ALHC. Trajetórias. O reconhecimento espanhol das repúblicas latino-americanas: o fim da «falta de comunicação» entre as partes.
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- Cássio Almada Teves
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1 O reconhecimento espanhol das repúblicas latino-americanas: o fim da «falta de comunicação» entre as partes Carlos Malamud O reconhecimento, por parte da antiga potência colonial, das novas repúblicas americanas, surgidas a partir do velho tronco imperial espanhol, foi um processo longo e complicado que se estendeu durante quase todo o século XIX. Além disso, pode-se dizer que foi um processo muito complexo e dilatado no tempo. Se considerarmos a data dos primeiros movimentos independentistas (1809), e o final do período em questão, deveríamos contar quase um século. Se contarmos apenas os anos que vão do primeiro reconhecimento (1836), ao último (1894), são um pouco menos do que seis décadas. De qualquer forma, a Espanha levou muito tempo para estabelecer relações diplomáticas formais com as suas antigas colônias, embora seja possível constatar, nos diferentes capítulos deste livro, que as negociações se estenderam por um período de tempo além do razoável por motivos que cabem a todas as partes envolvidas, e não apenas à ex-metrópole. De fato, toda esta intrincada trama diplomática começou com a aceitação formal da independência do México em 1836 e culminou com a de Honduras em Nesse meio tempo, outros acordos foram firmados: Equador (1840), Chile (1844), Venezuela (1845), Bolívia (1847, apesar de só ter sido ratificado pela Espanha em 1861), Costa Rica (1850), Nicarágua (1850), Argentina (1863, embora duas versões anteriores tenham sido assinadas em 1857 e 1859), Guatemala (1863), El Salvador (1865), Uruguai (1870, mas houve dois prévios em 1841 e 1846), Peru (1879, um texto não ratificado foi concluído em 1853), Paraguai (1880) e Colômbia (1881). Se acrescentarmos a isso o reconhecimento do Brasil (país com o qual se estabeleceram relações diplomáticas em 1834, embora o primeiro acordo consular tenha sido firmado em 1863) e de outros países igualmente originários do império espanhol, mas com situações de alguma forma diferentes, como a República Dominicana (1855), o Panamá (1904) ou Cuba (1927), pode-se ver como a complexidade dos acontecimentos aqui abordados é ainda maior, em um processo de avanços e retrocessos. Do lado espanhol, entre as questões que impediram um reconhecimento rápido, é preciso mencionar o fato de que os primeiros anos após a independência foram consumidos por tentativas frustradas por parte das autoridades peninsulares tanto dos liberais, quanto de Fernando VII de reconquistar os territórios perdidos através das armas. Uma vez constatada a impossibilidade de uma aventura deste porte, tentou-se lançar mão de soluções diplomáticas, porém as guerras carlistas, as revoluções e as constantes mudanças de governo, e inclusive de regime, contribuíram pouco para o reconhecimento das repúblicas latino-americanas. Disso decorrem as grandes diferenças existentes entre o reconhecimento rápido, por parte da Coroa 1
2 britânica, da independência das Treze Colônias e o longo processo em que se viram envolvidas as antigas colônias americanas e os diferentes governos espanhóis. Deve-se acrescentar à lista das numerosas causas que fizeram com que a parte espanhola demorasse, além do razoável, para reconhecer certos países americanos, as fracassadas experiências neocoloniais em meados do século XIX, como é o caso do apoio inicial de Madri à aventura mexicana de Maximiliano, ou do envio de uma esquadra naval para as costas do Chile e do Peru, acontecimento que também envolveu a Bolívia e o Equador. O bombardeio espanhol contra Valparaíso, em março de 1866, deixou um gosto muito amargo entre os chilenos e os demais países americanos com relação às reais intenções espanholas, e permitiram que um sentimento anti-hispânico muito potente reaparecesse. Do lado americano também afloraram múltiplos problemas que acabaram criando obstáculos para as negociações diplomáticas. O reconhecimento da antiga metrópole não significava apenas um respaldo político para os novos países, mas também quando acompanhado de uma admissão das fronteiras vigentes um respaldo nas disputas que os distintos governos tinham com seus respectivos vizinhos pela delimitação das fronteiras. Neste sentido, o reconhecimento dos países centro-americanos reunidos inicialmente na Confederação Centro-americana foi um caso realmente paradigmático por causa das dificuldades que teve que enfrentar e das contínuas armadilhas que os próprios países vizinhos criavam entre si com o objetivo de defender seus interesses particulares. Por isso, as autoridades espanholas foram bastante cautelosas nesta questão. O reconhecimento espanhol, assim como o de outros países europeus e dos Estados Unidos, era vital para o futuro político de algumas das novas repúblicas latino-americanas. O Paraguai, cuja independência fora negada durante muitas décadas pelo governo de Buenos Aires, é um exemplo claro do que se expõe aqui. Prova da grande importância que o governo paraguaio dava às negociações com a Espanha no que diz respeito a um tratado de reconhecimento, considerado vital para seu desenvolvimento como país independente, foi o fato de ter enviado Francisco Solano López, filho do presidente Carlos Antonio López, à frente da delegação que em 1853 devia tratar com os representantes espanhóis, tal como aponta Liliana Brezzo. Nesta conjuntura Carlos López falece em 1862 e é sucedido pelo filho Francisco Solano na presidência. A tudo isso é preciso acrescentar, como não poderia deixar de ser, as constantes trocas de governo nos países latino-americanos, fato que também foi considerado como um obstáculo a se ter em mente ao longo de todo o processo. Devem ser levadas em conta também as transformações políticas dentro dos países. Isso pode ser observado, por exemplo, no caso argentino. Embora tenha sido firmado um acordo de paz e amizade entre a Espanha e a Confederação Argentina, em 1859, o veto da província de Buenos Aires conduziu à não ratificação do tratado (basicamente por desavenças em torno do conceito de nacionalidade contido no texto oficial). Deste modo, foi preciso esperar até 1865, uma vez completado o processo de reunificação nacional, para que o acordo definitivo entre ambos fosse fechado. Outro elemento importante que esteve presente permanentemente, embora com diferentes características, foi a presença de atores extrarregionais, fundamentalmente os Estados Unidos e algumas potências europeias que tentavam influenciar diretamente nas negociações, principalmente quando estas envolviam questões comer- 2 O reconhecimento espanhol das repúblicas latino-americanas
3 ciais, financeiras ou econômicas sensíveis a seus interesses particulares ou quando afetavam o status previamente reconhecido de países mais favorecidos. A presença destes atores extrarregionais se via reforçada pela solicitação, por parte dos países latino-americanos, de mediação junto à Espanha para agilizar o seu reconhecimento, ou porque algumas potências estrangeiras queriam aumentar sua presença política, comercial, econômica e financeira na América Latina a partir de um reconhecimento rápido das novas repúblicas. Disso decorre a importância de se analisar o papel desempenhado pelas diplomacias dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e França, e de nações mais periféricas como Prússia, Rússia e Áustria. Até mesmo alguns países pequenos, como os Países Baixos, as repúblicas hanseáticas de Bremen, Lübeck e Hamburgo, ou Sardenha, tiveram certo protagonismo. E não se deve esquecer a Santa Sede, já que neste caso específico as questões diplomáticas se confundiam com as eclesiásticas e com o desejo do Vaticano e dos vários governos americanos de nomear bispos e outros altos cargos religiosos. Deste modo, o principal objetivo deste livro coletivo é tentar descrever as principais características do processo de reconhecimento espanhol da independência das novas repúblicas americanas, buscando apresentar seus principais elementos-chave, mas também responder a uma série de questões básicas que permitam uma compreensão mais apurada do próprio processo. Entre as perguntas centrais encontra-se a questão sobre se os acordos firmados eram iguais ou seguiam um mesmo padrão. Ou ainda, o porquê de um acordo ter sido firmado em uma data e não em outra, ou quais foram os elementos que mais influenciaram o resultado final. Também está incluída uma análise do reconhecimento do Brasil e de outras repúblicas americanas (República Dominicana, Cuba e Panamá), cujos padrões de independência ou criação foram diferentes daquelas formadas a partir da crise imperial do começo do século XIX. Embora em linhas gerais os tratados seguissem um modelo adaptado às distintas realidades nacionais e temporais, pode-se dizer que seus temas eram basicamente os mesmos, os quais, tanto nesta introdução, quanto nos diferentes capítulos nacionais, serão abordados com mais profundidade. No entanto, a partir do tratado firmado com o Peru em 1879 passou-se a um formato muito mais reduzido e sucinto. O tratado com o Peru e da Colômbia possuem cinco artigos, já o tratado com o Paraguai conta com apenas quatro. Este tratado foi assinado após a guerra da Tríplice Aliança, que teve repercussões funestas para o país. Nesta disputa bélica não apenas a população paraguaia sofreu uma redução significativa por causa da guerra e das suas consequências sanitárias, mas também os cofres do Tesouro, já praticamente vazios, o que tornava quase impossível, por exemplo, que qualquer reclamação sobre o tema da dívida pudesse prosperar. Ao longo das negociações, as condições concretas impostas ou exigidas pelas partes, como a questão do reconhecimento das dívidas anteriores às independências, os requisitos para a obtenção ou reconhecimento da nacionalidade, e as concessões comerciais também tiveram sua importância e influenciaram os tratados finalmente concluídos. A postura espanhola baseava-se na premissa de que as novas repúblicas, ao serem herdeiras do império espanhol, não poderiam somente se beneficiar dos direitos implicados nesta situação, mas também deveriam se responsabilizar, proporcionalmente, pelas obrigações existentes no momento da independência. De 3 Carlos Malamud
4 qualquer modo, o conteúdo de cada tratado embora a maioria possuísse uma matriz comum, dependia da forma pela qual o vínculo colonial havia sido rompido: com ou sem guerras, com desapropriações para um ou outro país, com reconhecimento das dívidas prévias, etc. Também não se deve esquecer a maior ou menor rigidez dos negociadores em cada caso concreto, a existência de limites ou temas impraticáveis, ou as facilidades dadas pelos governos aos diplomatas para se chegar a um acordo. No caso da negociação com a Guatemala, a questão da nacionalidade se transformou em um grande obstáculo, como demonstra em seu trabalho José Edgardo Cal Montoya, o que explica por que o tratado com este país foi assinado 13 anos depois que o da Nicarágua e o da Costa Rica. As coisas chegaram a tal ponto que em 1860 as autoridades guatemaltecas, no intuito de fechar a negociação, cogitaram suprimir o artigo sobre a nacionalidade dos espanhóis residentes na Guatemala e incluir uma cláusula que determinasse enquanto o contrário não fosse acordado que o status dos filhos de espanhóis na Guatemala, e o dos filhos de guatemaltecos na Espanha, seguiriam a legislação de cada país. Apesar de uma interrupção momentânea na negociação, esta foi concluída finalmente com a fórmula proposta em maio de A magnitude dos obstáculos enfrentados pelos negociadores era tal, que frequentemente, e por motivos diversos, a assinatura de um tratado considerado adequado pelos diplomatas ou políticos enviados para negociar não era ratificada por um dos Estados implicados, ou então que se tivesse que esperar longos anos para que a ratificação ocorresse, como aconteceu com a Bolívia. O Uruguai, assim como lembrado por Juan Oribe Stemmer, é um dos casos mais interessantes, pois antes de se fechar o tratado de 1870, outros dois foram assinados, em 1841 e 1846, porém não ratificados pela Espanha, em boa parte por causa da situação de guerra civil vivida no Uruguai, e também porque, caso fosse assinado por apenas uma das partes, poder-se-ia comprometer o futuro da relação bilateral. O Peru também assinou um primeiro tratado em 1853 que não foi ratificado por causa da oposição, tanto do Executivo, como do Legislativo peruanos. Tal como apontado por Cristóbal Aljovín e Francis Chávez, considerava-se que o conteúdo do tratado colocava o Peru em uma situação lamentável, já que a independência peruana era descrita como uma concessão benevolente por parte da Espanha. As principais razões para o reconhecimento tardio e prolongado As rápidas alternâncias entre governos constitucionais e absolutistas na Espanha, entre 1808 e 1824, impossibilitaram a negociação de uma solução para os processos independentistas desencadeados na América espanhola a partir da ocupação napoleônica da península ibérica. Inclusive, como bem apontado por Agustín Sánchez Andrés no capítulo deste livro dedicado ao México, nem mesmo o projeto de fomentar a criação de três impérios confederados na América (Nova Espanha, Nova Granada e Peru) pode ser consumado, bem como qualquer outro projeto de viés monárquico que poderia ter servido como solução transnacional. De qualquer forma, deve-se notar que na Espanha, nas décadas iniciais do século XIX, a maioria defendia a manutenção da unidade do império, algo demonstrado 4 O reconhecimento espanhol das repúblicas latino-americanas
5 pelo fato de que tanto os absolutistas, quanto os liberais, encontravam-se por trás da Comisión de Reemplazos de Cádiz (Comissão de Substituição de Cádiz) órgão criado naquele momento para financiar as expedições militares que deviam recuperar, através das armas, os territórios que estavam então nas mãos dos independentistas. Mais ainda, em fevereiro de 1822 as Cortes espanholas rejeitaram uma proposta, promovida pelos deputados liberais mais radicais, a favor do reconhecimento da independência das antigas colônias. Neste período, assim como apontado por María José Henríquez Uzal em seu capítulo sobre o Chile, houve uma tentativa conjunta de vários governos sul-americanos (Rio da Prata, Venezuela, Nova Granada e Chile) de entrar em contato com o embaixador espanhol em Londres para dar fim à guerra e iniciar as negociações de paz, porém como a essência da postura espanhola não havia mudado, apesar do intervalo liberal, as negociações foram infrutíferas. Não devemos esquecer que, por iniciativa própria, em 1822 os Estados Unidos reconheceram os novos Estados americanos, e em 1824 o Brasil. Em 1825 a Grã- Bretanha tomou uma medida semelhante ao reconhecer o Brasil, o México, a Colômbia e o Rio da Prata, e em 1831 o Chile. A França reconheceu a independência do Chile em [ ] 5 Carlos Malamud
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