TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de, em que é apelante LATAM AIRLINES GROUP S/A, é apelado AIG SEGUROS BRASIL S/A. ACORDAM, em 21ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MAIA DA ROCHA (Presidente sem voto), ITAMAR GAINO E VIRGILIO DE OLIVEIRA JUNIOR., 19 de fevereiro de SILVEIRA PAULILO RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Apelação nº Apelante: LATAM AIRLINES GROUP S/A Apelado: Aig Seguros Brasil S/A Comarca: Voto nº CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO. Ação regressiva de seguradora contra a transportadora aérea. Extravio de bagagem. Sub-rogação nos direitos. Rejeitada alegação de falta de interesse de agir. Aplicação do prazo prescricional bienal, conforme ARE /SP, STF. Indenização. Limitação pelas convenções internacionais, como decidido pelo Pleno do STF, no RE /RJ. Sentença mantida. Recurso improvido. Cuida-se de apelação, respondida e bem processada, por meio da qual deseja a apelante a reforma da r. sentença de fls. 263/265, cujo relatório se adota, que julgou procedente a ação de regresso contra ela intentada, condenando-a ao pagamento de R$ 1.508,75 (mil, quinhentos e oito reais e setenta e cinco centavos), acrescidos de juros de mora de 1% da citação e atualização monetária do ajuizamento da ação. Honorários sucumbenciais fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa. Sustenta a apelante, em apertada síntese, preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, não ser cabível a subrogação e já ter sido o segurado indenizado, bem como incabível a aplicação do CDC. Insiste, ainda, na ocorrência da prescrição ânua do Código Civil, haja vista que o pagamento realizado pela seguradora apelada ao segurado foi efetuado em fevereiro de 2015 (fl. 298), tendo esta ação sido proposta apenas em E mais, alega a improcedência dos pedidos ante a manifesta ausência de declaração de bens que comprovem o efetivo prejuízo suportado pelo segurado, de forma que não estariam provados os danos materiais. Sustenta tratar-se de evento Apelação nº Voto nº

3 imprevisível e inevitável, o que configuraria excludente de responsabilidade objetiva. Pretende de forma subsidiária a reforma da sentença a fim de aplicar ao caso as normas da Convenção de Montreal, limitando-se o valor da condenação; bem como o reconhecimento de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal da questão (RE ), para eventual sobrestamento das ações que versem sobre a possibilidade de limitação, com fundamento na Convenção de Varsóvia, das indenizações de danos morais e materiais, decorrentes do extravio de bagagem. Subsidiariamente, pugna pela aplicação do Código Brasileiro da Aeronáutica. É o relatório. Ab initio, rejeita-se a preliminar de falta de interesse de agir porquanto há pretensão insatisfeita, e a ação regressiva é adequada à solução da lide. Reza, com efeito, a Súmula n. 188 do colendo STF: O segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até o limite previsto no contrato de seguro. No mérito, fica consignado que o tema devolvido a este Tribunal foi decidido no ARE /SP, de Relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso em conjunto com o RE /RJ, este de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em que foi reconhecida Repercussão Geral. Naquele julgamento, cujo acórdão foi publicado no DJe de , foi fixada a seguinte tese: Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. Da leitura do acórdão, verifica-se que o Colendo Supremo Tribunal Federal pacificou a tese de prescrição e de limitação da indenização por danos materiais por extravio de bagagem, por aplicação das normas internacionais que regem o tema. Naquela Apelação nº Voto nº

4 ocasião, o Pleno do Supremo consignou que devem prevalecer os acordos internacionais, especialmente a Convenção de Varsóvia, em relação ao disposto sobre o Código de Defesa do Consumidor, pois a Convenção de Varsóvia e os regramentos internacionais que a modificam são normas especiais em relação ao Código de Defesa do Consumidor, que é norma geral para as relações de consumo. E, aplicando o parágrafo 2º. do art. 2º. da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro 1, tem-se que a Lei 8.078/90 não revoga nem é revogada pela Convenção de Varsóvia ou pelos demais acordos internacionais em questão. Ambos os regramentos convivem no ordenamento jurídico brasileiro, afastando-se o Código, no ato de aplicação, sempre que a relação de consumo decorrer de contrato de transporte aéreo internacional. (...) Assim, devem prevalecer, mesmo nas relações de consumo, as disposições previstas nos acordos internacionais a que se refere o art. 178 da Constituição Federal, haja vista tratar-se de 'lex specialis'. Dito isto, fixou o voto do Relator que as disposições previstas nos acordos internacionais aqui referidos aplicamse exclusivamente ao transporte aéreo internacional de pessoas, bagagens ou carga, e que a limitação imposta pelos acordos internacionais alcança tão somente a indenização por dano material, e não a reparação por dano moral. Neste contexto, verifica-se que o caso sob exame se enquadra exatamente no âmbito do referido julgado: trata-se de demanda em que se busca a reparação material por dano decorrente de extravio de bagagem em contrato de transporte internacional (trecho Mendoza / Argentina, com conexão em Santigado / Chile). A companhia aérea recorrente devolve a este Tribunal, em suma, a questão da prescrição e da indenização. No que tange o tema da prescrição, ficou fixado pelo STF no julgado acima referido que é de dois anos o prazo prescricional para os casos de extravio de bagagem em contratos de transporte aéreo internacional, consoante o art. 35 da Convenção de 1 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. Apelação nº Voto nº

5 Montreal 2 : Artigo 35 Prazo Para as Ações 1. O direito à indenização se extinguirá se a ação não for iniciada dentro do prazo de dois anos, contados a partir da data de chegada ao destino, ou do dia em que a aeronave deveria haver chegado, ou do da interrupção do transporte. 2. A forma de computar esse prazo será determinada pela lei nacional do tribunal que conhecer da questão. Desta feita, e em respeito à valorização dos julgados, em especial, dos Tribunais Superiores, aplica-se ao caso sob análise a tese firmada no ARE /SP. Neste sentido, vê-se que a data de chegada do voo foi dia , ao passo que a ação foi distribuída em , ou seja, dentro do prazo fixado pelas normas internacionais. Ainda que se alegue tratar-se no caso presente de ação regressiva, melhor sorte não assistiria à recorrente. Isto porque a recorrida, na qualidade de seguradora, indenizou o passageiro pelo extravio de bagagem e, assim, ostenta as mesmas prerrogativas para postular o ressarcimento pelo prejuízo que possui o passageiro, motivo pelo qual deve ser observado o mesmo prazo prescricional acima fixado. Sobre o tema, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE AÉREO DE MERCADORIA. EXTRAVIO. LEGITIMIDADE ATIVA DA SEGURADORA. SUB-ROGAÇÃO. PRAZO PRESCRICIONAL. INDENIZAÇÃO AMPLA. 1. A seguradora, ao ressarcir a sua segurada pelos prejuízos decorrentes de extravio de mercadoria, subroga-se nos direitos dessa, podendo ajuizar 2 Referido artigo repete o que consta do art. 29 da Convenção de Varsóvia. Apelação nº Voto nº

6 ação contra a empresa responsável pelo transporte aéreo. Precedentes. 2. A subrogação não restringe os direitos sub-rogados (art. 988 do CC/1916), de modo que o prazo prescricional a ser aplicado deve ser o mesmo previsto para a segurada. (AgRg no REsp /RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 19/08/2010, DJe 28/09/2010, destacamos) Assim, considerando-se que a indenização de origem foi paga ao segurado, fica a seguradora sub-rogada também no prazo prescricional de dois anos do Código de Montreal. Fica, portanto, rejeitada a alegação de prescrição. No que toca à reparação em si, a apelante alega falta de declaração do valor dos bens extraviados e da respectiva prova. Sustentou excludente de responsabilidade civil objetiva, pois imprevisível e inevitável o extravio da bagagem. Pugnou pela aplicação do Código Brasileiro de Aeronáutica e da Convenção de Montreal para limitar o valor da indenização. Com a celebração do contrato de transporte, a apelante assumiu a responsabilidade de levar o beneficiário da apelada e seus pertencentes ao destino final de forma incólume. No entanto, a mala do beneficiário foi extraviada, e a apelante não comprovou nos autos qualquer causa que afastasse sua responsabilidade, razão pela qual deve responder pelo ressarcimento do valor pago pela seguradora ao beneficiário. Remanesce a questão a respeito do valor da ser ressarcido. O tema foi recentemente decidido pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, que, como já acima transcrito, fixou o entendimento de que aplicam-se as normas internacionais em detrimento do CDC. No caso, é aplicável o art. 22, item 2, da Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional (Convenção de Montreal), promulgada pelo Decreto nº , de 27 de setembro de 2006, que reza: Apelação nº Voto nº

7 2. No transporte de bagagem, a responsabilidade do transportador em caso de destruição, perda, avaria ou atraso se limita a Direitos Especiais de Saque por passageiro, a menos que o passageiro haja feito ao transportador, ao entregar-lhe a bagagem registrada, uma declaração especial de valor da entrega desta no lugar de destino, e tenha pago uma quantia suplementar, se for cabível. Neste caso, o transportador estará obrigado a pagar uma soma que não excederá o valor declarado, a menos que prove que este valor é superior ao valor real da entrega no lugar de destino. Da leitura do dispositivo, é possível verificar que a limitação da indenização tem lugar quando inexiste declaração prévia de conteúdo e valor, de modo que é suficiente para afastar a alegação recursal. Importante aqui constar que extravio de bagagem não é evento imprevisível e inevitável, como alega a recorrente, mas fruto de conduta desidiosa, sendo cabível o ressarcimento àquele que se sub-rogou nos direitos do lesado, e a norma internacional não exige prova de culpa, bem como não traz, para a hipótese, excludente de responsabilidade. Rechaça-se, assim, a tese da apelante. Não tendo havido, in casu, declaração prévia do conteúdo e/ou valor da bagagem, nem prova de que o valor da bagagem é superior, é o caso de limitar a indenização ao teto de Direitos Especiais de Saque, consoante a norma internacional acima descrita, por aplicação do quanto decidido no RE /RJ. Dos autos consta que restou apurado um prejuízo indenizável no importe de R$ 1.508,75 (mil, quinhentos e oito reais e setenta e cinco centavos), relacionando os pertences extraviados pela companhia aérea, ora apelante, conforme documento à fl. 151, e cabíveis de ressarcimento nos termos da apólice de fls. 69 e seguintes. Apelação nº Voto nº

8 Não sendo este valor superior aos Direitos Especiais de Saque 4, fica mantida neste ponto a decisão apelada. Ademais, destaque-se que o conjunto probatório existente milita em favor da verossimilhança das informações constante no formulário de reclamação efetuada pelo passageiro, no qual consta a lista dos pertences contidos na mala e o valor reclamado. Não havendo qualquer elemento que sinalize a incorreção dos valores reclamados, é devido pela apelante o ressarcimento do valor da indenização paga pela apelada ao passageiro. Por fim, ficam expressamente afastadas as demais alegações do apelante em especial, as teses de aplicação do Código Brasileiro de Aeronáutica, do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil, por aplicação da orientação do Egrégio Supremo Tribunal Federal, consignada no RE /RJ e no ARE /SP. Embora seja acolhido o pedido de aplicação da Convenção de Montreal, este argumento não afasta o que foi decidido na r. decisão apelada, de modo que é de rigor a manutenção da r. sentença. provimento ao recurso. Pelo o exposto, pelo meu voto, é negado Por força do art. 85, 11, NCPC, ficam majorados os honorários sucumbenciais para 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação. SILVEIRA PAULILO Relator 4 Conforme cotação do dia disponível no website dos Correios: < Apelação nº Voto nº