimular a sua curiosidade, incutir-lhe certo desejo de resolver o problema. O professor deve também conceder algum tempo ao aluno para que ele tome a decisão e se dedique à sua tarefa (POLYA, 1995, p. 114). A proposta de resolução de problemas prevê a organização em pequenos grupos heterogêneos para que, de forma colaborativa, os alunos aprendam. Essa organização respeita a diversidade de cada aluno e prevê que cada um contribua para a obtenção do objetivo único: a resolução do problema. O papel do professor na metodologia de resolução de problemas é, além de ter o conhecimento matemático, usar a Matemática para resolver problemas. Apenas com a mesma concepção o professor poderá utilizar a estratégia com os seus alunos: No entanto, é bom não esquecer que um professor de Matemática deverá saber algo de Matemática e que aquele que desejar incutir em seus alunos a correta atitude para com os problemas dever ter, ele próprio, adquirido essa atitude (POLYA, 1995, p. 134). Um currículo centrado na resolução de problemas não prevê capítulos ou itens isolados com apresentação de problemas, mas problemas que podem, inclusive, ser utilizados como a melhor maneira de introduzir o aprendizado de um conceito.

80 A contextualização no currículo de Matemática No bojo da incorporação de perspectivas sociais e culturais aos currículos de Matemática, nos últimos anos os documentos curriculares têm feito referência a temas como contextualização, interdisciplinaridade, entre outros. A respeito de contextualização, Maioli (2012) traz uma interessante reflexão acerca do uso do termo contextualização como princípio metodológico em documentos curriculares de Matemática do Ensino Médio. O termo contextualização é utilizado por Maioli como o processo de atribuir significados em um texto de modo a promover uma aprendizagem com significado. Maioli faz uma alerta no sentido de que, mesmo que o professor apresente situações de aplicação ou cotidianas, não há garantia que tenham significado para o aluno. Os documentos curriculares que consideramos nesta pesquisa indicam que estão entre os propósitos da contextualização do ensino: tornar a aprendizagem significativa ao associá-la com experiências da vida cotidiana ou com os conhecimentos adquiridos espontaneamente; retirar o aluno da condição de espectador passivo; provocar aprendizagens significativas que mobilizem o aluno e estabeleçam entre ele e o objeto do conhecimento uma relação de reciprocidade; [...] adaptar um desenho de currículo às características de seus alunos e de seu ambiente socioeconômico (MAIOLI, 2012, p. 194). Para Maioli, na discussão acerca da contextualização é importante considerar a estrutura cognitiva do aprendiz e o quanto ela é influenciada pelo aspecto sócio-históricocultural. Tal abordagem é essencial para compreender que os significados, ou redes de significados estabelecidos pelos alunos, não são determinados linearmente e, muitas vezes, não são possíveis de ser explicitados. A contextualização ocorre por meio da interação: entre indivíduos (como professores e alunos) e entre indivíduos e o texto. Nesse sentido, é preciso que o professor não considere seu modo de se relacionar com o texto como o único modo legítimo. Ou seja, é preciso que sejam consideradas, também, outras estratégias desenvolvidas pelos alunos para que o processo de contextualização ocorra de modo a permitir que o aluno estabeleça relações com o objeto de estudo. O uso da contextualização como uma tendência metodológica em muitos documentos curriculares recentes provocou uma compreensão desvirtuada do termo, chegando à banalização deste como apenas de uma dimensão de aplicação ou uso cotidiano de conteúdos matemáticos. Segundo a autora, especialistas e professores fazem alterações

81 81 no currículo e retiram aqueles conteúdos que não podem ser contextualizados, com a justificativa de que não devem ser ensinados aos alunos da Educação Básica (MAIOLI, 2012). No texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), há uma preocupação com o uso inadequado da contextualização como aplicação no mundo real e na vida cotidiana: cuidar para que essa generalização não induza à banalização, com o risco de perder o essencial da aprendizagem escolar que é seu caráter sistemático, consciente e deliberado (BRASIL, 2000, p. 81). Outro estudo que destacamos é o de Almeida (2011), que analisa dois enfoques ao currículo de Matemática no Ensino Médio: ora a predominância da Matemática voltada para as aplicações práticas, ora a Matemática focalizada nas suas produções teóricas. Almeida considera nas aplicações práticas o uso dos conhecimentos matemáticos para solucionar problemas do cotidiano de contexto escolar ou extraescolar. Aqui se encontram problemas que apresentam a aplicação da Matemática na Física, Química, Biologia, Economia, até temas transversais como meio ambiente e saúde. A Matemática voltada para a produção teórica ou especulativa não tem uma aplicação prática imediata e visível, porém é responsável pelo desenvolvimento da própria Matemática e de outras ciências. Pode ocorrer que, ao avançar com o próprio conhecimento matemático, uma determinada especulação teórica contribua com uma aplicação prática, no entanto não há uma relação de dependência (ALMEIDA, 2011). Os estudos que Almeida empreendeu nos documentos curriculares de abrangência nacional e estadual indicam que há uma ênfase não declarada, mas implícita, ao ensino de Matemática voltado para a aplicação prática. Uma das justificativas é que tornam mais interessantes aos alunos tais situações. No entanto, Almeida faz duas críticas: O senso comum diz que as duas vertentes devem ser trabalhadas, mas ao considerar as orientações, os livros didáticos e as trajetórias hipotéticas de aprendizagem, nos é revelado que as aplicações se tornam mais interessantes, apesar de não ser fácil o desenvolvimento das mesmas, pois nem todos os conteúdos são possíveis de ser aplicados. Assim sendo, a questão que fica é a seguinte: quando se chega neste ponto em que não é possível o olhar das aplicações, o que se faz? (ALMEIDA, 2011, p. 230). Almeida conclui que é preciso haver um equilíbrio entre esses dois enfoques e que os alunos devem ter oportunidade de conhecer a Matemática, tanto em suas especificidades quantos as suas aplicações. A articulação e a aproximação dos dois enfoques possibilitam

82 82 que os alunos compreendam a Matemática como uma ciência, com suas dimensões e que o desenvolvimento do pensamento matemático contribuiu para a resolução de várias aplicações após ser estruturado e sistematizado. Considerações sobre o capítulo Para realizar a análise comparativa de currículos de Matemática do Brasil e do Uruguai vamos nos apoiar nas contribuições dos autores aqui relacionados, que nos orientarão a observar: como os currículos são organizados, quais fases ou níveis de concretização podemos reconhecer nos documentos curriculares e/ou nas falas dos profissionais da educação e quais as finalidades para o Ensino de Matemática possíveis de serem atendidas nos currículos dos países pesquisados. Nesse sentido, buscamos compreender as concepções dos autores sobre o que se entende como currículo e como ele se desenvolve. Para efetuar nossa análise, foi imprescindível compreender os contextos (aula, pessoal e social, histórico e político) em que o currículo se desenvolve, propostos por Sacristán (2000). No quarto capítulo da nossa investigação nos debruçamos na análise de alguns contextos. Outra importante contribuição de Sacristán foram os níveis ou fases de desenvolvimento do currículo que utilizamos em dois momentos no nosso trabalho: na análise dos currículos prescritos e na interpretação das entrevistas realizadas com os atores do Brasil e do Uruguai. Toda a nossa análise foi permeada por essa visão a fim de buscar a compreensão de como se desenvolve o currículo em cada nação pesquisada. Os critérios sugeridos pelos autores Doll Jr. e Silva necessários para a organização do Currículo de Matemática foram indicações sobre como deveríamos analisar como os currículos de Matemática são elaborados nas duas nações. As quatro dimensões propostas por Rico Romero que permitem caracterizar as finalidades da Educação Matemática nos auxiliaram a identificar como deveríamos buscar compreender como cada currículo propõe a Matemática a ser ensinada aos alunos. As contribuições de Allan Bishop apontam a necessidade de que os currículos de Matemática incluam o enfoque cultural, por meio do processo de enculturação, que se caracteriza a partir dos cinco princípios básicos: representatividade, formalismo, acessibilidade, poder explicativo e concepção elementar e amplo os componentes

83 83 necessários para satisfazer aos princípios gerais simbólico, social e cultural de modo que ao analisarmos os currículos prescritos procuramos compreender se os currículos apresentados promoviam a enculturação na Matemática. Finalmente, apresentamos a metodologia de resolução de problemas como uma abordagem de ensinar Matemática, temática presente que se tornou frequente nos currículos de Matemática a partir da década de 80, e uma postura pedagógica que merece ser investigada no tocante ao uso e compreensão dos professores em sala de aula. No capítulo seguinte, iniciamos a comparação, trazendo o contexto político, social, econômico e, em especial, educativo, para situarmos o momento histórico de elaboração dos currículos prescritos dos dois países, referente à reforma empreendida na década de 1990.

84 84 CAPÍTULO 3 BRASIL E URUGUAI: CONTEXTOS POLÍTICO, SOCIAL, ECONÔMICO E EDUCACIONAL E REFORMAS CURRICULARES Introdução Neste capítulo, iniciaremos a comparação do Brasil e do Uruguai. A partir dos contextos político, social, econômico e educacional de cada país, tal qual proposto por Ferrer (2002), é importante compreender a realidade do Brasil e do Uruguai, contextos em que o currículo se desenvolve. Apresentaremos dados e índices coletados nos dois países para compreender como cada nação se configura. Ambos os países têm uma realidade política, social e cultural similar em alguns aspectos e, em outros, são bem diferentes. Não apenas no que diz respeito à área geográfica, processo de colonização e língua de cada nação, mas como cada nação organiza seu sistema educativo e as leis que regem a Educação Os contextos: econômico, social, político e educacional do Brasil nas décadas de 1980 e 1990 O fim da Segunda Guerra Mundial trouxe como consequência a Guerra Fria, a instalação da ordem bipolar de Comunismo e Capitalismo, que tinham à frente a extinta União Soviética que subsidiava a revolução em Cuba de 1959 e os Estados Unidos, nação que tinha a dianteira e preocupava-se em conter as agitações políticas e ideológicas que pudessem emergir de movimentos revolucionários (SATO, 2000). Assim, nos anos 60 e 70, sob o respaldo técnico e financeiro estadunidense, muitos países sofreram ações golpistas de militares que destituíram governos eleitos democraticamente e utilizavam mecanismos como a perseguição política, a tortura e a

85 85 censura às liberdades individuais. Os golpes militares iniciaram os ciclos de ditaduras e, sob o uso da força, abafaram os movimentos que buscavam a justiça social. No Brasil, o período de 1968 a 1973 ficou conhecido como milagre econômico, denominação recebida em virtude do dinamismo que provocou o crescimento econômico. Gerenciado pelo regime militar, o contexto internacional que favorecia a aplicação de investimentos diretos a partir de empréstimos garantiu a concreção de investimentos vultosos que permitiram a modernização do parque industrial, novos métodos e equipamentos ao setor agrícola e o desenvolvimento do setor de serviços (SANTAGADA, 1990). Enquanto a classe média alta pode desfrutar do sucesso do crescimento econômico, a maioria da população assalariada sofria com a política de arrocho salarial, consequência da recessão entre os anos de 1981 a 1983, e com a diminuição do ritmo de crescimento da economia o Brasil começou a empobrecer. O milagre financiado por recursos externos e a crescente dependência pelo capital estrangeiro têm seu fim nos primeiros anos da década de 1980, denominada década perdida. A crise global iniciada em meados nos anos 1970, resultado da crise do petróleo, o colapso financeiro internacional e globalização fizeram que as agências internacionais exigissem mudanças em prol das políticas de estabilização e ajuste. Os indicadores econômicos dos anos 1980 apresentavam crescimento zero e, até, negativo em alguns períodos. Além de exigirem o pagamento das parcelas das dívidas, os credores estabeleceram ajustes na economia para aumentar a arrecadação que penalizaram mais a população pobre como: cortes do gasto público, restrições monetárias, juros altos, arrocho salarial e câmbio realista para continuarem com os cofres abertos às necessidades brasileiras. A falta de estabilidade econômica provocou a criação de vários planos econômicos com a intenção de combater a hiperinflação (SANTAGADA, 1990; DINIZ, 1996). O êxodo rural da década de 1970, consequência do crescimento acelerado da indústria e da modernização do campo, evidenciou as desigualdades sociais e os problemas de urbanização. O empobrecimento da população intensificou as tensões sociais e grupos começaram a se mobilizar para reivindicar melhoria nas condições de vida e a redemocratização do País. A disposição de lutar tem como resultado a organização dos

86 86 sindicatos e as inúmeras greves que ocorreram especialmente entre 1985 e 1988 contra as perdas salariais provocadas pelos vários planos econômicos (SANTAGADA, 1990). A oposição ao Regime Militar deu sustentação à criação do Movimento das Diretas Já com sua característica de arregimentar diversas camadas da sociedade na busca pela promoção do processo de redemocratização do País e a reivindicação de ações que diminuíssem a dívida social. Além da escolha direta do Presidente da República, a nova Constituição Federal brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988, é uma das conquistas que encerrou o regime militar e provocou o início do movimento de equidade social. Outras áreas também demandam investimentos para a população até o presente momento: o direito à alimentação, ao emprego, à saúde, à educação e à moradia. O processo de abertura política vivenciado pela população brasileira buscava os valores democráticos e a efetividade de direitos fundamentais. A taxa de analfabetismo dos brasileiros com 15 anos ou mais era de um a cada quatro brasileiros, e passada uma década em 1991 essa taxa ainda era de 19,7% da população, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nesse cenário, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) vigente de 1961 era obsoleta. Depois de mais de seis anos de debate, a atual Lei 9.394/1996, a LDB, foi sancionada em 20 de dezembro de Entre as mudanças, a lei previa: a inclusão da Educação Infantil (creches e pré-escolas) como primeira etapa da Educação Básica; a obrigatoriedade e a gratuidade do Ensino Fundamental; o núcleo comum para o currículo do Ensino Fundamental e Médio; a formação de docentes para atuar na Educação Básica em curso de nível superior, sendo aceito para a Educação Infantil e as quatro primeiras séries do fundamental; formação em curso Normal do Ensino Médio; a definição de 18% do orçamento da União e 25% dos Estados e Municípios, de seus respectivos orçamentos, na manutenção e desenvolvimento do ensino público e a criação do Plano Nacional de Educação. Em 1996, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) foram criados com o objetivo de estruturar os currículos escolares de todo o Brasil para os Ensinos Fundamental e Médio. O objetivo principal era padronizar o ensino no País, garantindo a todas as crianças e jovens brasileiros o direito de usufruir um conjunto de conhecimentos reconhecidos como necessários para o exercício da cidadania.

87 87 Os vinte e cinco anos de democratização elevaram a categoria do Brasil em rankings internacionais. Coeficientes como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), 22 usados para analisar a qualidade de vida de uma determinada população e permitir realizar estudos em profundidade sobre qualquer região ou aspectos socioeconômicos do País, divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU), colocam o Brasil ocupando o 85.º lugar no ranking mundial. Com o IDH 0,730, o País está entre as nações de desenvolvimento humano elevado, uma das quatro categorias utilizada pelo ranking para dividir os países em desenvolvimento: muito elevado, elevado, médio e baixo. Contextualizando os dados utilizados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, encontramos grandes disparidades sociais e econômicas entre os municípios brasileiros. 23 Duas cidades paulistas seriam classificadas entre as nações com índice de desenvolvimento muito elevado, ocupando os dois primeiros lugares entre os municípios avaliados pelo IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano por Município): São Caetano do Sul, com o índice 0,862, e Águas de São Pedro, com 0,854, enquanto os municípios de Melgaço, localizado no Pará, e Fernando Falcão, do Estado Maranhão, ocupam as duas últimas posições com 0,418 e 0,443 de IDHM, respectivamente classificados entre as nações de desenvolvimento humano baixo. Não pretendemos discutir as diferenças socioeconômicas desse país continental, porém precisamos reconhecer que se torna necessária a realização de políticas públicas para minimizar as diferenças sociais existentes na nação brasileira, este país monumental cuja desigualdade se equipara à extensão do seu território. Na Tabela 1, apresentamos o IDH dos dois países e dados referentes à população e território coletados nos sites das respectivas repúblicas. Tabela 1: IDH de Brasil e Uruguai - território e população de cada país 22 Os critérios utilizados para calcular o IDH são: o grau de escolaridade que apresenta a média de anos de estudo da população adulta e expectativa de vida escolar; a Renda Nacional Bruta (RNB) per capita, baseada na paridade de poder de compra dos habitantes; o nível de saúde que corresponde à expectativa de vida da população; reflete as condições de saúde e dos serviços de saneamento ambiental. O Índice de Desenvolvimento Humano varia de 0 a 1, quanto mais se aproxima de 1, maior o IDH de um local. Disponível em: < Acesso em: 10 fev Disponível em: < Acesso em: 18 fev

88 88 PAÍS Área em km 2 População IDH 2012 BRASIL , ,7 milhões 0, º URUGUAI ,3 milhões 0, º Fontes: Relatório do Desenvolvimento Humano de 2012 PNUD (ONU, 2012), IBGE (Censo de 2010) e INE (Censo de 2011) 3.2. Os contextos: econômico, social e político do Uruguai nas décadas de 1980 e 1990 O Uruguai ocupa a 51.ª colocação, com o IDH 0,792, e está 34 posições à frente do Brasil. Não conseguimos obter informações acerca de diferenças socioeconômicas do Uruguai, porém, ao compararmos um país com cerca de 3,3 milhões de pessoas com o Brasil e sua população de aproximadamente 191 milhões, é possível inferir que as variações não são tão acentuadas. Conhecido como espécie de Suíça da América até os anos 60, o Uruguai inicia a década de 1960 em uma crise econômica e social. Movimentos guerrilheiros extremistas usavam a luta armada por melhorias. Em 1967, na tentativa de enfrentar as guerrilhas, uma nova constituição é promulgada dando mais poderes ao Executivo, provocando a dissolução de partidos revolucionários de esquerda (FREITAS; ALVES, 2010). País cuja economia se estabelecia em especial na agropecuária, a economia uruguaia era extremamente dependente de potências capitalistas centrais. A crise global da década de 1970, como já relatamos, abala profundamente a economia do país. A perseguição política aos movimentos sociais, políticos e sindicais, tal qual o Brasil, foi intensa, a ponto de um país proporcionalmente menor que o Brasil ter cerca de cinco mil presos políticos. Como o quinto decreto emitido pelo governo militar brasileiro, o Ato Institucional n.º 5 (AI-5) dava poderes quase absolutos ao regime militar, e entrou em vigor em 13 de dezembro de O governo uruguaio assegurou o total domínio militar ditatorial governamental pelos Atos Institucionais n.º 1 e n.º 2, em 14 de junho de 1976.

89 89 Entre as medidas, os atos uruguaios suspenderam as eleições gerais, criaram o toque de recolher e a proibição do direito a greves (SILVEIRA, 2007). A ditadura militar uruguaia não consegue impor uma Constituição autoritária e o plebiscito constitucional ocorrido em 30 de novembro de 1980 nega a proposta de modificação da Constituição para legitimar a Ditadura. Tal recusa foi atribuída ao melhor entendimento das situações decorrentes da escolaridade. O agravamento dos problemas estruturais do país, consequência da crise econômica, contribuiu para a perda salarial dos trabalhadores, aliados aos movimentos civis, e acabou favorecendo uma abertura democrática e contribuiu para o término do regime militar em 1985 (SILVEIRA, 2007). O Uruguai foi o segundo país da América Latina a fazer a reforma educativa em 1985, atrás apenas do Equador, que sancionou sua Lei de Educação em No ano do término do regime militar, a Lei Geral de Educação (LGE) foi aprovada em caráter emergencial no início do período democrático. O plano de emergência visava reconstruir a educação nacional do Uruguai. Não se tratou de uma reforma, mas de um sistema operacional para recuperar a confiança da sociedade uruguaia com a educação nacional. As medidas eram imediatas e de curta duração, não havia possibilidade de implementar políticas que produzissem mudanças substanciais para a educação nacional reivindicada. O plano colocou o sistema educacional em condições operacionais semelhantes à situação de 1973, no período da ditadura (WARREN; LESA; APEZEACHEA, 1986). A Lei n.º , de 1985, não apresenta reformas significativas, porém nos chamou a atenção o artigo 19 da LGE do Uruguai de A partir deste recurso estabeleceram-se as assembleias representativas dos professores em cada ramo da educação. A singularidade em relação ao Brasil é a preocupação imediata pós-regime militar de criar recursos democráticos para a participação dos docentes em discussões educacionais. Com esse dispositivo, os docentes têm direito ao: Estabelecimento das Assembleias de professores nos Institutos, nos Liceus e escolas e suas dependências, assim como as Assembleias nacionais de professores de cada conselho descentralizado. As mesmas têm o direito de iniciativa e de função consultiva sobre problemas técnicos e pedagógicos do respectivo ramo e em temas de educação geral. Encaminhará sua regulamentação ao Conselho Diretivo Central (URUGUAY, 1985). O segundo governo democrático, de Luis Alberto Lacalle, 1990 a 1995, dobrou os investimentos em educação ao longo de cinco anos. As melhorias foram em número de

90 90 escolas construídas e a concessão de bolsas para que estudantes de baixa renda frequentassem a Universidade da República. O governo de Sanguinetti, que abrange o período entre 1995 e 2000, foi responsável pela grande reforma da educação, que compreendeu: a ampliação da educação de crianças entre quatro e cinco anos, de 40 mil alunos, passou a atender 80 mil, a abertura das escolas em tempo integral, os Centros Nacionais de Formação de Professores (CERP), que provocou a descentralização dos cursos de formação de professores. A reconfiguração do Ciclo Básico e dos novos cursos para o Bachillerato tecnológico contribuíram para a melhora nos resultados educacionais (SILVEIRA, 2007) O contexto educacional das reformas curriculares na América Latina A busca por uma pedagogia latino-americana tem sido tema de muitas pesquisas em educação de inúmeros programas que buscam compreender como as sociedades latinoamericanas enfrentam seus desafios considerando os aspectos históricos, políticos, a realidade escolar e a social. Pesquisadores como Streck, Adams e Moretti (2010) defendem que tais estudos não objetivam contrapor outras pedagogias (europeia, africana, asiática ou norte-americana), e destaca que a exagerada xenofilia compromete o fortalecimento de nossas próprias raízes. Os autores defendem ainda que é preciso superar o colonialismo impregnado na ideia de América Latina. Entendemos que, por ser herdeira de uma determinada formação histórica e cultural, forjou-se nesta parte do mundo um pensamento com algumas características próprias, em princípio, nem melhor nem pior que o pensamento em outros lugares. Mas é um pensamento que, em meio à fugacidade das ideias de fora que, como ondas, se sucedem em modas, busca encontrar raízes por onde continua subindo a seiva que, mesmo imperceptível, continua alimentando práticas e esperanças (STRECK; ADAMS; MORETTI, 2010, p. 20). Os anos de 1990 são um marco nos sistemas educativos dos países latinoamericanos. As mudanças foram impulsionadas pelas reformas que ocorriam nos países, incentivadas por organismos internacionais vinculados à ONU que apresentavam influência direta na determinação das políticas públicas. A influência ditava o ritmo das reformas ao vincular a concessão de empréstimos aos países à implementação dessas reformas (KRAWCZYK; VIEIRA, 2010).

91 91 Na última década do século 20, quase todos os países da América Latina e do Caribe iniciaram reformas educacionais resultantes em grande medida de um processo de indução externa liderado pelos organismos internacionais principalmente o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento que condicionavam a concessão de empréstimos aos Estados nacionais da região à implantação dessas reformas (KRAWCZYK; VIEIRA, 2010, p. 1). Um exemplo típico que apresenta a influência dos órgãos externos é possível ser encontrado no Brasil ao estudar a Lei Federal n.º (1996), conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que se caracteriza por centralizar e descentralizar as decisões ao delegar aos Estados e Municípios a responsabilidade e a distribuição de recursos pela Educação Básica (KRAWCZYK; VIEIRA, 2010). Em estudos que visam compreender o desenvolvimento da educação na América Latina, há os que atribuem a atitude de parasitismo e conformismo às nossas origens de povos conquistados e saqueados por espanhóis e portugueses. Pesquisadores justificam o imobilismo retratado em estudos que existem há mais de um século como reflexos das colônias de exploração. Os povos colonizados perdiam suas riquezas aos conquistadores dominantes e, posteriormente, graças à escravidão, foram acostumados a aceitar a concentração de poder nas mãos de poucos que dominavam os que nada possuíam. As contradições e paradoxos coexistem na América Latina: se por um lado ocorre a luta por uma educação emancipadora a fim de superar as heranças da colonialidade do passado, por outro, as sociedades latino-americanas recebem com honrarias instrumentos de avaliação, pesquisas e outros medidores dos antigos colonizadores que vêm valorar a educação e reforçar que ainda somos inferiores e submissos ao poder e ao saber dos nossos eternos senhores (STRECK; ADAMS; MORETTI, 2010). Estudos comparativos em países da América Latina apontam que, mesmo com a matriz comum das reformas educativas, nenhum país conseguiu atingir os objetivos de equidade e qualidade. [...] a centralização das decisões políticos-educacionais no âmbito governamental, restringindo-se suas negociações a alguns setores nacionais e internacionais. Tal dinâmica gerou transformações feitas pelo alto por meio de conciliações e concessões mútuas, sem a participação orgânica da sociedade (KRAWCZYK; VIEIRA, 2010, p. 5). Vegas e Petrow (2008) tecem comentários acerca da onda de reformas curriculares que se abateu sobre a América Latina durante a década de Os relatores apontam que as reformas compreenderam mudanças desde a descentralização parcial da decisão sobre o currículo do nível nacional para o controle regional ou local; o desenvolvimento de normas

92 92 nacionais que permitem adaptações às necessidades, expectativas e realidades regionais; a mudança para o desenvolvimento de competências em substituição ao conhecimento como o objetivo de aprendizagem e os sistemas nacionais de avaliação. No entanto, para Vegas e Petrow, não há dados consistentes sobre como as mudanças e variações nos currículos afetam a aprendizagem dos alunos. Ferrer (1999) fez um levantamento acerca dos currículos prescritos na América Latina. Resultados apresentados dão indícios de que a descentralização curricular provoca alguns problemas como: a dificuldade na coordenação entre os papéis dos governos central e local em muitos países; a implementação das reformas com pouca capacidade de suporte às adaptações curriculares em âmbito local e a resistência à mudança das práticas enraizadas. As maiores dificuldades enfrentadas pelos sistemas de ensino na América Latina referem-se: às altas taxas de reprovação (especialmente nas séries iniciais e nas áreas rurais) atribuída ao insucesso escolar e seu papel básico de alfabetização; às altas taxas de abandono; à ineficiência da escola; à falta de recursos de educação e ensino; e à centralização. É complexo o processo de revisão do currículo, e a principal dificuldade é chegar a um acordo sobre o conteúdo a ser descartado. O desenvolvimento e a validação dos conteúdos dos currículos passam por uma série de atores como: universidades, especialistas da área, professores e representantes de pais nos diferentes países. Como a validação do currículo é uma atividade de ação técnica, grupos foram criados nos diferentes países para prestarem consultoria, porém não foram organizados comitês permanentes para esse fim (FERRER, 1999). As reformas curriculares que ocorreram nos anos 90 possibilitaram que estes países começassem a trilhar a busca por padrões educacionais. Segundo o relatório de Vegas e Petrow (2008), vários países estão em processo de estabelecimento de normas mínimas de aprendizagem. O estabelecimento do currículo a partir de competências e habilidades em substituição ao rol de conteúdos teve como objetivo priorizar a aprendizagem dos alunos em resolução de problemas, criatividade, pensamento crítico, flexibilidade e outras competências. As reformas curriculares iniciadas na América Latina na última década do século XX exigiram mudanças que foram além da discussão da descentralização. As mudanças

93 93 atingiram vários aspectos como: mudanças nos livros didáticos, formação de professores e desenvolvimento profissional, avaliações nacionais que deveriam estar alinhadas às mudanças curriculares, pedagogia e métodos de ensino, investimentos em infraestrutura para a garantia de um contexto educacional adequado. Estudos que apontam as reformas curriculares com a base comum de mudanças (FERRER, 1999; KRAWCZYK; VIEIRA, 2010) reconhecem que a particularidade de cada nação provocou resultados diferenciados. Aqui justificamos nossa pesquisa, como cada sociedade influencia no desenvolvimento curricular: As reformas educacionais tiveram um caráter homogeneizante tanto na leitura das realidades nacionais quanto nas suas propostas, pretendendo impor uma padronização de ações para a região. Entretanto, ao se refletir sobre aspectos das condições de desenvolvimento dos países, observa-se que essas reformas se processam em sociedades com diferentes culturas políticas e associativas que, seguramente, intervêm na concretização das mudanças (KRAWCZYK et. all, 2000, p. 6). Além da influência exercida por órgãos externos, que exigiam mudanças no sistema educativo, a circulação entre as ideias no campo dos currículos permitem detectar similaridades nestes: Pela acentuada circulação e recontextualização de múltiplos textos e discursos nos contextos de produção das políticas, são instituídas, simultaneamente, a homogeneidade e a heterogeneidade, em constante tensão. É possível identificar traços de homogeneidade nas políticas de currículo nacional e de avaliação em países distintos, indicando a circulação desses discursos. Mas as formas e finalidades de tais políticas produzidas localmente são heterogêneas, transferindo sentidos ao global e evidenciando tal articulação entre global e local (LOPES; MACEDO, 2011, p. 254). Resultados de estudos que analisam as reformas efetuadas criticam que as conquistas ficaram reduzidas apenas ao acesso à escola. Programas de financiamento por aluno contribuem com a redução da repetência, porém o impacto de tais programas sobre a qualidade da escola ainda é questionável. Após uma década da operacionalização da reforma educacional no Brasil e nos outros países latino-americanos, as avaliações são bastante negativas. Entre outros indicadores, são usualmente citados os baixos níveis de aprendizagem dos alunos e a forte segmentação entre as escolas do sistema, a pouca valorização e profissionalização dos professores, a falta de consenso das ações implementadas, a desatenção com relação à Educação Infantil e de jovens e adultos [...] (KRAWCZYK et. all, 2000, p. 3).

94 94 As reformas educacionais que abordam a qualidade da educação são muitas vezes mais difíceis de implementar do que aquelas que tratam da quantidade ou do acesso à educação, porque enfrentam condições políticas desfavoráveis e são mais complicadas, por definição (VEGAS; PRETOW, 2008). Essas reformas têm como objetivo melhorar a eficiência dos investimentos e o desempenho acadêmico dos alunos, reduzindo a evasão ou repetência, e aumentar a produtividade dos professores. Relatório elaborado por Vegas e Petrow (2008), apresentado ao Banco Mundial sobre os desafios a serem enfrentados pelos países latino-americanos para melhorar a educação indicam que o ambiente econômico de um país pode afetar os resultados de aprendizagem dos alunos. Os relatores referenciam o trabalho de Hanushek e Woessmann de 2007 ao afirmarem que, em países com economias abertas e em expansão, a globalização aumenta o procura de competências (VEGAS; PRETOW, 2008, p. 72). Para Vegas e Petrow, o contexto econômico maximiza tanto o impacto das competências nos domínios do desenvolvimento econômico quanto a demanda por melhor qualidade de ensino por meio de políticas educacionais colocadas em prática. Garantir o acesso à escola é um resultado alcançado em períodos relativamente curtos de tempo, melhorar os resultados de aprendizagem do aluno alcançados a médio e longo prazo. Entre os efeitos alcançados com a reforma curricular realizada no Brasil, no final dos anos 1990, o relatório de Vegas e Petrow (2008) destaca o aumento de investimentos e autonomia para as escolas e a diminuição em índices como as taxas de repetência, a distorção idade-série e o número de crianças fora da escola. Uma das finalidades que pretendemos alcançar com este estudo é contribuir com a discussão educacional que iniciou com as Metas Educativas 2021, que constituem os países Ibero-Americanos. Na primeira conferência realizada em El Salvador, em 2008, foram identificados os problemas e problemáticas que afetavam os sistemas educacionais e apresentadas linhas de ação e reflexão a serem realizadas nas décadas seguintes para, a partir da execução das propostas, serem atingidas com a melhoria da qualidade educacional. Um dos objetivos da Conferência foi criar redes de intercâmbio de experiências mútuas. Portanto, aqui localizamos o projeto de pesquisa na qual esta investigação está inserida, e os estudos desenvolvidos no âmbito do projeto têm a intenção de contribuir com

95 95 os centros de pesquisa. Concordamos com as palavras de Norberto Fernandéz Lamarra, vice-presidente do Conselho Mundial das Sociedades de Educação Comparada (WCCES): A educação na América Latina registra avanços e também alguma estagnação. É necessário conhecer e analisar esses avanços as boas práticas, considerar suas possibilidades de aplicação e levá-las adiante, se houver condições adequadas para isso. [...] Esses intercâmbios contribuem, justamente, para enriquecer esses processos (LAMARRA, 2012, p. 31. Tradução nossa). Entre as metas a serem alcançadas para impulsionar a educação de cada país, o documento recomenda oferecer um currículo significativo aos alunos que possibilite a aquisição de competências básicas para o desenvolvimento pessoal e o exercício da cidadania democrática. Um currículo significativo é aquele que conecta os interesses dos alunos com as suas formas de vida, que se adapta aos seus ritmos de aprendizagem, que estabelece de forma permanente a relação entre o que foi aprendido e as experiências que os alunos vivem fora da escola, que permite a participação dos alunos e o trabalho em grupo, que incorpora de forma habitual a utilização das tecnologias da informação, que inclui de forma relevante e equilibrada o desenvolvimento da educação artística e desportiva, e que se orienta e cuida para que todos os seus alunos estejam bem na escola e possam aprender (OEI, 2008, p. 68). A décima meta geral: Ampliar o espaço ibero-americano do conhecimento e fortalecer a pesquisa científica. É um dos resultados que pretendemos com esta investigação: colaborar com a produção de pesquisa para reforçar a pesquisa científica e tecnológica e a inovação na região ibero-americana O contexto do Ensino de Matemática o Movimento da Matemática Moderna, uma reforma? Nas décadas de 1970 e 1980, o ensino de Matemática sofreu mudanças significativas influenciadas pelo MMM. Ainda hoje, o ideário dessa reforma curricular exerce influência nos currículos de Matemática em discussões como: o abandono ou redução do espaço da geometria nos currículos, o excesso de algebrização, o formalismo precoce como a ênfase na teoria de conjuntos para crianças com menos de dez anos de idade. No prefácio do livro O fracasso da Matemática Moderna (KLINE, 1976), publicado originalmente em 1973, Kline apresenta o baixo desempenho dos alunos em

96 96 Matemática como uma das razões que poderia ter provocado a necessidade de reformas no currículo e ensino da Matemática na década de 1950 nos Estados Unidos. Preparar os alunos para acompanhar as inovações da sociedade moderna exigia melhorias no ensino das ciências e o emprego da Matemática como técnica e ciência. Para atender às necessidades desta nova sociedade, matemáticos do mundo inteiro se organizaram para discutir as reformas necessárias no currículo de Matemática. Participantes dos debates o denominaram de Movimento da Matemática Moderna, ocorrido em diversos países, em especial na França com o grupo Bourbaki, nos Estados Unidos, na Bélgica, no Canadá, na Grã-Bretanha e no Brasil, com o matemático Oswaldo Sangiorgi. Relatos do período esclarecem que os professores se apoiavam em livros publicados na época, mas muitos dos materiais publicados pelos modernistas conservavam o material tradicional. Muitas vezes o livro era organizado de tal maneira que o capítulo inicial apresentava a teoria de conjuntos e conceitos da Matemática moderna que eram mesclados com a Matemática tradicional. Esses textos procuravam capitalizar os matemáticos modernos e os tradicionalistas e produziam textos híbridos (HUNT, 1976). Os professores tentavam receber informações acerca do currículo prescrito pelo MMM por meio do currículo apresentado nos livros e materiais escolares, mas, como esses materiais não possuíam uma definição clara acerca do currículo proposto pelo MMM, restava ao professor atuante nesse período utilizar o seu protagonismo ao moldar o currículo conforme suas próprias interpretações. A preocupação em pesquisar a Matemática Moderna, produzir novos materiais e criar cursos para a formação de professores foram alguns dos objetivos da criação do Grupo de Estudos do Ensino da Matemática (GEEM) em São Paulo no ano de Esse grupo era constituído por professores universitários e secundários, psicólogos e pedagogos que trabalhavam de forma cooperativa com a Secretaria do Estado de Educação de São Paulo (SEE/SP). Esses treinamentos tinham como objetivo orientar e ensinar os professores a trabalhar com a linguagem dos conjuntos, suas relações, operações e propriedades de algumas relações, porém foram pontuais e insuficientes para a necessária discussão da Matemática Moderna. O artigo de Pinto (2006) apresenta não apenas um importante dado a cooperação entre o Brasil e o Uruguai cujo objetivo principal era dinamizar a educação científica

97 97 latino-americana, mas também nos traz uma informação acerca da influência do MMM no Uruguai. No artigo, a pesquisadora expõe uma breve explanação acerca do MMM e suas repercussões na maneira de ensinar Matemática nas escolas brasileiras. Aqui nos atemos em especial ao trecho que analisa preliminarmente o debate do MMM registrado nos Anais do 5.º Congresso Nacional de Ensino de Matemática, realizado em 1966, na cidade de São José dos Campos, no Estado de São Paulo, e que contou com a participação de 350 professores brasileiros. Segundo Pinto, o Congresso foi um espaço de atualização de 350 participantes, professores de Matemática que puderam participar de cursos e aulas-demonstração abordando tópicos fundamentais da Matemática Moderna e, sobretudo, como possibilidade de divulgação e discussão das ideias norteadoras do MMM em nível internacional, pois contou com a presença de matemáticos brasileiros e convidados de diferentes países pertencentes a entidades internacionais: Marshall Stone Universidade de Chicago (USA); George Papy Universidade de Bruxelas (Bélgica); Hector Merklen Universidade de Montevidéu (Uruguai); Helmuth Völker Universidade de Buenos Aires (Argentina). Soares (2001) relata que as críticas ao MMM não vieram apenas dos acadêmicos e dos professores que notavam que, afora o rendimento dos alunos em Matemática não melhorar, estes estavam confusos com a linguagem dos conjuntos. Os pais estavam insatisfeitos e a imprensa da época, além de não exaltar o Movimento, publicava artigos criticando os exageros da Matemática Moderna. Osvaldo Sangiorgi, um defensores do MMM no Brasil, reconheceu que as ideias do movimento foram deturpadas por muitos dos seus divulgadores. Em declaração ao jornal O Estado de S. Paulo em 1975, Sangiorgi criticou alguns erros cometidos, como o privilégio às operações com conjuntos em detrimento do hábito de calcular, do aprendizado de frações, do uso do sistema métrico decimal, e o abandono de problemas elementares da vida cotidiana (SOARES, 2001). A influência do MMM no ensino de Matemática configurou-se como uma renovação curricular não apenas no que diz respeito à organização e seleção de conteúdos, mas também na produção de matérias didáticas e livros da época. Entretanto, contrário ao que Doll Jr. (1997) categoriza como a riqueza no currículo, o MMM trouxe um empobrecimento do ensino da Matemática (PINTO, 2006).

98 98 Opositores ao MMM existiram desde sua gênese. Na verdade, muitas discussões foram feitas e um dos marcos do fim do movimento foi a publicação do documento Agenda para Ação, em 1980, nos Estados Unidos. O documento elaborado pelo Conselho Nacional de Professores de Matemática (NCTM), dos Estados Unidos, apresentava recomendações para o Ensino da Matemática. Contrapondo-se às orientações do MMM, a resolução de problemas era o ponto de partida da atividade matemática. Os seguintes temas eram apresentados: resolução de problemas; utilização de tecnologias (calculadoras e computadores); resgate do ensino da Geometria e medidas; aplicação da Matemática; vínculo com o cotidiano; articulação com outras disciplinas; desenvolvimento das capacidades de raciocínio; e pensamento dos alunos. Como apresentado anteriormente, é indiscutível que havia equívocos nas concepções da Matemática Moderna, mas as discussões dos adeptos ao movimento ou de seus opositores foram essenciais para o desenvolvimento do Ensino da Matemática. Dentre os pontos positivos podemos destacar: a contribuição para a sistematização do campo da Educação Matemática e as inovações curriculares que ocorreram como crítica ao movimento (criação de materiais, o uso de jogos e tecnologias) Contexto educacional nos países pesquisados Brasil No Brasil, em 1971, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) expande o Ensino Fundamental obrigatório para oito anos. O movimento era descentralizador e responsabilizava cada Estado ou município por organizar seus documentos regionais. Nesse contexto, foi lançada a ideia de guias/propostas curriculares que, muitas vezes, reproduziam listas de conteúdos sem a preocupação de assegurar a relevância destes em relação ao contexto em que seriam desenvolvidos. Nas décadas de 1970 e 1980, os Estados da Federação e os municípios criaram programas em que um rol de conteúdos organizava o que deveria ser desenvolvido nas escolas tais programas eram apenas recomendações, não eram normativos, por isso não tinham a força de lei.

99 99 No final da década de 80 no Brasil, com a promulgação da nova Constituição, o cenário era de disputa política e redemocratização da sociedade. O anseio em resolver os problemas sociais não se restringia apenas na luta pela democratização da educação, mas na concentração de renda e na crise econômica. Com a aprovação da Constituição de 1988, a descentralização e a reconfiguração do papel do Estado obrigaram que os diferentes níveis de governo Estados e municípios assumissem responsabilidades e atribuições a partir da redistribuição dos recursos da Federação (KRAWCZYK; VIEIRA, 2008). A Carta Magna, a Constituição da República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, propõe no artigo 6.º a educação como o primeiro entre os direitos sociais amparados por lei. Art. 6.º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988). Art A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988). No artigo 211 da Constituição do Brasil, são apresentadas as responsabilidades de cada membro da República federativa nos sistemas e ensino: Art A União, 24 os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. 1.º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. 2.º Os Municípios atuarão prioritariamente no Ensino Fundamental e na Educação Infantil. 3.º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no Ensino Fundamental e Médio (BRASIL, 1988). O artigo 210 da Constituição do Brasil determina a fixação de conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental, porém, além de não indicar qual documento será responsável 24 União é a pessoa jurídica de Direito Público representante do Governo Federal no âmbito interno e da República Federativa do Brasil no âmbito externo. É definida no art. 18 da Constituição Federal. Como entidade federativa autônoma em relação aos Estados-membros, Municípios e Distrito Federal, a União possui competências administrativas e legislativas determinadas constitucionalmente. A República Federativa é o todo, o Estado Federal brasileiro, pessoa jurídica de direito público internacional, integrada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

100 100 pela apresentação de tais conteúdos, também não estende tal legislação para a Educação Infantil e Ensino Médio: Art Serão fixados conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais (BRASIL, 1988). O Brasil organiza seu sistema educacional a partir das leis que regulamentam o ensino brasileiro: (a) a Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, com a Emenda Constitucional n.º 14, de 12 de setembro de 1996; (b) a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), instituída pela Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de Antes da LDB de 1996, o Brasil não possuía uma recomendação única de qual currículo seguir. As primeiras discussões curriculares começaram na década de 1930, com a Reforma Francisco Campos, primeiro momento em que houve a tentativa de criar um currículo nacional. Na década seguinte, a reforma Gustavo de Capanema retoma algumas práticas que haviam sido abandonadas na década de (PIRES, 2008). Após a reforma de Capanema, é possível identificar três períodos que marcaram o currículo de Matemática no Brasil: o primeiro (de 1965 a 1980), resultado da influência do MMM; o segundo (de 1980 a 1994), que corresponde às discussões que se contrapunham ao MMM que eram lideradas pelas Secretarias 26 Estaduais e Municipais de Ensino; e o terceiro (a partir de 1995) de abrangência nacional, que foi consubstanciado em uma série de documentos divulgados nas escolas da Educação Básica brasileiras, denominados Parâmetros Curriculares Nacionais (PIRES, 2008). No Brasil, o período de oito anos, que separa a promulgação da Constituição de 1988 e a aprovação da LDB em 1996, foi conturbado. A tensão entre as forças sociais que defendiam a democratização e a superação dos problemas econômicos e sociais legado do 25 Um dos partícipes da reforma Francisco Campos, em 1931, foi Euclides Roxo. Roxo defendeu a unificação dos três campos matemáticos Álgebra, Aritmética e Geometria numa única disciplina, a Matemática, a fim de que tais temas fossem abordados de forma articulada. Além de superar a visão de currículo como uma mera listagem de conteúdos a serem ensinados, a reforma de Campos trouxe à tona discussões de orientações didáticas. Na década de 40, a reforma de Gustavo Capanema retomou antigas recomendações. Segundo Pires (2008), tais retrocessos revelam que as decisões curriculares, no Brasil, foram historicamente marcadas por procedimentos bastante questionáveis, influenciados por questões políticas ou influências de poder de alguns grupos ou mesmo de pessoas (PIRES, 2008, p. 15). 26 Organizada pela SEE/SP com o objetivo de responder às mudanças internas provocadas com o fim do Regime militar e a abertura política iniciada no começo da década; por meio de consulta aos docentes, e publicada em 1986, a proposta curricular apresentava materiais e livros de atividades e prestou serviço às diferentes áreas que aproveitaram para fazer alterações (PIRES, 2007).

101 101 regime militar, e a crise do capitalismo internacional que era combatido com órgãos internacionais, que apresentavam soluções inovadoras que prometiam trazer a modernidade para o País, resultaram na aprovação da LDB com avanços e retrocessos aos direitos consagrados pela Assembleia Constituinte. Na década de 1980 a abertura política trouxe novos ares e a preocupação em fazer um currículo mais adequado à inclusão social (KRAWCZYK; VIEIRA, 2008). O primeiro artigo da LDB apresenta o que se entende por educação e sua relação com o mundo do trabalho e sociedade: Art. 1.º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Art. 2.º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996). Após a promulgação da LDB, os currículos brasileiros deveriam ser organizados pela União, em cooperação com os Estados e Municípios, na definição dos conteúdos mínimos; tal atribuição não visava centralizar, mas resgatar o papel da União. Ficou acertado que a definição dos conteúdos é de competência dos sistemas de ensino, usando, como subsídio, os seguintes dispositivos legais: a LDB e o Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pela Lei n.º /2001 ambos os documentos regidos, naturalmente, pela Constituição Federal (CF). Em texto da LDB, cabe à União estabelecer, em colaboração com as demais instâncias federativas, as competências e as diretrizes que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos. A redação do texto utiliza o termo nortearão. O significado do verbo nortear é dirigir para o norte, orientar, guiar (FERREIRA, 2010). Defendemos que tal termo apresenta um caráter deliberativo, e não normativo, ou seja, provoca um caráter não obrigatório à execução de tais diretrizes. O Parecer CNE/CEB n.º 04/1998 dispõe que os currículos e seus conteúdos mínimos (conforme estabelecido pelo artigo 210 da CF/1988), propostos pelo MEC (no artigo 9.º da LDB), terão seu norte estabelecido por meio de diretrizes. As diretrizes curriculares terão como foro de deliberação a Câmara de Educação Básica (CEB) do

102 102 Conselho Nacional de Educação (CNE), conforme atribuição estabelecida na alínea c do 1.º do artigo 9.º da Lei n.º 9.131, de 24 de novembro de Desta forma, cabe à Câmara de Educação Básica do CNE exercer a sua função deliberativa sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais, reservando-se aos entes federativos e às próprias unidades escolares, de acordo com a Constituição Federal e a LDB, a tarefa que lhes compete em termos de implementações curriculares. Diretrizes Curriculares Nacionais são o conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos na Educação Básica, expressas pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que orientarão as escolas brasileiras dos sistemas de ensino, na organização, na articulação, no desenvolvimento e na avaliação de suas propostas pedagógicas (BRASIL, 1998d). Nesse parecer encontramos uma interessante compreensão de currículo que apresenta parte dos níveis de um currículo definido por Sacristán (2000): a) Currículo: atualmente este conceito envolve outros três, quais sejam: currículo formal (planos e propostas pedagógicas), currículo em ação (aquilo que efetivamente acontece nas salas de aula e nas escolas), currículo oculto (o não dito, aquilo que tanto alunos, quanto professores trazem, carregado de sentidos próprios criando as formas de relacionamento, poder e convivência nas salas de aula (BRASIL, 1998d). No texto do Parecer CNE/CEB n.º 04/1998 há uma ambiguidade quanto à obrigatoriedade dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN): Portanto, a proposta pedagógica de cada unidade escolar, ao contemplar, seja os Parâmetros Curriculares Nacionais, seja outras propostas curriculares, deverá articular o paradigma curricular proposto na Quarta Diretriz ao projeto de sociedade que se deseja instituir e transformar, a partir do reconhecimento das identidades pessoais e coletivas do universo considerado (BRASIL, 1998d). No parecer há a discussão sobre o que se entende como Base Nacional comum. Inicialmente define como: b) Base Nacional Comum: refere-se ao conjunto de conteúdos mínimos das Áreas de Conhecimento articulados aos aspectos da Vida Cidadã de acordo com o art. 26. Por ser a dimensão obrigatória dos currículos nacionais certamente âmbito privilegiado da avaliação nacional do rendimento escolar a Base Nacional Comum deve preponderar substancialmente sobre a dimensão diversificada (BRASIL, 1998d). O texto define como conteúdos mínimos das áreas de conhecimento: d) Conteúdos Mínimos das Áreas de Conhecimento: refere-se às noções e conceitos essenciais sobre fenômenos, processos, sistemas e operações, que contribuem para a constituição de saberes, conhecimentos, valores e práticas

103 103 sociais indispensáveis ao exercício de uma vida de cidadania plena (BRASIL, 1998d). Conclui que os conteúdos mínimos divulgados nos PCN não têm caráter obrigatório, porém constituem a Base Nacional Comum (definida no art. 9.º da LDB) que deve ser seguida por todas as escolas. De todo modo, cabe à União, através do próprio MEC o estabelecimento de conteúdos mínimos para a chamada Base Nacional Comum. Assim, para elaborar suas propostas pedagógicas, as Escolas devem examinar, para posterior escolha, os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Propostas Curriculares de seus Estados e Municípios, buscando definir com clareza a finalidade de seu trabalho, para a variedade de alunos presentes em suas salas de aula. Tópicos regionais e locais muito enriquecerão suas propostas, incluídos na Parte Diversificada, mas integrando-se à Base Nacional Comum (BRASIL, 1998d). No entanto, seguindo as recomendações dos organismos internacionais, os PCN apenas tiveram o status de recomendação e caberia aos Estados e aos Municípios a responsabilidade pela elaboração de currículos regionais, caracterizando, assim, a descentralização. Escolhemos o termo recomendação, pois os PCN não têm status de documento normativo, isto é, não se configuram como currículo obrigatório nacional. Portanto, não podemos afirmar que o Brasil passou a possuir um currículo, este não foi criado como tal. O relatório de análise de propostas curriculares de Ensino Fundamental e Ensino Médio (BRASIL, 2010) aponta os prejuízos da descentralização. Os pesquisadores solicitaram às secretarias estaduais e municipais de educação que enviassem as propostas. Na análise apresentada no relatório, tal diversidade não havia. Apenas poucas propostas acompanhavam avanços das áreas, enquanto outras continham características de propostas anteriores à década de A LDB apresentava a obrigatoriedade apenas para o Ensino Fundamental, porém, sob a égide da Emenda Constitucional n.º 59 da Constituição do Brasil, de 11 de novembro de 2009, encontramos a nova redação ao artigo 208, que prevê a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e a ampliação da abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da Educação Básica, e dá progressiva universalização do Ensino Médio gratuito. Todos os sistemas de ensino têm até 2016 para se adequar à lei.

104 104 O tempo de duração da escolaridade obrigatória no Brasil foi mudando aos poucos. Até 1971, o ensino obrigatório e gratuito era de apenas quatro anos, o chamado na época de curso primário. Após 1971, passou a ser de oito anos e, em 2005, de nove, com a decisão de iniciar o Ensino Fundamental aos seis anos de idade. Figura 2: Linha de tempo do Ensino Obrigatório brasileiro O sistema educacional regular brasileiro O sistema educacional regular compreende a Educação Básica formada pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio e a Educação Superior. Compete aos municípios atuar prioritariamente no Ensino Fundamental e na Educação Infantil e aos Estados e o Distrito federal, no Ensino Fundamental e Médio, segundo a legislação vigente (LDB, 1996). Cabe à União promover ações de coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e a responsabilidade pela função normativa, redistributiva e supletiva, cabendo-lhe prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Além disso, a União também tem a incumbência de organizar o sistema de Educação Superior.

105 105 Apresentamos a constituição de cada etapa da Educação Básica: Educação Infantil: é oferecida em creches ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade e em pré-escolas, para crianças de quatro a cinco anos de idade é obrigatório. Ensino Fundamental: segmento oferecido para crianças a partir dos seis anos, com duração de nove anos. É obrigatório e gratuito na escola pública, cabendo ao Poder Público garantir sua oferta para todos, inclusive aos que a ele não tiveram acesso na idade própria. Esta etapa se subdivide em dois ciclos: o primeiro ciclo, dos anos iniciais, que corresponde aos cinco primeiros anos e anos finais, que compreende os quatro últimos anos. No primeiro ciclo, a docência é instituída a professores polivalentes, em geral licenciados em Pedagogia ou Normal Superior, enquanto no segundo ciclo a docência é instituída a professores especialistas, licenciados em diferentes disciplinas. Ensino Médio: com duração mínima de três anos, corresponde à etapa final da Educação Básica, compreende a formação geral do educando, podendo incluir programas de preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional. No Ensino Médio, a docência também é instituída a professores especialistas, licenciados em diferentes disciplinas. A figura 3 apresenta como o sistema educacional regular brasileiro se organiza:

106 106 Figura 3: Organização da Educação Básica no Brasil Avaliação do sistema educacional do Brasil Na onda das reformas curriculares que se abateu na América Latina durante a década de 1990 (VEGAS; PETROW, 2008; LOPES; MACEDO, 2011), a reforma educacional iniciada em 1996 no Brasil com a LDB, previu a nova organização do sistema nacional, a implantação de parâmetros curriculares e de um sistema de avaliação institucional comuns para todo o país. O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) foi centralizado no MEC, que introduziu a avaliação externa do desempenho do aluno. É composto por três avaliações complementares: (a) Avaliação Nacional da Educação Básica 27 (Aneb) avalia 27 Os resultados são apresentados por cada Unidade da Federação, região e país.

107 107 as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, de uma maneira amostral, destina-se aos estudantes matriculados no 5.º e 9.º anos do Ensino Fundamental (de escolas públicas e privadas) e também do 3.º ano do Ensino Médio; (b) Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), também denominada de Prova Brasil 28 aplicada censitariamente a alunos de 5.º e 9.º anos do Ensino Fundamental público para avaliar o desempenho dos alunos nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática; (c) Avaliação Nacional da Alfabetização 29 (ANA) avalia alunos do 3.º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas de forma censitária, com o objetivo principal de verificar os níveis de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa, alfabetização Matemática e condições de oferta do Ciclo de Alfabetização das redes públicas. A ANEB e a ANRESC ocorrem a cada dois anos, a ANA é aplicada anualmente. Outro exame com abrangência nacional para alunos concluintes do Ensino Médio é o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que ocorre anualmente, de caráter voluntário, e requer que o aluno inscreva-se para participar do exame. A prova, realizada em dois dias, é composta de 180 questões e de uma redação. A prova compreende questões das seguintes áreas de conhecimento: Linguagens, códigos e suas tecnologias (Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Literatura, Artes, Educação Física e Tecnologias da Informação); Matemática e suas tecnologias; Ciências da Natureza e suas tecnologias (Química, Física e Biologia); Ciências Humanas e suas tecnologias (Geografia, História, Filosofia, Sociologia e conhecimentos gerais). A forma de divulgação dos resultados do ENEM é sigilosa cada participante recebe o Boletim Individual de Resultados, contendo duas notas: uma da parte objetiva da prova e outra da redação, além de uma interpretação dos resultados obtidos para cada uma das cinco competências 30 avaliadas nas duas partes da prova. As escolas podem 28 Os resultados são apresentados por escola, município, Unidade da Federação e país que também são utilizados no cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e busca representar a qualidade da educação a partir da observação de dois aspectos: o fluxo (progressão ao longo dos anos) e o desenvolvimento dos alunos (aprendizado). 29 A ANA foi incorporada ao Saeb pela Portaria n.º 482, de 7 de junho de O ENEM consiste em quatro provas e uma redação. E em todo o exame, além das disciplinas em si, são avaliadas cinco competências, comuns a todas as disciplinas avaliadas, chamadas de Eixos Cognitivos, e são publicadas todos os anos no Edital do Enem. São elas:

108 108 solicitar um boletim que informa a nota média obtida pela escola e a nota média do País, possibilitando uma comparação dos resultados. Há alguns anos, o MEC tornou pública a forma de acesso aos resultados do Enem por escola. Os dados não são apresentados em forma de ranking, mas, como é possível acessar todas as informações, é comum sua organização para a elaboração de rankings recurso bastante comum entre os meios de comunicação e muito utilizado como estratégia de publicidade por muitas escolas privadas. Além do problema da criação de rankings, a forma de divulgação é polêmica por vários motivos. Esse tipo de apresentação dos resultados desloca o objetivo de avaliar o desempenho individual do aluno para a avaliação das escolas. Outro motivo é a comparação descontextualizada entre as escolas, ou seja, a metodologia de divulgação dos resultados avalia alunos de contextos socioeconômicos diferentes e de instâncias distintas, como alunos de escolas públicas e privadas, ou alunos de regiões geográficas diversas. Além do boletim com os índices da escola, o professor pode consultar as provas, 31 com os respectivos gabaritos, no portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). No entanto, não são apresentadas análises acerca da porcentagem de respostas dadas a cada alternativa ou os possíveis erros cometidos pelos I. Dominar linguagens (DL): dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemática, artística e científica e das línguas espanhola e inglesa. II. Compreender fenômenos (CF): construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas. III. Enfrentar situações-problema (SP): selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações-problema. IV. Construir argumentação (CA): relacionar informações, representadas em diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir argumentação consistente. V. Elaborar propostas (EP): recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaboração de propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural. Disponível em: < Acesso em: 4 mar Disponível em: < Acesso em 12 dez :

109 109 alunos em função dos distratores, assim pouco ou quase nenhum uso pedagógico pode ser feito com os dados do exame em virtude da forma como são divulgados. Atualmente, o Enem não é apenas uma prova realizada pelo Ministério da Educação do Brasil utilizada inicialmente para avaliar a qualidade do Ensino Médio no país. Seus resultados são usados opcionalmente para o ingresso em universidades públicas brasileiras por meio do Sistema de Seleção Unificada (SiSU) em substituição aos exames vestibulares e ao Programa Universidade para Todos (ProUni) para obtenção de bolsas de estudos integrais ou parciais para estudantes de baixo nível econômico em cursos de graduação e de cursos sequenciais de formação específica, em instituições privadas de Educação Superior. As instituições que aderem ao programa recebem isenção de tributos. Recentemente, com os novos usos do Enem, este tem seu objetivo distorcido, isto é, possivelmente o Enem deixará de ser uma avaliação da qualidade do Ensino Médio para adotar o caráter de exame de seleção ou vestibular, o que exigiria inclusive a criação de cursinhos preparatórios. A forma como os resultados da Prova Brasil são apresentados não é muito diferente dos dados do Enem. Um boletim é enviado às escolas participantes apresentando os resultados em forma de tabelas com as notas obtidas pela escola em Língua Portuguesa e Matemática. A partir dos dados é possível comparar os números entre escolas do município e unidade da Federação, bem como entre contextos urbano e rural. Segundo dados do Inep, com essas informações em mãos, o gestor pode consultar o descritivo dos boletins para discutir as ações a serem desenvolvidas nas escolas para a melhoria dos resultados. No entanto, o uso e a disseminação dos resultados da prova são questionáveis. No portal do Inep, podem-se consultar diferentes informações estatísticas, porém as tabelas 32 apresentam-se imensas e confusas, um tanto inteligíveis para a maioria dos usuários. A irregularidade no prazo para a divulgação dos resultados é outro fator que prejudica o uso destes dados. A Prova Brasil de 2009 teve seus resultados divulgados apenas dois anos após sua aplicação. Já a edição de 2011 teve a divulgação de dados em junho de Disponível em: < Acesso em: 10 jan

110 Uruguai O Uruguai foi o primeiro país das Américas a ter uma educação primária universal, gratuita e obrigatória, sob a influência do intelectual e político José Pedro Varela, que convenceu o governo a fazer a Ley de Educación Común, de 24 de agosto de A Reforma Vareliana seguia a tendência europeia da época, consequência das viagens de Varela à Europa e aos Estados Unidos, que atribuía a responsabilidade ao Estado pelo controle da educação escolar e da formação intelectual do povo. Destacamos um trecho de Mathias (2009) que apresenta como a Reforma reduziu a taxa de analfabetismo da população uruguaia: A penalização dos pais e responsáveis cujas crianças não frequentavam a escola contribuiu para a queda da taxa de analfabetismo, segundo Melindres e Damonte (2008), e na Reforma essa pena implicava retirar os direitos políticos por dois anos dos responsáveis pela criança. Em 1908, nos territórios com escolas para adultos, os cidadãos de 14 a 21 anos que não soubessem ler e escrever pagariam multas de 5 a 10 pesos. Na atualidade, devido à universalização, não há uma determinação normativa que proponha a fiscalização. Para Varela (1868), se o Estado poderia responsabilizar os pais que não alimentam seus filhos e os impossibilitam de desenvolverem-se fisicamente, por que não poderia responsabilizar àqueles que privam as crianças do alimento intelectual necessário para conduzi-los a um princípio da cidadania? (MATHIAS, 2009, p. 71). A constituição vigente na La República Oriental del Uruguay, que denominamos de Uruguai, foi aprovada em 1967 com algumas alterações realizadas posteriormente. Na seção Direitos, Deveres e Garantias, da Constituição do Uruguai, encontramos artigos que indicam como a sociedade uruguaia compreende o papel do Estado como responsável por dar assistência aos pais na educação, porém afirma que o dever é dos últimos: Artigo 40. A família é a base da nossa sociedade. O Estado deve proteger a sua estabilidade moral e material, para uma melhor formação das crianças na sociedade. Artigo 41. O cuidado e a educação das crianças para que atinjam sua plenitude física, intelectual e social, é um dever e direito dos pais. Aqueles que são responsáveis por uma família numerosa têm direito a auxílios compensatórios, sempre que precisarem (URUGUAI, 1967, 1989, 1994, 1996, 2004). A Constituição uruguaia, no artigo 71, declara a obrigatoriedade do ensino oficial para todos os níveis (desde a Educação Primária ao Ensino Médio), que compreende o

111 111 mesmo período do Brasil: quatro a dezessete anos e isenta as instituições privadas de pagamentos de impostos. No Uruguai, o documento o Projeto de Lei Geral de Educação (LGE) foi publicado em junho de O debate acerca da educação no Uruguai promovido por várias instituições: Ministério de Educação e Cultura (MEC), a Administración Nacional de Educación Pública (Anep) e a Universidade da República (UdelaR 33 ) iniciou em 2006, com a realização de Congresso Nacional de Educação que deu origem ao Relatório Final da Comissão Organizadora do Debate Educação (Code). A Anep é um órgão estatal responsável pelo planejamento, gestão e administração do sistema educativo público uruguaio nos níveis educação inicial, primária, média, técnica e formação terciária. A instituição também é responsável pelo controle das instituições privadas dos mesmos níveis. No ano seguinte ao debate, várias reuniões foram feitas para discutir o material elaborado no Congresso entre várias instituições ligadas ao ensino, como a Anep e a UdelaR, e representantes de setores políticos e sindicais. Nos primeiros artigos da LGE uruguaia, duas funções são atribuídas à educação: um direito humano fundamental e um bem público: Artigo 1.º (Da educação como um direito humano fundamental) Declara-se de interesse geral promover o exercício efetivo do direito à educação, como um direito humano fundamental. O Estado deve garantir e promover uma educação de qualidade da educação para todos os seus habitantes, ao longo da vida, facilitando a continuidade educativa. Artigo 2.º (Da educação como um bem público) Reconhece-se o exercício do direito à educação como um bem público e social que tem como finalidade o pleno desenvolvimento físico, psicológico, ético, intelectual e social, de todas as pessoas sem discriminação (URUGUAI, 2008, p. 17. Tradução nossa). Uma especificidade que encontramos na LGE uruguaia que gostaríamos de destacar é a preocupação com a fiscalização dos investimentos públicos em educação. A lei prevê um investimento de 4,5% do PIB para a educação pública. No entanto, faz um alerta que a 33 A UdelaR é um órgão autônomo, responsável pelo ensino público universitário uruguaio.

112 112 sociedade deve envolver-se em tal projeto para certificar-se de que esses recursos são alocados para atingir os objetivos desejados (LGE, 2008, p. 13. Tradução nossa). Na apresentação do LGE, o seguinte trecho nos chamou a atenção por destacar que a educação de qualidade deve garantir a equidade, a relevância e a adequação para todos. Salientamos que tal objetivo expressa um entendimento da educação que não prevê um mesmo modelo para todos, mas atender às necessidades e estilos de vida, bem como à sociedade do conhecimento e ao mundo do trabalho. O objetivo é a qualidade da educação, a equidade, a pertinência e a relevância de todos, como um direito inalienável, e ao longo da vida, em uma sociedade de aprendizagem, tanto o conhecimento organizado em disciplinas como as atitudes e os estilos de vida. A democratização da educação busca uma conexão com o trabalho, onde todos possam continuar aprendendo sempre (URUGUAI, 2008, p. 14. Tradução nossa). Como a LDB, a LGE reconhece a necessidade da descentralização por meio da criação de comissões departamentais e órgãos regionais. No entanto, aqui destacamos uma especificidade do Uruguai: a implementação. O artigo 76 da LGE prevê que sejam criados Conselhos de participação formados por alunos, professores, pais ou responsáveis e representantes da comunidade. Cabe aos conselhos realizar as propostas da Direção do Centro educativo em relação ao cumprimento do projeto educativo e acompanhar as atividades e o destino dos recursos dos Centros Educativos. O documento uruguaio cria o Instituto Universitario de Educación (Iude), responsável pela formação universitária dos professores, que deve receber apoio da UdelaR para que o intercâmbio de informações e experiências entre a Anep e a UdelaR seja facilitado. O Iude tem a missão de descentralizar a formação de professores ao promover a coordenação com outras instituições superiores públicas. A concepção direta expressa no documento uruguaio nos chama a atenção quando na apresentação do Conselho Diretivo Central (CDC) da Anep prevê que tenha autonomia e que tenha membros representantes do executivo e do corpo docente. A importância da representação docente em tais conselhos e na eleição dos seus membros é expressa no seguinte trecho: A participação dos professores na eleição de dois conselheiros do CDC, um em cada Conselho é uma mudança substancial, promove o intercâmbio dos professores e responde a consideração de que não há mudanças na educação sem a sua participação (URUGUAI, 2008, p. 16. Tradução nossa).

113 113 A lei uruguaia cria o Sistema Nacional de Educación Pública (SNEP) formado pelo MEC, Anep e UdelaR com o objetivo de promover uma coordenação das políticas educativas e incentivar que cada instituição assuma a responsabilidade sobre os aspectos que estão sob sua tutela. Outra inovação proposta pelo documento é a criação do Instituto Nacional de Evaluación Educativa que tm um papel-chave atribuído pelo documento uruguaio no reconhecimento da realidade e para prestar contas à sociedade sobre os avanços educacionais. Ao atribuir o dever de educar à família, em primeiro, e ao Estado, em seguida, vemos como a concepção que se tem da educação subjaz os documentos avaliados e mais as culturas presentes em cada país. Enquanto no Brasil há a divisão da responsabilidade, o documento uruguaio prevê a educação como um bem público. Agora como livre interpretação nossa, se é um bem público entendemos como responsabilidade dos órgãos públicos de garanti-la com o apoio das diversas instituições sociais, o que é diferente de responsabilizar primeiramente a família. A LDB promulgada em 1996, que deu sustentação à reforma, aumentou a obrigatoriedade da educação de quatro para oito anos, mas limitou os direitos consagrados na CF/1988, restringindo o direito fundamental de todos à educação ao direito à educação obrigatória. Além disto, diminuiu a responsabilidade e o papel do Estado no atendimento à educação com a inversão da responsabilidade do Estado em relação à família, colocando-a em primeiro lugar (KRAWCZYK; VIEIRA, 2008, p. 51). O documento uruguaio nos apresenta uma preocupação que não encontramos nos documentos brasileiros: os acordos firmados pelo país em instrumentos internacionais. O documento declara que atenderá à Declaração Universal dos Direitos Humanos, porém, uma vez que a educação é formalmente considerada um bem público, não se trata de firmar qualquer tratado internacional que implique fomentar o mercantilismo da educação e evitar que seja colocada como serviço lucrativo. Artigo 4.º (De Direitos Humanos como uma referência do direito à educação) Educação atenderá aos direitos humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Constituição da República e em todos os instrumentos internacionais ratificados pelo nosso país, como elementos essenciais construídos em cada momento e oportunidade de propostas, programas e atividades educacionais, tornando-se um quadro fundamental para a educação em geral e,

114 114 particularmente, para os educadores em qualquer modalidade de atuação profissional (URUGUAI, 2008, p. 17. Tradução nossa). Artigo 17. (Tratados internacionais e cooperação internacional) Os poderes do Estado, no exercício de representação indireta da soberania da Nação, ao definir a Política Nacional de Educação define promover, de que a educação é concebida como um bem público e que a cooperação internacional é um complemento para os fins previstos no artigo acima. Nenhum acordo ou tratado será assinado, bilateral ou multilateral, com Estados ou organizações internacionais que direta ou indiretamente signifiquem considerar a educação como um serviço lucrativo ou incentivar a sua comercialização (URUGUAI, 2008, p. 20. Tradução nossa). Na LGE do Uruguai, encontramos o artigo que estabelece a obrigatoriedade da educação para crianças a partir dos quatro e cinco anos até a Educação Média, os pais são apresentados como responsáveis legais pelos filhos com a obrigação de inscrevê-los em uma instituição de ensino O Sistema de Ensino Nacional do Uruguai O Sistema de Ensino Nacional do Uruguai é organizado pela Constituição uruguaia e pela LGE, Lei n.º , aprovada em 12 de dezembro Tal sistema coordena e organiza ações educativas, de caráter formal e não formal, desenvolvidas e promovidas pelo Estado. O sistema é responsável por desenvolver uma Política Nacional de Educação integrada e articulada para que todos os habitantes do país tenham acesso a uma aprendizagem de qualidade. A estrutura da educação formal do Uruguai, equivalente à Educação Básica do Brasil, compreende os seguintes níveis: Primeira Infância: para crianças com idade até 3 anos, não é caracterizada como educação formal. Educação Inicial: para crianças de 4 a 5 anos idade. Oferecida em escolas conhecidas como jardines de infantes. Desde janeiro de 2009 a educação é obrigatória para crianças a partir dos quatros anos.

115 115 Educação Primária: para crianças de 6 até 11 anos (compreende seis anos de estudo), organizado em dois tipos de educação: comum e especial (dirigida a crianças com necessidades especiais). Educação Média Básica: também denominada de ciclo básico, para alunos de 12 a 14 anos. Educação Média Superior: também denominada de ciclo superior ou Bachillerato, para alunos de 15 a 17 anos. A Ilustração 4 apresenta como o sistema educacional regular uruguaio se organiza: Figura 4: Organização da Educação Básica no Uruguai

116 A avaliação do sistema educacional do Uruguai No ano de 1994 foi criada a Unidade de Medição de Resultados Educativos (UMRE) que consistiu não em um sistema nacional de avaliação, mas como um projeto de avaliação nacional em si mesmo. A partir de 2001 na Administração Nacional da Educação Pública (Anep), o sistema nacional de avaliação denominado Programa de Evaluación de Aprendizajes tem sob sua responsabilidade as avaliações para a Educação Primária e Média e as avaliações internacionais. O artigo 120 da LGE do Uruguai define o período bienal para que os relatórios do Instituto Nacional de Evaluación Educativa que apresentam dados sobre a situação educacional no Uruguai sejam divulgados. Entre outras coisas, o documento deve apresentar os resultados do país em testes de avaliação nacional ou internacional, os resultados de aprendizagem, a relevância e a pertinência das propostas e conteúdos educacionais na avaliação e os gastos com educação. O documento apresenta quais critérios serão utilizados para avaliar a qualidade da educação. Destacamos a declaração da coerência entre os currículos e os recursos educativos, a formação e desenvolvimento profissional dos docentes e a eficiência da administração dos recursos humanos e materiais: Artigo 121. (Critérios orientadores) Para a avaliação da qualidade da educação o Instituto irá considerar os seguintes princípios orientadores: 1. A coerência entre o currículo e os recursos com as diretrizes, princípios e objetivos da educação previstos na presente lei. 2. A qualidade da formação e desenvolvimento profissional dos professores. 3. A eficiência da gestão dos recursos humanos e materiais disponíveis e as condições e equipamentos dos Centros Educativos. A avaliação deve seguir os padrões e indicadores estabelecidos pela Comissão do Instituto Nacional de Avaliação Educativa (URUGUAI, 2008, p. 47. Tradução nossa). A educação primária uruguaia é avaliada de forma permanente e sistemática desde o início dos anos 90. Os alunos do sexto grado da Educação Primária no Uruguai eram

117 117 avaliados a cada três anos até a implantação do sistema de avaliação on line que comentaremos adiante. Para os demais anos não havia um sistema regular de avaliação, e para atingir objetivos específicos a UMRE elaborava projetos com o objetivo de avaliar determinados cursos pontualmente. Por exemplo, a avaliação da Educação Secundária teve início no ano de 1999, quando foram avaliados alunos do terceiro ano do ciclo básico. Em 2003, esta etapa foi concluída com a avaliação dos alunos do último ano da Educação Média Superior. Os participantes consistiram em uma amostra sorteada de alunos avaliados nas áreas de Línguas, Matemática, Ciências Naturais e Ciências Sociais (URUGUAI, 2004). Em 18 de abril de 2007, o Decreto 144/007 criou o projeto de Conectividade Educativa de Informática Básica para o Aprendizado em Linha (Ceibal), prevendo que até 2009 todos os alunos e professores de escolas públicas uruguaias recebessem um computador portátil. O programa foi criado com o objetivo de reduzir o abismo digital e a diferença de conhecimento entre os alunos. O projeto se caracteriza com uma proposta socioeducativa como forma de garantir a inclusão e equidade no acesso à educação. Até maio de 2013 já haviam sido entregues laptops. Além da distribuição dos computadores, um ambiente virtual foi criado para consulta dos professores, alunos e pais: o portal Ceibal. 34 Concomitante à implantação do Plano Ceibal, desde 2007, inspetores e membros do Departamento de Avaliação de Aprendizagem desenvolveram avaliações on line com o objetivo de acompanhar o progresso da aprendizagem utilizando a nova infraestrutura tecnológica instalada em escolas pelo Plano Ceibal. O Sistema de Avaliação de Aprendizagem 35 (SEA) da Anep, em colaboração com instituições, é responsável por criar, desenvolver e implementar as avaliações que fornecem os resultados em tempo real, gerando uma enorme economia sobre as ações de papel e de logística. A primeira avaliação on line foi realizada em 2009 por alunos do 2.º ano da Educação Primária. Em novembro de 2010, os alunos do 6.º ano e do 2.º da Educação Primária fizeram a segunda avaliação on line. Nos anos de 2011 e 2012 alunos do 3.º, 4.º, 5.º e 6.º anos da Educação Primária participaram das avaliações de Matemática, Leitura e Ciências. Em 2013, além dos alunos do 3.º, 4.º, 5.º e 6.º anos da Educação Primária, foram 34 Disponível em: < Acesso em: 15 jul Disponível em: < Acesso em: 15 jul

118 118 avaliados em Língua e Matemática os alunos do 1.º, 2.º e 3.º anos do Ciclo Básico, equivalente aos três últimos anos do Ensino Fundamental no Brasil. Na data prevista para a realização das provas, os alunos acessam a plataforma e respondem atividades de múltipla escolha e outras questões abertas. A plataforma prevê a possibilidade de o aluno alterar sua resposta a qualquer tempo, pular uma atividade e voltar a ela quando lhe aprouver. Imediatamente após os alunos completarem o teste, o professor, o diretor da escola e os inspetores têm à disposição relatórios com informações detalhadas sobre o desempenho de cada aluno, da turma e da escola, tanto em termos absolutos como relativos às escolas de contexto semelhante. O propósito dos relatórios é servir como insumo para contribuir com as decisões da equipe escolar a fim de melhorar o desempenho dos alunos Brasil e Uruguai, alguns índices de comparação Nesta seção procuraremos explicitar para o contexto de pesquisa alguns elementos passíveis de comparação que consideramos importantes para o entendimento da realidade educacional dos países pesquisados. A taxa de analfabetismo de 15 anos ou mais Brasil 1900/2000 diminuiu muito no último século. Em 1900, a taxa de analfabetismo era de 65,3% da população com mais de 15 anos, conforme dados apresentados pelo IBGE, porém é inaceitável que em pleno terceiro milênio 1 em cada 10 brasileiros com mais de 15 anos ainda não seja alfabetizado. A Tabela 2 apresenta a comparação entre a porcentagem de brasileiros alfabetizados (90,4%) e uruguaios (98,3%), segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL). Tabela 2: Taxa de alfabetização de adultos no Brasil e Uruguai PAÍS Taxa de alfabetização de adultos BRASIL 90,4% URUGUAI 98,3% Fonte: CEPAL, 2010

119 119 A taxa de alfabetização da população de 15 anos ou mais não é um padrão universal de alfabetização. As taxas são baseadas na definição mais comum: a capacidade de ler e escrever em uma determinada idade. Não se mede a proficiência da leitura, mas é indiscutível que os níveis de alfabetização e de educação de um país podem impedir seu desenvolvimento. Na comparação da taxa de alfabetização de adultos (Tabela 2) é possível inferir que o Uruguai se aproxima de alfabetizar toda a população adulta, enquanto o Brasil ainda tem de atingir os 10% restantes. Nos últimos anos o Brasil avançou na ampliação do número de matrículas na Educação Básica, porém é evidente a necessidade de melhorar a permanência diminuindo os índices de retenção e evasão por meio, principalmente, da melhoria da qualidade do ensino. O investimento dos dois países em educação é muito diferente. Dados de 2010, apresentados na Tabela 3, apontam que o Brasil investiu 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação, enquanto o Uruguai, no mesmo ano, investiu apenas 2,9%, mas seus alunos superam os alunos dos países vizinhos em testes internacionais. Entretanto, a proporção de brasileiros em idade escolar é maior que a de uruguaios, ficando aparente que demanda um volume de recursos maior. Tabela 3: Investimento de PIB em educação no Brasil e Uruguai e população em idade educacional PAÍS % PIB/PPP aplicado em educação População em idade educacional BRASIL 4,0% 44% URUGUAI 2,9% 30% Fontes: Brasil (IBGE, 2010). Uruguai (UNESCO, 2010) para a população educacional e (EUA, CIA, 2010) para a população No ano de 2008 a população em idade educacional no Brasil era de 84,4 milhões de pessoas, ou seja, 44% da população brasileira. Um índice tão alto que demanda desafios educacionais maiores do que o Uruguai com 30% da população em idade educacional. A Unesco desenvolve desde a década de 1970 a Classificação Internacional Normalizada da Educação (ISCED). A última atualização, de 1997, é utilizada como

120 120 instrumento de classificação dos níveis educativos destinada a permitir a comparação de estatísticas e de políticas educativas entres sistemas educativos diferentes. Quadro 5: Classificação Internacional Normalizada da Educação (ISCED) Fonte: UNESCO Na comparação entre os números de matrículas em cada nível apresentados no Quadro 6 podemos perceber que os desafios do Brasil são maiores. Os gastos públicos em educação no Brasil são equivalentes às definições da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico 36 (OCDE). É maior do que países com sistemas de educação muito mais bem-sucedidos, como Uruguai, Chile e Argentina. Quadro 6: Número de matrículas por nível de ensino 2009 (ISCED) PAÍS Primeiro nível Segundo nível Terceiro nível Brasil Uruguai Fonte: Cepal O papel de educação como a principal forma de melhoria da sociedade e a conquista de uma população cidadã são reconhecidos, porém o processo de escolarização 36 A OCDE é uma organização de cooperação internacional composta por 34 países com elevado PIB per capita e IDH. As ações desenvolvidas pela organização procuram fornecer plataformas com o objetivo de comparar políticas econômicas, solucionar problemas comuns e propor metas para o desenvolvimento econômico mundial.

121 121 no Brasil foi tardio. Por mais de quatro séculos no Brasil a educação era privilégio da elite; apenas no século XX surgiu a rede pública de ensino no Brasil, um século após a universalização na Argentina e no Uruguai segunda metade do século XIX. Considerações sobre o capítulo Neste capítulo apresentamos os contextos econômicos, político e social do Brasil e do Uruguai a partir da década de Para introduzir a discussão acerca do contexto educativo, fizemos uma explanação acerca das reformas curriculares que ocorreram na América Latina no período avaliado e uma apresentação do MMM. Essa contextualização é importante para compreender em que bojo as reformas educativas foram geradas e levantar dados que consubstanciem as análises que realizamos nesta investigação. Os documentos analisados e os sistemas de organização dos estudos apresentam similaridades e singularidades. A seguir destacamos algumas delas. Na figura 5 apresentamos resumidamente a configuração educacional dos países pesquisados, com as idades correspondentes em cada etapa de escolaridade. Os países contêm em seus documentos a educação pré-escolar e ambos têm o mesmo período de ensino obrigatório: dos quatro aos dezessete anos. Figura 5: Quadro comparativo dos sistemas educacionais do Brasil e Uruguai

122 122 Há singularidade apenas na configuração em relação aos níveis de ensino. No Uruguai, a Educação Primária, equivalente ao primeiro ciclo do Ensino Fundamental do Brasil, tem cinco anos, com aulas ministradas por professores polivalentes. Esse nível de ensino absorveu o equivalente ao primeiro ano do segundo ciclo do Ensino Fundamental brasileiro. No Brasil, os três últimos anos do Ensino Fundamental (7.º, 8.º e 9.º anos) correspondem aos três primeiros do Ensino Médio Básico uruguaio (também chamado de Ciclo Básico). Nos dois países as aulas são ministradas por professores de Matemática a partir deste nível. Os três anos do Ensino Médio brasileiro correspondem ao Ensino Médio Superior ou Bachillerato no Uruguai. Outra singularidade que identificamos é a carga horária mínima anual adotada em cada país. A LGE do Uruguai não define quantos dias letivos, porém a carga horária mínima anual do Uruguai de 900 horas anuais é 12,5% maior que a do Brasil, que prevê 800 horas anuais distribuídas em 200 dias letivos. Artigo 10. (Da obrigatoriedade) É obrigatória a educação inicial para crianças de quatro e cinco anos de idade, do ensino primário e do ensino secundário básico e superior. Para isso, deve ser garantido um mínimo de atividade curricular de 900 horas por ano para os alunos do ensino primário e secundário básico (URUGUAI, 2008, p. 18. Tradução nossa). Art. 24. A Educação Básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns: I a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver (BRASIL, 1996, paginação irregular). Outra especificidade que encontramos na LGE do Uruguai foi a articulação entre o Instituto Universitario de Educación responsável pela formação dos professores e a UdelaR. A ênfase à articulação entre as instituições atende à recomendação de aproximar os resultados das pesquisas acadêmicas dos bancos escolares (ZEICHNER, 1998). Chamou a atenção, na análise da legislação, a institucionalização da representação docente no Uruguai. Com a Lei Emergencial de Educação de 1985, a participação 37 direta dos professores nos debates educativos foi iniciada com a criação da Assembleia docente e corroborada em 2008 com a LGE. 37 No capítulo 6, discorreremos sobre as impressões dos profissionais uruguaios em relação à participação dos professores.

123 123 Destacamos duas outras singularidades da LGE uruguaia: (a) recomendar que a sociedade acompanhe e fiscalize se os objetivos educacionais estão sendo alcançados; (b) reconhecimento da influência de propostas de cooperação internacional por meio de tratados. Em relação à avaliação dos sistemas educacionais, há diversas singularidades entre os dois países. Relatório de estudo publicado em 2006 pelo grupo de trabalho do Programa para a Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe 38 (PREAL), fruto de mais de cinco anos de investigações acerca da situação dos sistemas nacionais de avaliação, apresenta um estudo comparativo entre os países da região. Dentre as análises do estudo, uma similaridade entre Brasil e Uruguai é a falta de articulação entre as matrizes de referência utilizadas nas provas e os currículos nacionais. No caso do Brasil, imediatamente levanta-se a questão da obrigatoriedade do currículo. As matrizes são elaboradas tentando buscar um equilíbrio entre o currículo prescrito e o implementado nas escolas. Segundo Ferrer (2006), não é possível realizar análises sobre o rendimento dos alunos e a implementação efetiva do currículo. Tal qual o Brasil, o Uruguai tem dificuldade na definição das matrizes de referência nas avaliações. No relatório da Preal divulgado em 2006, houve consultas aos professores e especialistas sobre a relevância e adequação dos tópicos e competências que seriam avaliados nas provas (FERRER, 2006). Na prática, segundo o relatório de Ferrer, as avaliações com os livros-textos estão constituindo um currículo alternativo nacional. O uso dos resultados das provas e a divulgação também são bem diferentes. No relatório elaborado exclusivamente para análise dos resultados em Matemática dos alunos que participaram em 2003 da prova para os alunos do 6.º ano do Ensino Secundário, os resultados alcançados são caracterizados a partir dos diferentes níveis socioculturais, geográficos e econômicos (alunos de escolas públicas, técnicas e privadas). Salientamos duas características que nos chamaram a atenção no relatório: o relatório apresenta as questões da prova com avaliação detalhada dos erros e acertos e um capítulo denominado 38 O Preal é um projeto regional voltado ao desenvolvimento educativo dos países da América Latina e Caribe. Constituído por uma rede de organizações e pessoas interessadas em contribuir com a melhoria da qualidade e equidade da educação escolar. Para maiores informações consultar o site disponível em: < Acesso em: 15 jan

124 124 reflexões didáticas. No capítulo de reflexões didáticas o relatório traz implicações das pesquisas em Educação Matemática quanto à análise dos erros dos estudantes ao resolver problemas de Matemática. O texto contém orientações didáticas e recomenda o uso do estudo dos erros como uma ferramenta para orientar a aprendizagem dos alunos. Ao final, apresenta recomendações bibliográficas aos docentes (URUGUAY, 2004a). Quanto ao Brasil, apenas em algumas edições do Enem (2001 a 2008) foram elaborados relatórios semelhantes. Para os demais anos, nas provas que compõem o Saeb apenas são disponibilizadas as questões. Nos relatórios do período destacado, as questões das provas são brevemente comentadas em comparação com a análise da prova do Ensino Secundário uruguaio. Em relação ao uso dos resultados, no caso das provas Saeb, eles se apresentam em nível nacional e depois organizados por região, Estado, Município e escola. Os dados do Enem são divulgados por escola e a consulta é pública como o Saeb. Além disso, a LGE uruguaia define como preocupação informar os resultados obtidos em avaliações nacionais e internacionais a cada dois anos, com critérios que vão além dos resultados das provas. Uma singularidade acentuada entre os países é a forma de divulgação dos resultados das avaliações nacionais. Enquanto no Brasil os dados públicos são utilizados para a formação de rankings entre as escolas (exaustivamente explorados por campanhas publicitárias, em especial das instituições privadas), no Uruguai ocorre, inicialmente, a preocupação em enviar os dados de forma confidencial para cada escola e um índice que permite compará-la com escolas, cujos contextos socioeconômicos são similares a ela. A compreensão da confidencialidade dos resultados perpassa pela preocupação em evitar comparações descabidas, entre escolas de diferentes contextos socioculturais, e evitar a criação de rankings. Além disso, os resultados apresentam uma comparação sobre os progressos dos estudantes nos intervalos avaliados a cada três anos a fim de estimular a reflexão de aspectos curriculares e pedagógicos visando a melhoria dos resultados. Para finalizar, analisamos os prazos para a divulgação dos resultados da avaliação dos sistemas nacionais. 39 No caso do Uruguai, no sistema de avaliação on line os 39 Não entraremos na discussão quanto às inúmeras avaliações regionais que ocorrem no Brasil, como as estaduais (por exemplo, o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo Saresp) e municipais (por exemplo, a Prova São Paulo), ambas de periodicidade anual.

125 125 resultados podem ser acessados imediatamente pela equipe escolar. No Brasil, a publicação dos resultados pode demorar até dois anos, como ocorreu na Prova Brasil de 2009, em que a divulgação dos boletins aconteceu somente dois anos após a aplicação do exame, próximo à edição de 2011 da Prova Brasil. A forma como os resultados das avaliações são apresentados no Brasil prejudica o modo de utilizar efetiva e eficientemente essas informações, não apenas no desenvolvimento de políticas públicas, mas diretamente pelos profissionais das escolas. Somado a isso, o ranque das escolas, tal qual ocorre no Brasil, provoca uma reação negativa nos docentes e não contribui com ações que visem melhorar a aprendizagem dos estudantes. Nos próximos dois capítulos, apresentaremos as comparações entre os currículos prescritos de Matemática do Brasil e do Uruguai para a escolaridade básica.

126 126 CAPÍTULO 4 CURRÍCULOS DE MATEMÁTICA PRESCRITOS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO FUNDAMENTAL DO BRASIL E URUGUAI Introdução Neste capítulo vamos trazer a análise dos currículos de Matemática prescritos para a Educação Infantil e Ensino Fundamental (Brasil) e Educação Inicial, Primária e Média Básica (Uruguai). Construímos as seguintes categorias analíticas a partir dos aportes teóricos e metodológicos: finalidades da Educação Matemática seleção de conteúdos anos iniciais e finais organização de conteúdos orientações didáticas e metodológicas; avaliação da aprendizagem. Tabela 4: Documentos analisados para EI e EF do Brasil e Uruguai Documentos oficiais Brasil Uruguai Categorias Referencial curricular nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos PCN (BRASIL, 1997) Parâmetros Curriculares Nacionais Matemática 2.º a 5.º anos do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998a) PCN Matemática 6.º a 9.º anos do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998b) Marcos Curriculares Programa de Educación Inicial y Primaria año 2008 (URUGUAI, 2008) Programa de Matemática Reformulación 2006 ajustes 2010 (URUGUAI, 2010) - primer año, - segundo año - tercer año do Ciclo Básico (URUGUAI, 2010a-h)

127 Brasil Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) é um documento criado para guiar a reflexão acerca dos objetivos, conteúdos e orientações didáticas aos profissionais que atuam com Educação Infantil para crianças de zero a seis 40 anos de idade. A coleção de três volumes que compõe o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil é organizada da seguinte forma: o documento Introdução, que apresenta a reflexão sobre creches e pré-escolas no Brasil, o volume relativo à Formação Pessoal e Social, que visa à construção da identidade e autonomia das crianças, e o volume relativo ao Conhecimento de Mundo, que apresenta seis eixos de trabalho: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática. Publicados em 1998, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são uma coleção de vinte volumes, separados em dois blocos de dez volumes. O primeiro bloco é dirigido ao primeiro e segundo ciclos do Ensino Fundamental que compreende do 1.º ao 5.º ano, já o segundo bloco envolve o terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental e abrange do 6.º ao 9.º ano. Figura 6: Documentos curriculares brasileiros para EF 40 Atualmente, com a ampliação da duração do Ensino Fundamental de 8 para 9 anos (Lei n.º /2006), crianças com seis anos cursam o 1.º ano do Ensino Fundamental, mas para o uso desse documento, tal mudança não inviabiliza a análise comparativa.

128 128 Para o primeiro ciclo do Ensino Fundamental, a coleção de dez volumes é organizada da seguinte forma: um documento intitulado Introdução, que justifica e fundamenta as opções feitas para a elaboração dos documentos de áreas e Temas Transversais; seis documentos referentes às áreas de conhecimento: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte e Educação Física; e três volumes concernentes aos Temas Transversais: Ética, Meio Ambiente e Saúde; e o décimo volume que compreende os temas Pluralidade Cultural e Orientação Sexual. Para o segundo ciclo do Ensino Fundamental, a coleção de dez volumes é organizada da seguinte forma: um documento intitulado Introdução, que justifica e fundamenta as opções feitas para a elaboração dos documentos de áreas e Temas Transversais; oito documentos referentes às áreas de conhecimento: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, Geografia, História, Arte, Educação Física e Língua Estrangeira. O décimo volume que compreende os temas transversais: Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Saúde e Orientação Sexual. Para este trabalho analisamos três volumes: Parâmetros Curriculares Nacionais Introdução Ciclo I; Parâmetros Curriculares Nacionais Matemática Primeiro e Segundo Ciclos; e Parâmetros Curriculares Nacionais Matemática Terceiro e Quarto Ciclos. No documento Introdução, destinado aos dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, são apresentados os referenciais a serem utilizados para a renovação e reelaboração da proposta curricular com o objetivo de contribuir com a melhoria da qualidade da educação. Os PCN de Matemática para 1.º e 2.º ciclos são divididos em duas partes: a primeira contém os princípios que nortearam sua elaboração em que apresenta as reformas da área que ocorreram até a elaboração do documento. Nessa parte há uma análise das características da área e do papel que possui no currículo escolar. São apresentados: os objetivos gerais para o Ensino Fundamental, os blocos de conteúdos e as características da avaliação. A segunda parte destina-se a apresentar aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem de Matemática para as quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, composta por: objetivos gerais específicos para cada ciclo, blocos de conteúdos, critérios de avaliação e orientações didáticas.

129 129 O processo de elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais, declarado no próprio documento (BRASIL 1997), teve início a partir do estudo de propostas curriculares de Estados e Municípios brasileiros, dos currículos oficiais e informações coletadas relativas a experiências de outros países. Fizeram parte do estudo pesquisas nacionais e internacionais, dados estatísticos sobre o desempenho de alunos e experiências de sala de aula apresentadas em encontros e publicações. Após a fase de análise, o documento (BRASIL, 1997) declara que uma proposta inicial foi submetida à discussão em âmbito nacional no período de 1995 a Representantes de universidades públicas e particulares, técnicos de secretarias de educação de Estados e Municípios, especialistas e educadores elaboraram pareceres que contribuíram com a reelaboração da proposta. Seguida a versão preliminar, uma nova versão foi apresentada aos professores, técnicos das secretarias, membros dos conselhos estaduais de educação e entidades ligadas ao magistério que sugeriram diversas possibilidades de atuação das universidades e faculdades de Educação para a melhoria do ensino a partir da elaboração de novos programas de formação de professores. A influência das pesquisas no currículo é declarada logo no início do documento com o seguinte trecho, ao destacar que a função dos PCN é socializar discussões, pesquisas e recomendações: Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem um referencial de qualidade para a educação no Ensino Fundamental em todo o País. Sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual (BRASIL, 1997, p. 13). No documento de Introdução aos PCN encontramos uma correspondência ao que Sacristán (2000) denomina de currículo moldado pelo professor, no trecho que reconhece que os Parâmetros Curriculares Nacionais auxiliam o professor na tarefa de reflexão e discussão de aspectos do cotidiano da prática pedagógica, a serem transformados continuamente pelo professor (BRASIL, 1997, p. 10). Podemos identificar alguns dos níveis do desenvolvimento do currículo de Sacristán (2000) no texto de introdução dos PCN ao identificar os quatro níveis de concretização curricular que visam apresentar não etapas sequenciais, mas diferentes

130 130 amplitudes da elaboração de propostas curriculares, com responsabilidades diferentes, que devem ser autônomas e integradas. No primeiro nível, o documento situa os PCN como uma referência nacional para o Ensino Fundamental. Caracterizado como meta educacional para a qual devem convergir as ações políticas do MEC, os projetos ligados à formação inicial e continuada de professores, a análise e compra de livros e outros materiais didáticos e a avaliação nacional. Os PCN devem ser subsídios dos Estados e Municípios na elaboração e/ou revisão curricular e possibilitar a discussão pedagógica entre a equipe técnica e os docentes. O reconhecimento da necessidade de revisão periódica para atender à realidade social é declarado no próprio documento no seguinte trecho: Os Parâmetros Curriculares Nacionais estão situados historicamente não são princípios atemporais. Sua validade depende de estarem em consonância com a realidade social, necessitando, portanto, de um processo periódico de avaliação e revisão, a ser coordenado pelo MEC (BRASIL, 1997, p. 29). Aqui gostaríamos de fazer outra ponderação: o próprio documento declara que periodicamente deve ser revisto para atender as necessidades sociais, porém passados 15 anos não houve nenhuma revisão. O segundo nível de concretização prevê a adaptação ou a elaboração de propostas curriculares dos Estados e Municípios desenvolvidas pelas Secretarias de Educação utilizando os PCN como referenciais. O terceiro nível de concretização faz referência à proposta curricular de cada instituição escolar visando atender ao projeto educativo da escola. Para a elaboração de tal proposta, a equipe pedagógica e os professores devem fazer uso dos PCN e das propostas das Secretarias. O quarto nível de concretização curricular corresponde ao que Sacristán (2000) denomina de currículo modelado pelos professores. Segundo os PCN, nesse nível o professor programa as atividades de ensino e aprendizagem para atender as metas estabelecidas no terceiro nível. A distribuição das aulas e conteúdos, as orientações e materiais didáticos que serão utilizados, são componentes desse nível.

131 131 Na caracterização da área é apresentado um comentário acerca do baixo desempenho dos alunos na área de Matemática nas avaliações oficiais. Entre as causas possíveis para tais níveis, o documento aponta a má formação dos professores que provoca alguns problemas como: o preparo de aulas que se pautam em livros didáticos que muitas vezes têm qualidade insatisfatória e distorções e equívocos cometidos pelos professores ao participarem da implantação de propostas inovadoras. A interpretação equivocada de concepções pedagógicas também tem sido responsável por distorções na implementação das ideias inovadoras que aparecem em diferentes propostas. Assim, por exemplo, as orientações sobre a abordagem de conceitos, ideias e métodos sob a perspectiva de resolução de problemas ainda são bastante desconhecidas; outras vezes a resolução de problemas tem sido incorporada como um item isolado, desenvolvido paralelamente como aplicação da aprendizagem, a partir de listagens de problemas cuja resolução depende basicamente da escolha de técnicas ou formas de resolução conhecidas pelos alunos (BRASIL, 1997, p. 22). Outros níveis do desenvolvimento do currículo de Sacristán (2000) são identificados no trecho que se refere à formação de professores e à produção de livros didáticos: Como decorrência, poderão nortear a formação inicial e continuada de professores, pois à medida que os fundamentos do currículo se tornam claros fica implícito o tipo de formação que se pretende para o professor, como também orientar a produção de livros e de outros materiais didáticos, contribuindo dessa forma para a configuração de uma política voltada à melhoria do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998b, p. 15). A não obrigatoriedade dos PCN, que não configuram, portanto, um modelo curricular homogêneo e impositivo (BRASIL, 1997, p. 13), é justificada por caracterizar uma proposta flexível que deve ser concretizada em âmbito regional e local para não sobrepor a competência político-executiva dos Estados e Municípios, a diversidade sociocultural e a autonomia dos professores e equipes pedagógicas. Os textos dos PCN apresentam argumentos que justificam a utilização dos documentos como referenciais, que devem possibilitar adaptações às diferentes dimensões e adequadas à realidade dessa grande nação. No entanto, tal característica de flexibilidade não isenta a responsabilidade de garantir a base comum a todos os alunos: Mas, na medida em que o princípio da equidade reconhece a diferença e a necessidade de haver condições diferenciadas para o processo educacional, tendo em vista a garantia de uma formação de qualidade para todos, o que se apresenta é a necessidade de um referencial comum para a formação escolar no Brasil,

132 132 capaz de indicar aquilo que deve ser garantido a todos, numa realidade com características tão diferenciadas, sem promover uma uniformização que descaracterize e desvalorize peculiaridades culturais e regionais (BRASIL, 1997, p. 28). Em seguida, trazemos a análise do documento uruguaio. Como se trata de um documento único, sua apresentação será menor que a realizada com os documentos brasileiros Uruguai Programa de Educación Inicial y Primaria O Programa de Educação Inicial e Primária (PEIP) é um documento oficial, publicado em 2008, que contém a seleção dos conhecimentos a serem ensinados nas escolas como parte dos deveres e princípios estabelecidos na Lei Geral de Educação. Compreende o currículo a ser desenvolvido nos diferentes níveis e tem caráter universal e obrigatório para todas as escolas. Figura 7: Documentos curriculares uruguaios para EF O currículo do Uruguai se organiza em cinco áreas de conhecimento: Línguas, Matemática, Artística, Social e Natureza. Cada área agrupa uma série de disciplinas que apresentam os saberes selecionados a partir de redes conceituais.

133 133 O documento único apresenta para cada área cinco campos de conhecimento: os fundamentos, as redes conceituais, os objetivos gerais da área e os aspectos didáticos e disciplinares. O programa apresenta também exemplos, com o objetivo de servir como referência para que o professor possa pensar e criar sua própria proposta de ensino. Aqui encontramos a clareza do documento em compreender que o professor molda o currículo à sua realidade, tal qual expresso por Sacristán (2000). Figura 8: Rede conceitual para Aritmética (URUGUAI, 2008, p. 114) Após caracterizar cada área, o documento apresenta os programas para cada ano de uma maneira prescritiva, apenas como rol de conteúdos. Abrange os programas destinados à Educação Infantil, compreendida dos três anos aos cinco anos e, em seguida, os programas destinados aos seis anos da Educação Primária, que corresponde aos seis primeiros anos do Ensino Fundamental no Brasil. As recomendações didáticas e metodológicas aparecem no item fundamentos da área, mas são muito breves. Os exemplos apresentados são escassos e demasiado diretos, sem nenhuma argumentação da escolha ou resultados de pesquisas que indiquem quais os motivos para o uso de determinada abordagem.

134 134 Figura 9: Atividade extraída do currículo (URUGUAI, 2008, p. 385) No entanto, encontramos um trecho que apresenta a visão dos níveis de desenvolvimento do Currículo de Sacristán (2000), o currículo moldado pelo professor: Os exemplos são propostos como uma contribuição para o professor pensar e criar a sua própria proposta de ensino. Estes se destinam a explicar algumas construções metodológicas e explanam a diferenciação progressiva e a abrangência dos conteúdos ensinados, promovendo avanços conceituais aos estudantes a partir de relações intradisciplinar e interdisciplinar durante o ano letivo (URUGUAI, 2008, p. 11. Tradução nossa). Segundo trechos do programa, o processo de formulação do documento compreendeu também o estudo de uma diversidade de bibliografia acerca de cada disciplina e de orientações didáticas para promover o debate e a busca de argumento com o objetivo de favorecer a identificação de consensos acerca das decisões a serem tomadas (URUGUAI, 2008). O currículo do Ciclo Básico ou Educação Média Básica, equivalente aos três últimos anos do Ensino Fundamental no Brasil, apresenta uma organização complementar diversa. Não há um documento, mas apenas prescrições com no máximo seis páginas para cada um dos três anos do Ciclo Básico que podem ser consultadas diretamente no portal do Conselho de Educação Secundária Disponível em: < >. Acesso em: 19 jan

135 Finalidades da Matemática nos Currículos para o Ensino Fundamental do Brasil e do Uruguai Os princípios que nortearam a elaboração dos PCN de Matemática apresentam duas visões da Matemática o contexto cotidiano e o contexto a própria Matemática e são destacadas pelos PCN para discutir a finalidade da Matemática para contribuir com a solução de problemas e a atuação no mundo. Estas visões correspondem ao que Maioli (2012) destaca como o uso do termo contextualização como princípio metodológico em documentos curriculares de Matemática do Ensino Médio, 42 a Matemática voltada para as aplicações práticas e a Matemática focalizada nas suas produções teóricas. o professor: Para o terceiro ciclo do Ensino Fundamental o referencial brasileiro recomenda que [...] precisa levar em conta consiste em canalizar para a aprendizagem toda a ebulição desse espírito questionador, que estimula os alunos a buscar explicações e finalidades para as coisas, discutindo questões relativas à utilidade da Matemática, como ela foi construída (BRASIL, 1998b, p. 62). Com isso criam-se condições para que o aluno perceba que a atividade matemática estimula o interesse, a curiosidade, o espírito de investigação e o desenvolvimento da capacidade para resolver problemas (BRASIL, 1998b, p. 63). A comunicação em Matemática é identificada como uma preocupação do documento em dois trechos que destacamos a seguir: No entanto, ocorre muitas vezes que esses alunos não conseguem exprimir suas ideias usando adequadamente a linguagem matemática; isso não significa que não tenham construído nenhum tipo de conceito ou desenvolvido procedimentos (BRASIL, 1998b, p. 62). O estímulo à capacidade de ouvir, discutir, escrever, ler ideias matemáticas, interpretar significados, pensar de forma criativa, desenvolver o pensamento indutivo/dedutivo, é o caminho que vai possibilitar a ampliação da capacidade para abstrair elementos comuns a várias situações, para fazer conjecturas, generalizações e deduções simples, como também para o aprimoramento das representações, ao mesmo tempo que permitirá aos alunos irem se 42 A pesquisa de Maioli (2012) consistiu na análise do uso do termo em documentos do Ensino Médio. Aqui utilizamos a mesma categorização de Maioli na análise de outro nível da Educação Básica: o Ensino Fundamental.

136 136 conscientizando da importância de comunicar suas ideias com concisão (BRASIL, 1998b, p. 63). Na apresentação dos objetivos de Matemática para o terceiro ciclo, os PCN recomendam que o desenvolvimento do pensamento numérico deve ampliar os novos significados para os números e relaciona o uso aos contextos matemáticos e não matemáticos a partir de sua utilização no contexto social e da análise de alguns problemas históricos que motivaram sua construção (BRASIL, 1998b, p. 64). A definição da Matemática apresentada nos PCN contrapõe a visão de que a Matemática é algo imutável e verdadeiro. A visão adotada no documento condiz com a dimensão cultural de Bishop (1991) e caracteriza a Matemática: [...] como uma forma de compreender e atuar no mundo e o conhecimento gerado nessa área do saber como um fruto da construção humana na sua interação constante com o contexto natural, social e cultural (BRASIL, 1998b, p. 24) A Matemática desenvolveu-se seguindo caminhos diferentes nas diversas culturas. O modelo de Matemática hoje aceito originou-se com a civilização grega, no período que vai aproximadamente de 700 a.c. a 300 d.c., abrigando sistemas formais, logicamente estruturados a partir de um conjunto de premissas e empregando regras de raciocínio preestabelecidas (BRASIL, 1998b, p. 25). Importante diferenciação que os PCN (BRASIL, 1998) apresentam acerca das características da Matemática: a especulação pura e as aplicações. No campo das aplicações encontram-se o pragmatismo do conhecimento matemático nas atividades humanas e nas outras ciências, já o caráter especulativo se refere ao desenvolvimento do próprio conhecimento matemático. O documento uruguaio apresenta uma crítica à concepção positivista da Matemática que tradicionalmente era definida como uma ciência abstrata, exata e dedutiva cujo objeto de estudo centrava-se no tratamento da quantidade e na transmissão unilateral do conhecimento. A Ciência Social Crítica vê a ciência como uma concepção socialmente construída. A visão da Matemática apresentada no documento, como uma construção do homem, em que os mitos de objetividade e neutralidade são derrubados para o papel de atender aos interesses e necessidades humanos condicionados por fatores culturais e sociais que transcendem todo o esforço científico. O enfoque antropológico da Matemática é apresentado na seguinte frase: Ele traz para a dimensão humana da Matemática, que

137 137 muitas vezes fica escondido sob a aparência de um conhecimento abstrato que é visto como distante da realidade social (URUGUAI, 2008, p. 59. Tradução nossa). No trecho a seguir identificamos claramente a visão de Bishop (1999) da Matemática como produto cultural: o conhecimento matemático é uma elaboração cultural como qualquer outra forma de conhecimento (URUGUAI, 2008, p. 59. Tradução nossa). A Matemática é apresentada no programa uruguaio como um cabedal de conhecimentos construídos a partir da busca de respostas aos problemas que surgem em determinados momentos da sociedade. A preocupação com a abordagem antropológica potencializa o sentido histórico do conhecimento matemático e reconhece a Matemática como uma memória coletiva de outras culturas e outros povos a partir da dimensão humana que, muitas vezes, é escondida sob a aparência de um conhecimento abstrato desvinculado da realidade social. Uma das recomendações de Silva (2009) em relação ao critério realidade é identificada no currículo uruguaio que destaca o uso da Matemática como ciência formal importante não apenas para sua área, mas também para outros campos de conhecimento: No entanto, como ciência formal, utiliza metodologias hipotético-dedutivas que constituem uma linguagem universal para construir representações mentais e organizá-las como sistema axiomático. Este modo permite modelizar situações a partir da análise da realidade, tornando ferramenta valiosa também em outros campos do conhecimento (URUGUAI, 2008, p. 59. Tradução nossa). As finalidades da Matemática expressas nos documentos são semelhantes. A seguir, apresentamos como foi feita a análise da seleção dos conteúdos nos currículos de cada país Seleção de conteúdos Nesta seção, abordamos os critérios de seleção dos conteúdos relativos aos currículos de Matemática nos dois países.

138 138 Esta categoria foi construída para identificar se os conteúdos atendem aos critérios de Doll Jr. (1997) e Silva (2009), as dimensões social, cultural e formativa de Rico Romero (1997a) e os princípios que um currículo enculturador deve atender: representatividade, formalista, acessibilidade, explicativo e concepção ampla e elementar de Allan Bishop (1991). No texto apresentado nos PCN, é possível perceber que a acessibilidade proposta por Bishop (1991) é um dos motivos que levaram ao fracasso do MMM: No entanto, essas reformas deixaram de considerar um ponto básico que viria tornar-se seu maior problema: o que se propunha estava fora do alcance dos alunos, em especial daqueles das séries iniciais do Ensino Fundamental. O ensino passou a ter preocupações excessivas com formalizações, distanciandose das questões práticas (BRASIL, 1998b, p. 19). É proposta uma função diferenciada aos conteúdos nos PCN: o conteúdo tem o papel de servir como meio para que os alunos desenvolvam as capacidades que lhes permitam produzir e usufruir dos bens culturais, sociais e econômicos (BRASIL, 1997, p. 51). Os conteúdos são abordados em categorias: conteúdos conceituais, que envolvem fatos e princípios; conteúdos procedimentais e conteúdos atitudinais, que envolvem a abordagem de valores, normas e atitudes. Os PCN para o terceiro e quarto ciclo do Ensino Fundamental fazem referência ao conhecimento matemático e seu papel no desenvolvimento da cidadania e na preparação para o trabalho, e se assemelham às recomendações de Bishop (1999) e Rico Romero (1997) e o critério responsabilidade de Silva (2009): Visam à construção de um referencial que oriente a prática escolar de forma a contribuir para que toda criança e jovem brasileiros tenham acesso a um conhecimento matemático que lhes possibilite de fato sua inserção, como cidadãos, no mundo do trabalho, das relações sociais e da cultura (BRASIL, 1998b, p. 15). Identificamos alguns princípios do papel enculturador da Matemática e da formação para a cidadania nos PCN de Matemática para o 1.º e 2.º ciclos: A Matemática é componente importante na construção da cidadania, na medida em que a sociedade se utiliza, cada vez mais, de conhecimentos científicos e recursos tecnológicos, dos quais os cidadãos devem se apropriar. (BRASIL, 1998a, p. 19).

139 139 Os PCN de Matemática para os 1.º e 2.º ciclos apresentam a necessidade de contribuir com a sociedade expressa em trechos que relacionam o conhecimento matemático e cooperar com o exercício da cidadania e com o preparo para o mundo do trabalho. Essa visão da Matemática se aproxima à recomendação de Silva (2009) em relação ao critério reflexão acerca do papel social da Matemática: Para tanto, o ensino de Matemática prestará sua contribuição à medida que forem exploradas metodologias que priorizem a criação de estratégias, a comprovação, a justificativa, a argumentação, o espírito crítico, e favoreçam a criatividade, o trabalho coletivo, a iniciativa pessoal e a autonomia advinda do desenvolvimento da confiança na própria capacidade de conhecer e enfrentar desafios (BRASIL, 1998a, p. 26). No trecho coletado dos PCN para os 1.º e 2.º ciclos do Ensino Fundamental é possível identificar que dois aspectos do nosso quadro teórico o critério relações de Doll Jr. (1997) e a ressignificação de Silva (2009) na busca de garantir as relações entre o que é ensinado com outras áreas de conhecimento e outros contextos: O significado da atividade Matemática para o aluno também resulta das conexões que ele estabelece entre ela e as demais disciplinas, entre ela e seu cotidiano e das conexões que ele percebe entre os diferentes temas matemáticos. [...] O estabelecimento de relações é tão importante quanto a exploração dos conteúdos matemáticos, pois, abordados de forma isolada, os conteúdos podem acabar representando muito pouco para a formação do aluno, particularmente para a formação da cidadania (BRASIL, 1998a, p. 29). A representatividade de Bishop e a riqueza de Doll são detectadas nos PCN de Matemática para os 1.º e 2.º ciclos, no trecho que faz uma crítica à visão reducionista da Matemática a serviço do cotidiano: Outra distorção perceptível refere-se a uma interpretação equivocada da ideia de cotidiano, ou seja, trabalha-se apenas com o que se supõe fazer parte do dia a dia do aluno. Desse modo, muitos conteúdos importantes são descartados ou porque se julga, sem uma análise adequada, que não são de interesse para os alunos, ou porque não fazem parte de sua realidade, ou seja, não há uma aplicação prática imediata. Essa postura leva ao empobrecimento do trabalho, produzindo efeito contrário ao de enriquecer o processo ensino-aprendizagem (BRASIL, 1998a, p. 23). No fim do item trajetória da área encontramos uma crítica nos PCN em relação ao uso da História da Matemática apenas como apresentação de fatos ou biografias de matemáticos famosos e o efetivo uso dos recursos didáticos que vai aquém da visão tecnicista de o material dar conta da aprendizagem do aluno.

140 140 Papel da Matemática como enculturador, defendido por Bishop, é identificado no seguinte trecho: O papel que a Matemática desempenha na formação básica do cidadão brasileiro norteia estes Parâmetros. Falar em formação básica para a cidadania significa falar da inserção das pessoas no mundo do trabalho, das relações sociais e da cultura, no âmbito da sociedade brasileira (BRASIL, 1998a, p. 25). Os conteúdos procedimentais são uma grande parte do que se aprende em Matemática. Segundo os PCN (1998), envolvem o saber fazer, a partir da tomada de decisões e realizar uma série de ações para atingir uma meta. O texto alerta que tais conteúdos devem ser ensinados pelo professor, como revisar um texto, fazer uma pesquisa que demande orientações para que o aluno aprenda. Esse saber fazer implica construir as estratégias e os procedimentos, compreendendo os conceitos e processos neles envolvidos. Nesse sentido, os procedimentos não são esquecidos tão facilmente. Exemplos de procedimentos: resolução de uma equação, traçar a mediatriz de um segmento com régua e compasso, cálculo de porcentagens etc. (BRASIL, 1998b, p. 50). O conteúdo atitudinal tem a mesma importância dos demais conteúdos nas recomendações expressas nos PCN (BRASIL, 1998), uma vez que são condições necessárias para que os demais conteúdos sejam desenvolvidos. A natureza complexa dos conteúdos atitudinais faz do seu aprendizado, muitas vezes, uma organização informal do ponto de vista pedagógico. No entanto, os PCN alertam que a escola, por ser um contexto socializador e gerador de atitudes relativas ao conhecimento, transmite implícita e explicitamente atitudes. O aprendizado deste tipo de conteúdo deve ocorrer de forma prática, constante e organizada, de tal modo que as atitudes almejadas sejam desenvolvidas no relacionamento entre os participantes do processo educativo e nos assuntos a serem tratados. As atitudes envolvem o componente afetivo, predisposição, interesse, motivação que é fundamental no processo de ensino e aprendizagem. Exemplos de atitudes: perseverança na busca de soluções e valorização do trabalho coletivo, colaborando na interpretação de situações-problema, na elaboração de estratégias de resolução e na sua validação (BRASIL, 1998b, p. 50). O papel da Matemática na construção da cidadania é amplamente defendido nos PCN: no desenvolvimento do raciocínio do aluno, na aplicação na resolução de problemas da vida cotidiana e da sociedade e no desenvolvimento de conhecimentos em outras áreas. No trecho, identificamos recomendações do nosso quadro teórico, em especial, as atividades universais de Bishop (1991):

141 141 Nesse aspecto, a Matemática pode dar sua contribuição à formação do cidadão ao desenvolver metodologias que enfatizem a construção de estratégias, a comprovação e justificativa de resultados, a criatividade, a iniciativa pessoal, o trabalho coletivo e a autonomia advinda da confiança na própria capacidade para enfrentar desafios. Ou seja, para exercer a cidadania é necessário saber calcular, medir, raciocinar, argumentar, tratar informações estatisticamente etc. (BRASIL, 1998b, p. 28). As ideias principais, no currículo do Uruguai, que orientam a construção do cidadão do século XXI são: a Democracia Social que se fundamenta nos Direitos Humanos, na diversidade, na participação, no posicionamento ético, no trabalho digno e na solidariedade e a Integralidade por meio da estética, da educação ambiental, da promoção da saúde e da sexualidade. Ao garantir a todos o direito à educação e reconhecer que a atividade humana é um processo social e historicamente construído, ideologicamente condicionado e conduzido eticamente, o documento uruguaio propõe o ato de educar como uma ação libertadora que ensina a pensar, a decidir conscientemente dentro de uma pluralidade de alternativas e tensões. Esse trecho nos fez refletir o modo como o povo uruguaio entende a educação, no sentido de ser uma ação de preparar para fazer escolhas do saber cultural que pretende perpetuar entre vários saberes. O texto do currículo uruguaio faz uma crítica à cultura dominante do século XX e tinha a intenção de introduzir um modelo de hegemonia cultural. No documento, o destaque às tensões, como uma luta de forças opostas que buscam sentido, é identificado no trecho: Forças que entram em luta, porque a educação está necessariamente ligada à transmissão de conhecimentos e valores culturais que não são homogêneos. É através das instituições de ensino que se criam significados e legitimam práticas sociais construindo modelos para tornar público o conhecimento (URUGUAI, 2008, p. 18. Tradução nossa). Ao elevar a educação a uma práxis libertadora, o documento do Uruguai adota uma perspectiva crítica de ensino com a intenção de superar os pressupostos positivistas e propõe a educação como uma ação política fundamental que busque formas alternativas de transformação para uma mudança social. O posicionamento do documento ao adotar uma concepção antropológica é propor que os educadores tenham um compromisso político e pedagógico como um processo de construção do pensamento crítico, em que o sujeito deve transformar a realidade e se transformar. Exige o reconhecimento de um compromisso ético em busca de uma sociedade mais justa centrada nos Direitos Humanos.

142 142 A educação do nosso tempo requer uma abordagem antropológica, política e ética. Junto com a visão humanista e sociocrítica referimos que, para o desenvolvimento da pessoa humana, é necessário considerar a formação para a democracia, a cidadania e os direitos humanos (URUGUAI, 2008, p. 27. Tradução nossa). No Programa uruguaio, publicado em 2008, com um intervalo de 12 anos com os PCN do Brasil, há uma referência à relação entre informação, conhecimento e saber. Uma interessante crítica ao avanço tecnológico e a expansão do enorme contingente de informações é possível encontrar, no trecho a seguir, uma preocupação do documento uruguaio com as informações publicadas nos meios de comunicação que naturalmente são intencionais e contribuem com a mudança na opinião pública e a validade das informações publicadas. No trecho identificamos semelhanças com os critérios realidade e responsabilidade definidos por Silva (2009): As gerações atuais, nascidas neste cenário, estão imersas na lógica dinâmica que envolve a transitoriedade da realidade, tanto do presente como do passado. Em geral, eles não pensam no futuro, não há tempo para pensar, muito menos pensar reflexivamente. [...] Tem-se constituído nas últimas décadas uma atitude de aceitação acrítica e sem reflexão desse enorme cabedal de informações, o que significa um sério risco de dominação ideológica. A educação não pode ser alheia a esta era da informação e deve assumir o desafio de transformá-la em um poderoso e multifacetado espaço de formação cultural (URUGUAI, 2008, p ). Além do reconhecimento do avanço na produção de informações, o programa uruguaio recomenda que a escola deva ensinar a selecionar, descartar, classificar, organizar e relacionar as informações para oferecer modelos alternativos de construção do conhecimento. A preocupação da escola deve ser legitimar que todo conhecimento deriva de uma construção intelectual. Assim, a escola deve propor que, para que uma informação se transforme em conhecimento, esta deve ser respaldada em um saber acadêmico. Chama-nos a atenção a afirmação que encontramos no documento sobre a necessidade de que a escola recupere sua hierarquia cultural na comunidade: A escola deve recuperar sua hierarquia cultural na comunidade em que está localizada. Cabe à instituição de ensino a relevante tarefa de difundir a cultura em conjunto com outros agentes educativos. Não é a única instituição que tem ou assume a tarefa de ensinar, mas seu papel é insubstituível (URUGUAI, 2008, p. 13. Tradução nossa). O reconhecimento da autonomia do professor outorga-lhe a liberdade de cátedra para tomar as decisões acerca das ações educativas seguido dos conteúdos a serem ensinados que correspondem aos conhecimentos que os alunos têm direito como um

143 143 instrumento de democratização do saber ao propiciar o acesso ao conhecimento, mesmo reconhecendo os diferentes contextos sociais. Aqui destacamos a verdadeira democratização e diversidade: atender às necessidades individuais, respeitando a singularidade de cada contexto, porém dando oportunidade de acesso ao conhecimento. Não quer dizer tratar como iguais, mas como diferentes, com diferentes necessidades. O documento uruguaio, mais que um mero currículo repleto de recomendações, assume um papel de emancipador, porta-voz de luta por direitos e da emancipação. Tal caráter político é percebido ao longo do documento, porém optamos por não comentar exaustivamente tais trechos por não se tratar do objetivo central do trabalho. No entanto, é possível identificar essa vertente política que não apenas aparece nos princípios, mas na totalidade da busca por uma educação do homem integral, libertadora, emancipatória e com igualdades de condições. O texto do documento uruguaio faz diversas citações do educador brasileiro Paulo Freire: A autêntica educação é aquela concebida como ação libertadora, a liberdade é condição indispensável à dignidade humana (Freire 1970) (URUGUAI, 2008, p. 27. Tradução nossa). Nos documentos brasileiros, Freire aparece na bibliografia do volume Introdução dos PCN dos anos iniciais do Ensino Fundamental e dos PCN de Matemática dos anos finais do Ensino Fundamental. Nas orientações para o Ensino Médio, encontramos duas referências ao educador: o modelo bancário de educação na página 105 e na página 118 quando da discussão do exercício da cidadania. A perspectiva emancipatória e crítica da educação no Uruguai apoiam-se em dois pressupostos gerais: um deles vê a educação como uma verdadeira ação libertadora, em que a liberdade é um pré-requisito para a dignidade humana e se baseia no pensamento de Paulo Freire, e a educação como uma ação comunicativa ou dialógica orientada por meio da compreensão intersubjetiva em oposição à ação estratégica orientada pela racionalidade instrumental orientada ao êxito de Habermas. O programa do Uruguai propõe que sejam criadas comunidades críticas de professores comprometidos com a emancipação intelectual e cultural dos sujeitos, visando à transformação da sociedade por meio de uma reflexão e autorreflexão compartilhada

144 144 como um requisito para a produção de conhecimentos, pois os participantes aprendem e são libertados. O texto propõe que os professores assumam uma postura investigativa de outras dimensões da prática, de onde emergem novas questões e indagações e reconhecem as problemáticas complexas da prática. Para tal, a cultura cooperativa, a partir das comunidades críticas, é incentivada no texto como uma maneira de ocorrer o diálogo didático entre os docentes na busca da formação de uma comunidade profissional autônoma. Ao comentar a seleção dos conteúdos, o documento uruguaio recomenda que, além de identificar os conhecimentos, as ideias, os princípios de um campo específico, reconhecerem as relações com outras áreas acadêmicas (científico, artístico, tecnológico), é preciso reconhecer que os limites das disciplinas são arbitrários, convencionais e objetos plausíveis que transformam o saber em conhecimento de ensino, em conteúdo educacional Organização de conteúdos Educação Infantil A partir dos quatro anos, o Referencial curricular nacional para a Educação Infantil (RCNEF) apresenta uma extensa apresentação de orientações didáticas e recomendações para avaliação com o objetivo de ampliar o trabalho desenvolvido na faixa anterior. Os conteúdos são organizados em três blocos: Números e sistemas de numeração, Grandezas e medidas e Espaço e forma. Ao final da Educação Infantil é desejável que as crianças sejam capazes de reconhecer e valorizar os números, as operações numéricas, as contagens orais e as noções espaciais como ferramentas necessárias no seu cotidiano; comunicar ideias matemáticas, hipóteses, processos utilizados e resultados encontrados em situações-problema relativas a quantidades, espaço físico e medida, utilizando a linguagem oral e a linguagem matemática; ter confiança em suas próprias estratégias e na sua capacidade para lidar com situações matemáticas novas, utilizando seus conhecimentos prévios (BRASIL, 1998f, p. 215).

145 145 Para o bloco Números e sistemas de numeração, o RCNEF recomenda a utilização de contagem e comunicação de quantidades utilizando a linguagem oral, a notação numérica e outros registros, o desenvolvimento da noção de posição de um objeto ou série, o uso de estimativa e noções de cálculo mental e escrito na resolução de problemas e a identificação de regularidades. No desenvolvimento do bloco Grandezas e medidas, o RCNEF indica o uso de diferentes procedimentos para comparar grandezas e a introdução às noções de medida de comprimento, peso, volume e tempo (uso de calendários), pela utilização de unidades convencionais e não convencionais. Para as atividades que visam a compreensão do sistema monetário são indicadas experiências com dinheiro em brincadeiras ou em outras situações de interesse das crianças. O terceiro bloco denominado Espaço e forma é recomendado pelo RCNEF: na representação da posição de pessoas e objetos, lançando mão de diversas situações como termos de jogos e brincadeiras conhecidos pelas crianças; na identificação de pontos de referência úteis na localização e deslocamento no espaço e na representação de percursos e a exploração de propriedades e características de formas bidimensionais e tridimensionais como lados, faces, formas etc. Para a educação inicial, equivalente a três, quatro e cinco anos, o documento uruguaio (PEIP), que corresponde no Brasil à Educação Infantil, traz os seguintes blocos: numeração, operações, magnitudes e medidas, estatística e probabilidade e geometria. No bloco numeração da educação inicial do PEIP são apresentados os números naturais e racionais. Destacamos que é recomendado que a criança de três anos já reconheça a relação parte e todo; para quatro anos a discussão de quantidades discretas e contínuas; e, para os alunos de cinco anos, a noção de metades e representação na reta numérica. No bloco operações, para as crianças de três anos, a recomendação do PEIP é de que sejam desenvolvidas as operações de adição e subtração em contextos cotidianos; já os alunos de quatro anos devem fazer as mesmas operações em contextos lúdicos e iniciar o cálculo mental. As crianças de cinco anos devem operar em contextos matemáticos com o uso, também, do cálculo mental.

146 146 O documento uruguaio recomenda que no bloco magnitudes e medidas os alunos de três anos reconheçam as diferentes dimensões de um objeto, o trabalho com comprimento, superfície, volume, massa e capacidade e a estimativa. Já os alunos de quatro anos devem aprender a caracterizar as dimensões de um objeto e as medidas de tempo. E os aluno com cinco anos devem aprender os sistemas de medida e a estimativa mental. O bloco estatística e probabilidade do programa uruguaio recomenda que as crianças de cinco anos produzam informações estatísticas (como a determinação de população e dados qualitativos) e exploração de situações de jogo de azar. Já o bloco geometria do programa uruguaio recomenda que os alunos de três anos diferenciem polígonos e não polígonos (no plano) e poliedros e não poliedros (no espaço). Os alunos de quatro anos devem fazer uso das categorias de poliedros (prismas e pirâmides) e as categorias das figuras (linhas, curvas, retas) e desenvolver esboço de polígonos. Os alunos com cinco anos devem desenvolver a categorização de não poliedros (cone, cilindro e esfera) e polígonos. Uma diferença considerável entre os currículos para este nível de escolaridade é que, enquanto as crianças brasileiras têm o primeiro contato com contagem e definições de quantidade de forma lúdica e exploração de objetos do cotidiano de modo a explorar o contato com experiências, sem a formalização de conceitos ou blocos de conteúdos, as crianças uruguaias têm definido claramente os blocos de conteúdos a serem desenvolvidos com os temas delimitados. Não temos dados para afirmar que as crianças uruguaias não tenham contato com tais temas por meio de experiências ou materiais manipuláveis, mas o modo como o programa uruguaio se organiza e as poucas recomendações metodológicas dão margem a vários questionamentos de como estes assuntos são desenvolvidos em sala de aula Ensino Fundamental A organização dos PCN buscou a integração curricular das especificidades de cada componente e do processo educativo compreendido desde os objetivos gerais do Ensino Fundamental, passando pela especificação nos objetivos gerais de cada área e de cada tema

147 147 transversal, deduzindo desses objetivos os conteúdos apropriados para configurar as reais intenções educativas. Nos PCN os objetivos de cada área são utilizados para definir as capacidades e os conteúdos necessários para o desenvolvimento dessas capacidades. A integração curricular é proposta na apresentação do tratamento didático para cada área de conhecimento e em cada ciclo, nos pressupostos teóricos que norteiam o documento nos objetivos esperados e nas orientações didáticas e critérios de avaliação dos conteúdos a serem desenvolvidos. Os PCN estão organizados em ciclos de dois anos, para atender a estrutura do Ensino Fundamental então vigente e, sob uma perspectiva pedagógica, flexibilizar o tempo para garantir melhores condições de aprendizagem e que o currículo seja trabalhado sem a intervenção de rupturas para assegurar a continuidade do processo educativo. organiza em: O programa que apresenta o currículo da educação primária e inicial uruguaia se Fundamentação Geral, que apresenta os aspectos filosófico, pedagógico e didático do ensino; Áreas de conhecimento, que compõem a estrutura geral dos conhecimentos a serem ensinados e se organizam nas áreas de línguas, Matemática, Artística, Social, Corporal e de Natureza; Conteúdos de ensino são formulados a partir do sequenciamento por conta do grau e da área para o aprofundamento dos conhecimentos a serem ensinados dos três anos de idade até o terceiro ano do Ciclo do Primeiro Ciclo do ensino secundário (equivalente ao 9.º ano do Ensino Fundamental no Brasil). O programa uruguaio utiliza a noção de redes conceituais para: determinar o conhecimento necessário a ser construído pelo aluno durante o ano letivo, para mostrar as relações explícitas e implicações dos conhecimentos teóricos epistemológicos que facilitam a construção de sentido e para se tornar uma ferramenta intelectual para grupos de trabalho corporativos de professores, para pensar e definir as práticas de ensino a partir de sua autonomia profissional.

148 148 A característica de currículo recursivo ou em espiral de Doll Jr. (1997) é encontrada nos PCN no trecho que exemplifica um conteúdo conceitual em que a aprendizagem ocorre em diferentes níveis: Nos terceiro e quarto ciclos alguns conceitos serão consolidados, uma vez que eles já vêm sendo trabalhados desde os ciclos anteriores, como o conceito de número racional. Outros serão iniciados como noções/ideias que vão se completar e consolidar no Ensino Médio, como é o caso do conceito de número irracional (BRASIL, 1998b, p. 49). Encontramos uma concepção de currículo nos PCN que se aproxima da recursão de Doll Jr. (1997). Essa categoria apregoa que os conteúdos são apresentados em momentos diversos da trajetória escolar dos alunos, de tal modo que estes ampliem e aprofundem seus conhecimentos sobre os assuntos tratados, não de uma maneira linear que se esgota em um determinado momento estático, mas dinâmico, em etapas diferentes que exigem tratamentos diversificados de acordo com a maturidade e nível de compreensão dos alunos a que se destina. Os conteúdos são organizados em função da necessidade de receberem um tratamento didático que propicie um avanço contínuo na ampliação de conhecimentos, tanto em extensão quanto em profundidade, pois o processo de aprendizagem dos alunos requer que os mesmos conteúdos sejam tratados de diferentes maneiras e em diferentes momentos da escolaridade, de forma a serem revisitados, em função das possibilidades de compreensão que se alteram pela contínua construção de conhecimentos e em função da complexidade conceitual de determinados conteúdos (BRASIL, 1997, p. 53). Nos PCN a natureza transversal dos conteúdos na própria área de conhecimento em que assuntos de áreas distintas se inter-relacionam, ou seja, para o tratamento didático dos conteúdos é preciso considerar também o estabelecimento de relações internas ao bloco e entre blocos (BRASIL, 1997, p. 54). Encontramos nos PCN de Matemática para os 1.º e 2.º ciclos uma crítica à concepção linear de organização dos conteúdos, ou seja, à organização curricular, dominada pela ideia de pré-requisito, cujo único critério é a definição da estrutura lógica da Matemática, que desconsidera em parte as possibilidades de aprendizagem dos alunos. Quanto à organização dos conteúdos, é possível observar uma forma excessivamente hierarquizada de fazê-lo. É uma organização, dominada pela ideia de pré-requisito, cujo único critério é a definição da estrutura lógica da Matemática, que desconsidera em parte as possibilidades de aprendizagem dos alunos. Nessa visão, a aprendizagem ocorre como se os conteúdos se articulassem como elos de uma corrente, encarados cada um como pré-requisito para o que vai sucedê-lo. [...]

149 149 Por vezes, essa concepção linear faz com que, ao se definir qual será o elo inicial da cadeia, tomem-se os chamados fundamentos como ponto de partida. É o que ocorre, por exemplo, quando se privilegiam as noções de ponto, reta e plano como referência inicial para o ensino de Geometria ou quando se tomam os conjuntos como base para a aprendizagem de números e operações, o que não é, necessariamente, o caminho mais adequado (BRASIL, 1998a, p. 22). As relações entre os conteúdos são recomendações aos professores com o objetivo de que o aluno desenvolva conexões entre a Matemática e o cotidiano e com outras áreas do conhecimento. O currículo em espiral ou a recursão de Doll Jr. (1997) são encontrados no trecho sobre a organização de conteúdos, que destaca o nível de aprofundamento dos conteúdos e deve atender às possibilidades de compreensão dos alunos: levando em conta que um mesmo tema será explorado em diferentes momentos da aprendizagem e sua consolidação se dará pelo número cada vez maior de relações estabelecidas, é preciso identificar o nível de aprofundamento adequado a cada ciclo (BRASIL, 1998a, p. 41). Mais um exemplo de indícios da concepção de currículo em espiral ou recursivo de Doll Jr. (1997) presentes no desenvolvimento do conceito de número racional nos dois últimos ciclos do Ensino Fundamental: Esse breve resumo das interpretações mostra que a construção do conceito de número racional pressupõe uma organização de ensino que possibilite experiências com diferentes significados e representações, o que demanda razoável espaço de tempo; trata-se de um trabalho que apenas será iniciado no segundo ciclo do Ensino Fundamental e consolidado nos dois ciclos finais (BRASIL, 1998a, p. 68). Encontramos no trecho a seguir semelhanças com recomendações do nosso quadro teórico, em especial aos critérios reflexão e responsabilidade, propostos por Silva (2009). O ensino crítico da Matemática é identificado no trecho dos PCN que se refere ao tema transversal Trabalho e consumo: O discurso, bastante difundido, de que somos todos igualmente livres para trabalhar, escolher o tipo de trabalho e consumir, encobre as reais questões das desigualdades de acesso ao trabalho, aos bens de consumo e aos serviços. A compreensão da noção de renda per capita, assim como a comparação entre os percentuais que indicam a distribuição de salários pelas camadas da população brasileira, evidenciam o quanto esse discurso é falso. Além disso, com a criação permanente de novas necessidades transformando bens supérfluos em vitais, a aquisição de bens se caracteriza pelo consumismo. O consumo é apresentado como forma e objetivo de vida. É fundamental que nossos alunos aprendam a se posicionar criticamente diante dessas questões e compreendam que grande parte do que se consome é produto

150 150 do trabalho, embora nem sempre se pense nessa relação no momento em que se adquire uma mercadoria (BRASIL, 1998b, p. 35). Quanto à organização dos conteúdos nos PCN de Matemática para os terceiros e quarto ciclos do Ensino Fundamental, além das categorias apresentadas para os primeiros ciclos, há preocupação de que o leitor compreenda que não há uma hierarquização rígida e sequencial dos conteúdos, e que devem ser estabelecidas relações e conexões entre os conhecimentos do aluno e entre os próprios conteúdos. As conexões entre os conteúdos são recomendadas no final das orientações didáticas para terceiro e quarto ciclos do PCN. No trecho encontramos uma crítica à abordagem tradicional que privilegia: Essa organização linear e bastante rígida dos conteúdos, que vem sendo mantida tradicionalmente na organização do ensino de Matemática, é um dos grandes obstáculos que impedem os professores de mudar sua prática pedagógica numa direção em que se privilegie o recurso à resolução de problemas e a participação ativa do aluno (BRASIL, 1998b, p. 138). A característica de recursão de Doll Jr. (1997) é mais uma vez detectada no trecho dos PCN: [...] os conteúdos organizados em função de uma conexão não precisam ser esgotados necessariamente de uma única vez, embora deva-se chegar a algum nível de sistematização para que possam ser aplicados em novas situações. Alguns desses conteúdos serão aprofundados, posteriormente em outras conexões, ampliando dessa forma a compreensão dos conceitos e procedimentos envolvidos (BRASIL, 1998b, p. 53). Percebe-se no documento uma preocupação de que o professor de Matemática do quarto ciclo deve apresentar a Matemática como um saber científico e que tem um papel central na cultura moderna e em conexões com outras áreas do conhecimento. No entanto, observa-se uma crítica ao que comumente acontece nas escolas e que traz semelhanças com o critério recursão de Doll Jr. (1997): Em geral, a ênfase recai no estudo dos conteúdos algébricos, abordados de forma mecânica, distanciando-se ainda mais das situações-problema do cotidiano. É como se, neste ciclo, o aluno tivesse de esquecer quase tudo o que aprendeu antes, porque esses conhecimentos já não lhe servem mais para resolver as situações que ora lhe são propostas. No entanto, essa situação poderá ser revertida se, para os novos conteúdos a serem estudados, esses alunos conseguirem estabelecer relações com os conhecimentos construídos anteriormente (BRASIL, 1998b, p. 80). No seguinte trecho dos PCN, que apresenta a preocupação com o aprendizado futuro no Ensino Médio, conseguimos mais uma vez identificar o critério recursão de Doll Jr. (1997):

151 151 O trabalho com a Álgebra, neste ciclo, tem como ponto de partida a pré-álgebra desenvolvida no ciclo anterior, em que as noções algébricas são exploradas por meio de jogos, generalizações e representações matemáticas (como gráficos, modelos), e não por procedimentos puramente mecânicos, para lidar com as expressões e equações (BRASIL, 1998b, p. 83). A utilização dos instrumentos de medida é fundamental para iniciar a exploração dos significados e usos de termos como algarismo duvidoso, algarismo significativo, ordem de grandeza, erro de medição e arredondamento. Neste ciclo, o trabalho com essas noções pode ficar restrito às primeiras aproximações, reservando para o Ensino Médio seu aprofundamento. Ao discutir esses conceitos, o aluno poderá perceber que todas as medidas são inevitavelmente acompanhadas de erros, identificando uma dimensão da Matemática que é o trabalho com a imprecisão (BRASIL, 1998b, p. 85). Os PCN apresentam algumas sugestões de como o professor pode planejar as conexões entre os conteúdos matemáticos, com eixos temáticos das outras áreas do currículo, com os temas transversais. No currículo uruguaio encontramos algumas relações interdisciplinares no currículo da Educação Média Básica e recomendações como a de Silva, em relação ao critério realidade : A introdução do método algébrico permitirá a generalização de considerações aritméticas realizadas no ano anterior enquanto a resolução de problemas através da modelagem algébrica adequada que permite a capacidade de usar a Matemática em diferentes domínios por si da própria disciplina ou outros interdisciplinares. [...] Construir figuras geométricas com base em dados, tais como medidas dos lados, ângulos etc. Usar modelos geométricos para representar relações numéricas e algébricas. Apreciar a geometria em áreas como a arte, a ciência, a vida (URUGUAI, 2010b, paginação irregular. Tradução nossa). A educação no Uruguai tem se apoiado, entre outros, nos princípios gerais planificados pelo filósofo uruguaio Dr. Carlos Vaz Ferreira (1957): Não existem regras gerais absolutas, que podem ser seguidas de modo dedutivo e cegamente, mas algumas ideias principais, mais ou menos férteis, complementam e, por vezes, se corrigem e limitam-se mutuamente [...] entre essas ideias principais há duas que em parte se complementam e, em parte, se opõem [...] Uma delas é a ideia principal (tendência ou sistema) de escalonamento. A outra é a ideia principal (tendência ou sistema) de penetrabilidade (URUGUAI, 2008, p , tradução nossa). O atual programa baseia a sua posição sobre a ideia de escala para apresentar o grau de conhecimento adaptado à idade da criança e sobre a ideia de penetração, cujo princípio apregoa que um material educativo deve ter profundidade ao permitir que se infiltre o conhecimento por muito tempo.

152 152 A concepção de currículo em espiral é declarada no trecho seguinte do documento uruguaio, que apresenta o programa de Matemática para o segundo ano do Ciclo Básico: Pretende-se, portanto, consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos no ano anterior, enquanto avança a apresentação de novas metodologias e as formas de raciocínio matemático, que serão reforçadas no próximo ano. (URUGUAI, 2010, 2.º Ano, p. 1. Tradução nossa). Os conteúdos educacionais são formulados a partir de redes conceituais gerais. A sequenciação por ano e área compreende o aprofundamento e ampliação dos conhecimentos a serem ensinados a partir de três anos de idade até o sexto ano. Os conteúdos não são repetidos e aparecem apenas nos graus que são feitas referências a uma nova dimensão de conhecimento para diferenciá-lo do anterior. Porém, o professor dará continuidade sem quebras ou fragmentações, assegurando a necessária repetição para que todos os alunos tenham verdadeiras oportunidades de compreender e interiorizar o conhecimento (URUGUAI, 2008, p. 10. Tradução nossa). É possível detectar indícios da concepção de currículo em espiral ou recursivo de Doll Jr. (1997) em diversos trechos do documento brasileiro, como o de não terminalidade do conteúdo em um único momento de aprendizagem. No texto dos PCN há a preocupação de apresentar as semelhanças e diferenças das características dos alunos de cada ciclo para que o professor compreenda como desenvolver o trabalho com os alunos, podendo aprofundar em ciclos mais avançados, o que não era possível com alunos mais novos: Os recursos de cálculo são ampliados neste ciclo pelo fato de o aluno ter uma compreensão mais ampla do sistema de numeração decimal, além de uma flexibilidade de pensamento para construção do seu cálculo mental. O segundo ciclo tem como característica geral o trabalho com atividades que permitem ao aluno progredir na construção de conceitos e procedimentos matemáticos. No entanto, esse ciclo não constitui um marco de terminalidade da aprendizagem desses conteúdos, o que significa que o trabalho com números naturais e racionais, operações, medidas, espaço e forma e o tratamento da informação deverá ter continuidade, para que o aluno alcance novos patamares de conhecimento (BRASIL, 1998a, p. 58). Ao analisar os objetivos do ensino de Matemática dos PCN para o nível fundamental, podemos perceber a preocupação em apresentar a Matemática como um meio de colaborar com o mundo real (BISHOP, 1991), em especial com a capacidade de resolver problemas. Os três tipos de conteúdos, expressos no documento de Introdução aos PCN (BRASIL, 1997), podem ser identificados em trechos como: conceituais: aritmético, geométrico, métrico, algébrico, estatístico, combinatório, probabilístico ; procedimentais: formas de raciocínio e processos, como dedução, indução, intuição, analogia, estimativa,

153 153 e utilizando conceitos e procedimentos matemáticos ; e atitudinais: sentir-se seguro da própria capacidade de construir conhecimentos matemáticos, desenvolvendo a autoestima e a perseverança na busca de soluções; [...] respeitando o modo de pensar dos colegas e aprendendo com eles. Figura 10: Blocos de conteúdos para EF no Brasil e Uruguai Para apresentar os conteúdos indicados em relação a cada um desses blocos organizamos quadros que constam do Anexo I, mostrando a comparação detalhada de conteúdos para cada etapa da escolaridade. Os documentos curriculares dos dois países iniciam com textos apresentando características de cada bloco de conteúdos, porém após a apresentação inicial dos PCN do Brasil há uma discussão ampla de como os temas e conteúdos devem ser desenvolvidos; o PEIP uruguaio apresenta apenas uma lista de conteúdos. A seguir, vamos trazer comentários acerca da apresentação de cada bloco nos dois documentos e deixamos, anexa, a apresentação dos documentos para consulta Números e operações x Numeración e operaciones No bloco números e operações, dos PCN, a criação das diversas categorias de números é apresentada como estratégias criadas, em diferentes momentos históricos, na

154 154 busca de resolução de problemas que a humanidade enfrentava com a intenção de que o aluno inicie a compreensão do conceito de número e das operações numéricas. Na apresentação do bloco de conteúdos números e operações, os PCN para o terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998b) recomendam que a Álgebra seja trabalhada a partir da generalização de padrões e dos estudos da variação de grandezas, como também o contato com a resolução de problemas por meio de equações e inequações. Na apresentação dos blocos de conteúdos números e operações, o PEIP uruguaio declara que a ideia de número prevê a compreensão do conceito de unidade e sucessão. No entanto, o texto ressalta que os números formam um sistema de relações que adquirem significado no contexto social em que surgem, e configuram seu valor cultural formativo para a sociedade. O documento apresenta diferentes usos do conceito de número em situações práticas como resolução de problemas, medição de grandezas discretas e contínuas, classificação de conjuntos, probabilidade, proporções e estruturas algébricas. Os sistemas de numeração são apresentados como produtos culturais e históricos, resultantes do desenvolvimento histórico. O documento uruguaio declara que a álgebra permite generalizar propriedades e relações usando números, letras e símbolos. Ainda se referindo à Álgebra, o PEIP recomenda seu uso para descrever conexões entre variáveis e permitir a construção de modelos aplicáveis a fenômenos de natureza distinta. No desenvolvimento do tema operações, o PEIP declara que não se deve pensar em fazer contas, mas em conhecer os conceitos e relações representados por cada operação. Nesse item apresenta os significados das operações como adição e subtração (transformar, combinar, comparar e igualar) e multiplicação e divisão (proporcionalidade, combinação e produto escalar), as relações entre as operações, os propriedades e ressignificação das operações em cada conjunto numérico, as notações, algoritmos e cálculos (mentais, escritos, estimativas e com calculadora). Uma singularidade do currículo uruguaio é o desenvolvimento dos números racionais com alunos do segundo e tercer Grados (equivalente ao segundo e terceiro ano respectivamente). Enquanto os alunos brasileiros estudam os números racionais no

155 155 segundo ciclo do Ensino Fundamental, os alunos uruguaios comparam frações, reconhecem frações equivalentes e representam frações na reta numérica. Outra singularidade é a indicação do uso da calculadora para produzir e comparar escritas numéricas no currículo brasileiro para o primeiro ciclo do Ensino Fundamental. No quarto grado do currículo do Uruguai é introduzido o tema Álgebra para o reconhecimento de padrões e generalizações e expressões como número de diagonais de um polígono. Tal tema só será proposto para o segundo ciclo do Ensino Fundamental. No quinto ano, no tema operações, o currículo uruguaio propõe a relação de proporcionalidade direta e indireta Espaço e forma e Geometria Nesse item é possível perceber que o texto brasileiro tem uma abordagem contextualizada muito mais abrangente que o uruguaio: Descrição da localização e movimentação de pessoas ou objetos no espaço, usando sua própria terminologia. Desenvolvimento de conceitos aproximativos de medida. Interpretação e representação de posição e de movimentação no espaço a partir da análise de maquetes, esboços, croquis e itinerários (BRASIL, 1998b, p. 51). Outra singularidade foi encontrada no programa uruguaio: a apresentação dos temas geométricos indica uma abordagem mais sistematizada dos poliedros e polígonos. Como exemplo, para o quarto grado é recomendada a soma dos ângulos internos de um polígono. O texto do bloco espaço e forma apresenta a Geometria como um campo fértil para se trabalhar com situações-problema (BRASIL, 1998a, p. 39) e sua importância no currículo por seu papel que auxilia a compreensão do aluno, por meio de representações e descrições organizadas, do mundo em que vive. É sugerido o trabalho com objetos do mundo físico e de representações artísticas para o aluno não apenas construir as noções geométricas importantes para a aprendizagem de números e medidas, mas, também, o desenvolvimento de habilidades de identificar regularidades e diferenças.

156 156 Para o terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, o bloco espaço e forma no texto do documento (BRASIL, 1998b) indica que o trabalho com construções geométricas com régua e compasso seja utilizado em situações que permitam a visualização e aplicação de propriedades das figuras. Nesse bloco as atividades com transformações geométricas (isometrias e homotetias) são recomendadas com o uso de atividades práticas que permitam descobrir quando duas figuras são congruentes ou semelhantes. O programa uruguaio reserva apenas dois parágrafos para apresentar o bloco espaço e forma, identificado como Figura. O documento define figura como um conjunto de pontos e expõe as figuras que serão estudadas ao longo dos anos: reta, ângulo, polígonos, pontos, prismas, cilindro, esfera e outras. E destaca que o conceito de figuras será construído a partir das propriedades das relações estabelecidas entre as mesmas Grandezas e medidas x magnitudes e medidas Na caracterização de grandezas e medidas, o documento justifica como um bloco de forte relevância social, com evidente caráter prático e utilitário (BRASIL, 1997a, p. 39), e sua importância no currículo, é fundamentado na utilidade de tais conceitos no cotidiano. [...] as noções de grandezas e medidas são exploradas e proporcionam melhor compreensão de conceitos relativos ao espaço e às formas. São contextos muito ricos para o trabalho com os significados dos números e das operações [...] (BRASIL, 1998a, p. 40). O texto do bloco grandezas e medidas para o terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental se diferencia dos dois primeiros ciclos apenas no aprofundamento e em algumas grandezas que derivam de razões como velocidade, energia elétrica, densidade demográfica e outras. A recomendação dos PCN (BRASIL, 1998) é que as atividades proponham a discussão de instrumentos adequados para as medições e os tipos de algarismos (duvidoso significativo e arredondamento). O documento uruguaio apenas reserva um parágrafo para desenvolvimento do bloco magnitudes e medidas que reproduzimos a seguir:

157 157 O conceito de magnitude refere-se a uma qualidade dos objetos que pode ser quantificada e expressa por um número e um padrão ou uma unidade (medida). Medir envolve a atribuição de um número a uma quantidade de magnitude (Chamorro, 1991) (URUGUAI, 2008, p. 62. Tradução nossa). O documento uruguaio apresenta uma gama maior de grandezas e medidas como tempo, comprimento, massa, superfície, capacidade e a relação entre metro cúbico e litro. Destacamos que o texto brasileiro contém diversas situações sem a preocupação com a formalização de sistemas de medidas, e, sim, a compreensão do procedimento de medir. Já o uruguaio apresenta as diversas unidades e múltiplos e não aborda contextualização. Encontramos no programa destinado para o segundo grado do currículo uruguaio a indicação para o tratamento de propriedades das medidas: transitividade, aditividade e conservação. O tema ângulos é iniciado no tercer grado uruguaio, enquanto no currículo brasileiro é recomendado para o terceiro ciclo do Ensino Fundamental. O documento brasileiro propõe o uso de instrumentos de medida conhecidos tais como fita métrica, balança, recipientes de litro, calendário (unidades de tempo), uso de cédulas e moedas (sistema monetário). Outra singularidade que encontramos é a falta do tratamento dos conteúdos do bloco grandezas e medidas para o primeiro, segundo e tercer años do Uruguai. Esse tema é desenvolvido apenas na Educação Primária e retorna no Bachirellato Tratamento da informação e Estatística e Probabilidade Esse item é abordado no documento uruguaio como análise de frequência, representação de dados em tabelas, interpretação de tabelas e gráficos e, para probabilidade, o desenvolvimento do tema espaço amostral na diferenciação de possibilidades, sucessos. O documento brasileiro propõe a coleta e análise de dados e criação de registros para apresentação das informações (listas, tabelas e gráficos) e elaboração de textos que apresentam a interpretação dos gráficos e tabelas. A Matemática a serviço da demanda social é a justificativa para a criação do bloco tratamento da informação nos PCN. Esse bloco compreende as noções de estatística, de

158 158 probabilidade e de combinatória. O texto apresenta um alerta de que o objetivo não é a memorização de termos ou de fórmulas. Os conceitos estatísticos têm o propósito de que o aluno desenvolva procedimentos para coletar, organizar, comunicar e interpretar dados, utilizando tabelas, gráficos e representações que aparecem frequentemente em seu dia a dia (BRASIL, 1998a, p. 40). Em relação à combinatória, o documento incentiva o trabalho com situações-problema nos diversos tipos de combinações. Já a probabilidade é recomendada para que o aluno compreenda que é possível identificar a possibilidade de alguns eventos. O bloco tratamento da informação apresenta o cálculo das medidas de tendência central (média, moda e mediana) em relação aos dois últimos ciclos do Ensino Fundamental. Nos PCN (BRASIL, 1998b) os problemas de contagem são indicados para que o aluno tenha experiência com diferentes tipos de agrupamentos e desenvolva o raciocínio combinatório e o cálculo de probabilidades. O bloco tratamento da informação no documento uruguaio é denominado Probabilidade e Estatística. O texto inicia com uma reflexão que coloca a exatidão dos resultados e o determinismo matemáticos em confronto com a incerteza das atividades humanas e inúmeros exemplos de situações de fenômenos aleatórios. Assim, a probabilidade é precisamente apresentada como modo de quantificar a possibilidade de ocorrência de um determinado evento para facilitar a tomada de decisões. A Estatística também é apresentada como útil na tomada de decisões e é definida como o estudo das melhores maneiras de coletar e analisar dados e tirar conclusões sobre o coletivo do qual foram recolhidos estes dados. No terceiro ciclo, os PCN recomendam que o bloco Tratamento da Informação preocupe-se em promover a articulação com conteúdos de outras áreas do conhecimento, e é apresentado no seguinte trecho dos PCN: Os conteúdos que constituem o bloco Tratamento da Informação propiciam estabelecer ligações entre a Matemática e os conteúdos de outras áreas e com os Temas Transversais, à medida que o aluno os perceba como instrumentos essenciais para a constituição de uma atitude crítica diante de questões sociais, políticas, culturais, científicas da atualidade (BRASIL, 1998b, p. 69). Ao comparar os dois currículos é possível notar mais uma vez o trato diferenciado de alguns conteúdos. No bloco tratamento da informação, para o quinto grado do programa

159 159 uruguaio, é indicado o desenvolvimento do tema medidas de tendência central e, no sexto grado, as medidas de dispersão. No entanto, não há esse bloco no primeiro e segundo año, retornando apenas no tercer año Recursos didáticos e metodológicos Tal qual no documento Introdução aos PCN (BRASIL, 1997), o documento que traz recomendações ao ensino de Matemática para os anos iniciais do Ensino Fundamental recomenda o uso de recursos didáticos a serviço de situações que levem à aprendizagem: Recursos didáticos como jogos, livros, vídeos, calculadoras, computadores e outros materiais têm um papel importante no processo de ensino e aprendizagem. Contudo, eles precisam estar integrados a situações que levem ao exercício da análise e da reflexão, em última instância, a base da atividade Matemática (BRASIL, 1998b, p. 19). O item que apresenta a interação entre a Matemática e os temas transversais tem a intenção de proporcionar a conexão da Matemática com outras áreas do conhecimento para contribuir com a formação integral do indivíduo por meio do trabalho com projetos. Os PCN de Matemática para o 1.º e 2.º ciclos apresentam comentários acerca da conexão da Matemática com cada tema transversal (ética, orientação sexual, meio ambiente, saúde e pluralidade cultural) com o objetivo de que a Matemática forneça subsídios para a compreensão dos temas envolvidos: A interação do ensino de Matemática com os Temas Transversais é uma questão bastante nova. Centrado em si mesmo, limitando-se à exploração de conteúdos meramente acadêmicos, de forma isolada, sem qualquer conexão entre seus próprios campos ou com outras áreas de conhecimento, o ensino dessa disciplina pouco tem contribuído para a formação integral do aluno, com vistas à conquista da cidadania. No intuito de reverter esse quadro, a alternativa do desenvolvimento de projetos vem sendo praticada por muitas escolas (BRASIL, 1998a, p. 19). A preocupação com a formação de conceitos cujo objetivo é a ampliação de temas construídos em ciclos anteriores, e não apenas com a apresentação de algoritmos, é apresentada no seguinte trecho: Conceitos como os de múltiplo e divisor de um número natural ou o conceito de número primo podem ser abordados neste ciclo como uma ampliação do campo multiplicativo [...] Além disso, é importante que tal trabalho não se resuma à apresentação de diferentes técnicas ou de dispositivos práticos que permitem ao

160 160 aluno encontrar, mecanicamente, o mínimo múltiplo comum e máximo divisor comum sem compreender as situações-problema que esses conceitos permitem resolver. [...] O importante é superar a mera memorização de regras e de algoritmos (divide pelo de baixo e multiplica pelo de cima, inverte a segunda e multiplica) e os procedimentos mecânicos que limitam, de forma desastrosa, o ensino tradicional do cálculo (BRASIL, 1998b, p. 66). A argumentação é uma importante competência indicada pelos PCN a ser desenvolvida no terceiro ciclo. Não se trata de uma demonstração formal, mas o uso da língua materna, próxima das práticas discursivas espontâneas que fazem parte da argumentação para incentivar o respeito a diferentes pontos de vista e, também como um caminho que conduz à demonstração: Assim, é desejável que no terceiro ciclo se trabalhe para desenvolver a argumentação, de modo que os alunos não se satisfaçam apenas com a produção de respostas a afirmações, mas assumam a atitude de sempre tentar justificá-las (BRASIL, 1998b, p. 70). O tratamento dos erros é comentado como um caminho na busca do acerto. Entretanto, a simples identificação do erro não significa que o professor compreendeu sua contribuição para a construção do conhecimento. Segundo os PCN: Ao procurar identificar, mediante a observação e o diálogo, como o aluno está pensando, o professor obtém as pistas do que ele não está compreendendo e pode interferir para auxiliá-lo. Quando o professor consegue identificar a causa do erro, ele planeja a intervenção adequada para auxiliar o aluno a avaliar o caminho percorrido (BRASIL, 1998a, p. 42). Os PCN categorizam os procedimentos em quatro diferentes tipos de cálculo: o mental, o escrito, o exato e o aproximado. O documento recomenda que os professores proponham atividades que permitam que o aluno promova a construção de um repertório básico de tipos de cálculo, bem como suas inter-relações, complementaridades e diversos empregos. Ao justificar o desenvolvimento do cálculo mental, os PCN defendem que seus procedimentos servem como base do cálculo aritmético em atividades do cotidiano e que o exercício e a sistematização dos procedimentos de cálculo mental, ao longo do tempo, levam-no a ser utilizado como estratégia de controle do cálculo escrito (BRASIL, 1998a, p. 76). O desenvolvimento do cálculo por estimativas é apresentado pelos PCN como uma das finalidades do ensino de cálculo, e sua justificativa é que nas situações práticas a

161 161 maioria das respostas não precisa ser exata (há outros contextos em que tal rigor é necessário). O ensino deve propor diversas experiências com o cálculo por estimativa que possibilitem que o aluno desenvolva a capacidade de decidir quando é conveniente usá-lo e que aproximação é pertinente a uma determinada situação, como, por exemplo, identificar unidades de medida adequadas às grandezas (BRASIL, 1998a, p. 77). No desenvolvimento com o bloco espaço e forma no segundo ciclo, os PCN recomendam que o aluno participe de experiências usando objetos do espaço em que vive para aprender a construir uma rede de conhecimentos relativos à localização e à orientação, visando distanciar-se do espaço sensorial e abstrair para as representações mentais. Os PCN recomendam que o trabalho com os temas do bloco grandezas e medidas no segundo ciclo do Ensino Fundamental possibilite que os alunos encarem situações que permitam lidar com grandezas físicas a fim de que identifiquem o atributo medido e o significado de medida. O documento propõe que se faça uma reconstrução histórica dos processos de medida a partir das dimensões do corpo (palmos e pés) para a abordagem dos aspectos históricos desses conhecimentos. A Matemática a serviço da inserção do sujeito na sociedade é a justificativa ao bloco Tratamento da informação. Segundo os PCN, a necessidade de compreender e interpretar as informações para tomar decisões e fazer previsões demanda que o currículo de Matemática aborde elementos da estatística, da combinatória e da probabilidade, desde os ciclos iniciais. Os PCN conferem à resolução de problemas o foco no Ensino da Matemática. Para tal, o documento critica o ensino de conceitos a partir de definições em que a resolução de problemas é apenas o emprego de conceitos. O uso da resolução de problemas é indicado para que o aluno desenvolva estratégia para resolver situações que demandam que ele interprete o enunciado da questão proposta e programe uma série de ações ou operações necessárias para obter o resultado. Um interessante comentário que distingue que um problema para um aluno pode se configurar apenas como um exercício para outro aluno: Em muitos casos, os problemas usualmente apresentados aos alunos não constituem verdadeiros problemas, porque, via de regra, não existe um real desafio nem a necessidade de verificação para validar o processo de solução.

162 162 O que é problema para um aluno pode não ser para outro, em função do seu nível de desenvolvimento intelectual e dos conhecimentos de que dispõe (BRASIL, 1998a, p. 33). Na apresentação dos conteúdos propostos para o ensino de Matemática no quarto ciclo há a recomendação metodológica de como abordar algumas situações-problema, acompanhada com uma crítica: É importante salientar que no quarto ciclo não se pode configurar o abandono da Aritmética, como muitas vezes ocorre. Os problemas aritméticos praticamente não são postos como desafios aos alunos deste ciclo; em geral, as situações trabalhadas pelos professores privilegiam a aplicação de conceitos algébricos. Pode-se até afirmar que os procedimentos não algébricos (os que não utilizam equações, sistemas etc.) para resolver problemas são desestimulados nos últimos anos do Ensino Fundamental, mesmo em situações em que a álgebra não é necessária (BRASIL, 1998b, p. 83). A concepção construtivista aparece subjacente no seguinte trecho, que apresenta a resolução de problemas como um processo de resolução no qual o aluno é: [...] estimulado a questionar sua própria resposta, a questionar o problema, a transformar um dado problema numa fonte de novos problemas, evidencia uma concepção de ensino e aprendizagem não pela mera reprodução de conhecimentos, mas pela via da ação refletida que constrói conhecimentos (BRASIL, 1998a, p. 33). O ensino de Matemática, no programa uruguaio, deve ser embasado na resolução de problemas. O documento faz uma distinção entre exercício e problema: A distinção entre problema e exercício tem implicações educacionais importantes. O exercício é uma tarefa que é estabelecida e etapas definidas de forma rotineira. Um problema, no entanto, implica que a criança enfrente uma nova situação, fazendo uso dos conhecimentos que já possui junto com a capacidade de imaginar, criar caminhos para resolver e novas estratégias (URUGUAI, 2008, p 64, tradução nossa). Nos PCN para os 1.º e 2.º ciclos do Ensino Fundamental, critica-se o papel do professor como o que transmite informações e propõe duas funções a serem desenvolvidas por ele: organizador da aprendizagem que pressupõe reconhecer o papel do aluno como protagonista da construção da própria aprendizagem e requer que o professor escolha problemas e atividades que possibilitam aos alunos a construção de conceitos/procedimentos; e o de mediador da aprendizagem responsável por promover um ambiente em que cada aluno possa expor sua solução, questionar, contestar onde o professor orienta reformulações dos procedimentos empregados para obter a solução e é responsável por dar prosseguimento em níveis mais elaborados ou encerrar as atividades.

163 163 O item Ensino e aprendizagem de Matemática no terceiro ciclo (BRASIL, 1998b) apresenta uma interessante caracterização dos alunos. O aluno desse ciclo sofre um período de grande instabilidade que caracteriza a adolescência e, concomitantemente, passa por uma mudança na organização escolar: diferentes matérias e professores especialistas que tratam suas áreas de conhecimento de forma isolada. Ocorre também a necessidade de lidar com as pressões e as exigências desse ciclo, uma vez que há uma expectativa dos professores de que os alunos sejam autônomos e demonstrem capacidade de organização e maturidade muitas vezes aquém do esperado. A seguir, apresentamos trechos que apresentam a preocupação do documento em dar subsídios aos professores que atuam no terceiro ciclo: Principalmente no caso dos adolescentes, as significativas mudanças que interferem em seu desenvolvimento físico, emocional e psicológico repercutem fortemente no comportamento e trazem preocupações relacionadas ao futuro profissional, à vida afetiva, à sexualidade e à necessidade de liberdade. Junto a certa instabilidade, medo e insegurança, que caracterizam as reações dos adolescentes diante das situações diversas, intensifica-se a capacidade para questionar, acirra-se a crítica, às vezes pouco fundamentada, que faz com que coloquem em dúvida a importância de certos valores, atitudes e comportamentos e, inclusive, a necessidade de certas aprendizagens. Na escola tal comportamento costuma ser interpretado como falta de respeito, gerando conflitos no relacionamento entre professores e os alunos (BRASIL, 1998b, p. 61). [...] ampliam-se as capacidades para estabelecer inferências e conexões lógicas, para tomar algumas decisões, para abstrair significados e ideias de maior complexidade, para argumentar expressando ideias e pontos de vista com mais clareza. Outro aspecto que se evidencia é a maior possibilidade de compreender e utilizar recursos tecnológicos (BRASIL, 1998b, p. 62). A orientação didática apresentada no documento traz uma interessante crítica a um rito comum aos professores do 6.º ano de fazer um ano de revisão de conteúdos do ciclo anterior que, aliado as características dos alunos dessa faixa etária, apresenta um desastre no rendimento escolar: De modo geral, os professores avaliam que os alunos vêm do ciclo anterior com um domínio de conhecimentos muito aquém do desejável e acreditam que, para resolver o problema, é necessário fazer uma retomada dos conteúdos. No entanto, essa retomada é desenvolvida de forma bastante esquemática, sem uma análise de como esses conteúdos foram trabalhados no ciclo anterior e em que nível de aprofundamento foram tratados. Assim, a revisão infindável de tópicos causa grande desinteresse aos alunos e, ao final, fica a sensação de que a série inicial do terceiro ciclo é uma série desperdiçada (BRASIL, 1998b, p. 61). A sugestão fornecida pelo documento (BRASIL, 1998b) é de que o professor procure minimizar os problemas que são característicos da passagem para o terceiro ciclo.

164 164 Por meio de diagnóstico dos conhecimentos que os alunos possuem para dar continuidade no terceiro ciclo para identificar quais as possibilidades e dificuldades de aprendizagem identificadas em relação a esses conteúdos. As atividades matemáticas usuais do terceiro ciclo do Ensino Fundamental vão cada vez mais se distanciando com as situações do cotidiano e provocam uma ruptura com as orientações didáticas do ciclo anterior. É um problema que fomenta atitudes de insegurança no aluno e gera um sentimento de fracasso em relação ao conhecimento matemático que parece algo além da capacidade de compreensão dos alunos (BRASIL, 1998b, p. 62). A aprendizagem dos conteúdos atitudinais é apresentada nos PCN de Matemática do terceiro ciclo como recurso para que os alunos se concentrem em aprendizagens reflexivas. No entanto, o professor deve orientar seu trabalho para que os alunos construam os conhecimentos matemáticos e desenvolvam atitudes: É preciso ajudá-los a aceitar as diversas soluções dos colegas, pois nessa fase costumam ser reticentes a admitir soluções diferentes das suas, quando não as compreendem plenamente. Neste ciclo, é preciso desenvolver o trabalho matemático ancorado em relações de confiança entre o aluno e o professor e entre os próprios alunos, fazendo com que a aprendizagem seja vivenciada como uma experiência progressiva, interessante e formativa, apoiada na ação, na descoberta, na reflexão, na comunicação. Assim, o professor deve organizar seu trabalho de modo que os alunos desenvolvam a própria capacidade para construir conhecimentos matemáticos e interagir de forma cooperativa com seus pares, na busca de soluções para problemas, respeitando o modo de pensar dos colegas e aprendendo com eles (BRASIL, 1998b, p. 63). Os PCN indicam o uso da História da Matemática como um recurso que permite revelar a Matemática como uma criação humana, utilizada para atender as necessidades e preocupações em diferentes culturas e momentos históricos. A recomendação ao uso da História da Matemática é possível observar no seguinte trecho dos PCN para o terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: Nos terceiro e quarto ciclos os problemas relacionados à evolução histórica dos números podem ser usados como interessantes contextos para ampliar a visão dos alunos sobre os números naturais, não apenas relatando como se deu essa evolução, mas explorando as situações com as quais as civilizações antigas se defrontaram, como: as limitações dos sistemas não posicionais, os problemas com a representação numérica antes do surgimento do zero, os procedimentos de cálculo utilizados pelas civilizações suméria, egípcia, grega, maia, chinesa etc. Mostrar que a história dos números está ligada à das necessidades e preocupações de povos que, ao buscar recensear seus membros, seus bens, suas perdas, ao procurar datar a fundação de suas cidades e as suas vitórias, usando os meios disponíveis, construíram interessantes sistemas de numeração. Quando foram além e se impuseram a obrigação de representar grandes quantidades,

165 165 como exprimir a quantidade de dias, meses e anos a partir de uma data específica ou de tentar fazer os cálculos utilizando os próprios símbolos do sistema, foram colocados no caminho da numeração posicional (BRASIL, 1998b, p. 96). As tecnologias são apresentadas nos PCN como agentes de transformação da sociedade que devem ser incorporados no trabalho escolar. Para justificar a inserção da calculadora, o documento discute a ferramenta como um instrumento motivador no processo de aprendizagem com vários usos: em tarefas exploratórias, de investigação, estimativas e simulações de resultados, verificação de resultados e correção de erros. Assim, uma das aplicações da calculadora é como instrumento de autoavaliação. A realidade de 16 anos atrás apresentada no documento discute que os computadores não estavam amplamente disponíveis para a maioria das escolas e previa a utilização em maior escala a curto prazo. No entanto, mesmo que dados do Censo Escolar de 2010 (INEP/MEC43) indicam que, no Ensino Fundamental, tanto nos anos iniciais quanto nos anos finais, o acesso à internet é oferecido em 39% das escolas de anos iniciais e em 70% das escolas dos anos finais. No Ensino Médio, o acesso à internet atende 94% das escolas. Contudo, não podemos afirmar se os equipamentos são utilizados para atender os objetivos pedagógicos. Almeida (2008) destaca a necessidade de mudanças no currículo e na prática pedagógica dos professores para que o uso de TIC permita penetrar no mundo dos alunos, acolher suas necessidades, desenvolver um trabalho solidário que conviva com as diferenças e com os diferentes, ajude os alunos a compreender os problemas e as oportunidades de seu tempo (p. 121). O uso de tecnologias para a construção de conceitos é apresentado nos PCN em diversos contextos. O que mencionamos a seguir indica a calculadora no auxílio da construção do conceito de números racionais na sua representação decimal: O advento das calculadoras fez com que as representações decimais se tornassem bastante frequentes. Desse modo, um trabalho interessante consiste em utilizá-las para o estudo das representações decimais na escola. Por meio de atividades em que os alunos são convidados a dividir, usando a calculadora, 1 por 2, 1 por 3, 1 por 4, 1 por 5, etc., e a levantar hipóteses sobre as escritas que aparecem no visor 43 Versão preliminar do Resumo Técnico, disponível em: < Acesso em: 20 mar

166 166 da calculadora, eles começarão a interpretar o significado dessas representações decimais (BRASIL, 1998a, p. 69). O uso das tecnologias é recomendado nos PCN para tornar uma atividade experimental mais rica, em que os alunos possam desenvolver atividades de investigação, validação e verificação de resultados. Um importante recurso que a informática possibilita é a visualização, muitas vezes uma imagem facilita a compreensão ou demonstração de uma relação, regularidade ou propriedade (BRASIL, 1998b). A recomendação do uso de jogos no ensino de Matemática apresentada nos PCN (BRASIL, 1998b) é de que tal estratégia permite o desenvolvimento da criatividade dos alunos na elaboração de estratégias de resolução na busca de soluções. É possível perceber também o conteúdo atitudinal em momentos de jogo como no qual o aluno é colocado diante de desafios que demandam perseverança na procura de solução e o desenvolvimento da reflexão acerca de erros cometidos no momento do jogo, e que, muitas vezes, podem ser superados imediatamente. Ainda sobre a formação atitudinal, a necessidade de discutir regras em grupo que demandam a argumentação em alguns jogos contribui com a organização do pensamento. Ainda comentando o uso da calculadora, os PCN apresentam uma justificativa quanto ao uso de tal recurso em sala de aula como forma de aproximar a escola de contextos reais: Dentre as várias razões para seu uso, ressalta-se a possibilidade de explorar problemas com números frequentes nas situações cotidianas e que demandam cálculos mais complexos, como: os fatores utilizados na conversão de moedas, os índices com quatro casas decimais (utilizados na correção da poupança), dos descontos como 0,25% etc. Geralmente a escola se afasta desses dados reais e mesmo dos problemas aos quais eles estão associados com a intenção de facilitar os cálculos, quando ela deveria promover a aproximação da atividade matemática com a realidade em que se encontram esses problemas (BRASIL, 1998b, p. 67). Nas orientações didáticas para terceiro e quarto ciclos do PCN, o seguinte trecho chama a atenção de como o tratamento do tema nos números e operações é pouco explorado nesse ciclo, e erros como os citados são comuns: Mesmo os alunos das séries mais adiantadas, que calculam corretamente, muitas vezes não sabem interpretar os números obtidos para dar resposta a um problema. Em situações como: Quantos ônibus de 36 lugares são necessários, no mínimo, para transportar 1128 passageiros, se nenhum ônibus pode transportar mais que 36 pessoas? É frequente aparecerem respostas como 31, ou 31, e não 32 que, no caso, é a correta. Além de não saberem interpretar os números,

167 167 também é comum apresentarem dificuldade para ler, escrever e comparar números com vários dígitos (BRASIL, 1998b, p. 95). No trecho que se refere à orientação didática no tratamento dos números inteiros encontra-se uma recomendação de como abordar este conjunto numérico a partir do reconhecimento de obstáculos que os alunos enfrentam quando entram em contato com este sistema numérico e as dificuldades concernentes à sua aprendizagem. A noção de obstáculo e rupturas também é observada no trecho dos PCN que se refere aos números racionais: Uma explicação para as dificuldades encontradas possivelmente deve-se ao fato de que a aprendizagem dos números racionais supõe rupturas com ideias construídas para os números naturais. Ao trabalhar com os números racionais, os alunos acabam tendo de enfrentar vários obstáculos: se o tamanho da escrita numérica, no caso dos naturais, é um bom indicador da ordem de grandeza (8345 > 83), a comparação entre 2,3 e 2,125 já não obedece ao mesmo critério (BRASIL, 1998b, p. 101). O número é apresentado no documento uruguaio não como entidades isoladas que levam à construção de sequências, mas como entidades que se relacionam e emergem em contextos sociais e que possuem um valor formativo e cultural para a sociedade. Há uma citação ao conceito de número definido por Vergnaud em 1991: O conceito do número não se reduz ao processo de conservação, nem à atividade de cardinalização, nem à resolução de uma classe particular de problemas, nem aos procedimentos algorítmicos, nem para a compreensão e manipulação de sinais sobre o papel. Mas este conjunto de elementos diversos, dos quais emerge, com a ajuda da família e da escola, uma das construções cognitivas mais impressionantes da humanidade (URUGUAI, 2008, p. 60). As propriedades matemáticas são expressas no programa uruguaio como um conjunto de condições que definem e distinguem um objeto matemático de outro e, a partir das propriedades, é possível construir as relações que constituem um sistema axiomático. A partir das noções de relações e propriedades se construiu a estrutura conceitual da Matemática a partir da qual se determinam os conteúdos (URUGUAI, 2008, p. 60). O número é definido no programa do Uruguai como uma relação criada mentalmente por cada indivíduo. Assim, o processo de aquisição é individual a partir de sistemas de numeração socialmente construídos, resultados de objetos culturais históricos que só têm sentido na resolução de situações práticas que permitem representar, relacionar e operar com os números. As operações não são apresentadas para fazer contas, mas para

168 168 conhecer e colocar em prática os conceitos (diferentes significados de cada operação) e as relações que a operação representa. O programa uruguaio tece um comentário sobre o cálculo mental ou cálculo pensado como um conjunto de procedimentos que analisam os dados sem o uso de algoritmos preestabelecidos, utilizados para obter cálculos exatos ou aproximados. O cálculo mental faz uso de diferentes estratégias a partir das propriedades dos números e das operações. O item grandezas e medidas no documento brasileiro é citado como Las magnitudes y la medida no programa do Uruguai. O tema discute a diferença entre magnitude ou grandeza que indica a qualidade inerente aos objetos que podem ser quantificados em um número em um determinado padrão de medida, e medida que supõe atribuir um número a uma determinada quantidade de grandeza. O documento recomenda alguns aspectos essenciais para a construção do conceito de grandeza como atributo dos objetos: a consideração e a percepção de uma propriedade mensurável em uma coleção de objetos; a conservação de uma grandeza; a medida em relação a uma determinada grandeza; a relação entre grandeza e a unidade de medida escolhida. Ainda no tocante a medidas, o programa uruguaio considera que é necessário que o estudo de medidas compreenda: conhecer os processos de medição, admitir a imprecisão dos resultados e aceitar a possibilidade de erro de medição e a importância de selecionar a ferramenta de medida adequada. Nesse tema, também é recomendado que o professor desenvolva temas como estimativas de medidas. Ao iniciar a apresentação do tema Probabilidade e Estatística, o documento uruguaio discorre sobre a Matemática ser apresentada como uma ciência exata e o quanto o determinismo invadiu o pensamento matemático. No entanto, a necessidade de estudos dos fenômenos aleatórios, analisar a possível ocorrência de um determinado evento, e a lidar com a incerteza, levou os matemáticos a compreender o ramo da Matemática chamado Probabilidade. Nesse tema encontramos outra referência às investigações em Educação Matemática. O documento faz menção aos estudos de Rodino, Batanero e Cãnizares

169 169 (1996), que recomendam o desenvolvimento de Probabilidade e Estatística com os alunos em aplicações da vida cotidiana, como jogos de azar para tornar significativa para os alunos a introdução do pensamento aleatório. A Estatística e a Probabilidade, embora separadas, são áreas afins, estando definida no programa como um estudo das melhores maneiras de coletar e analisar dados e tirar conclusões sobre o conjunto que esses dados tenham sido coletados. O texto do documento uruguaio recomenda o desenvolvimento dos temas Probabilidade e Estatística como uma importante ferramenta para desenvolver a leitura crítica: Ambos, Probabilidade e Estatística, são hoje uma parte da educação desejável para todos os cidadãos, uma vez que eles estão em constante contato com tabelas e gráficos apresentados pelos meios de comunicação. O ensino tem a responsabilidade de prepará-los para ter a capacidade de leitura crítica (URUGUAI, 2008, p. 65). Em Geometria, o programa do Uruguai problematiza o conhecimento geométrico, isto é, recomenda a construção de significados a partir da observação das propriedades das figuras com objetos que não pertencem ao espaço físico, mas suas representações por meios de desenhos ou esboços são ferramentas para a construção de conhecimentos sobre elas. Ainda nesse tema o programa recomenda que os alunos utilizem argumentações e justificativas para desenvolver o pensamento intuitivo em geometria ao justificar as soluções apresentadas de uma ou mais maneiras. A recomendação ao uso de tecnologias é identificada em vários trechos do documento uruguaio, como para o corte e sobreposição de figuras, atividades no computador visam superar o enfoque aritmético e apresentar uma geometria exploratória, dinâmica e problematizadora. Podemos identificar a recomendação ao uso de jogos no documento uruguaio no seguinte trecho que contém uma sugestão de atividade a ser desenvolvida com alunos de cinco anos para o desenho de polígonos à mão livre a partir de um conjunto de figuras coloridas em diferentes materiais: A regra é formar diferentes figuras. A construção de figuras sem modelos levará os alunos a construir modelos diferentes. Ele pode analisar quantos triângulos ou peças amarelas (a cor é aleatória) foram utilizados e como eles estão dispostos. Ele deverá esboçar o contorno no papel. Problematizar a proposta de construção

170 170 de outra figura com não mais do que três partes, ou usando apenas as peças azuis (para fazer referência aos retângulos) ou outra forma escolhida pelo professor (URUGUAI, 2008, p. 390). O tema álgebra é recomendado em dois contextos: o geométrico e o aritmético. A álgebra é apresentada no documento uruguaio como a generalização de propriedades e relações usando números, letras e símbolos. A álgebra é utilizada para descrever as conexões entre as variáveis e permitir a construção de modelos aplicáveis a diferentes fenômenos na busca por regularidades e padrões. O documento faz referência a uma aplicação da Álgebra, em geometria: a relação entre o número de lados de um polígono e o número de diagonais. Já na aritmética a Álgebra instrumentaliza o estudo de proporcionalidade. A álgebra é apresentada no programa do Uruguai como uma ponte que permite a passagem do concreto ao abstrato, ao promover o pensamento matemático a partir da capacidade de generalizações e construção de modelos e o estímulo à compreensão mais aprofundada das operações e propriedades. O documento não recomenda o tratamento linear dos conteúdos, apenas a lista serve para informar quais devem ser desenvolvidos com os alunos até o final do ano e aconselha que se deve propiciar uma inter-relação entre eles. Há uma recomendação metodológica quanto ao uso de imagens, vídeos, e séries de TV sem nenhum exemplo ou justificativa para auxiliar os alunos a identificar a Matemática em situações reais. O uso da internet é recomendado para trabalhos interdisciplinares e em busca de informações de como as ideias matemáticas surgiram sem nenhuma citação direta à História da Matemática para enriquecer a aprendizagem dos alunos com leituras que informem sobre quem, como, quando e por que surgiram as ideias matemáticas. De uma maneira breve há um comentário à resolução de problemas. Questionamos essa objetividade em todos os tópicos, pois, se há o comentário, deveria ser desenvolvido um pouco mais o tema para que fosse apresentado ao leitor o pensamento do autor do documento, e não apenas recomendações superficiais que mais confundem do que auxiliam o professor:

171 171 A atividade de resolução de problemas é inevitável na formação matemática dos alunos, mas deve ser complementada com outras que também geram aprendizagens e permitem um fortalecimento real e aprofundamento dos conceitos matemáticos. (URUGUAI, 2010a, p. 1. Tradução nossa). Ao analisar o texto do documento, surpreendeu-nos a preocupação em recomendar aos docentes que devem evitar o rigor no desenvolvimento do tema números, justificando que os alunos neste ano não compreendem tal tratamento. O tema deve ser trabalhado a partir de problemas em contextos reais. Uma interessante recomendação que encontramos no documento uruguaio é que o professor não deve se preocupar com demonstrações ou justificativas, mas, de acordo com o desenvolvimento do tema e adequação da turma, deve iniciar uma formalização. As diferentes representações dos números são recomendadas para atender ao tipo de problema de forma flexível. A preocupação com o significado das operações e o uso do cálculo mental e exato são expressos no seguinte trecho: É importante compreender o significado e os efeitos das operações, para saber escolhê-las no momento de resolver um problema, assim como exercitar estratégias adequadas para realizar cálculos, seja o cálculo mental. Distinguir entre o cálculo exato e a estimativa (URUGUAI, 2010a, p. 3. Tradução nossa). A representação decimal do número e as técnicas operatórias são apresentadas como noções a serem utilizadas em outros temas do currículo em situações que necessitam de aproximações decimais, como o cálculo de áreas e volumes. A recomendação do programa uruguaio para o tema Conjunto dos Números Naturais é que ele seja desenvolvido com exercícios de raciocínio, a partir de problemas simples, de modo a recordar o conteúdo desenvolvido em séries anteriores, como recomenda a recursão de Doll Jr. (1997): Sugere-se iniciar o estudo de divisibilidade a partir da resolução de problemas simples que permitem recordar e reforçar os conhecimentos sobre o tema adquiridos durante a vivência escolar. A este respeito, não é aconselhável o tratamento do tema, como se fosse o primeiro encontro com o mesmo (URUGUAI, 2010a, p. 3. Tradução nossa).

172 172 O uso de estratégias exaustivas de cálculo é evitado nesse ano. O documento recomenda que tais estratégias sejam apresentadas apenas quando o cálculo mental for inviável. Assim, para o cálculo de MDC e MMC é incentivado o cálculo mental. É recomendado no programa uruguaio que o tema proporcionalidade seja desenvolvido a partir de conhecimentos escolares em problemas simples, como escalas em mapas. O bloco geometria é apresentado no programa do primeiro ano com a mesma recomendação de tratamento dado ao tema números: o uso de resolução de problemas agora em situações de geometria. O documento recomenda que as construções geométricas sejam utilizadas para resolver problemas ou problemas que sejam identificados a partir de construções. Algumas estratégias como experimentação, observação e elaboração de hipóteses são recomendadas para uma iniciação à formalização. O programa uruguaio indica que os conceitos geométricos mediatriz, bissetriz e paralelas não sejam trabalhados de maneira isolada, mas para introduzir as isometrias a partir de resolução de problemas. Encontramos o tema estudo de simetrias do primeiro ano recomendado pelo currículo uruguaio a ser feito a partir do estudo dos movimentos no plano com exercícios de recortar figuras, e observação de construções, de obras de arte, de fotos e atividades com softwares. Mais uma vez o programa do Uruguai recomenda o uso de resolução de problemas e as construções geométricas como recursos para a descoberta das propriedades das figuras. Deve ser procurada em uma segunda instância sempre mediante a resolução de problemas, para determinar a simetria axial, descobrir e enunciar com precisão as propriedades, as construções das figuras simétricas serão consequências do estudo descrito acima e sempre realizadas com precisão e rigor no traçado. A ênfase será sobre os fundamentos das construções com régua e compasso. Estes servem para observar, conjecturar e conceituar a respeito do perpendicularismo entre as retas, o ponto médio de um segmento, mediatriz, bissetriz, que serão aplicados na resolução de diversos problemas geométricos (URUGUAI, 2010a, p. 5. Tradução nossa). O estudo da Geometria Espacial é recomendado pelo documento uruguaio a ser feito de maneira intuitiva sempre iniciando com situações-problema a partir da observação,

173 173 levantamento de conjecturas e posterior formalização. O uso de construções com material concreto (papel cartão e papelão) é sugerido como meios de propiciar a investigação e apresentar temas conhecidos pelos alunos como cubos e poliedros regulares. O programa do segundo ano do ciclo básico consiste em dois blocos temáticos: Álgebra e Geometria, que dão continuidade aos conteúdos do ano anterior. O documento propõe que para tal objetivo novas metodologias e formas de pensamento devem ser utilizadas para permitir a introdução do método algébrico a partir de generalizações e resolução de problemas com o uso de modelagem em outros contextos matemáticos e também em outras disciplinas. No desenvolvimento do tema Geometria, o documento para o segundo ano recomenda que o tratamento experimental das figuras deve continuar, porém com o objetivo de levantar conjecturas e argumentos para o desenvolvimento do pensamento lógico. Entre os objetivos descritos, o programa uruguaio para o segundo ano do Ciclo Básico destaca a intenção de começar a desenvolver a compreensão sobre os diferentes usos da variável e o emprego de expressões algébricas para descrever padrões e resolver problemas. Como estratégia de trabalho, o documento indica que, para representar, analisar e generalizar vários fenômenos, o professor utilize tabelas, gráficos e linguagem natural e expressões simbólicas. A relação entre a Geometria e os temas Números e Álgebra é observada no seguinte trecho do documento: Construir figuras geométricas com base em dados como medidas dos lados, dos ângulos etc. Usar modelos geométricos para representar relações numéricas e algébricas (URUGUAI, 2010b, p. 2. Tradução nossa). No segundo ano do Ciclo Básico o documento do Uruguai propõe que os conjuntos numéricos dos inteiros, dos racionais e reais sejam desenvolvidos em situações que propiciem operar com os números não de uma maneira mecânica apenas, mas a partir de problemas que possibilitem, também, o uso da calculadora.

174 174 No desenvolvimento do tema equações e inequações de primeiro grau, o programa do Uruguai recomenda que seja utilizada uma abordagem transversal com outros conteúdos do programa para que as equações sejam usadas a fim de identificar as quantidades desconhecidas. Ao apresentar o bloco, o documento uruguaio faz uma recomendação de que não se pretende fazer um estudo exaustivo das operações com polinômios, mas familiarizar os alunos com suas propriedades para que possam operar com eles. A preocupação em promover atividades experimentais que estimulem o espírito investigativo dos alunos é verificada no seguinte trecho que faz parte da recomendação dos estudos do triângulo para o segundo ano do Ciclo Básico: Esta fase-piloto da descoberta pelo aluno será seguida em cada caso, por um aprofundamento da fase racional; o professor irá se adaptar às características de sua realidade atual (URUGUAI, 2010b, p. 4. Tradução nossa). A utilização de softwares é recomendada no documento uruguaio para facilitar a visualização e a experimentação que permitam a visualização de lugares geométricos. O quarto item do programa do segundo ano do Ciclo Básico recomenda que os temas homotetia e as isométricas (translação, simetria e rotação) recebam um tratamento funcional. Ao propor o tema Geometria no espaço para o segundo ano do Ciclo Básico, o programa uruguaio recomenda que o professor deve fazer uma seleção de atividades que permitam aos alunos compreender o uso e o impacto da Geometria na vida cotidiana e na história das sociedades. A autonomia do professor é identificada no seguinte trecho do programa do terceiro ano do Ciclo Básico do programa uruguaio: A ordem em que esses blocos são apresentados no programa não implica necessariamente que sejam tratados da mesma forma durante o curso. Em vez disso, os professores vão planejar seu curso de acordo com as suas preferências e convicções. O número de semanas de aula atribuídas a cada tópico é provisório e ajustável de acordo com a realidade dos alunos, mas dá uma ideia da importância atribuída a ele no contexto global do programa (URUGUAI, 2010c, p. 1. Tradução nossa).

175 175 A conexão entre as áreas da Matemática é observada no seguinte trecho do documento uruguaio para o terceiro ano do Ciclo Básico: No entanto, é desejável o tratamento de conteúdos que destaca as conexões internas da própria Matemática. Nesse sentido, as questões relacionadas com números, polinômios, equações e inequações podem ser consideradas como temas transversais a serem desenvolvidas ao longo do curso. É desejável que os alunos compreendam e pratiquem a relação entre álgebra e geometria (URUGUAI, 2010c, p. 1. Tradução nossa). A modelagem matemática é verificada no documento uruguaio do terceiro ano do Ciclo Básico, no trecho que recomenda o uso da geometria analítica e programação linear em outras áreas: O aprofundamento dos conhecimentos iniciais da geometria analítica adquiridos no curso anterior permitirá considerar os polinômios, as equações, as inequações e os sistemas como ferramentas úteis para a modelagem de situações vinculadas as ciências como a Física, a Biologia, as Ciências Econômicas e Sociais, entre outras. Foi introduzida no programa a programação linear por considerar um ramo recente da Matemática que tem aplicações em várias disciplinas. É uma excelente oportunidade para a aplicação dos sistemas de equações e inequações e, especialmente, é um modelo matemático que não só permite, mas também traz a ligação da modelagem para a otimização situações expressas matematicamente para este curso, as funções de duas variáveis (URUGUAI, 2010c, p. 1. Tradução nossa). O documento uruguaio faz uso da metalinguagem e destaca uma inovação em relação ao programa anterior: a introdução de dois capítulos dedicados à resolução de problemas de geometria: um no plano e outro no espaço. O documento recomenda que a Geometria e a Álgebra devem ser integradas. Ao recomendar os temas Estatística e Probabilidade no desenvolvimento da cultura matemática básica, o documento do Uruguai faz a seguinte afirmação: Finalmente, é impensável que uma cultura matemática básica atualizada deixe de lado o processamento de informações e seu vínculo com a probabilidade como ferramenta matemática que permite a previsão de problemas abordados estatisticamente (URUGUAI, 2010c, p. 2. Tradução nossa). Ao apresentar o tema sistema de equações no programa do terceiro ano do Ciclo Básico, o documento recomenda que os problemas devem ser vinculados a áreas como a Economia e Biologia.

176 Avaliação da aprendizagem No quadro teórico apresentamos algumas concepções da avaliação como a de Sacristán (2000) e de Doll Jr. (1997). Neste estudo assumimos que a avaliação tem um papel de destaque no processo educativo. Assim, apresentamos o tópico avaliação tal qual é tratado em cada documento curricular que nos permite compreender se as orientações de como avaliar estão atendendo aos objetivos educacionais e as metodologias adotadas. Nos PCN (BRASIL, 1997), o tema é apresentado com uma crítica à visão tradicional da avaliação como um instrumento de controle externo do aluno por meio de notas ou conceitos. Esse documento utiliza a avaliação como um subsídio que fornece dados para três integrantes do processo educacional: ao professor, os dados norteiam uma reflexão contínua sobre a prática, possibilitando a criação de novas estratégias de ensino que melhor se adaptem à aprendizagem individual ou de um grupo de alunos; ao aluno, fornece dados que permitem o conhecimento das conquistas ou dificuldades que devem ser superadas; e à escola, os dados devem ser utilizados na definição de prioridades para superar deficiências que demandam maior atenção. A abordagem da avaliação investigativa ou inicial apresentada nos PCN define esse tipo de avaliação como importante, para o professor, ao fornecer dados que auxiliem na definição dos conteúdos e o nível de profundidade a ser adotado e, para os alunos, ao fornecer dados que indicam o que já sabem e o que ainda necessitam aprender. O alerta desse documento é no sentido de que essa avaliação inicial ou investigativa deve ser utilizada em diferentes momentos educativos no aspecto temporal, no início do ano ou semestre, mas também deve ser adotada na apresentação de novos conteúdos: Avaliar a aprendizagem, portanto, implica avaliar o ensino oferecido se, por exemplo, não há a aprendizagem esperada significa que o ensino não cumpriu com sua finalidade: a de fazer aprender (BRASIL, 1997, p. 56). Um importante princípio que se relaciona diretamente a Bishop (1991) é a seleção e organização de conteúdos a partir da sua relevância social e a contribuição para o desenvolvimento intelectual do aluno.

177 177 A seleção e organização de conteúdos não deve ter como critério único a lógica interna da Matemática. Deve-se levar em conta sua relevância social e a contribuição para o desenvolvimento intelectual do aluno. Trata-se de um processo permanente de construção. O conhecimento matemático deve ser apresentado aos alunos como historicamente construído e em permanente evolução. O contexto histórico possibilita ver a Matemática em sua prática filosófica, científica e social e contribui para a compreensão do lugar que ela tem no mundo (BRASIL, 1998a, p. 19). Ao definir a avaliação em Matemática, os PCN (BRASIL, 1998) recomendam que seja feita uma reflexão a respeito das finalidades da avaliação que deve atender: às mudanças dos objetivos do Ensino Fundamental, à nova concepção sobre a aprendizagem e a nova abordagem dos conteúdos matemáticos: Nesse sentido, é preciso repensar certas ideias que predominam sobre o significado da avaliação em Matemática, ou seja, as que concebem como prioritário avaliar apenas se os alunos memorizam as regras e esquemas, não verificando a compreensão dos conceitos, o desenvolvimento de atitudes e procedimentos e a criatividade nas soluções, que, por sua vez, se refletem nas possibilidades de enfrentar situações-problema e resolvê-las. Outra ideia dominante é a que atribui exclusivamente ao desempenho do aluno as causas das dificuldades nas avaliações (BRASIL, 1998b, p. 54). Segundo o documento (BRASIL, 1998b), a perspectiva para o currículo de Matemática então vigente reconhecia duas funções da avaliação: a dimensão social e a dimensão pedagógica. As duas dimensões têm como objetivo fornecer informações aos alunos acerca da sua aprendizagem e aos professores sobre como está ocorrendo a aprendizagem dos alunos. Na dimensão social, o aluno é informado acerca do desenvolvimento das capacidades e competências necessárias para a vida social. Nessa dimensão o professor faz uso dos dados fornecidos pela avaliação para identificar quais objetivos foram atingidos para atender ao mundo do trabalho e à sociedade. O professor recebe informações da avaliação sob a perspectiva da dimensão pedagógica para avaliar como está ocorrendo a aprendizagem para que possa propor revisão de procedimentos e conceitos que ainda estão parcialmente consolidados. Os PCN sugerem instrumentos de avaliação variados: provas, trabalhos, registros das atitudes dos alunos para que o professor identifique se o aluno utiliza a linguagem matemática corretamente e consegue se comunicar por meio de explicações, justificativas e argumentações que normalmente não são inferidas nas avaliações convencionais. Entre os

178 178 instrumentos o documento apresenta um exemplo de como mudar as avaliações em Matemática usando as fichas para o mapeamento do desenvolvimento de atitudes, que incluem questões como: Procura resolver problemas por seus próprios meios? Faz perguntas? Usa estratégias criativas ou apenas as convencionais? Justifica as respostas obtidas? Comunica suas respostas com clareza? Participa dos trabalhos em grupo? Ajuda os outros na resolução de problemas? Contesta pontos que não compreende ou com os quais não concorda? (BRASIL, 1998b, p. 55). O papel da avaliação no programa uruguaio é parte do processo didático que permite aos alunos uma tomada de consciência sobre as aprendizagens adquiridas e, aos professores, uma interpretação da implicação do ensino nas aulas: Nossa primeira reflexão deste quadro é considerar a avaliação como parte do processo de aprendizagem para os alunos que requer que os alunos tenham consciência das aprendizagens adquiridas e, para os professores, uma interpretação da implicação do ensino nestas aprendizagens. No momento de refletir sobre a avaliação, temos as mesmas perguntas presentes quando pensamos sobre as atividades e valores na construção do conhecimento (URUGUAI, 2010, p. 32. Tradução nossa). A concepção de avaliação adotada no documento uruguaio supera a visão da função da avaliação apenas para comprovar resultados, encontrando certos conteúdos e objetivos por meio de algumas provas e exames feitos pelos alunos. Esse modelo de ensino pretende alcançar acordos sobre: o que é ensinar? Por que ensinar isto e não outros assuntos? Como vai ser ensinado? Os alunos podem aprender? Que outras coisas podem ser feitas para que eles aprendam melhor? 4.8. Influências observáveis de pesquisas das áreas da Educação e Psicologia Nos PCN encontramos uma declaração de que as escolas brasileiras, em sua maioria, mesclam aspectos de mais de uma linha pedagógica. O documento faz referências a quatro grandes tendências identificadas na tradição pedagógica brasileira: a tradicional, a renovada, a tecnicista e aquelas marcadas centralmente por preocupações sociais e políticas. A pedagogia tradicional é uma proposta de educação centrada no professor, que se configura como guia do processo educativo e a autoridade máxima com a função de organizar os conteúdos que serão transmitidos aos alunos, principalmente por meio de

179 179 exposição oral organizada em uma sequência determinada e fixa de exercícios repetitivos. Segundo o texto do documento, essa linha pedagógica, embora a escola vise à preparação para a vida, não busca estabelecer relação entre os conteúdos que se ensinam e os interesses dos alunos, tampouco entre esses e os problemas reais que afetam a sociedade (BRASIL, 1997, p. 30). A linha denominada como pedagogia renovada nos PCN é uma concepção em que o aluno, ativo e curioso, é o centro da atividade escolar. Segundo o documento, o mais importante é o processo de aprendizagem, e não o ensino. Nessa tendência, o professor atua como o facilitador no processo de busca do conhecimento pelo aluno. O tecnicismo educacional, inspirado nas teorias behavioristas segundo o documento, tem como base uma prática pedagógica controlada e dirigida pelo professor que faz uso de atividades mecânicas. A crítica que se faz no documento é a supervalorização da tecnologia, em que o professor passa a ser apenas um executor de técnicas e o aluno somente reage a estímulos para corresponder aos resultados esperados. A única adequação que se faz é ao ritmo de aprendizagem. No texto encontramos o seguinte comentário: para as escolas pelos organismos oficiais durante os anos 60, e até hoje está presente em muitos materiais didáticos com caráter estritamente técnico e instrumental (BRASIL, 1997, p. 31). As últimas tendências pedagógicas apresentadas no documento são a pedagogia libertadora e a pedagogia crítico-social dos conteúdos. A pedagogia libertadora teve influência da abertura política dos anos 80 e a busca da educação crítica na superação das desigualdades existentes na sociedade com o objetivo de provocar transformações sociais, econômicas e políticas. Nessa linha, o professor atua como coordenador de atividades e sua ação ocorre de maneira conjunta com os alunos. No documento, a pedagogia crítico-social dos conteúdos tem a preocupação de assegurar a função social e política da escola por meio do desenvolvimento de conhecimentos sistematizados com o objetivo de colocar as classes populares em condições de uma efetiva participação nas lutas sociais. Apresentamos mais um trecho do documento que declara a influência das pesquisas na elaboração dos PCN:

180 180 As tendências pedagógicas que marcam a tradição educacional brasileira e aqui foram expostas sinteticamente trazem, de maneira diferente, contribuições para uma proposta atual que busque recuperar aspectos positivos das práticas anteriores em relação ao desenvolvimento e à aprendizagem, realizando uma releitura dessas práticas à luz dos avanços ocorridos nas produções teóricas, nas investigações e em fatos que se tornaram observáveis nas experiências educativas mais recentes realizadas em diferentes Estados e Municípios do Brasil (BRASIL, 1997, p. 30). O período do final dos anos 70 e início dos anos 80 caracteriza um movimento que se preocupa com o que o professor sabe, com as concepções do aluno e o papel dos conteúdos no valor social e formativo. Segundo os PCN, tal movimento, centrado no caráter social do processo de ensino e aprendizagem, é marcado pela influência da psicologia genética. Temas como a importância da relação interpessoal, a relação entre cultura e educação e ações educativas ajustadas aos mecanismos de construção dos conhecimentos pelos alunos provocaram uma visão reducionista e equivocada do construtivismo com distorções conhecidas até hoje, como não corrigir os erros dos alunos e que os alunos aprendem do seu próprio jeito. A orientação proposta nos Parâmetros Curriculares Nacionais reconhece a importância da participação construtiva do aluno e, ao mesmo tempo, da intervenção do professor para a aprendizagem de conteúdos específicos que favoreçam o desenvolvimento das capacidades necessárias à formação do indivíduo (BRASIL, 1997, p. 33). No trecho que finaliza o tópico, encontramos uma declaração de que os PCN [...] adotam como eixo o desenvolvimento de capacidades do aluno, processo em que os conteúdos curriculares atuam não como fins em si mesmos, mas como meios para a aquisição e desenvolvimento dessas capacidades. Nesse sentido, o que se tem em vista é que o aluno possa ser sujeito de sua própria formação, em um complexo processo interativo em que também o professor se veja como sujeito de conhecimento (BRASIL, 1997, p. 33). A atividade construtiva assim definida nos PCN permite interpretar a realidade e construir significados, ao mesmo tempo que permite construir novas possibilidades de ação e de conhecimento (BRASIL, 1997, p. 37). As representações que o aluno constrói dos conteúdos são interpretações do conhecimento almejado por meio de um processo de construção e aproximações sucessivas que muitas vezes revelam ideias equivocadas e são categorizadas como erros integrantes do processo de aprendizagem. A interpretação do erro declarada no documento é justificada como um avanço da investigação científica na área da aprendizagem e constitui mais uma justificativa para as influências das pesquisas:

181 181 Hoje, graças ao avanço da investigação científica na área da aprendizagem, tornou-se possível interpretar o erro como algo inerente ao processo de aprendizagem e ajustar a intervenção pedagógica para ajudar a superá-lo. A superação do erro é resultado do processo de incorporação de novas ideias e de transformação das anteriores, de maneira a dar conta das contradições que se apresentarem ao sujeito para, assim, alcançar níveis superiores de conhecimento (BRASIL, 1997, p. 37). No item Ensino e Aprendizagem de Matemática no primeiro ciclo dos PCN (anos iniciais do Ensino Fundamental), encontramos o trecho que se refere à aprendizagem significativa de Ausubel. A orientação aos professores é alertar que as crianças trazem consigo noções informais sobre numeração, medida espaço e forma, vivenciadas em diversas situações do cotidiano, antes mesmo do ingresso na escola. O documento destaca que o professor deve investigar quais conhecimentos as crianças possuem, e em que nível, para obter informações que norteiem a elaboração das situações de aprendizagem. Assim, o conceito apresentado nos PCN como aspecto central da perspectiva construtivista é a aprendizagem significativa. Segundo o documento, a aprendizagem será significativa se o aluno conseguir estabelecer relações substantivas e não arbitrárias entre os conteúdos escolares e os conhecimentos previamente construídos por eles, em um processo de articulação de novos significados. A concepção construtivista que norteia o documento é apresentada nos PCN de Matemática do terceiro ciclo como recurso para a criação de situações de aprendizagem que visam a construção de significados: É importante destacar que as situações de aprendizagem precisam estar centradas na construção de significados, na elaboração de estratégias e na resolução de problemas, em que o aluno desenvolve processos importantes como intuição, analogia, indução e dedução (BRASIL, 1998b, p. 63). O construtivismo como concepção de ensino e aprendizagem mostra-se presente em trechos como o que recomenda o trabalho com números racionais nos anos finais do Ensino Fundamental: No entanto, em que pese às relações entre números naturais e racionais, a aprendizagem dos números racionais supõe rupturas com ideias construídas pelos alunos acerca dos números naturais, e, portanto, demanda tempo e uma abordagem adequada. Ao raciocinar sobre os números racionais como se fossem naturais, os alunos acabam tendo que enfrentar vários obstáculos: [...] outro diz respeito à comparação entre racionais: acostumados com a relação 3 > 2, terão que construir uma escrita que lhes parece contraditória, ou seja, 1/3 < 1/2;

182 182 se o tamanho da escrita numérica era um bom indicador da ordem de grandeza no caso dos números naturais (8.345 > 41), a comparação entre 2,3 e 2,125 já não obedece o mesmo critério (BRASIL, 1998a, p. 67). Um importante sociointeracionista, que defende a construção dos conhecimentos por meio de relações, Lev Vygotsky, não tem seu nome declarado no documento, porém seu conceito de zona de desenvolvimento proximal é indicado no texto: Para a estruturação da intervenção educativa é fundamental distinguir o nível de desenvolvimento real do potencial. O nível de desenvolvimento real se determina como aquilo que o aluno pode fazer sozinho em uma situação determinada, sem ajuda de ninguém. O nível de desenvolvimento potencial é determinado pelo que o aluno pode fazer ou aprender mediante a interação com outras pessoas, conforme as observa, imitando, trocando ideias com elas, ouvindo suas explicações, sendo desafiado por elas ou contrapondo-se a elas, sejam essas pessoas o professor ou seus colegas. Existe uma zona de desenvolvimento próximo, dada pela diferença existente entre o que um aluno pode fazer sozinho e o que pode fazer ou aprender com a ajuda dos outros. De acordo com essa concepção, falar dos mecanismos de intervenção educativa equivale a falar dos mecanismos interativos pelos quais professores e colegas conseguem ajustar sua ajuda aos processos de construção de significados realizados pelos alunos no decorrer das atividades escolares de ensino e aprendizagem. [...] Em síntese, não é a aprendizagem que deve se ajustar ao ensino, mas sim o ensino que deve potencializar a aprendizagem (BRASIL, 1997, p. 38) Influências observáveis das pesquisas em Educação Matemática Essa categoria poderia ser um item integrante do Desenvolvimento do currículo, no entanto alocamos para o mesmo nível dessa por atribuir a essa categoria a relevância que busca o nosso trabalho. Aqui os referenciais utilizados são os autores da Educação Matemática, e outras pesquisas são citadas no item Desenvolvimento do currículo, uma vez que os diferentes projetos curriculares assimilam aspectos de produção acadêmica. A trajetória das reformas da área da Matemática é apresentada para compreender como o ensino da Matemática sofreu mudanças nos últimos cinquenta anos. Um relato sobre o MMM que teve abrangência em diferentes países e procurava aproximar a Matemática da escola da Matemática pura com seu excesso de formalismo e ensino de estruturas, que exerceu forte influência nos livros didáticos brasileiros da década de 1970, seguido do documento Agenda para Ação apresentado em 1980 pelo NCTM, cujo foco era o ensino da Matemática por meio da resolução de problemas e considerando também

183 183 aspectos que influenciam a aprendizagem da Matemática: sociais, antropológicos e linguísticos. No trecho seguinte retirado dos PCN de Matemática (BRASIL, 1998a) encontramos um comentário sobre como os resultados das pesquisas e as propostas curriculares chegam aos professores: Aqui, todavia, tanto as propostas curriculares como os inúmeros trabalhos desenvolvidos por grupos de pesquisa ligados a universidades e a outras instituições brasileiras são ainda bastante desconhecidos de parte considerável dos professores que, por sua vez, não têm uma clara visão dos problemas que motivaram as reformas. O que se observa é que ideias ricas e inovadoras não chegam a eles, ou são incorporadas superficialmente ou recebem interpretações inadequadas, sem provocar mudanças desejáveis (BRASIL, 1998a, p. 21). No item Aprender e ensinar Matemática no Ensino Fundamental dos PCN de Matemática para os 1.º e 2.º ciclos é possível identificar o Triângulo Didático de Brousseau (BROUSSEAU, 1986), que propõe três elementos o aluno, o professor e o saber como partes constitutivas de um sistema didático por meio de relações dinâmicas e complexas a partir das interações entre professor e alunos mediadas pelo saber. O estudo dos fenômenos relacionados ao ensino e à aprendizagem da Matemática pressupõe a análise de variáveis envolvidas nesse processo aluno, professor e saber matemático, assim como das relações entre elas (BRASIL, 1998a, p. 29). Outra influência detectada no texto do documento é a expressão transposição didática apresentada por Yves Chevallard em 1985 em seu livro La Transposition Didactique. A transposição didática consiste em transformações do saber científico ao saber ensinado, é o processo que envolve as transformações adaptativas, que vão se tornar o saber científico apto a ser compreendido pelo aluno. O conhecimento matemático formalizado precisa, necessariamente, ser transformado para se tornar passível de ser ensinado/aprendido; ou seja, a obra e o pensamento do matemático teórico não são passíveis de comunicação direta aos alunos. Essa consideração implica rever a ideia, que persiste na escola, de ver nos objetos de ensino cópias fiéis dos objetos da ciência. Esse processo de transformação do saber científico em saber escolar não passa apenas por mudanças de natureza epistemológica, mas é influenciado por condições de ordem social e cultural que resultam na elaboração de saberes intermediários, como aproximações provisórias, necessárias e intelectualmente formadoras. É o que se pode chamar de contextualização do saber (BRASIL, 1998a, p. 30). A História da Matemática, mediante um processo de transposição didática e juntamente com outros recursos didáticos e metodológicos, pode oferecer uma importante contribuição ao processo de ensino e aprendizagem em Matemática (BRASIL, 1998a, p. 34).

184 184 Outra influência das pesquisas em Educação Matemática identificada no documento, porém sem declarada a autoria, é o contrato didático de Brousseau (1980): É importante atentar para o fato de que as interações que ocorrem na sala de aula entre professor e aluno ou entre alunos devem ser regulamentadas por um contrato didático, no qual, para cada uma das partes, sejam explicitados claramente seu papel e suas responsabilidades diante do outro (BRASIL, 1998a, p. 31). O trecho a seguir não contém maiores aprofundamentos no documento, porém destacamos por reconhecermos a importância que tal recomendação possui para que o professor não faça uma má interpretação do uso do cotidiano como a única referência, não apenas isso, ele deve ser explorado para permitir ampliá-lo e estabelecer novas conexões com outras realidades e, também, mais uma vez encontramos referência ao construtivismo: É importante salientar que partir dos conhecimentos que as crianças possuem não significa restringir-se a eles, pois é papel da escola ampliar esse universo de conhecimentos e dar condições a elas de estabelecerem vínculos entre o que conhecem e os novos conteúdos que vão construir possibilitando uma aprendizagem significativa (BRASIL, 1998a, p. 45). A Matemática a serviço de necessidades do cotidiano é expressa em trechos como o seguinte, que também contém uma orientação sobre a representação decimal dos números racionais, e é mais usual que a fracionária. É possível encontrar indícios do uso da Matemática tal como proposto por Almeida (2011): Ao optar por começar o estudo dos racionais pelo seu reconhecimento no contexto diário, deve-se observar que eles aparecem no cotidiano das pessoas muito mais em sua representação decimal (números com vírgula) do que na forma fracionária (BRASIL, 1998a, p. 69). No texto apresentado nos PCN, é possível perceber que a ideia de contexto no documento apresentado um ano depois do anterior está mais amplamente desenvolvida e condiz com as discussões sobre o tema de contextualização (MAIOLI, 2012): Outra distorção perceptível refere-se a uma interpretação equivocada da ideia de contexto, ao se trabalhar apenas com o que se supõe fazer parte do dia a dia do aluno. Embora as situações do cotidiano sejam fundamentais para conferir significados a muitos conteúdos a serem estudados, é importante considerar que esses significados podem ser explorados em outros contextos como as questões internas da própria Matemática e dos problemas históricos. Caso contrário, muitos conteúdos importantes serão descartados por serem julgados, sem uma análise adequada, que não são de interesse para os alunos porque não fazem parte de sua realidade ou não têm uma aplicação prática imediata (BRASIL, 1998b, p. 23).

185 185 No currículo para o segundo ano do Ciclo Básico uruguaio, encontramos uma indicação ao uso da álgebra em outros temas da Matemática. Deparamo-nos com a indicação ao uso do tema de contextualização na própria Matemática (MAIOLI, 2012): Apresentar equações e inequações ao longo de todo o curso em diferentes conjuntos numéricos, sem que seu tratamento seja exclusivo de uma unidade de programa. Esta é uma abordagem transversal, vinculando os diferentes conteúdos do currículo (URUGUAI, 2008, Segundo año do Ciclo Básico. Tradução nossa). A orientação de apresentar os conceitos matemáticos como resolução de problemas da vida cotidiana, em situações em que os conhecimentos se demonstram insuficientes para resolver, é identificada em trechos como o que recomenda o trabalho com números racionais nos últimos anos do Ensino Fundamental: Explorando situações em que usando apenas números naturais não conseguem exprimir a medida de uma grandeza ou o resultado de uma divisão, os alunos identificam nos números racionais a possibilidade de resposta a novos problemas (BRASIL, 1998a, p. 67). O item orientações didáticas para o ciclo II dos PCN apresenta análises dos conceitos e procedimentos a serem ensinados, no tocante a como se relacionam e às formas por meio das quais as crianças constroem esses conhecimentos matemáticos. A preocupação em apresentar algumas dificuldades e hipóteses dos alunos, que devem ser identificadas e trabalhadas pelo professor, por exemplo, representar o número 128 como , é comentada no documento como subsídios para a organização das atividades. A comunicação em Matemática e a relação entre a linguagem matemática e a língua materna são mais um indício da influência encontrada no documento no seguinte trecho que apresenta a orientação de que o professor deve ensinar o aluno a se comunicar matematicamente e compreender a linguagem matemática por meio de símbolos e elementos inerentes a esse tipo de conhecimento: Um aspecto muito peculiar a este ciclo é a forte relação entre a língua materna e a linguagem matemática. Se para a aprendizagem da escrita o suporte natural é a fala, que funciona como um elemento de mediação na passagem do pensamento para a escrita, na aprendizagem da Matemática a expressão oral também desempenha um papel fundamental (BRASIL, 1998a, p. 45). Uma referência direta às pesquisas na área de Educação Matemática é encontrada no seguinte trecho dos PCN:

186 186 O desenvolvimento da investigação na área da Didática da Matemática traz novas referências para o tratamento das operações. Entre elas, encontram-se as que apontam os problemas aditivos e subtrativos como aspecto inicial a ser trabalhado na escola, concomitantemente ao trabalho de construção do significado dos números naturais (BRASIL, 1998a, p. 69). No texto de apresentação do documento, com 148 páginas, para o terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, é possível encontrar uma referência direta à influência das pesquisas no desenvolvimento do currículo de Matemática: Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática têm como finalidade fornecer elementos para ampliar o debate nacional sobre o ensino dessa área do conhecimento, socializar informações e resultados de pesquisas, levando-as ao conjunto dos professores brasileiros (BRASIL, 1998b, p. 15). A influência da Educação Matemática nas reformas curriculares em diversos países é apresentada logo no início dos PCN em uma breve apresentação das reformas curriculares: Discussões no âmbito da Educação Matemática que acontecem no Brasil e em outros países apontam a necessidade de adequar o trabalho escolar a uma nova realidade, marcada pela crescente presença da Matemática em diversos campos da atividade humana. Tais discussões têm influenciado análises e revisões nos currículos de Matemática no Ensino Fundamental (BRASIL, 1998b, p. 19). Em um trecho dos PCN encontramos uma crítica às reformas curriculares da década de 20 no Brasil quanto à resistência dos professores a inovações: Os movimentos de reorientação curricular ocorridos no Brasil a partir dos anos 20 não tiveram força suficiente para mudar a prática docente dos professores para eliminar o caráter elitista desse ensino, bem como melhorar sua qualidade (BRASIL, 1998b, p. 19). A influência das pesquisas é declarada no seguinte trecho dos PCN: Os Parâmetros Curriculares Nacionais para a área de Matemática no Ensino Fundamental estão pautados por princípios decorrentes de estudos, pesquisas, práticas e debates desenvolvidos nos últimos anos, cujo objetivo principal é o de adequar o trabalho escolar a uma nova realidade, marcada pela crescente presença dessa área do conhecimento em diversos campos da atividade humana (BRASIL, 1998b, p. 55). No trecho a seguir encontramos uma citação quanto à influência das pesquisas recomendando o uso de recursos como a calculadora, porém o próprio documento alerta sobre a resistência ao uso: Com relação aos recursos de que o professor pode lançar mão no terceiro ciclo, a calculadora, apesar das controvérsias que tem provocado, tem sido enfaticamente

187 187 recomendada pela maioria dos pesquisadores e mesmo pelos professores do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998b, p. 67). No texto do documento do Uruguai, há um destaque ao papel central do Ensino e do professor no programa. A influência das pesquisas no documento é verificada no seguinte trecho que faz comentários acerca dos três saberes necessários na tarefa de ensinar: o da disciplina, o epistemológico e o didático, e defende a importância da problematização nas aulas de Matemática: As pesquisas nas últimas décadas em relação ao conhecimento destacam a necessidade de identificar, distinguir e relacionar os saberes disciplinar, epistemológico e didático. São os três tipos de conhecimento que estão diretamente envolvidos na tarefa de ensinar. A relevância da problematização para o conhecimento permite alcançar níveis mais elevados de compreensão (URUGUAI, 2008, p 13). A didática da Matemática é citada no programa uruguaio como uma área em construção a partir da contribuição de pesquisas. O documento faz destaque a três pesquisadores: Teoria da Transposição Didática criada por Yves Chevallard (1998) de base antropológica. Define como o saber científico ao ser transformado para se tornar saber para ensinar sofre modificações. Em suma, não se pode falar de ensino sem considerar as diversas transformações sofridas pelos conteúdos disciplinares antes de se tornarem objetos para ensinar. Teoria das Situações Didáticas, de Guy Brousseau (1986) de abordagem epistemológica. Concentra-se a análise sobre a relação entre professor, aluno e conhecimento no âmbito da sala de aula...o sentido do conhecimento matemático se define pelo conjunto de situações que tem resolvido, aqueles em que é definido como teoria matemática e também pelo conjunto de conceitos que rejeita. Teoria dos Campos Conceituais de Gerard Vergnaud (1983) de enfoque cognitivo. Define campo conceitual como um conjunto informal e heterogêneo de problemas, situações, conceitos, relações, estruturas, conteúdos e operações do pensamento, conectados uns com os outros e, provavelmente, entrelaçados durante o processo de aquisição (URUGUAI, 2008, p. 64. Tradução nossa). Outro trecho que apresenta resultados de pesquisas faz referência ao trabalho de Lerner e Sadovsky, de 1995, que indica que as crianças se apropriam aos poucos do conceito de número: As pesquisas de Lerner e Sadovsky (1995) mostram as dificuldades das crianças para compreender os sistemas de numeração. O desafio deve ser abordá-lo como um todo complexo cujas relações não podem ser estabelecidas desde o início (URUGUAI, 2008, p. 64. Tradução nossa).

188 188 No trecho que apresenta um exemplo de comparação de frações decimais percebemos o papel do professor como mediador e o uso de diferentes representações para que os alunos construam o conceito de fração: Você pode problematizar considerando qual das frações é maior e por quê. A lógica da explicação deve dar conta das propriedades e relações que os alunos usam em seus pensamentos e o professor fará suas intervenções e apoios a partir deles. A representação numérica será acompanhada por outros modelos de representação cuja função é favorecer o entendimento dos alunos (URUGUAI, 2008, p Tradução nossa). A seguir, um trecho que recomenda promover a troca e a socialização entre as soluções dos alunos de modo a provocar a reflexão acerca das soluções encontradas: O professor deve desenvolver a atividade permitindo que os alunos manipulem os materiais e registrem por escrito os agrupamentos. Pode socializar os agrupamentos na lousa ou outros meios de comunicação com a finalidade de comparar as soluções e verbalizar os raciocínios. Deve promover a reflexão matemática sobre a adequação da solução adotada em relação com a atividade proposta (URUGUAI, 2008, p Tradução nossa). Nos trechos apresentados podemos perceber indícios de influências de debates promovidos na Educação Matemática nos currículos de Matemática dos dois países. Considerações sobre o capítulo Neste capítulo, fizemos a comparação dos currículos prescritos para o nível equivalente à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental no Brasil e Uruguai, que compreende a faixa etária de 0 a 14 anos, com o objetivo de analisar os currículos de cada país, buscar diferenças e similaridades e identificar qual formação de Matemática está sendo proposta aos alunos. A forma de organização dos currículos prescritos apresenta alguns princípios similares, tais como a definição de blocos de conteúdos, o agrupamento dos conteúdos segundo as categorias conceituais e o estabelecimento de ciclos. Uma singularidade do currículo uruguaio é que este tipo de organização em blocos é utilizado a partir das orientações para a primeira infância que compreende alunos até os três anos. No caso

189 189 brasileiro, a organização em blocos é feita a partir da pré-escola, ou seja, para crianças acima de três anos. É importante destacar que percebemos uma preocupação do currículo uruguaio em apresentar os blocos de conteúdos em todas as séries da educação primária, no entanto a partir do primeiro ano do Ciclo Básico, equivalente ao 7.º ano do Ensino Fundamental no Brasil, alguns blocos de conteúdos não são desenvolvidos. Por exemplo, o bloco Grandezas e Medidas não é abordado em nenhuma das séries do Ciclo Básico. Já o bloco Tratamento da Informação é desenvolvido apenas no terceiro ano do Ciclo Básico. No caso do Brasil, todos os blocos são desenvolvidos, em todos os anos, a partir do segundo ano do Ensino Fundamental. Os currículos dos dois países apresentam o tema Tratamento da Informação, denominado Probabilidade e Estatística no Uruguai. No Brasil, os temas são apresentados a partir do segundo ano do Ensino Fundamental, para crianças de 7 anos, com introdução à Estatística; no Uruguai, o tema é iniciado dois anos antes, com a sistematização de temas como população, eventos e experimentos aleatórios para alunos de 5 anos, no último ano da educação inicial. O currículo uruguaio é estritamente prescritivo, inclusive com a definição para o número de semanas a serem dedicadas à abordagem de cada conteúdo a partir do primeiro ano do Ciclo Básico. Alguns temas são precocemente desenvolvidos como: a exploração de números racionais para crianças em idade pré-escolar (crianças com idade inferior a três anos), enquanto os alunos brasileiros têm a primeira recomendação ao uso de números racionais a partir do quarto ano, ou seja, seis anos após os uruguaios. Outro item apresentado com antecedência no currículo uruguaio é o tema Álgebra: no currículo de quarto ano, equivalente a alunos de 9 anos, o tema é indicado como padrões ou generalização, já no quinto ano é indicada a álgebra para o uso de expressões como o número de diagonais de um polígono convexo. Um recurso metodológico amplamente explorado nos dois currículos é o uso do cálculo mental. No Brasil ocorrem diversas indicações que se iniciam com as recomendações presentes no RCNEF. No Uruguai, também percebemos a ênfase dada ao cálculo mental, uma vez que este tema está presente no bloco Números e Operações em todos os anos da escola inicial e primária do Uruguai.

190 190 A diferença essencial entre esses currículos é que os documentos brasileiros apresentam capítulos dedicados com amplas recomendações metodológicas e didáticas e um rico acervo, inclusive com recortes de produções comentadas de alunos, no caso dos RCNEF. O currículo uruguaio apresenta o rol de conteúdos organizados em tabelas com escassas orientações didáticas. Constatamos que os documentos produzidos para o Brasil contêm a mesma orientação na apresentação dos temas, conseguimos perceber uma coesão entre as recomendações dos três documentos que compreendiam a Educação Infantil e os dois ciclos do Ensino Fundamental. No caso do Uruguai, a orientação é muito diferente como apresentaremos no sexto capítulo deste trabalho, em que entrevistamos elaboradores do currículo, são identificadas claramente diferenças na elaboração e apresentação do currículo. Podemos perceber que nos currículos do Uruguai e do Brasil as finalidades da Matemática são semelhantes. Os currículos dos dois países reconhecem a Matemática como uma construção humana, com características locais, históricas e culturais, cuja função consiste em atender as necessidades da realidade, bem como as outras áreas de conhecimento e à própria Matemática. Observamos nos dois currículos a preocupação quanto ao papel da Matemática na formação de cidadãos críticos. Os dois países apresentam a visão da Matemática para compreender o mundo e como instrumento para agir em sociedade. Constatamos a influência de temas como currículo em espiral ou em rede nos dois países. Em especial nos PCN, é possível perceber a preocupação em aprofundar os níveis de cada contato dos alunos com as temáticas apresentadas. No caso do Uruguai, tal orientação é identificada nos currículos da Educação Inicial e Primária, no entanto o Ciclo Básico rompe com tal organização abandonando temas com um intervalo de três anos, como o bloco Grandezas e medidas. A indicação do programa do Uruguai para que se faça a relação entre os conteúdos e que o currículo em espiral vá progredindo em complexidade aos poucos não é detectada no programa. Percebemos que as redes conceituais da Matemática são áreas separadas com a característica de linearidade bastante contundente. Outro aspecto, presente nos currículos, foram as quatro dimensões encontradas nos documentos de Rico Romero (1997). Os dois currículos lançam mão de argumentos que

191 191 defendem o uso das influências históricas e culturais de cada contexto nos processos de ensino e aprendizagem. No caso dos PCN, há a orientação para o desenvolvimento de projetos interdisciplinares com temas transversais, de modo a possibilitar a relação da Matemática com outras disciplinas e também com contextos extraescolares. Percebemos poucas relações interdisciplinares presentes no currículo uruguaio para a Educação Primária, já no currículo para a Educação Média uruguaia encontramos a abordagem interdisciplinar mais acentuada. O trabalho com contextualização encontra-se presente nos dois currículos. Nos PCN o tema contextualização é recomendado para exploração de contextos cotidianos dos alunos e internos à Matemática, inclusive em contextos históricos. O PEIP uruguaio prevê que o trabalho do professor deve atender à diversidade dos alunos, reconhecendo os diferentes contextos sociais que demandam estratégias diferenciadas de ensino. Os documentos dos dois países declaram reconhecer diferenças entre o currículo prescrito nos documentos e o desenvolvido em sala de aula pelo professor. Podemos identificar alguns dos níveis do desenvolvimento do currículo de Sacristán (2000) no texto de introdução dos PCN ao apresentar os quatro níveis de concretização curricular, que visam expor não etapas sequenciais, mas diferentes amplitudes da elaboração de propostas curriculares, com responsabilidades distintas, que devem ser autônomas e integradas. Percebemos que indicação ao uso de recursos metodológicos, como calculadoras, história da Matemática, jogos e computadores, está presente nos documentos dos dois países. O currículo uruguaio apresenta uma preocupação singular em declarar alguns referenciais teóricos da Educação Matemática. Difere dos documentos brasileiros, nos quais podemos perceber as influências de pesquisas na área da Educação, da Psicologia e da Educação Matemática em trechos que indicam o Construtivismo, a aprendizagem significativa e o tratamento dos erros como recurso para promover a aprendizagem, mas não encontramos referências diretas. O documento uruguaio não apenas faz citação aos autores, mas reproduz trechos das obras, e isto nos mostra a diferença também na cultura e vai além do que podemos comparar neste trabalho. A análise cultural demanda outras vertentes para ser realizada; no entanto, a partir da nossa cultura percebemos e interpretamos o mundo, ou seja, ao olharmos a cultura uruguaia usamos lentes brasileiras.

192 192 Para tanto, por mais que tentemos ser independentes em um estudo científico, trata-se de uma tarefa quase impossível isentar nossa subjetividade ao observar os dados. Em termos de avaliação, os dois currículos trazem crítica ao seu uso como instrumento de controle, e defendem a utilização reflexiva dos resultados da avaliação de modo que, para o professor, deve fornecer dados para melhorar o ensino e, para o aluno, deve dar informações que permitam o reconhecimento dos saberes conquistados e dificuldades a serem superadas. No tocante à abordagem da Matemática com a metodologia de resolução de problemas, chamou-nos a atenção o fato de os documentos dos dois países se preocuparem em distinguir exercícios de problema. Os documentos recomendam o uso da metodologia de resolução de problemas para colocar os alunos diante de situações novas e desafiadoras, que devem ser conduzidas pelo professor. Conseguimos identificar as várias recomendações do quadro teórico contempladas em maior ou menor intensidade nos dois currículos. Há algumas temáticas mais presentes, tal como a preocupação com o uso da Matemática para contribuir com a formação de cidadãos críticos, preparados para as demandas da sociedade e que façam uso da Matemática para resolver problemas oriundos em outros contextos não apenas inerentes à disciplina. É possível inferir que os currículos dos dois países atendem aos princípios para caracterizar um currículo enculturador proposto por Bishop (1991). A seguir, apresentaremos a análise comparativa dos currículos para o nível equivalente ao Ensino Médio no Brasil.

193 193 CAPÍTULO 5 CURRÍCULOS DE MATEMÁTICA PRESCRITOS PARA O ENSINO MÉDIO NO BRASIL E URUGUAI Introdução Neste capítulo faremos uma análise dos currículos de Matemática prescritos para o Ensino Médio (Brasil) e Ensino Secundário (Uruguai). Para tais fins, utilizaremos as mesmas categorias analíticas elencadas a partir dos aportes teóricos e metodológicos empregadas para a análise dos currículos prescritos para o Ensino Fundamental e Educação Infantil: finalidades da Educação Matemática; seleção de conteúdos anos iniciais e finais; organização de conteúdos; orientações didáticas e metodológicas; avaliação da aprendizagem. Tabela 5: Documentos analisados para o EM do Brasil e Uruguai Documentos oficiais Brasil Uruguai Categorias Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio CEB n;º 15/1998 (BRASIL, 1998c) Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 2000) PCN + Ensino Médio. Orientações curriculares Complementares aos PCN (BRASIL, 2002) Orientações curriculares para o Ensino Médio Ciências da natureza, Matemática e suas tecnologias (BRASIL, 2006) Marcos Curriculares Propuesta Programática Matemática Educación Media Básica (URUGUAI, 2003) TEMS Transformación de la Educación Media Superior (URUGUAI, 2001) Reformulacion do Bachillerato 2006 (URUGUAI, 2010 a-c) No Brasil, há uma profusão de documentos publicados para o Ensino Médio com a justificativa de complementaridade entre as publicações. Reconhecemos que eles

194 194 apresentam algumas características e informações diferenciadas, porém há duplicidade em muitos trechos que poderiam ser organizados de modo mais enxuto preservando o título inicial Parâmetros Curriculares Nacionais, apenas acrescidos de anexos, para melhorar a organização do currículo e, principalmente, seu uso. O documento brasileiro se estende a recomendações didáticas e metodológicas e não se aventura em mudar a grade de disciplinas ou até acrescentar ou retirar conteúdos tradicionais. Por serem de natureza tão diferente, a comparação dos currículos do Brasil e do Uruguai para o Ensino Médio não é equitativa, isto é, algumas categorias quase que exclusivamente servem para caracterizar um determinado país, enquanto outras conseguem ser compreendidas pelos currículos das duas nações Brasil: Organização do Ensino Médio e prescrições curriculares Antes de iniciar nossa análise sobre o currículo de Matemática do Ensino Médio do Brasil e Uruguai, é necessário apresentar como cada país organizou esse nível de escolaridade. No Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) são normas obrigatórias para a Educação Básica que orientam o planejamento curricular das escolas e dos sistemas de ensino. As DCN são discutidas, concebidas e fixadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) da Câmara de Educação Básica (CEB). O texto do Parecer CNE/CEB n.º 15, de 1.º de junho de 1998 (BRASIL, 1998i), normatiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), tal qual o Parecer para o Ensino Fundamental define que cabe a cada Estado e Município elaborar suas propostas curriculares a partir de um paradigma curricular integrado à Base Nacional comum e Parte diversificada. O texto das DCNEM usa a expressão desigualdade educacional para se referir ao nível de Ensino Médio, que era um privilégio de poucos e que aprofundou a fratura social e produziu a pior distribuição de renda do mundo. No mesmo trecho, a universalização de tal nível é definida como estratégia para garantir a competitividade econômica e o exercício da cidadania (BRASIL, 2000, PCNEM).

195 195 O início da expansão da escola obrigatória em meados do século XX propiciou a universalização. No entanto, o aumento do número de matrículas no Ensino Fundamental não foi acompanhado da melhoria da qualidade de ensino, detectado pelas altas taxas de repetência e evasão. A expansão do Ensino Médio corria o risco de seguir o mesmo caminho, repetindo erros de outrora. A vulnerabilidade da educação média em relação à desigualdade social é um dos temas debatidos no texto das DCNEM, que na época havia duas interpretações: os mais ricos esperam do nível uma função propedêutica e acadêmica que sirva de preparação para os estudos futuros e, aos mais pobres, tal nível deve propiciar orientações mais profissionalizantes, visando o mercado de trabalho e condizendo com a proximidade da maioridade civil. Os DCNEM recomendam, para superar mais rapidamente a desigualdade do Ensino Médio brasileiro, que é necessário aproveitar a experiência de outros países com esse nível de ensino: Contextualizada no cenário mundial, e vista sob o prisma da extrema desigualdade que marca seu sistema de ensino, a situação do Brasil é verdadeiramente alarmante. O Ensino Médio de maioria é ainda um ideal a ser colocado em prática. Para isso será necessário sair do século XIX e chegar ao XXI suprimindo etapas nas quais, ao longo do século XX, muitos países ousaram experimentar e aprender. [...] O exercício de aproximação dos séculos poderá ser feito de forma inteligente se tivermos presente a experiência de outros países para evitar os equívocos que eles não puderam evitar (BRASIL, 1998c, p. 8-9). O texto que inicia as DCNEM publicadas pelo CEB n.º 15/1998 apresenta a mesma preocupação dos PCNEF em registrar as etapas de elaboração do documento. É relatado que as diretrizes foram elaboradas a partir de visões, experiências, expectativas e inquietudes que afligiam não apenas a sociedade brasileira, mas, especialmente, seus educadores. Além dos pareceristas, outros brasileiros e estrangeiros que participaram do Seminário Internacional de Políticas de Ensino Médio, organizado pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed), em colaboração com a Secretaria de Educação de São Paulo, em 1996, contribuíram com o debate curricular. Destacamos o trecho a seguir que indica uma influência direta da globalização: Essa iniciativa ampliou a compreensão da problemática da etapa final de nossa Educação Básica, examinada à luz do que vem se passando com a Educação Secundária na Europa, América Latina e Estados Unidos da América do Norte. Sua importância foi tanto maior quanto mais débil é a tradição brasileira de Ensino Médio universalizado (BRASIL, 1998c, p. 12).

196 196 Entre os participantes da elaboração das Diretrizes para o EM, o documento destaca os representantes dos órgãos normativos e executivos dos sistemas de ensino estaduais, das entidades educacionais como a Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPEd), a Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE), o Consed, o Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação, a União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação, as universidades públicas e privadas, as associações de escolas particulares de Ensino Médio, as instituições do Sistema S (Senai, Senac, Senar), a Semtec, as escolas técnicas federais. Os DCNEM dizem que uma organização curricular deve romper com o currículo enciclopédico e priorizar o desenvolvimento de competências, em especial, a capacidade de continuar aprendendo. Para tal, as estratégias de ensino devem mobilizar as competências cognitivas superiores e possibilitar a interação entre aluno-aluno e alunoprofessor para permitir a construção coletiva do conhecimento. Essa organização deve favorecer o trabalho interdisciplinar e o desenvolvimento de projetos para provocar um diálogo entre as áreas de conhecimento, utilizar contextos a partir das relações entre os conteúdos e dar significado ao aprendido para que o aluno seja estimulado a ter um papel decisivo, protagonista da sua aprendizagem e a ter autonomia intelectual. Aprender a aprender e a pensar, a relacionar o conhecimento com dados da experiência cotidiana, a dar significado ao aprendido e a captar o significado do mundo, a fazer a ponte entre teoria e prática, a fundamentar a crítica, a argumentar com base em fatos, a lidar com o sentimento que a aprendizagem desperta (BRASIL, 1998c, p. 37). A Base Nacional Comum é organizada nas DCNEM em três áreas do currículo para o Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias. Os PCN+EM apresentam como justificativa para a organização das unidades temáticas nas três séries do Ensino Médio o projeto de formação dos alunos: [...] em todas as disciplinas da área, os temas de estudo da primeira série deveriam tratar do entorno das informações que cercam os alunos, numa visão contextualizada, colocando-os em contato com as primeiras ideias e procedimentos básicos para ler e interpretar situações simples. Na segunda série, já poderia haver uma mudança significativa no sentido de que cada disciplina mostrasse sua dimensão enquanto Ciência, com suas formas características de pensar e modelar fatos e fenômenos. A terceira série ampliaria os aprendizados das séries anteriores com temas mais abrangentes que permitissem ao aluno observar e utilizar um grande número de informações e procedimentos, aprofundando sua compreensão sobre o que significa pensar em Matemática e

197 197 utilizar os conhecimentos adquiridos para análise e intervenção na realidade (BRASIL, 2002, p. 128). Em seguida, os PCNEM fazem referência aos três volumes que se referem a cada área de conhecimento, conforme a disposição da Resolução CEB/CNE n.º 3/1998 (BRASIL, 1998i): Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias que apresentam a fundamentação teórica de cada área e orientações quanto à seleção de conteúdos e quanto aos métodos a serem desenvolvidos em cada disciplina. Figura 11: Áreas do Currículo do Ensino Médio no Brasil (PCNEM, 2000, p. 22) Ao agrupar a Matemática na área Ciências da Natureza e Matemática, a preocupação maior era em termos didáticos para aproximar a Matemática das ciências que a utilizam como expressão dos conhecimentos e como recursos e, principalmente, retirar seu isolamento didático que comumente acontece nas escolas. As habilidades e competências que pretendem ser desenvolvidas na área das Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias são: compreender as ciências como construções humanas, entendendo como elas se desenvolvem por acumulação, continuidade ou ruptura de paradigmas, relacionando o desenvolvimento científico com a transformação da sociedade; entender e aplicar métodos e procedimentos próprios das Ciências Naturais;

198 198 identificar variáveis relevantes e selecionar os procedimentos necessários para produção, análise e interpretação de resultados de processos ou experimentos científicos e tecnológicos; apropriar-se dos conhecimentos da Física, da Química e da Biologia, e aplicar esses conhecimentos para explicar o funcionamento do mundo natural, planejar, executar e avaliar ações de intervenção na realidade natural; compreender o caráter aleatório e não determinístico dos fenômenos naturais e sociais e utilizar instrumentos adequados para medidas, determinação de amostras e cálculo de probabilidades; identificar, analisar e aplicar conhecimentos sobre valores de variáveis, representados em gráficos, diagramas ou expressões algébricas, realizando previsão de tendências, extrapolações e interpolações, e interpretações; analisar qualitativamente dados quantitativos, representados gráfica ou algebricamente, relacionados a contextos socioeconômicos, científicos ou cotidianos; identificar, representar e utilizar o conhecimento geométrico para o aperfeiçoamento da leitura, da compreensão e da ação sobre a realidade; entender a relação entre o desenvolvimento das Ciências Naturais e o desenvolvimento tecnológico, e associar as diferentes tecnologias aos problemas que se propuseram e propõem solucionar; entender o impacto das tecnologias associadas às Ciências Naturais na sua vida pessoal, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social; aplicar as tecnologias associadas às Ciências Naturais na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida; compreender conceitos, procedimentos e estratégias matemáticas, e aplicá-las a situações diversas no contexto das ciências, da tecnologia e das atividades cotidianas (BRASIL, 1998c, p. 63). No Quadro 7, apresentamos uma matriz curricular para o Ensino Médio das escolas estaduais do Estado de São Paulo:

199 199 Quadro 7: Matriz curricular Ensino Médio diurno das escolas estaduais do Estado de São Paulo Fonte: Secretaria da Educação São Paulo (2012) Se compararmos a evolução da Matrícula do Ensino Médio em duas décadas, podemos verificar que houve um crescimento expressivo. Em 1991 foram matrículas, passando para em 2010 (Fonte: MEC/Inep). No decorrer desses vinte anos, a matrícula no Ensino Médio aumentou 122%. No entanto, a proporção da expansão na oferta do Ensino Médio ampliou o acesso dos jovens a esse nível de ensino, mas não a qualidade. Há outras barreiras a serem derrubadas, como o problema da falta de infraestrutura física e pedagógica, a falta de professores qualificados, em especial nas matérias de Química, Física e Matemática, 44 e a má formação continuada dos profissionais da educação. 44 Em 2007, 58% dos professores que lecionavam Matemática no Ensino Médio eram habilitados na disciplina. As disciplinas de Química e Física apresentam dados mais alarmantes, com 38% e 25% dos professores habilitados respectivamente. Dados divulgados pelo MEC/Inep.

200 200 Pesquisadores como Schwartzman (2010) reforçam a crítica ao nosso Ensino Médio, com uma formação praticamente única que não oferece alternativas para que estudantes com interesses diferentes sigam percursos diversos de formação. Apenas um pequeno número de matrículas é oferecido aos estudantes que desejam seguir a Educação Profissional Técnica integrada ao Ensino Médio tradicional. A excessiva e formal grade de cursos é outro tema da crítica do pesquisador ao explanar sobre o ensino enciclopedista: Há uma carga muito grande de cursos em que se pede ao aluno para decorar e repetir certos conteúdos. O sistema não é formativo e está muito condicionado pela competição para a universidade o que determina o conteúdo dos cursos. Os cursos considerados melhores no Ensino Médio são aqueles que preparam melhor para os vestibulares mais competitivos. Essa formação não é muito adequada (SCHWARTZMAN, 2010, paginação irregular). A formação propedêutica, quase que exclusivamente dirigida a preparar os alunos para o vestibular, um dos sistemas de acesso à Educação Superior, prejudica aqueles que não pretendem ingressar em um curso universitário. Tal discussão estava presente nas recomendações dos documentos curriculares e ainda aparece em debates, como de Schwartzman, que criticam a formação geral do Ensino Médio atual, que oferece assuntos demais e não permite que o aluno aprofunde em temas que realmente lhe interessem: Até o presente, a organização curricular do Ensino Médio brasileiro teve como referência mais importante os requerimentos do exame de ingresso à educação superior. A razão disso, fartamente conhecida e documentada, pode ser resumida muito simplesmente: num sistema educacional em que poucos conseguem vencer a barreira da escola obrigatória, os que chegam ao Ensino Médio destinam-se em sua maioria aos estudos superiores para terminar sua formação pessoal e profissional. Mas essa situação está mudando e vai mudar ainda mais significativamente nos próximos anos (BRASIL, 1998c, p. 8). No primeiro tipo de articulação está colocada toda a problemática do exame de ingresso no Ensino Superior que, até o presente, tem sido a referência da organização curricular do Ensino Médio. A continuidade de estudos é e continuará sendo com atalhos exigidos pela inserção precoce no mercado de trabalho, ou de modo mais direto um percurso desejado por muitos jovens que concluem a Educação Básica. E possível, com diferentes graus de dificuldades, para uma parte deles (BRASIL, 1998c, p. 69). Por exemplo: a quantidade de cursos que os alunos têm de fazer um pouquinho de química, um pouquinho de física, um pouquinho de filosofia, um pouquinho de história no final, ele não aprende nada (SCHWARTZMAN, 2010, paginação irregular). A discussão acerca do tipo de formação oferecida aos estudantes desse nível de ensino não é exclusividade do Brasil. A UNESCO tem realizado diversos estudos na América Latina a fim de contribuir com a construção coletiva de um modelo educacional

201 201 que responda às transformações científica, econômica, social e tecnológica. A publicação da UNESCO (2013), denominada Currículo integrado para o Ensino Médio: das normas à prática transformadora, apresenta formas de auxiliar o enfrentamento dos desafios do Ensino Médio, com propostas voltadas para a integração entre as disciplinas da formação geral e da educação profissional. O documento apresenta algumas análises de experiências brasileiras e internacionais na implantação de Ensino Médio articulado com a educação profissional. O modelo de ensino profissionalizante do Ensino Médio uruguaio é uma das experiências relatadas no documento. No entanto, não faremos a análise de tal curso, uma vez que nosso objetivo é a comparação do currículo voltado à formação geral do Ensino Médio. Não é o escopo deste trabalho uma detalhada análise da organização do Ensino Médio dos países. Entretanto, ao fazer o estudo comparativo, a estrutura definida por cada país nesse nível de ensino apresenta características distintas de modo a inviabilizar traços comuns para efeitos de comparação. Portanto, faremos tentativas de elencar alguns elementos que permitam efetuar um debate, porém não seguiremos a estrutura utilizada na comparação dos currículos de Matemática referentes ao Ensino Fundamental dos países Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, PCN+EM e Orientações curriculares para o Ensino Médio Publicados em 2000, os PCNEM consistiram em uma reformulação da educação brasileira e organizaram o Ensino Médio em três áreas de conhecimento com o objetivo de organizar, articular e contextualizar as disciplinas do currículo: Ciências da Natureza e Matemática; Ciências Humanas; Linguagens e Códigos, em que está inserido o ensino de Línguas Estrangeiras Modernas. Os PCNEM se dividem na caracterização do novo Ensino Médio no tocante às relações entre as necessidades contemporâneas do mundo do trabalho e de outras práticas sociais, a metodologia de trabalho utilizada para a elaboração da proposta, os fundamentos legais que orientam a proposta de reforma curricular do Ensino Médio, o papel da educação na sociedade tecnológica e os fundamentos teóricos da reforma curricular e a

202 202 organização do Ensino Médio. O documento tem dois objetivos distintos: difundir os princípios da reforma curricular e orientar o professor, na busca de novas abordagens e metodologias. Figura 12: Documentos curriculares brasileiros para EM Em 2002, foram publicados os três volumes denominados Orientações Curriculares Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+EM). A publicação teve como objetivo ampliar as orientações apresentadas no PCNEM e explicitar elementos que não haviam sido contemplados na publicação anterior, como a definição de conteúdos e orientações metodológicas de cada disciplina. Recomendações de como promover a articulação entre as disciplinas e como avaliar as aprendizagens dos alunos são temas compreendidos pela publicação, assim como a apresentação de competências e habilidades a serem desenvolvidas em cada disciplina. A publicação também tem a intenção de dar continuidade à formação profissional docente na escola indicando possibilidades de instrumentação e aperfeiçoamento para o trabalho. No ano de 2006, após quatro anos de implementação dos PCN+EM, foram publicadas novas orientações ao Ensino Médio, sob o título Orientações Curriculares para

203 203 o Ensino Médio, com o objetivo de complementar e facilitar a organização do trabalho escolar apresentando, de forma mais detalhada, sugestões de procedimentos pedagógicos que mais se adéquam às transformações sociais e culturais do mundo contemporâneo. Foram publicados três volumes, um para cada área de conhecimento. O documento Orientações Curriculares para o Ensino Médio é apresentado como um conjunto de reflexões que servem como apoio à prática docente cuja finalidade é oferecer alternativas didático-pedagógicas para atender às necessidades e às expectativas das escolas e dos professores na estruturação do currículo para o Ensino Médio. As publicações mostram como se desenvolveu o processo de elaboração dos documentos. Segundo os PCNEM, a reforma curricular foi pautada em um modelo de diálogo constante entre: os dirigentes da Secretaria de Educação Média e Tecnológica, a equipe técnica coordenadora do projeto da reforma, professores universitários, professores e técnicos de escolas de Ensino Médio, representantes das Secretarias Estaduais de Educação, representantes dos sindicatos de professores e os diversos setores da sociedade civil, ligados direta ou indiretamente à educação. A equipe técnica apresentou a proposta de uma reorganização curricular em áreas de conhecimento, com a finalidade de facilitar o desenvolvimento dos conteúdos, em uma perspectiva de interdisciplinaridade e contextualização. A partir da primeira versão submetida à apreciação de representantes de todas as Secretarias Estaduais de Educação, eram promovidos debates com professores e técnicos que atuavam no Ensino Médio, que visavam uma análise crítica do material com sugestões de aperfeiçoamento dos documentos. A segunda etapa consistiu em submeter os documentos à apreciação dos Secretários de Estado, com a participação de consultores e especialistas, e a divulgação dos textos entre professores de outras universidades que não participaram da primeira etapa. Ao mesmo tempo, os documentos foram apresentados a professores atuantes em escolas públicas dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro para verificar a compreensão e receptividade em relação aos documentos produzidos. Os índices de aceitação do material foram muito satisfatórios, segundo os PCNEM. A conclusão do processo de elaboração dos documentos foi encerrada em junho de 1997 seguida das etapas legais de aguardo do parecer ao CNE, aprovado em 1.º de junho de 1998, o parecer CNE/CEB n.º 15/1998, a

204 204 Resolução que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, a Resolução CNE/CEB n.º 03/1998, à qual o Parecer se integra. Nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio encontramos também a referência ao currículo que efetivamente é trabalhado em sala de aula: O Projeto Pedagógico e o Currículo da Escola devem ser objetos de ampla discussão para que suas propostas se aproximem sempre mais do currículo real que se efetiva no interior da escola e de cada sala de aula (BRASIL, 2006, p. 9). A organização curricular apresentada a seguir pertence pois ao âmbito do currículo proposto. Contraditório que possa ser chamar as presentes diretrizes curriculares, obrigatórias por lei, de currículo proposto, essa é a forma de reconhecer que o desenvolvimento curricular real será feito na escola e pela escola. O projeto ou proposta pedagógica será o plano básico desse desenvolvimento pelo qual o currículo proposto se transforma em currículo em ação. O currículo ensinado será o trabalho do professor em sala de aula. Para que ele esteja em sintonia com os demais níveis o da proposição e o da ação é indispensável que os professores se apropriem não só dos princípios legais, políticos, filosóficos e pedagógicos que fundamentam o currículo proposto, de âmbito nacional, mas da própria proposta pedagógica da escola. Outro reconhecimento portanto aqui se aplica: se não há lei ou norma que possa transformar o currículo proposto em currículo em ação, não há controle formal nem proposta pedagógica que tenha impacto sobre o ensino em sala de aula, se o professor não se apropriar dessa proposta como seu protagonista mais importante. Entre o currículo proposto e o ensino na sala de aula, situam-se ainda as instâncias normativas e executivas estaduais, legítimas formuladoras e implementadoras das políticas educacionais em seus respectivos âmbitos. O edifício do Ensino Médio se constrói assim em diferentes níveis nos quais há que estabelecer prioridades, identificar recursos e estabelecer consensos sobre o que e como ensinar (BRASIL, 1998c, p. 59. Grifo nosso). O documento Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) é apresentado em três aspectos: a escolha de conteúdos; a maneira de desenvolver os conteúdos; o projeto pedagógico e a organização curricular Uruguai: Organização do Ensino Médio e prescrições curriculares Em 2003 houve uma mudança curricular realizada em termos experimentais em dezessete escolas denominada programa TEMS 45 Transformação do Ensino Médio Superior. Para justificar a proposta, o texto do portal do Conselho de Educação Secundária 45 Disponível em: < Acesso em: 15 jan

205 205 (CES) do Uruguai explicita que a educação pública uruguaia tem seu papel reconhecido quanto à qualidade e sua função de instrumento de mobilidade social. No entanto, o nível superior tem apresentado desafios e se torna um verdadeiro gargalo que impede o fluxo e afeta inúmeros jovens uruguaios. A proposta de transformar a Educação Secundária Média pretende mudar lentamente e sem pressa, algumas características próprias dos atuais bachilleratos gerais que são anacrônicas, disfuncionais e frustrantes para uma porcentagem significativa de jovens uruguaios (URUGUAI, 2001, paginação irregular. Tradução nossa). A publicação do programa ocorreu apenas em plataforma meio digital no portal da CES. A Ilustração 13 traz como o site apresenta o programa para o Ensino Secundário Superior ou Bachillerato: Figura 13: Site do Conselho de Educação Secundária do Uruguai O objetivo final do programa uruguaio era melhorar o desempenho dos alunos aumentando o número daqueles que encerram o curso em três anos. Segundo dados do CES uruguaio, apenas 20% concluíam o curso no tempo mínimo, e o tempo de conclusão do nível, em média, de 5 a 6 anos. O texto do currículo uruguaio declara que sua finalidade pretende atender a formação para a vida, a cidadania, o mundo do trabalho e o prosseguimento dos estudos de nível superior. O programa uruguaio define competências, entendidas como conhecimento em ação, que são alcançadas apenas pelo conteúdo.

206 206 Com o TEMS, as seguintes mudanças foram introduzidas no currículo: novos espaços de equivalência, exploratória ou opcional e descentralizada; os indivíduos agrupados em trajetos; novos critérios de avaliação e de creditação; sistema de orientação e tutoria; extensão da permanência do aluno na instituição; incorporação da metodologia de trabalho do projeto (acadêmicos, de investigação ou de produção), que será decisiva inovação no campo da avaliação (URUGUAI, 2001, paginação irregular. Tradução nossa). Com a finalidade de alcançar a formação desejada, projetou-se um currículo organizado em diferentes espaços, gerando competências gerais e específicas, com a função de atuar como organizadores das disciplinas e atividades. Esses espaços de equivalência deveriam permitir a navegabilidade, reforçando as competências essenciais, as motivações vocacionais específicas ligadas ao estudante. A organização descentralizada do currículo foi criada para que cada instituição fosse responsável pelo o desenvolvimento curricular, considerando o que é relevante para a sua comunidade e contextos. As disciplinas curriculares foram agrupadas em três trajetos: Comunicação e Expressão, Ciência e Matemática e Filosofia e Ciências Sociais. A estrutura curricular do Ensino Médio Superior proposta no TEMS apresentava o primeiro ano do Bachillerato orientador, único com a função de servir como um espaço para exploração e investigação dos interesses dos alunos. No segundo ano, as particularidades eram expressas nas diferentes orientações (Artes e Comunicação, Ciências da Vida e Saúde, Ciência Matemática, Ciências Humanas e Sociais e Línguas) com mais especificidade no terceiro ano com Esporte e saúde, Meio Ambiente e Recursos Naturais, Estudos Econômicos, Pesquisa em Ciências Sociais, Direitos Humanos, Design etc. A característica flexível do currículo tinha a intenção de canalizar os diversos interesses dos jovens para atraí-los e manter a maioria nas escolas. Para cada tipo de formação ou diretriz que o jovem escolhesse, era possível dar continuidade aos estudos, seja na Educação Superior ou na terciária universitária.

207 207 O programa uruguaio não possui um documento integrado. O portal do Conselho de Educação Secundária (CES 46 ) apresenta links para documentos com os conteúdos a serem desenvolvidos nas diversas disciplinas a partir das opções realizadas sobre o tipo de formação a ser cursada pelo aluno. O texto contido no programa TEMS recomenda mudanças na prática pedagógica para aumentar a motivação dos professores e alunos e provocar o engajamento, o empenho e a criatividade dos diversos atores do processo educativo. A proposta pretende gerar uma mudança que afeta essencialmente as práticas educativas do Ensino Médio uruguaio com o objetivo de remover o ensino enciclopédico, a rotina de propostas e informações hierarquizadas e organizadas sem relevância e utilidade, e avaliação baseada na mera evocação do conhecimento desconectada da aprendizagem. Um destaque do documento uruguaio no combate à abordagem de direcionar o currículo do Ensino Secundário para uma etapa propedêutica dos estudos de nível superior: Isto indica que as orientações não têm uma finalidade propedêutica, mas formativa, e que partem de um reconhecimento da heterogeneidade existente na população de jovens (URUGUAI, 2001, paginação irregular. Tradução nossa). Depois de três anos, uma nova organização do Ensino Médio foi apresentada. Tal como a anterior, a estrutura curricular da Educação Média Superior uruguaia foi desenvolvida com o objetivo de permitir o desenvolvimento de diversas competências e corresponder à necessidade de adaptar as atividades, os projetos e servir de apoio aos interesses dos estudantes. A reforma curricular de 2006 não apresentou um texto com orientações gerais, apenas ementas gerais de cada disciplina 47 dos três anos do Bachillerato, equivalentes ao Ensino Médio no Brasil. Como as duas propostas são apresentadas no portal da CES e a mudança de 2006 é identificada como uma reformulação, decidimos por efetuar a análise do documento elaborado para apresentar o programa de Matemática do primeiro ano do 46 Disponível em: < Acesso em: 14 dez Disponível em: < Acesso em: 21 jan

208 208 Bachillerato, denominado Propuesta Programática (PLAN Matemática). 48 A escolha se deve ao fato de tal documento apresentar diversas recomendações metodológicas e didáticas e finalidades para o estudo de Matemática que não conseguimos identificar nas análises do currículo de A partir do segundo ano do Bachillerato, o aluno pode optar por alguma das seguintes especializações: humanística, científica, biológica ou arte e expressão. Apenas na opção científica o programa apresenta a disciplina de Matemática além do núcleo comum. O terceiro ano do Bachillerato apresenta sete percursos formativos diferentes, de modo a aumentar o interesse dos jovens nos estudos secundários superiores, ampliar o número de concluintes, diminuir o tempo de conclusão do curso e evitar a evasão. O primeiro ano do Ensino Médio é comum a cada um dos percursos. O objetivo do primeiro ano é auxiliar o aluno a definir sua orientação futura. No Quadro 8, apresentamos a matriz curricular para o primeiro ano do Bachillerato (URUGUAI, 2003): Quadro 8: Matriz curricular Primeiro ano do Bachillerato Fonte: Site do Conselho de Educação Secundária do Uruguai 48 Disponível em: < Acesso em: 21 jan

209 209 A partir do segundo ano do Bachillerato, o aluno tem à sua escolha quatro tipos de diversificação: Humanística, Científica, Biológica e a opção Arte e Expressão. Quadro 9: Matriz curricular Segundo ano do Bachillerato O terceiro ano do Bachillerato amplia a possibilidade de escolha e especialização e apresenta sete tipos de opção: Social-econômica, Físico-matemática, Ciências Biológicas, Social-humanística, Matemática Desenho, Ciências Agrárias e a opção Arte e Expressão. Quadro 10: Matriz curricular Terceiro ano do Bachillerato (continua) Fonte: Site do Conselho de Educação Secundária do Uruguai

210 210 Quadro 10: Matriz curricular Terceiro ano do Bachillerato (conclusão) Fonte: Site do Conselho de Educação Secundária do Uruguai Mais á frente apresentaremos a comparação entre algumas ementas das disciplinas para compreender como a Matemática contempla cada especificidade Finalidades da Matemática nos currículos do Ensino Médio do Brasil e do Uruguai A concepção da Matemática expressa nos PCN+EM de que o conhecimento matemático contribua com a formação do jovem em uma gama extensa de situações que vão desde a vida cotidiana, situações profissionais, relações com outras áreas do saber e a extensão da própria Matemática, como uma ciência que possui características próprias que nesse nível de escolaridade são ampliadas, se aproxima dos critérios relações, recomendado por Doll Jr. (1997), e ressignificação, de Silva (2009): Em nossa sociedade, o conhecimento matemático é necessário em uma grande diversidade de situações, como apoio a outras áreas do conhecimento, como instrumento para lidar com situações da vida cotidiana ou, ainda, como forma de desenvolver habilidades de pensamento. No Ensino Médio, etapa final da escolaridade básica, a Matemática deve ser compreendida como uma parcela do conhecimento humano essencial para a formação de todos os jovens, que contribui para a construção de uma visão de mundo, para ler e interpretar a realidade e para desenvolver capacidades que deles serão exigidas ao longo da vida social e profissional. Nessa etapa da escolaridade, portanto, a Matemática vai além de seu caráter instrumental, colocando-se como ciência com características próprias de investigação e de linguagem e com papel integrador importante junto às demais Ciências da Natureza. Enquanto ciência, sua dimensão histórica e sua estreita

211 211 relação com a sociedade e a cultura em diferentes épocas ampliam e aprofundam o espaço de conhecimentos não só nesta disciplina, mas nas suas inter-relações com outras áreas do saber (BRASIL, 2002, p. 111). Na apresentação da disciplina de Matemática, os PCN+EM justificam que o conhecimento matemático é empregado em diversas situações da vida cotidiana, seu uso serve como apoio a outras áreas do conhecimento e também como forma de desenvolver habilidades que instrumentalizam e estruturam o pensamento do aluno. O documento prevê que o ensino da Matemática capacite o aluno a compreender e interpretar situações, por meio de linguagens específicas, para analisar e avaliar e tirar conclusões próprias para a tomada de decisões. O objetivo é que o ensino de Matemática desenvolva no aluno competência de resolver problemas: A resolução de problemas é peça central para o ensino de Matemática, pois o pensar e o fazer se mobilizam e se desenvolvem quando o indivíduo está engajado ativamente no enfrentamento de desafios. Essa competência não se desenvolve quando propomos apenas exercícios de aplicação dos conceitos e técnicas matemáticos, pois, neste caso, o que está em ação é uma simples transposição analógica: o aluno busca na memória um exercício semelhante e desenvolve passos análogos aos daquela situação, o que não garante que seja capaz de utilizar seus conhecimentos em situações diferentes ou mais complexas (BRASIL, 2002, p. 112). O seguinte trecho explicita o papel central da metodologia de resolução de problemas no programa uruguaio para as opções Ciências Biológicas e Agrárias do terceiro ano do Bachillerato: A resolução de problemas tem, neste curso, como nos anos anteriores, papel principal. Isso requer o levantamento de problemas que permitam ao aluno realizar um processo que inclui a intuir, conjecturar, selecionar o modelo matemático adequado e aplicá-lo à situação levantada semelhante ao realizado, geralmente em todas as ciências e, particularmente, nas ciências relacionadas com a orientação (URUGUAI, 2010e, p. 1. Tradução nossa). Um dos objetivos declarados no currículo uruguaio se assemelha ao texto do documento Orientações Curriculares para o Ensino Médio: O curso deve capacitar os alunos a tomar consciência da matemática como uma disciplina viva e inacabada, que ele mesmo pode elaborar (URUGUAI, 2003, p. 3. Tradução nossa). [...] espera-se que os alunos saibam usar a Matemática para resolver problemas práticos do quotidiano; para modelar fenômenos em outras áreas do conhecimento; compreendam que a Matemática é uma ciência com características próprias, que se organiza via teoremas e demonstrações; percebam a Matemática como um conhecimento social e historicamente construído; saibam apreciar a importância da Matemática no desenvolvimento científico e tecnológico (BRASIL, 2006, p. 69).

212 212 A preocupação em desenvolver nos alunos o pensar matematicamente é expressa no documento OCEM em vários trechos que recomendam a valorização do pensamento matemático, por meio de um processo investigativo, para a resolução de problemas de aplicação ou de natureza teórica e modelagem matemática. Assim, a qualidade do processo é priorizada em detrimento da quantidade de conteúdos trabalhados. No currículo uruguaio encontramos recomendação semelhante e inferimos que os dois países atendem aos critérios: formalista de Bishop (1991) e riqueza de Doll Jr. (1997): Isso significa colocar os alunos em um processo de aprendizagem que valorize o raciocínio matemático nos aspectos de formular questões, perguntar-se sobre a existência de solução, estabelecer hipóteses e tirar conclusões, apresentar exemplos e contraexemplos, generalizar situações, abstrair regularidades, criar modelos, argumentar com fundamentação lógico-dedutiva (BRASIL, 2006, p. 70). No entanto, é preciso insistir que um dos objetivos principais, deste nível, é que o aluno tome consciência da diversidade das atividades matemáticas. Neste sentido, os alunos devem enfrentar problemas de diversos tipos, aplicar técnicas e habilidades operatórias corretamente; e conjecturar, fundamentar, desenvolver uma demonstração própria e compreender e reconstruir uma demonstração já elaborada, em reconhecimento dos princípios da lógica formal (URUGUAI, 2003, p. 2. Tradução nossa). O uso da demonstração também é recomendado no documento brasileiro como importante para o desenvolvimento do raciocínio dedutivo e argumentativo do aluno: Para alcançar um maior desenvolvimento do raciocínio lógico, é necessário que no Ensino Médio haja um aprofundamento dessas ideias no sentido de que o aluno possa conhecer um sistema dedutivo, analisando o significado de postulados e teoremas e o valor de uma demonstração para fatos que lhe são familiares. Não se trata da memorização de um conjunto de postulados e de demonstrações, mas da oportunidade de perceber como a ciência Matemática valida e apresenta seus conhecimentos, bem como propiciar o desenvolvimento do pensamento lógico-dedutivo e dos aspectos mais estruturados da linguagem matemática. Afirmar que algo é verdade em Matemática significa, geralmente, ser resultado de uma dedução lógica, ou seja, para se provar uma afirmação (teorema) deve-se mostrar que ela é uma consequência lógica de outras proposições provadas previamente. O processo de provar em Matemática seria uma tarefa impossível de marchar para trás indefinidamente, a não ser que se estabelecesse um ponto de partida (BRASIL, 2002, p. 124). Na apresentação da disciplina Matemática para as opções Ciências Biológicas e Ciências Agrárias do terceiro ano do Bachillerato, o tema modelagem Matemática aparece como uma ferramenta que permite ao aluno modelar situações vinculadas a outras

213 213 áreas das ciências. A única diferença no trecho a seguir é a troca do termo Agrárias por Biológicas: O critério geral para o estudo de funções deve apontar para os alunos que se orientam para as Ciências Agrárias, no conhecimento e uso de modelos matemáticos que permitam modelar situações relacionadas com estas ciências e, eventualmente, tirar conclusões para a tomada de decisões (URUGUAI, 2010e, p. 1. Tradução nossa). Os PCN+EM discutem a reformulação do Ensino Médio no Brasil, estabelecida pela LDB de 1996, traz para o Ensino Médio um novo papel como etapa conclusiva da Educação Básica e não mais uma função propedêutica de preparação para os estudos universitários ou profissionalizantes. O caráter propedêutico retardava a amplitude cultural e o sentido prático das disciplinas para estudos superiores. A especialização profissional dava ênfase a treinamentos laborais, especializado, em detrimento de uma formação mais geral e ampla que prepara o educando para a vida pessoal e cultural em qualquer tipo de atividade. Encontramos nos documentos dos dois países recomendações que se aproximam da preocupação em atender ao que Rico Romero (1997) define como dimensão cultural, e Bishop (1991) defende o poder enculturador da Matemática, para definir a política curricular como: [...] expressão de uma política cultural, na medida em que seleciona conteúdos e práticas de uma dada cultura para serem trabalhados no interior da instituição escolar. Trata-se de uma ação de fôlego: envolve crenças, valores e, às vezes, o rompimento com práticas arraigadas (BRASIL, 2006, p. 8). Inovação não implica na troca de temas, mas a mudança na apresentação e no trabalhar com o assunto no ambiente de sala de aula, o papel do aluno e do professor. Mudança porque nesta proposta a matemática se torna parte de suas vidas ao se familiarizar com as conexões que ela tem internamente, ou seja, tomando nota de como todas estas questões geralmente têm sido estudadas de forma isolada, tem uma coerência que é parte de um todo, e também como a Matemática é parte de suas vidas a relacioná-la com outras disciplinas que compõem a cultura da humanidade (URUGUAI, 2003, p. 18. Tradução nossa) Seleção de conteúdos A implementação das DCNEM é descrita como um processo de ruptura e de transição. Ruptura porque sinaliza para um Ensino Médio significativamente diferente do

214 214 atual, cuja construção vai requerer mudanças de concepções, valores e práticas e transição, pois os saberes e práticas instituídos constituem referências aos novos servindo como acertos e erros do passado que serão utilizados para construir modelos, práticas e alternativas curriculares novas. A exposição da preocupação em atender as necessidades atuais vai ao encontro do que Silva (2009) categoriza como critério realidade, que prevê o uso da Matemática na solução de problemas reais. O segundo inciso do artigo 35 da LDB apresenta, dentre as finalidades do Ensino Médio, a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores. Alguns pressupostos orientaram a organização curricular do Ensino Médio proposta no DCNEM. É possível identificar nos princípios gerais do documento algumas recomendações como: a recursão e as relações de Doll Jr. (1997); a realidade e a responsabilidade de Silva (2009); e as dimensões cultural e política de Rico Romero (1997): disposição para perseguir essa visão organizando e tratando os conteúdos do ensino e as situações de aprendizagem, de modo a destacar as múltiplas interações entre as disciplinas do currículo; abertura e sensibilidade para identificar as relações que existem entre os conteúdos do ensino e das situações de aprendizagem e os muitos contextos de vida social e pessoal, de modo a estabelecer uma relação ativa entre o aluno e o objeto do conhecimento e a desenvolver a capacidade de relacionar o aprendido com o observado, a teoria com suas consequências e aplicações práticas; reconhecimento e aceitação de que o conhecimento é uma construção coletiva, forjada sociointerativamente na sala de aula, no trabalho, na família e em todas as demais formas de convivência (BRASIL, 1998c, p ). Os PCNEM justificam a reforma do Ensino Médio como necessidade de a escola preparar os alunos a integrarem-se ao mundo contemporâneo nas dimensões fundamentais da cidadania e do trabalho (BRASIL, 2000, p. 4), com o uso das novas tecnologias e promovendo mudanças com o objetivo de preparar os jovens para a vida adulta. O currículo elaborado, a partir de um trabalho conjunto com educadores usando como princípio na LDB, apresenta um novo perfil com o objetivo de combater o ensino descontextualizado, compartimentado e baseado no acúmulo de informações.

215 215 O documento brasileiro faz referência às reformas curriculares realizadas pelos países da América Latina para superar o quadro de extrema desvantagem em relação aos índices de escolarização e de nível de conhecimento que apresentam os países desenvolvidos (BRASIL, 2000, p. 5). Cita dois fatores determinantes que provocaram a urgência na reforma curricular: o fator econômico, que se apresenta e se define pela ruptura tecnológica característica da chamada terceira revolução técnico-industrial, e a denominada revolução informática, que tem como consequência promover mudanças radicais na área do conhecimento elevando a um patamar central nos processos de desenvolvimento. Esses dois fatores provocaram mudanças estruturais na organização da sociedade em itens como conhecimentos e seus desdobramentos nos campos de produção e nas relações sociais de modo geral. Os PCNEM destacam que a década de 90 exige não mais profissionais especializados no domínio de máquinas e meios de produção tal qual a sociedade dos anos 60 e 70. Na última década do século XX, o documento recomenda que a escola deve preparar o aluno não para o acúmulo de informações que são superadas com um ritmo frenético, mas para utilizar a diversidade de tecnologias em vários campos de atuação. A especialização perdeu seu posto para a concepção de um aluno capaz de pesquisar, de buscar informações, de analisá-las e selecioná-las. O desenvolvimento das capacidades de aprender, de criar, de formular supera o perfil de memorização. Nos trechos dos documentos a seguir percebemos similaridades nos critérios de seleção dos conteúdos: Pensar um novo currículo para o Ensino Médio coloca em presença estes dois fatores: as mudanças estruturais que decorrem da chamada revolução do conhecimento, alterando o modo de organização do trabalho e as relações sociais; e a expansão crescente da rede pública, que deverá atender a padrões de qualidade que se coadunem com as exigências desta sociedade (BRASIL, 2000, p. 6). Não há o que justifique memorizar conhecimentos que estão sendo superados ou cujo acesso é facilitado pela moderna tecnologia. O que se deseja é que os estudantes desenvolvam competências básicas que lhes permitam desenvolver a capacidade de continuar aprendendo (BRASIL, 2000, p. 14). O curso deve apresentar blocos temáticos que abordam aspectos e conceitos básicos da disciplina, complementada com uma gama suficiente ampla de atividades, com base no trabalho curricular, para estender o conhecimento disciplinar ao estudo assuntos de interesse científico, econômico, artístico e social (URUGUAI, 2003, p. 1. Tradução nossa). Ao caracterizarem a área Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, os PCNEM esclarecem que a aprendizagem das Ciências no Ensino Médio difere do Ensino Fundamental por meio de formas de apropriação e construção de sistemas de pensamento

216 216 mais abstratos e ressignificados, que as trate como processo cumulativo de saber e de ruptura de consensos e pressupostos metodológicos (BRASIL, 2000, p. 20). O documento recomenda o foco na solução de problemas que aproximem o educando de atividades de investigação científica e tecnológica: Enfim, a aprendizagem na área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias indica a compreensão e a utilização dos conhecimentos científicos, para explicar o funcionamento do mundo, bem como planejar, executar e avaliar as ações de intervenção na realidade (BRASIL, 2000, p. 20). O texto dos PCN+EM recomenda que, para atender ao perfil do educando do Ensino Médio, a escola deve criar estratégias para promover a realização pessoal, a qualificação para o trabalho e a participação social e política. Distante de ser uma lista única de tópicos que possa ser tomada por um currículo mínimo, a proposta do documento é que as competências e os conhecimentos sejam desenvolvidos em conjunto e se reforcem reciprocamente nas áreas de conhecimento, a fim de evitar atribuir a uma única disciplina a responsabilidade por determinados procedimentos e métodos. [...] a organização do ensino que se vai apresentar, a seguir, para cada disciplina da área e para seu conjunto, não deve ser tomada como seleção única de conteúdos, do tipo currículo mínimo ou currículo máximo, sequer como estruturação e ordenamento oficiais ou centralmente recomendados. Como dissemos, trata-se de exercícios, neste caso feitos para disciplinas da área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, que podem subsidiar o ensino de cada uma delas e, juntamente com exercícios feitos pelas disciplinas das demais áreas, em volumes paralelos a este, poderão ser também importantes como sugestões para auxiliar na organização de projetos pedagógicos em nossas escolas (BRASIL, 2002, p. 32). A discussão sobre competências e habilidades é ampla nos PCN+EM, e o seguinte trecho apresenta a intenção do documento: Não há receita, nem definição única ou universal, para as competências, que são qualificações humanas amplas, múltiplas e que não se excluem entre si; ou para a relação e a distinção entre competências e habilidades. Pode-se, de forma geral, conceber cada competência como um feixe ou uma articulação coerente de habilidades. Tomando-as nessa perspectiva, observa-se que a relação entre umas e outras não é de hierarquia. Também não se trata de gradação, o que implicaria considerar habilidade como uma competência menor. Trata-se mais exatamente de abrangência, o que significa ver habilidade como uma competência específica. Como metáfora, poder-se-ia comparar competências e habilidades com as mãos e os dedos: as primeiras só fazem sentido quando associadas às últimas (BRASIL, 2002, p. 15).

217 217 Ao caracterizar a área de conhecimento das Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, os PCN+EM debatem que estas ciências têm, em comum, a investigação da natureza e dos desenvolvimentos tecnológicos. Outra similaridade é que essas ciências compartilham linguagens para a representação e sistematização do conhecimento de fenômenos ou processos naturais e tecnológicos. Nos PCN+EM, a área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias elegeu três grandes competências como metas a serem desenvolvidas durante o Ensino Médio: representação e comunicação, que envolvem a leitura, a interpretação e a produção de textos nas diversas linguagens e formas textuais características dessa área do conhecimento; investigação e compreensão, competência marcada pela capacidade de enfrentamento e resolução de situações-problema, utilização dos conceitos e procedimentos peculiares do fazer e pensar das ciências; contextualização das ciências no âmbito sociocultural, na forma de análise crítica das ideias e dos recursos da área e das questões do mundo que podem ser respondidas ou transformadas por meio do pensar e do conhecimento científico (BRASIL, 2002, p. 113). Os PCN+EM contêm um detalhamento dessas três grandes competências e como elas podem ser desenvolvidas no âmbito da Matemática. No presente estudo optamos apenas por expor o detalhamento em Matemática. Para cada competência, são definidos itens que a compõem e apresentados não apenas os conteúdos, mas exemplos de como desenvolver dada competência. Por exemplo, na competência representação e comunicação, os PCN+EM indicam o detalhamento a seguir: Reconhecer e utilizar símbolos, códigos e nomenclaturas da linguagem matemática; por exemplo, ao ler embalagens de produtos, manuais técnicos, textos de jornais ou outras comunicações, compreender o significado de dados apresentados por meio de porcentagens, escritas numéricas, potências de dez, variáveis em fórmulas. Identificar, transformar e traduzir adequadamente valores e unidades básicas apresentados sob diferentes formas como decimais em frações ou potências de dez, litros em metros cúbicos, quilômetros em metros, ângulos em graus e radianos (BRASIL, 2002, p. 114). A comunicação matemática também está presente no programa uruguaio: Promover a expressão oral, escrita e gráfica de situações que podem ser tratadas matematicamente, através da aquisição de um vocabulário de termos e notações da Matemática (URUGUAI, 2010h, p. 2. Tradução nossa).

218 218 A proposta de Matemática dos PCN+EM é que cada grupo de professores pertencentes a uma escola criem-se critérios para fazer um recorte na seleção dos temas a serem abordados entre os seguintes: números, álgebra, medidas, geometria e noções de estatística e probabilidade, com o objetivo de evitar uma quantidade excessiva de informações. Os critérios relações de Doll Jr. (1997) e ressignificação de Silva (2009) podem ser identificados nos seguintes trechos dos documentos dos dois países: Reconhecer relações entre a Matemática e outras áreas do conhecimento, percebendo sua presença nos mais variados campos de estudo e da vida humana, seja nas demais ciências, como a Física, Química e Biologia, seja nas ciências humanas e sociais, como a Geografia ou a Economia, ou ainda nos mais diversos setores da sociedade, como na agricultura, na saúde, nos transportes e na moradia (BRASIL, 2002, p. 117). A partir do currículo, o professor deverá desenvolver seu ensino embasado no programa, e no qual cuidará explicitamente da escolha de exemplos que utilizem a linguagem matemática para interesses culturais, no sentido de temas transversais, e na extensão dos assuntos a abordar (URUGUAI, 2003, p. 3. Tradução nossa). A preocupação em apresentar a Matemática como uma ciência que foi construída associada a um processo histórico, com o objetivo de buscar soluções para resolver necessidades das épocas em que os conhecimentos começaram a ser gerados, desenvolvidos e posteriormente sistematizados, é uma importante recomendação dos PCN+EM que condiz com o critério realidade de Silva (2009): Compreender a construção do conhecimento matemático como um processo histórico, em estreita relação com as condições sociais, políticas e econômicas de uma determinada época, de modo a permitir a aquisição de uma visão crítica da ciência em constante construção, sem dogmatismos ou certezas definitivas. Por exemplo, o uso da geometria clássica ou da analítica para resolver um mesmo problema pode mostrar duas formas distintas de pensar e representar realidades comparáveis em momentos históricos diferentes. Compreender o desenvolvimento histórico da tecnologia associada a campos diversos da Matemática, reconhecendo sua presença e implicações no mundo cotidiano, nas relações sociais de cada época, nas transformações e na criação de novas necessidades, nas condições de vida. Por exemplo, ao se perceber a origem do uso dos logaritmos ou das razões trigonométricas como resultado do avanço tecnológico do período das grandes navegações do século 16, pode-se conceber a Matemática como instrumento para a solução de problemas práticos e que se desenvolve para muito além deles, ganhando a dimensão de ideias gerais para novas aplicações fora do contexto que deu origem a elas (BRASIL, 2002, p. 117). O primeiro critério apresentado nos PCN+EM é que o conteúdo selecionado deve possibilitar o desenvolvimento das competências da área. Para tal, é preciso que os temas

219 219 possuam uma relevância científica e cultural servindo como um elemento explicativo da realidade. Outro critério é que os temas escolhidos propiciem uma aprendizagem significativa, possibilitando a articulação entre ideias e conceitos. A recomendação para evitar detalhamentos excessivos e sem significado é encontrada no seguinte trecho: É importante evitar detalhamentos ou nomenclaturas excessivos. Por exemplo, se o único caso de funções inversas que os alunos verão no Ensino Médio forem as funções exponencial e logaritmo, não há necessidade de todo o estudo sobre funções injetoras, sobrejetoras e inversíveis, assim como se o foco do estudo estiver na análise de gráficos e nas aplicações da função logarítmica, podemos questionar por que estudar cologaritmos, característica e mantissa (BRASIL, 2002, p. 120). O trecho dos PCN+EM que destacamos corresponde ao reconhecimento do papel enculturador da Matemática recomendado por Rico Romero (1997) e Bishop (1991): Compreender a Matemática como parte integrante da cultura contemporânea, sendo capaz de identificar sua presença nas manifestações artísticas ou literárias, teatrais ou musicais, nas construções arquitetônicas ou na publicidade. Resumidamente, em relação às competências a serem desenvolvidas pela Matemática, a abordagem proposta para esse tema permite ao aluno usar e interpretar modelos, perceber o sentido de transformações, buscar regularidades, conhecer o desenvolvimento histórico e tecnológico de parte de nossa cultura e adquirir uma visão sistematizada de parte do conhecimento matemático (BRASIL, 2002, p. 122). O uso da Matemática é discutido no trecho dos PCN+EM em relação ao desenvolvimento da criticidade e a preocupação com a ética e cidadania, tal qual recomendado por Silva (2009) nos critérios realidade e responsabilidade : Acompanhar criticamente o desenvolvimento tecnológico contemporâneo, tomando contato com os avanços das novas tecnologias nas diferentes áreas do conhecimento para se posicionar frente às questões de nossa atualidade. Utilizar o conhecimento matemático como apoio para compreender e julgar as aplicações tecnológicas dos diferentes campos científicos. Por exemplo, o uso de satélites e radares nos rastreamentos e localizações, ou dos diferentes tipos de transmissão e detecção de informações, as formas de manipulação genética ou de obtenção e utilização de recursos naturais. Compreender a responsabilidade social associada à aquisição e uso do conhecimento matemático, sentindo-se mobilizado para diferentes ações, seja em defesa de seus direitos como consumidor, dos espaços e equipamentos coletivos ou da qualidade de vida. Promover situações que contribuam para a melhoria das condições de vida da cidade onde vive ou da preservação responsável do ambiente. Utilizar as ferramentas matemáticas para analisar situações de seu entorno real e propor soluções, por exemplo, analisando as dificuldades de transporte coletivo em seu bairro por meio de levantamento estatístico, manuais técnicos de aparelhos e equipamentos, ou a melhor forma de plantio de lavoura para subsistência de uma comunidade (BRASIL, 2002, p ).

220 220 Neste trabalho apresentamos alguns critérios, pois acreditamos ser relevante um documento propor tal discussão, uma vez que é sabido que o professor em sala de aula faz recortes para efetuar a transposição didática. No entanto, a característica inovadora do documento encontra-se em propor critérios para que as escolhas sejam feitas Organização de conteúdos A organização dos temas proposta no PCN+EM recomenda que as três séries do Ensino Médio devem constituir um projeto de formação dos alunos. O primeiro ano deve apresentar temas próximos ao contexto dos alunos que propiciem o contato com as primeiras ideias e noções dos procedimentos; a segunda série deve mostrar a Matemática como uma ciência que possui características próprias para analisar e modelar fatos e fenômenos; e, finalmente, à terceira série é recomendado ampliar os anos anteriores de modo que possibilite ao aluno aprofundar os temas de forma mais abrangente e utilizar a Matemática para analisar e intervir na realidade. Os PCN+EM propõem os três seguintes eixos ou temas estruturadores que devem ser desenvolvidos de forma concomitante nas três séries do Ensino Médio: Álgebra números e funções; Geometria e medidas; e Análise de dados. O documento seguinte, OCEM, organiza os conteúdos matemáticos básicos em quatro blocos: Números e operações; Funções; Geometria; Análise de dados e probabilidade. No Quadro 11 encontra-se a organização do trabalho escolar recomendada pelos PCN+EM para que os temas estruturadores sejam trabalhados concomitantemente nas aulas.

221 221 Quadro 11: Temas estruturadores para o Ensino Médio, por série, Brasil Fonte: PCN+EM (BRASIL, 2002, p. 128) O currículo uruguaio de Matemática organiza os temas em blocos temáticos, tal como o Brasil, porém Geometria, Álgebra, Estatística e Probabilidade para as disciplinas do núcleo comum e, para algumas específicas; Números, Análise Matemática, Geometria Sintética, Geometria Analítica, Resolução de Problemas Geométricos, Geometria Espacial, Geometria Descritiva, Construções Geométricas e Álgebra Financeira. Assim como o currículo brasileiro, o texto recomenda que os blocos devam ser desenvolvidos segundo uma abordagem transversal, sempre que possível.

222 222 Quadro 12: Quadro comparativo dos temas estruturadores para o EM do Brasil e Uruguai Fonte: Documentos oficiais dos países Não verificamos tal recomendação e flexibilidade na ementa das disciplinas a serem desenvolvidas. O programa uruguaio apresenta de uma forma prescrita e diretiva, inclusive com a determinação do número de semanas para que cada conteúdo seja desenvolvido durante o ano. Outro aspecto mencionado no documento do primeiro ano do Bachillerato, porém não aprofundado na discussão, é a definição da reserva de 10% das aulas para avaliações escritas: Para cada tema se indica um número provável de semanas ao ser utilizado, que o professor deverá ajustar convenientemente de acordo com o planejamento do seu curso e incluir aulas dedicadas a avaliações escritas, que serão cerca de 10% das aulas trabalhadas (URUGUAI 2010a, p. 1. Tradução nossa). No entanto, o documento reconhece a importância do professor na decisão curricular e argumenta que a sugestão de proporção do tempo para o desenvolvimento dos temas em sala de aula é para declarar a relevância dos temas: Com caráter de tentativa, é atribuído 20%, 40% e 40%, respectivamente, o tempo disponível para o tratamento de cada um dos temas. A alocação de horas para cada conteúdo tem um caráter experimental, mas também dá uma ideia do peso que lhes é atribuído no programa. Todas devem cumprir os objetivos de ensino

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