Da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos Agentes Políticos
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1 Cláudio Smirne Diniz * Mauro Sérgio Rocha ** Da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos Agentes Políticos A Reclamação DF 1, ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal, com o fim de anular sentença condenatória, proferida em processo decorrente de ação de improbidade administrativa, proposta em face do então Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, por maioria, foi julgada procedente para assentar a competência do STF para julgar o feito e declarar extinto o processo em curso no juízo reclamado. Entendeu-se que os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não respondem por improbidade administrativa com base na Lei 8.429/92, mas apenas por crime de responsabilidade. Recentemente, porém, a indicar uma mudança de orientação, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se pela aplicação da Lei de Improbidade Administrativa a ex-governador do Estado, considerando que, a prevalecer entendimento em sentido contrário, encontrar-se-ia a autoridade imune ao controle, em afronta aos princípios republicanos, pois não mais incide a Lei 1.079/50, já que extinto o mandato. O acórdão foi assim ementado: MEDIDA CAUTELAR INOMINADA INCIDENTAL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AGENTE POLÍTICO COMPORTAMENTO ALEGADAMENTE OCORRIDO NO EXERCÍCIO DE MANDATO DE * Promotor de Justiça. Doutor em Direito pela PUC-PR. Professor de Direito Administrativo. ** Promotor de Justiça. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Professor de Direito Processual Civil. 1 Reclamação nº DF. Reclamante: União Federal. Reclamados: Juiz Federal Substituto da 14ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal e Relator da AC nº do TRF da 1ª Região. Interessado: Ministério Público Federal. Relator: Ministro Nelson Jobim. J
2 GOVERNADOR DE ESTADO POSSIBILIDADE DE DUPLA SUJEIÇÃO TANTO AO REGIME DE RESPONSABILIZAÇÃO POLÍTICA, MEDIANTE IMPEACHMENT (LEI Nº 1.079/50), DESDE QUE AINDA TITULAR DE REFERIDO MANDATO ELETIVO, QUANTO À DISCIPLINA NORMATIVA DA RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI Nº 8.429/92) EXTINÇÃO SUBSEQUENTE DO MANDATO DE GOVERNADOR DE ESTADO EXCLUSÃO DO REGIME FUNDADO NA LEI Nº 1.079/50 (ART. 76, PARÁGRAFO ÚNICO) PLEITO QUE OBJETIVA EXTINGUIR PROCESSO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, EM RAZÃO DE, À ÉPOCA DOS FATOS, A AUTORA OSTENTAR A QUALIDADE DE CHEFE DO PODER EXECUTIVO LEGITIMIDADE, CONTUDO, DE APLICAÇÃO, A EX-GOVERNADOR DE ESTADO, DO REGIME JURÍDICO FUNDADO NA LEI Nº 8.429/92 DOUTRINA PRECEDENTES REGIME DE PLENA RESPONSABILIDADE DOS AGENTES ESTATAIS, INCLUSIVE DOS AGENTES POLÍTICOS, COMO EXPRESSÃO NECESSÁRIA DO PRIMADO DA IDEIA REPUBLICANA O RESPEITO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA COMO PRESSUPOSTO LEGITIMADOR DOS ATOS GOVERNAMENTAIS PRETENSÃO QUE, SE ACOLHIDA, TRANSGREDIRIA O DOGMA REPUBLICANO DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO À AÇÃO CAUTELAR INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE AGRAVO PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA POR SEU IMPROVIMENTO RECURSO DE AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (STF. Ag. Reg. na Ação Cautelar RS. 2ª Turma. Rel. Min. Celso de Mello. J Votação unânime.) Embora tenha sido apreciado caso específico de ex-governador, o eminente Relator fez alusão a julgamento monocrático do Min. Joaquim Barbosa, em que foi reconhecida a dupla normatividade em matéria de improbidade, tanto aquela fundada na Lei 8.429/1992, quanto aquela prevista na Lei 1.079/50: (...) repisa-se, nestes autos, a mesma tese sustentada na Reclamação Ou seja, a de que as condutas descritas na lei de improbidade administrativa, quando imputadas a autoridades detentoras de prerrogativa foro, se converteriam em crimes de responsabilidade. A tese é para mim inaceitável. Eu entendo que há, no Brasil, uma dupla normatividade em matéria de improbidade, com objetivos distintos: em primeiro lugar, existe aquela específica da lei 8.429/1992, de tipificação cerrada mas de incidência sobre um vasto rol de possíveis acusados, incluindo até mesmo pessoas que não tenham qualquer vínculo funcional com a Administração Pública (lei 408
3 8.429/1992, art. 3º); e uma outra normatividade relacionada à exigência de probidade que a Constituição faz em relação aos agentes políticos, especialmente ao chefe do Poder Executivo e aos ministros de Estado, ao estabelecer no art. 85, inciso V, que constituem crime de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a probidade da administração. No plano infraconstitucional, essa segunda normatividade se completa com o art. 9º da lei 1.079/1950. Trata-se de disciplinas normativas diversas, as quais, embora visando, ambas, à preservação do mesmo valor ou princípio constitucional, isto é, a moralidade na Administração Pública têm, porém, objetivos constitucionais diversos.... Insisto ( ). Não há impedimento à coexistência entre esses dois sistemas de responsabilização dos agentes do Estado. (Pet QO/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA grifei) Reporta-se, ainda, o Relator, à significativa doutrina que põem em perspectiva o fato de agentes políticos acharem-se, também eles, passivamente legitimados ad causam para efeito de ajuizamento da pertinente ação civil de improbidade administrativa, pois essa particular condição político-jurídica por eles ostentada não os exonera do dever de probidade nem os exclui da esfera de plena incidência normativa da Lei de Improbidade Administrativa [...]. Verifica-se, portanto, que o acórdão, proferido à unanimidade pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, filia-se à tese segundo a qual os agentes políticos, espécie do gênero agentes públicos, assim destacados por exercerem funções governamentais, judiciais e quase-judiciais, elaborando normas legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência 2, submetem-se à Lei de Improbidade Administrativa. Isto porque, a Lei 8.429/92 é aplicável indistintamente a todas às espécies de agentes públicos, inclusive os políticos, conforme dicção de seu art. 2º, que define agente público como todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, 2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2002, p
4 contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade do Poder Público. Por evidente, o conceito abrange a categoria de que se está a tratar. Por outro lado, no ordenamento jurídico nacional ocorre a rigorosa independência entre as instâncias e exemplo disso está no próprio 4º do art. 37 da Constituição Federal, que enuncia as sanções próprias do ato de improbidade administrativa, sem prejuízo da ação penal cabível. No mesmo sentido, o parágrafo único do art. 52 determina que a condenação pela prática de crime de responsabilidade se dará sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis. Considera-se, ainda, que os atos de improbidade administrativa não se confundem com os crimes de responsabilidade, mas, ao contrário, é presente nítida distinção entre a responsabilidade política e a judicial. Muito embora a primeira também obedeça a balizamentos constantes nas normas jurídicas, como a previsão legal das hipóteses de conduta, das sanções e do procedimento, a natureza da apreciação é eminentemente política e se caracteriza pela abertura das tipificações e pela competência legislativa para o processo. Logo, ainda que o mesmo fato venha a ser objeto de apuração da responsabilidade, tanto política, quanto judicial, os enfoques de análise diferenciam-se. É a posição de Pedro Roberto Decomain: Desta sorte, mesmo quando se trate de ato de improbidade administrativa praticado por agente político em face do qual se preveja possibilidade do cometimento de crime de responsabilidade, ainda assim a sua responsabilização jurisdicional pela improbidade não fica afastada. Como dito, as duas modalidades e procedimentos de responsabilização, em diferentes órbitas de competência (judicial, pela improbidade; legislativa, na órbita política, quando se trate do Chefe do Executivo) não se excluem, podendo ocorrer ou ambas concomitantemente, ou cada uma de per si, sem que uma interfira com a outra 3. 3 DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade Administrativa e Agentes Políticos. In: FARIAS, Cristiano Chaves de; OLIVEIRA, Alexandre Albagli; GHIGNONE, Luciano Taques (Orgs.). Estudos sobre Improbidade Administrativa em homenagem ao Professor J. J. Calmon de Passos. Bahia: Jus Podium, 2012, p
5 Conclui-se, assim, que não há conflito normativo entre a Lei 8.429/92 e a Lei 1.079/50. Ambas as leis são específicas em seu âmbito de atuação e, por isso mesmo, não conflitam entre si. Enquanto a Lei 1.079/50 aplica-se aos crimes de responsabilidade das autoridades a que expressamente se refere 4, a Lei 8.429/92 volta-se aos atos de improbidade administrativa, cometidos por quem quer que seja, inclusive particulares, desde que o agente público esteja também envolvido (STJ. REsp PA. Rel. Min. Sérgio Kukina. J ), conforme previsão do art. 3º da Lei 8.429/92 5. Portanto, não é o sujeito ativo do ilícito que distingue os diplomas legislativos em análise, mas a natureza, política ou civil, da infração. 4 Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador-Geral da República, Governadores, Secretários dos Estados. 5 Art. 3º: As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. 411
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