A Lei /12 que deu nova redação ao art. 387, do Código de Processo Penal, criando o 2º, que diz:
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- Sílvia Aranha Pedroso
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1 Breves apontamentos sobre a alteração trazida pela Lei /12, que obriga a levar em consideração o tempo de prisão cautelar para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena: A Lei /12 que deu nova redação ao art. 387, do Código de Processo Penal, criando o 2º, que diz: 2 o O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade. Como se vê, o referido diploma legal passou a obrigar o Magistrado, quando do julgamento da ação penal, a fixar o regime inicial de cumprimento da pena por ele então calculada, descontando o tempo de prisão cautelar, de prisão administrativa ou de internação. O enfoque deste texto será a possibilidade ou não da utilização do tempo de prisão provisória para fins de escolha do regime inicial de cumprimento de pena. Inicialmente, é importante notar que a alteração legislativa se deu apenas em relação ao citado art. 387, que trata dos requisitos obrigatórios da sentença condenatória. Não houve modificação do art. 68, do Código Penal, que estabelece a forma de cálculo da pena, e nem do art. 33, 2º e 3º, do mesmo diploma legal, que dispõe sobre a forma de fixação do regime inicial de cumprimento de pena. A lei nova nem mesmo fez remissão aos citados artigos, a demonstrar que a mudança foi pontual e descuidou-se de tentar compatibilizá-la com o sistema que cuida do cálculo da pena e da fixação do regime inicial de cumprimento de pena. Pelas regras do Código Penal, a determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á levando-se em conta a quantidade da pena imposta ( 2º, do art. 33), bem como os critérios previstos no art. 59, o qual, por seu turno, diz que o juiz atenderá à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime ( 3º, do art. 33). 1
2 Nota-se, portanto, que o regime inicial de cumprimento de pena deve considerar a quantidade da pena encontrada (na forma do art. 68, do Código Penal), as condições do agente e as circunstâncias da prática criminosa, objetivando concretizar a reprovação e a prevenção do crime. Assim, a escolha do regime inicial de cumprimento de pena, como não podia deixar de sê-lo, tem os mesmos objetivos da pena: reprovação, prevenção e ressocialização. Por sua vez, a prisão cautelar tem finalidade totalmente diversa da pena e do regime imposto para seu cumprimento, com estes não se confundindo. Deste modo, o tempo de prisão cautelar processual não pode influenciar na fixação do regime inicial de cumprimento de pena. Ora, a sanção penal e, especialmente, a forma como ela deverá inicialmente ser cumprida nada mais são do que a resposta estatal ao autor de um fato criminoso. Essa resposta é uma punição ao agente pelo fato típico e antijurídico que cometeu, objetivando também inibi-lo de reiterar na violação de bens jurídicos protegidos pelas normas penais, assim como servir de paradigma, advertindo todos os demais sobre as consequências que poderão sofrer, caso violem normas de natureza penal. A imposição de certo regime de cumprimento de pena deverá se fundamentar, além da quantidade da pena, em todas as circunstâncias do fato praticado (art. 59, do Código Penal) e, se é o fato criminoso que será analisado para fins de escolha de qual será a forma inicial de cumprimento da resposta estatal, não há qualquer relevância, para tanto, o tempo que o agente ficou preso cautelarmente. A prisão, antes de transitado em julgado o processo, é cautelar e, por sua natureza, objetiva apenas permitir que o processo criminal alcance o seu término, sem que ocorram incidentes que possam impedir a regularidade da persecução penal em juízo e seu consectário lógico que é a aplicação da sanção imposta. 2
3 A finalidade da prisão cautelar é, portanto, em apertada síntese, assegurar o resultado prático do processo penal, que, por seu turno, visa apurar a ocorrência de um crime, impondo ao seu autor a sanção e o regime inicial de cumprimento de pena adequados e justos. A análise sobre a adequação e a justiça da sanção e da forma inicial de seu cumprimento se relaciona à conduta praticada, vale dizer, ao fato criminoso cometido, e não ao tempo de prisão cautelar do autor da infração. A alteração trazida pela Lei /12 parece violar os princípios da isonomia e da individualização da pena. Ora, indivíduos que tenham praticado o mesmo delito, nas mesmas circunstâncias, poderão sofrer sanções diferentes, caso algum deles tenha permanecido preso cautelarmente por algum motivo. Imaginemos a situação de dois indivíduos que tenham praticado, cada qual, o mesmo crime. No entanto, um deles teve contra si o processo instaurado mediante auto de prisão em flagrante, permanecendo preso cautelarmente durante todo processo, o outro não, seu processo derivou de investigação (portaria), tendo permanecido solto. Por conta das circunstâncias dos dois crimes praticados, ambos os agentes mereceriam receber a mesma pena e o mesmo regime inicial de cumprimento de pena. Entretanto, não será isso que a alteração legislativa prevê, já que àquele que ficou preso cautelarmente poderá ser beneficiado com regime inicial de cumprimento de pena mais brando, embora a gravidade, as consequências do crime e demais circunstâncias (art. 59, do Código Penal) sejam as mesmas. Imaginemos ainda outra situação, em que dois agentes praticaram o mesmo crime, estando ambos respondendo em liberdade ao processo. Entretanto, um deles, no curso do processo, dá causa à decretação de sua prisão preventiva, por exemplo, por não comparecer aos atos do processo, demonstrando 3
4 querer prejudicar a instrução ou que se furtará à aplicação da lei penal. O outro agente comparece regularmente ao processo. Para ambos, por conta das mesmas circunstâncias fáticas, seriam aplicados o mesmo regime de cumprimento de pena e a mesma pena. No entanto, justamente para aquele tentou prejudicar a instrução e que tentou se furtar a aplicação da lei penal, o regime, pelas novas regras, descontando-se o tempo de prisão cautelar, poderá ser menos rigoroso. Não há lógica nisso, já que o regime inicial de cumprimento de pena não refletiria a resposta estatal apropriada à conduta criminosa praticada, já que foi usado aspecto não vinculado aos objetivos da pena. Ao juiz criminal do conhecimento cabe fixar a forma inicial de cumprimento da pena adequada e justa ao fato criminoso praticado. Os critérios para prevenir e punir um agente pelo fato criminoso que praticou não deveriam se alterar por força deste agente ter permanecido preso cautelarmente. As circunstâncias fáticas de um furto simples, por exemplo, para fins de impor a correta e justa reprimenda, não deveriam se alterar pelo simples fato de ter havido prisão cautelar de seu agente. Estar-se-ia permitindo, na fixação do regime inaugural de cumprimento da sanção, a utilização de aspecto (tempo de prisão cautelar) que não se insere dentre aqueles relativos aos objetivos da pena, prejudicando desta maneira o sistema de individualização da reprimenda ao agente. Ora, deve-se aplicar a pena e impor ao agente o respectivo regime de cumprimento de pena, de forma individualizada, considerando o crime que ele praticou, levando em conta todas as particularidades que o envolvam (culpabilidade, consequências do crime, personalidade, conduta social etc), não tendo absolutamente nenhuma pertinência ou importância, para fins de tal especificação, o tempo que ele permaneceu preso cautelarmente, de modo que, a permanecer essa exigência da lei nova, desvirtuado estará o princípio da individualização da pena. 4
5 E mais, da forma como foi estabelecida a alteração legislativa, há evidente interferência no sistema de execução das penas, adotado pelo nosso ordenamento jurídico, sendo este, ao que parece, o verdadeiro desejo de seus idealizadores. Tal sistema se fundamenta, conforme dicção do art. 33, 2º, do CP, na execução progressiva das penas privativas, levando em conta o mérito do condenado. A Lei de Execução Penal (7.210/84) estabelece em seu art. 66, inciso III, b, que cabe ao juiz da execução decidir sobre a progressão de regime de pena. O art. 112, do mesmo Diploma Legal, diz que: A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. E o 1º, do referido artigo afirma que: A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor. Conforme se verifica, a imposição, ou melhor, a progressão de um regime para outro menos gravoso, no âmbito da execução criminal, exige cumprimento de requisitos temporal e meritório, cuja análise está inserida no âmbito da competência do juiz das execuções, ouvido previamente o Ministério Público. Ora, a partir do momento em que o juiz do conhecimento é obrigado a computar, para fins de imposição do regime inicial de cumprimento de pena, o tempo da prisão cautelar há evidente ofensa ao sistema progressivo de execução de pena. E o raciocínio é simples. 5
6 O juiz do conhecimento, por força do art. 68, do CP, para fixar ou calcular a pena, deve, em primeiro lugar, verificar as circunstâncias judiciais (art. 59, do CP). Em seguida, verificará a existência de circunstâncias agravantes ou atenuantes. Por fim, deverá analisar a ocorrência de causas de aumento e diminuição de pena. E, para fixar o regime inicial de cumprimento de pena, deverá verificar o montante da pena encontrada, calculada de acordo com o parágrafo acima, e novamente analisar as circunstâncias previstas no art. 59, do CP (art. 33, 3º, do CP). Assim o fazendo, o juiz terá encontrado o regime e a pena considerados adequados ao fato criminoso praticado. Então, pela nova regra, após tal fixação, o juiz deverá descontar o tempo de prisão cautelar, alterando, se for o caso, o regime inicial de cumprimento de pena. Em se permitindo que, do montante da pena encontrada, seja descontado o tempo que o agente ficou preso cautelarmente e que esta redução possa ser suficiente para alteração do regime de pena, o requisito temporal da progressão estaria sendo antecipado no juízo do conhecimento e, muito mais grave, seria o único a ser levado em conta para modificar o regime, excluindo aquele referente ao mérito. Assim, se, num caso hipotético, o juiz tivesse fixado em 04 anos e 04 meses de reclusão a pena de um agente, de conformidade com o disposto no art. 68, do CP, impondo-lhe, por força do montante da pena, o regime semiaberto para cumprimento de pena, mas este agente tivesse permanecido preso cautelarmente, durante o processo, por 04 meses, automaticamente, teria que ser descontado tal lapso, alterando-se o regime semiaberto para o aberto. No exemplo apresentado, o regime adequado para o crime praticado, definido de acordo com as normas legais pertinentes, seria o semiaberto, exigindo-se, em sede de execução criminal, que o agente, caso quisesse pleitear o regime menos gravoso, preenchesse o requisito temporal e, sobretudo, comprovasse seu mérito, vale dizer, que apresentasse comportamento compatível com o regime aberto. 6
7 Apenas para enfatizar a situação hipotética apresentada, cumpre transcrever o que dispõe a Lei de Execução Criminal, especificamente sobre o regime aberto: Art Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que: I - estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo imediatamente; II - apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi submetido, fundados indícios de que irá ajustarse, com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime. Verifica-se que diversos são os requisitos para que o agente pudesse progredir do regime semiaberto para o aberto, porém, eles não seriam mais levados em consideração pela nova lei. Não cabe ao juiz do conhecimento aferir o mérito para a progressão do regime de cumprimento de pena. Não convence eventual argumento que não se trata de tentativa de burla à lei de execução criminal e sim mera modificação da forma de imposição de regime, uma vez que essa alteração não encontra respaldo e espaço em nosso sistema jurídico-penal. Ora, como já exposto anteriormente, se o tempo de prisão cautelar do agente não é aspecto pertinente para se determinar a sanção penal apropriada ao crime praticado, já que nenhuma relação tem com as finalidades dela (prevenção, retribuição e ressocialização), não há motivos para ser levada em conta no momento de ser o regime inicial de cumprimento da pena fixado. Assim, evidencia-se que a ideia da inovação legislativa era obrigar o juiz criminal a impor, descontando-se da pena o tempo de prisão cautelar, regimes menos gravosos, situação que, na verdade, deveria ser apreciada, com a devida cautela, no juízo da execução criminal. 7
8 Tanto é verdade que a alteração legislativa não fez qualquer remissão às normas de cálculo da pena (art. 68, do CP) e de fixação do regime inicial de cumprimento de pena (art. 33, 3º, do CP). Deste modo, parece ser incompatível com nosso sistema jurídico-penal a utilização das alterações trazidas pela Lei /12, para fins de fixação de regime inicial de cumprimento de pena. LUIZ FERNANDO GAGLIARDI FERREIRA 6º PROMOTOR DE JUSTIÇA DE GUARULHOS. 8
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