Governabilidade, Participação Política e Sistemas Eleitorais
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- Felícia da Fonseca Aldeia
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1 Seminário Internacional sobre Governabilidade Democrática e Igualdade de Gênero CEPAL - Santiago do Chile 1-2 de dezembro de 2004 Governabilidade, Participação Política e Sistemas Eleitorais Gostaria inicialmente de agradecer à CEPAL, à Unidade Mulher e Desenvolvimento e, em especial, à Sonia Montaña o convite para estar participando deste Seminário Internacional e ter o prazer e a alegria de rever tantas amigas aqui presentes. A primeira constatacão importante que faço diante de tudo que foi falado aqui é referente aos avanços entre o que ocorre hoje em áreas de governo exercido por mulheres... em comparaçao com o momento histórico vivenciado por mim como Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e depois Ministra da Mulher no Brasil. Conceitos como Governabilidade Democrática com a perspectiva da igualdade de gênero... incluindo metas mais claras sobre a participação das mulheres nas instâncias de poder... estratégias para influenciar realmente nas decisões políticas de nossos governos... são parte das novas análises das expositoras deste painel. Constato, sem duvida, um grande avanço!
2 Não estamos mais diante de uma reivindicação para que os governos instalem Mecanismos da Mulher, como consta do Plano de Açao da 5 a Conferencia da Mulher, de Pequim... Hoje temos em praticamente todos os países da América Latina e Caribe Ministérios da Mulher ou instituições semelhantes, que embora tenham características próprias e diferentes caminhos de institucionalizaçao da perspectiva de gênero em seus países, exercem um papel fundamental de coordenação e centralização de ações, o que permite desenvolver estratégias de transversalidade e de ingerência nas definições de políticas públicas mais focadas e mais ampliadas. Os novos desafios agora parecem apontar para questões mais complexas... como SER PODER? Como se MANTER NO PODER? Como participar efetivamente do PODER CONSTITUÍDO E CONSTITUCIONAL... com suas lógicas e códigos muitas vezes OCULTOS - e, ao mesmo tempo, ser uma autoridade de governo respeitada e de DIREITO PLENO... Como construir os vínculos entre a lógica hierarquica do PODER e as reivindicaçoes históricas dos movimentos de mulheres... Ou como caminhar dentro do governo - no sentido de construir pontes dentro do ESTADO em direçao à cidadania plena das mulheres... COM A PARTICIPAÇAO DAS MULHERES ORGANIZADAS... MAS TAMBÉM DE TODOS OS SEGMENTOS DE MULHERES da sociedade... POIS, às vezes, as portas estão fechadas, por mais que a democracia e os direitos normativos digam que não deve ser assim.
3 POIS, às vezes, o exercício do poder não é uma questão de direitos, senão de ter capacidade de negociar conflitos... e de criar agendas de governabilidade... E, portanto, para essas autoridades da Mulher, acaba sendo a sua capacidade individual de construir criativamente atalhos e simpatias para tornar vigente a governabilidade democratica... Quero salientar, também, o aspecto de que realmente existe um componente de solidão das mulheres nos cargos de governo... porque nao são apenas os mecanismos da mulher que são recentes. O poder que se atribui a esses Mecanismos da Mulher também é novo... E, com isso, há um certo silencio ou vazio QUE QUASE EXIGE tarefas nunca ditas de ter que, quase cotidianamente, reinventar caminhos e atalhos... para ir em direçao da própria democracia... Por isso... esses espaços de encontro das mulheres no governo, como o da CEPAL, são tão importantes. Aqui, o intercâmbio das experiências e da diversidade nos modos de exercício do Poder... permitem ir construindo uma nova história das mulheres... de continuidades... mesmo quando não existe continuidade entre os governos... e mesmo quando não temos a mesma compreensão sobre os processos políticos... Agora quero pedir permissão para trazer um exemplo das nossa dificuldades de representaçao e de exercicio do poder... e de como, apesar das diferenças, podemos continuar construindo juntas a luta política das mulheres. Fomos no Brasil o primeiro país a criar um mecanismo institucional dda mulher na América Latina : O CNDM - Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em 1985, e fomos também um dos últimos na região a ter uma instancia da mulher como parte do governo. Entre 1985 a 2002, o Brasil manteve o Conselho CNDM- com representação dos movimentos de mulheres e da sociedade, como o órgão da sociedade civil responsável pelo planejamento
4 e implementação de políticas para as mulheres... apesar de não contar com as condições administrativas e financeiras para faze-lo, salvo em alguns momentos. Em 1999, face às reformas administrativas do Estado, era cada vez mais difícil gerir o CNDM com status de executor de políticas publicas sem status de governo. Ou seja, eram cada vez maiores as barreiras para que as mulheres executassem programas e desenhassem políticas de governo sem estrutura, sem orçamento próprio e sem instancias reais de negociação com o poder. Assim, como presidente do CNDM e depois de vários estudos, discussões e negociações do CNDM com diversas instancias de poder do Executivo, do parlamento... com parte dos movimentos de mulheres e com a ajuda sempre dinâmica da Dra. Ruth Cardoso, entendemos que a alternativa possível era reivindicar uma Secretaria de Estado, com status de Ministério, a exemplo de outros mecanismos da mulher na região e de acordo com a Plataforma de Beijing. O caminho foi muito árduo. Muito. As negociações foram muito difíceis, apesar de estarem baseadas em estudos, dados, pesquisas, indicadores, análise do programa Avança Brasil do governo federal... e dos recursos disponíveis... Finalmente, no dia 8 de março de 2002, e já no último ano do governo do Presidente Fernando Henrique, foi enviada ao Congresso Nacional a medida provisória do Presidente para a criação da Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher. Nesse momento foi muito muito importante o apoio da Bancada Feminina do Congresso, formada por Deputadas Federais e Senadoras, que no Brasil funciona de forma suprapartidaria, que se articulou para a aprovação da medida provisória... que finalmente instalou a primeira Secretaria de Estado da Mulher no Brasil.
5 O que quero trazer com essa análise é que não podemos esquecer que os conflitos de poder existem em várias dimensões e também entre as mulheres. Eles têm diversos rostos e todos fazem parte do modo como nós mulheres podemos intervir no fazer e na construção da nossa historia... Para enfrentar essa situação de um certo isolamento da nova Secretaria, construimos dois cenários principais durante a minha curta gestão como ministra e que responderam ao momento que tivemos que viver. O primeiro deles foi com a ajuda das agencias internacionais, especialmente o UNIFEM e a CEPAL. O UNIFEM apoiou politicamente a criação da nova Secretaria com suporte logistico, estrutura física e de informática e reuniões com mulheres líderes dos movimentos. A CEPAL, através da Unidade Mulher e Desenvolvimento, e do projeto Governabilidade Democrática e Igualdade de Gênero, ofereceu apoio técnico de pesquisa e estudo, respaldo político e participou de reuniões para analisar as políticas de transversalizaçao das questões de gênero, modelos de focalização e de decentralização de políticas para a mulher, que eram historicamente parte da plataforma de estudos do CNDM para reivindicar uma Secretaria de Estado. O outro cenário construído foi a vinculação com o processo de transição política do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso para o governo do Presidente Luis Inacio Lula da Silva. Por capacidade de articulação dentro do governo, na condição de ministra E ISSO É MUITO IMPORTANTE pois como presidente do CNDM teria sido muito mais difícil - foi possível negociar pela primeira vez que o tema gênero fosse um dos itens do governo de transiçao... O QUE OBRIGOU os dois governos a se sentarem frente a frente e a discutirem os direitos da mulher, como um dos temas da agenda da transição.
6 Foi criada, assim, uma Comissão de Transição que abriu espaço de convocatória e debate para uma agenda de governabilidade democrática... entre os governos e os movimentos de mulheres... e esse fato se constituiu num marco para a institucionalizacão da questão de gênero no Brasil. Já no governo do Presidente Lula no anúncio das suas primeiras medidas foi acatada a maior reivindicação dos movimentos de mulheres que era o de ter uma Secretaria da Mulher subordinada diretamente à presidencia da República e não ao Ministerio da Justiça, ao qual estiveram vinculados, até entao, o CNDM e a primeira Secretaria. Pessoalmente, estou convencida de que sem os cenários construidos e sem o apoio do UNIFEM e da Unidade da Mulher & Desenvolvimento da CEPAL esses conflitos poderiam ter cindido a luta das mulheres brasileiras. Nao foram tempos fáceis... foram momentos de grande instabilidade para a luta das mulheres e para a reorganização nossa de uma nova forma de poder participativo entre governos e sociedade... num mundo, definitivamente, em mudanças... Ainda com relação a participação das mulheres nos espaços de poder, tema específico deste painel, percebemos pelos trabalhos apresentados e pela experiência observada no Brasil, que apesar dos esforços e das políticas afirmativas implantadas na maioria dos países, a influência das mulheres nos altos escalões de poder ainda é muito restrita. O sistema de cotas, adotado em muitos países da América Latina e Caribe, melhorou o acesso das mulheres aos espaços de poder mas, por si só, ainda não consegue resolver o problema da desigualdade nesta área, como está claro no texto de Lina Barreiro, quando ela afirma: En realidad es casi impossible que un mecanismo compulsivo, por bueno que fuera, pueda producir paridad. Son múltiplos los ejemplos de como culturalmente se consiguen burlar las disposiones de cuota
7 À Luz da minha experiência inclusive como advogada e Procuradora de Estado, constato que os Sistemas Eleitorais são excludentes; A distribuição dos Fundos Partidários continua encontrando formas de privilegiar os homens inclusive com manejo dos fundos de campanha. Mas, apesar disso, o sistema de cotas continua sendo a garantia mínima para que se coloque sobre a mesa os direitos da mulher de acesso à representatividade política. Pessoalmente, advogo que é possivel um novo esforço para revisão e ampliação dos modelos de cotas, pois a maioria das leis atuais tratam apenas de vagas para candidaturas. Também advogo que é possível avançar no sentido de alterar as leis que disciplinam as campanhas eleitorais, seja quanto ao financiamento, seja quanto ao uso dos meios de comunicação que se transformaram em artífices chaves das novas estruturas de organização e manutenção dos poderes políticos. Finalmente, considero muito importante, se quisermos melhorar não só quantitativamente, mas também qualitativamente o acesso das mulheres ao poder, que as mulheres de governo apoiem as negociações e a definição de políticas de capacitação das lideranças femininas, principalmente dentro dos partidos políticos e de forma descentralizada pelas regiões de cada país. Obrigada.
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